Algo em comum



“Oh, Morgana, o que aconteceu?” Gina perguntou numa voz macia a sua prima. Ela estava preocupada; não conseguia nem se lembrar da última vez em que a vira chorar. Na verdade, tão alegre e extrovertida como Morgana sempre fora, Gina em tinha bem certeza se ela sabia chorar. O que quer que tivesse levado a moça às lágrimas deveria ser algo muito sério.

Gina pediu que Fred se retirasse um pouco e, uma vez que ele já tinha saído do quarto, ela repetiu a pergunta para a prima.

“Nada aconteceu,” ela respondeu, fechando o álbum devagar e pondo-o de lado. Ela parecia estar constrangida por ser pega chorando e então limpou o rosto como se não se importasse.

No sofá do andar de baixo, Jorge tirou a cabeça desconfiado de debaixo da almofada. Estava estranhamente calmo lá em cima; ele não sabia o que pensar. Foi pé ante pé até a escada e subiu para ouvir por detrás da porta. Tomou um susto ao encontrar Fred fazendo a mesma coisa.

“Aconteceu, sim,” disse Gina atravessando o quarto para se juntar a Morgana no chão. Não estava certa de como lidar com ela naquele estado. Aquilo era uma completa reversão de papéis; desde pequenas, era Gina que sempre chorava. Morgana deveria ser a forte.

“Estou bem,” ela insistiu.
“Muito bem,”Gina disse olhando em volta, “mas se tiver algo que a esteja chateando, sabe que pode falar comigo, não sabe?”

Morgana não a encarou e apenas concordou com a cabeça. Gina começou a se levantar para deixar a prima em paz quando muito de repente ela se debulhou em lágrimas. A ruiva rapidamente se sentou e a envolveu protetoramente com os braços enquanto ela chorava baixinho.

“Quer me dizer o que há de errado?” ela perguntou gentilmente.
Morgana soluçou alguma resposta e pegou de volta o álbum de fotografias. Ela abriu-o e folheou algumas páginas.

“Ele,” ela disse tristemente apontando para uma foto dela com algum cara que Gina não conhecia. Na verdade, Gina mal reconhecia a própria Morgana. Ambas sempre tiveram uma amizade enorme entre si, mas o eventual afastamento das duas depois da mudança de Morgana para a Austrália há alguns anos antes as fez perder grande parte das vidas uma da outra. Gina se arrependia disso; Morgana era uma ótima amiga. Louca, talvez; mas sempre a animara, desde pequena. Talvez agora que ela estava de volta elas recuperassem o tempo perdido. A fotografia que ela mostrava fora tirada num bonito dia ensolarado num barco. Morgana estava sentada sorridente no colo do rapaz com seus braços em volta do seu pescoço e ele estava olhando para ela com um grande sorriso no rosto. Gina não pôde deixar de reparar como a prima estava feliz.

“É o seu namorado?” ela perguntou cuidadosamente.
“Era,” Morgana fungou e uma lágrima caiu na página.
“Foi por isso que você voltou para casa?” ela limpou o rosto da moça.
Morgana acenou com a cabeça.
“Quer me contar o que aconteceu?”
“Nós brigamos.”
“Ele...” Gina escolheu as palavras com cuidado. “Ele não te machucou ou nada do tipo, não foi?”
Morgana balançou a cabeça. “Não, foi sobre algo realmente estúpido e então eu disse que estava indo embora e ele disse que estava feliz que eu fosse...” E ela começou a soluçar novamente.

Gina a abraçou mais forte e esperou que ela falasse de novo.
“Ele nem foi para a estação se despedir de mim.”
A ruiva passou a mão nas costas de Morgana reconfortantemente como se ela fosse um bebê que acabara de beber uma mamadeira. “Ele já te ligou desde então?”
“Não, e já estou aqui há três meses, Gina,” ela gemeu. Ela olhava para a prima com olhos tão tristes que Gina quase sentiu vontade de chorar também. Ela já não estava gostando desse rapaz por a estar machucando. Ela sorriu encorajadora. “Então não acha que ele possa não ser o tipo de pessoa certo para você?”

Morgana começou a chorar de novo. “Mas amo o Matthew, Gina, e foi só uma briga idiota. Só comprei a passagem porque estava com raiva, não pensei que ele me deixaria vir...” Ela olhou demoradamente para a foto.
As janelas do quarto de hóspedes onde Morgana dormira tantas vezes há tantos anos atrás estavam abertas; Gina podia ouvir o som familiar das ondas batendo e as risadas vindas da praia. Quantas vezes elas não haviam dormido juntas naquele mesmo quarto enquanto cresciam... Um sentimento reconfortante a acometeu quando ela sentiu os cheiros e ouviu os barulhos tão conhecidos dali.

Morgana começou a se acalmar ao seu lado. “Desculpe, Gin.”
“Ei, você não precisa se desculpar por nada,” ela disse, apertando a mão dela. “Deveria ter me contado tudo isso quando voltou para cá ao invés de ter guardado tudo aí dentro.”
“Mas isso não é nada comparado ao que aconteceu com você. Me sinto idiota de estar até chorando por isso.” Ela afastou as lágrimas chateada consigo mesma.

Gina estava chocada. “Morgana, isso é importante. Perder alguém a quem se ama é sempre difícil, não importa se estão vivos ou...” Ela não conseguiu terminar a frase. “Claro que pode me contar qualquer coisa.”

“É só que você tem sido tão corajosa, Gina, não sei como você consegue. E aqui estou eu chorando por um namorado idiota com quem só fiquei por alguns meses.”
“Eu? Corajosa?” Gina riu. “Queria eu.”
“Você é, sim,” Morgana insistiu. “Todos vivem dizendo isso. Você tem sido tão forte durante essa coisa toda. Se eu fosse você, estaria numa sarjeta em algum lugar.”
“Não vá me dando idéias, Morgana.” Gina sorriu para ela, se perguntando quem poderia tê-la chamado de corajosa.
“Mas você está OK, não está?” Morgana disse preocupada, estudando a expressão da ruiva.

Gina olhou para as próprias mãos e começou a brincar com sua aliança. Pensou sobre a pergunta e sobre a falta que Draco fazia na sua vida por um tempo e as duas se perderam em seus próprios pensamentos. Morgana, repentinamente mais calma que Gina jamais a tivera visto, permaneceu sentada ao seu lado esperando a resposta.

“Se eu estou OK?” Gina repetiu a pergunta para si mesma. Olhou para a parede à sua frente e viu a coleção de ursinhos de pelúcia que seus pais haviam guardado ali. “Estou muitas coisas, Morgana.” Ela explicou continuando a rolar o anel pelo dedo. “Estou solitária, estou cansada, estou triste, estou feliz, estou com sorte, estou sem sorte; estou um milhão de coisas diferentes cada dia da semana. Mas acho que OK é uma delas.”

Ela olhou para a prima e sorriu tristemente.

“E você está forte,” Morgana assegurou. “E calma, e sob controle. E em ordem.”
Gina balançou a cabeça devagar. “Não, Morgana, não estou forte ou corajosa. Você é a corajosa. Sempre foi. Quanto a estar sob controle, nem mesmo sei bem o que estou fazendo de um dia para o outro.”

A testa de Morgana enrugou e ela balançou a cabeça energicamente. “Estou bem longe de ser corajosa, Gina.”
“É, sim,” a outra insistiu. “Já ouvi falar de tudo o que você faz; saltar de aviões, subir montanhas perigosas...”
“Oh, não, minha prima querida. Isso não é coragem, é besteira. Qualquer um pode saltar de pára-quedas. Você pode fazê-lo.” Ela a cutucou.

Os olhos de Gina se arregalaram, aterrorizados com o pensamento.
A voz da prima ficou mais macia. “Ah, você o faria se precisasse, Gina. Acredite, não há nada de corajoso nisso.”

Gina olhou para ela e igualou o tom de voz. “Sim, e se o seu marido morresse, você iria enfrentar isso se precisasse. Não há nada de corajoso nisso. Não há escolha envolvida.”

Ambas se olharam por um minuto ouvindo os sons lá fora. Nesse momento, a porta se abriu mostrando Fred e Jorge.

“Havia alguma coisa sobre a qual você queria gritar comigo mais cedo, Gininha?”
Gina teve que rir do irmão por tentar tirar vantagem do momento.
“Não, pode esquecer, não era nada,” Gina respondeu, olhando para o céu azul da janela. Da porta, Jorge sorriu marotamente e foi abraçá-las. Fred só conseguia pensar que, quem quer que fosse o tal Matthew, ele ficava devendo uma.

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