Um novo irmão



Eram oito da noite quando Gina finalmente foi embora e o céu ainda estava claro. Ela sorriu; o mundo nunca parecia tão depressivo quando estava tudo claro. Ela havia passado o dia com Morgana e os gêmeos conversando sobre as aventuras dela na Austrália. Morgana havia mudado de idéia ao menos vinte vezes num espaço de tempo de poucas horas sobre ligar ou não para Matthew. Quando Gina estava indo embora, ela estava decidida a nunca mais falar com ele novamente, o que provavelmente queria dizer que ela já deveria ter ligado para ele àquela hora.

Gina andou até a porta da frente e olhou curiosamente para o jardim. Era a sua imaginação ou ele parecia mais arrumadinho? Ainda estava uma completa bagunça com ervas daninhas e grama alta por todo lado, mas alguma coisa estava diferente.

O som de um cortador de grama cortou o ar e Gina se virou para ver seu vizinho, que estava trabalhando no jardim em frente. Ela acenou em um sinal de agradecimento, presumindo que ele a havia ajudado, e ele devolveu o gesto em resposta.

Sempre fora o trabalho de Draco cuidar do jardim. Ele não era necessariamente um bom jardineiro, era só que Gina era uma jardineira incrivelmente péssima, então alguém tinha que fazer o trabalhinho sujo. Havia sido um acordo entre eles. Como resultado, o jardim era simples; só uma área de grama com pequenos canteiros e aglomerados de flores. Como Draco sabia muito pouco de jardinagem, ele constantemente plantava flores nas estações erradas ou as botava no lugar errado; elas simplesmente acabavam morrendo. Mas mesmo a graminha e os canteirinhos simples deles agora eram nada mais que uma pequena floresta. Quando Draco morrera, o jardim morrera junto com ele.

Aquele pensamento lembrou Gina da orquídea em sua casa. Ela correu para dentro, encheu um copo de água e derramou-a sobre a planta que parecia extremamente sedenta. Não parecia nem um pouco saudável e Gina prometeu a si mesma que não a deixaria morrer sob seus cuidados. Ela jogou um jantar congelado no microondas e se pôs a esperar sentada à mesa da cozinha. Lá fora, na rua, ela ainda podia ouvir as crianças brincando. Ela sempre amava quando as noites claras vinham... Gina relembrou o dia e decidiu que havia sido bom, exceto por um incidente...

Ela abaixou os olhos para ver seu dedo anelar e se sentiu culpada. Quando aquele homem lhe dera as costas, Gina havia se sentido tão mal. Ele a havia olhado como se ela estivesse prestes a iniciar um caso quando aquilo era a última coisa que ela faria. Ela se sentia culpada por apenas considerar o convite dele de tomar um café.

Se Gina tivesse deixado o marido porque não conseguia mais suportá-lo, ela poderia entender poder eventualmente se sentir atraída por outra pessoa. Mas seu marido havia morrido quando eles ainda estavam muito apaixonados e ela não podia simplesmente se desapaixonar de repente só porque ele não estava mais por perto. Ela ainda se sentia casada e sair para tomar café iria ter sido como se ela estivesse traindo seu marido. Só o pensamento a dava nojo. Seu coração, alma e mente ainda pertenciam a Draco.

Gina continuou a brincar com a aliança no dedo. A que ponto ela deveria tirar a aliança? Draco se fora havia quase cinco meses agora, então quando seria a hora certa para retirar o anel e dizer a si mesma que não era mais casada? Onde estava o manual de viúvas que explicava quando exatamente a aliança deveria ser tirada? E quando ela finalmente a tirasse, aonde ela a colocaria, aonde ela deveria colocá-la? Na lixeira? Na cabeceira, para que pudesse se lembrar dele todos os dias? Ela se maltratava com pergunta após pergunta. Não, ela ainda não estava pronta para abrir mão do seu Draco ainda; até onde ela sabia, ele ainda estava vivo.

O microondas apitou quando o jantar ficou pronto. Ela pegou o prato e jogou tudo no lixo. Havia perdido o apetite.

Mais tarde naquela noite Luna ligou agitada. “ Sintoniza na London FM, rápido!” Gina correu para o rádio e acionou o botão. “ Sou Tom O’Connor e você está ouvindo a London FM. Para você que acabou de ligar o rádio, estamos falando de seguranças. Em vista da grande quantidade de argumentos necessários pelas meninas de ‘Garotas na Cidade’ para entrar na boate Boudoir, queremos saber o que você pensa sobre seguranças. Vcocê gosta deles? Não gosta? Você concorda ou compreende por que eles são como são? Ou eles são muito inflexíveis? O número para ligar é...”
Gina pegou de volta o telefone esquecendo-se de que Luna ainda estava na linha.

“E então?” Luna disse, dando risadinhas.
“O que diabos nós começamos, Luna?”
“Oh, eu sei,” ela riu de novo. Era óbvio que ela estava amando cada minuto daquilo. “Viu os jornais hoje?”
“Vi, é tudo um pouco bobo. Concordo que foi um bom documentário, mas o que estavam escrevendo era simplesmente idiota,” Gina respondeu.
“Oh, eu adoro! E adoro ainda mais porque eu estou neles!” ela riu.
“Aposto que sim,” Gina disse.

Ambas ficaram em silêncio enquanto ouviam o rádio. Um cara estava praticamente declarando guerra aos seguranças e Tom estava tentando acalmá-lo.

“Oh, escute só o meu bebê,” Luna disse. “Ele não soa sexy?”
“Em... é,” Gina enrugou a testa. Ela estava conhecendo uma nova Luna. “Presumo que vocês ainda estejam juntos?”
“Claro.” Luna parecia isultada com a pergunta. “Por que não estaríamos?”
“Bem, já faz um tempinho agora, Luna, só isso.” Gina rapidamente tentou explicar para não ferir os sentimentos da amiga. “E você sempre disse que não conseguia ficar com um homem por mais de uma semana! Sempre fala de como odeia ficar amarrada a uma pessoa.”
“Sim... Bem, disse que não conseguia ficar com um homem por um período maior que uma semana, mas nunca disse que não ficaria. Tom é diferente, Gina.”

Gina estava mais que surpresa de ouvir aquilo de Luna, a garota que queria ficar solteira para o resto da vida. “E o que há de tão diferente com o Tom?” Gina descansou o telefone entre a orelha e o ombro e se sentou para analisar suas unhas.

“Ah, há uma conexão entre nós. É como se ele fosse minha alma gêmea. Entende todas as minhas piores esquisitices. E ele se importa tanto, sempre me surpreende com presentinhos, me leva para jantar e me mima tanto. Ele me faz rir o tempo todo e eu simplesmente amo estar com ele. Não me cansei dele como dos outros caras. E ele é bonito.”

Gina escutava com apenas metade de sua atenção; a outra parte de seus pensamentos estava viajando pelas suas lembranças com Draco que seguiam tudo o que Luna contava. Lembrava-se de como podiam completar as frases um do outro, como ele conhecia tudo sobre ela, como era carinhoso... Pondo aqueles pensamentos de lado, ela apenas falou do fundo do coração, cheia de saudades, “Fico muito feliz por você”.

As duas então começaram a ouvir o segurança que agora se defendia no rádio.

“Bem, em primeiro lugar queria lhes dizer que nas últimas semanas recebemos não sei quantas princesas e damas fazendo fila na nossa porta. Desde que aquele maldito programa foi ao ar as pessoas parecem achar que vamos deixá-las entrar se forem da realeza! E só quero dizer, garotas, que não vai funcionar de novo, então não se incomodem!”
Tom ficou rindo e tentando se conter. Gina desligou o rádio.
“Luna,” ela disse seriamente, “o mundo enlouqueceu.”



No dia seguinte, Gina se arrastou da cama para fazer uma caminhada no parque. Ela precisava começar a se excercitar antes que virasse uma grande ameba; precisava também começar a pensar em procurar emprego. Aonde ia, tentava se imaginar trabalhando naquele ambiente. Ela havia cortado definitivamente lojas (a possibilidade de ter uma chefe como Luna a havia convencido a sair daquela), restaurantes, hotéis e pubs o que deixava... nada. Gina decidiu que queria ser igual à mulher que vira num filme na noite anterior; queria trabalhar no FBI para correr por aí resolvendo crimes e interrogando pessoas para eventualmente se apaixonar por seu parceiro de trabalho, a quem ela odiava quando se chonheceram. No entanto, tendo em vista que ela não morava na América e nem tampouco tinha algum treinamento policial, as chances daquilo acontecer não eram muitas. Talvez houvesse uma trupe de circo em algum lugar à qual ela pudesse se juntar...

Ela se sentou num banco do parque em frente aos brinquedos e ouviu os gritos de alegria das crianças. Ela queria poder ir lá e brincar no escorregador e nos balanços ao invés de ficar sentada olhando. Por que as pessoas tinham que crescer? Gina percebeu que estivera sonhando em voltar à sua infância todo o fim de semana.

Ela queria ser irresponsável, queria que cuidassem dela, que lhe dissessem que ela não precisava se preocupar com nada e que outra pessoa tomaria conta de tudo. Como a vida seria fácil sem ter problemas de gente grande para se preocupar. E então ela podia crescer mais uma vez e encontrar Draco de novo e forçá-lo a ir ao médico meses antes... então ela estaria sentada ali naquele banco com Draco, vendo seus filhos brincar. E se, e se, e se...

Ela pensou no comentário infeliz de Percy sobre nunca ter que se importar com toda aquela besteira de criança. Ela ficava com raiva só de pensar. Queria tanto poder estar se preocupando com as besteiras de criança agora. Queria poder ter um Draquinho correndo pelo parquinho enquanto ela gritava para ele ter cuidado e fazer outras coisas de mãe como limpar o rostinho sujo dele e fazer curativos.

Draco e Gina tinham acabado de começar a pensar em ter filhos alguns meses antes de ele ser diagnosticado. Haviam estado tão entusiasmados com aquilo e ficavam na cama por horas tentando decidir nomes e imaginando como seria serem pais. Gina sorriu ao pensamento de Draco sendo pai; ele teria sido excelente. Ela podia imaginá-lo sendo incrivelmente paciente enquanto ajudava-os com o dever de casa na mesa da cozinha. Podia imaginá-lo sendo superprotetor se sua filha trouxesse um namorado para casa. Imagine se, imagine se, imagine se... Gina precisava parar de viver sua vida na sua prórpia cabeça, lembrando velhas memórias e sonhando sonhos impossíveis. Isso nunca a levaria a lugar nenhum.

Bem, pensando no diabo, Gina pensou ao ver Percy deixar o parquinho com Emília e Timóteo. Ela parecia tão relaxado, ela pensou olhando-o surpresa enquanto ele corria atrás das crianças no parque. Pareciam estar se divertindo, uma cena não muito comum. Ela se sentou ereta no banco e se preparou para a conversa.

“Olá, Gina!” Percy disse alegremente ao vê-la e andou sobre a grama até ela.
“Oi!” Gina disse cumprimentando as crianças enquanto elas corriam para abraçá-la. Ela relaxou um pouco com aquilo. “Você está longe de casa,” ela disse para Percy. “O que te traz até aqui?”
“Trouxe as crianças para ver a vovó e o vovô, não trouxe?” ele disse bagunçando o cabelo de Timóteo.
E nós comemos McDonald’s,” Timóteo disse animado e Emília deu vivas.
“Oh, que delícia!” Gina disse, lambendo os lábios. “Seus sortudos. O pai de vocês não é o melhor?” ela disse, rindo. Percy parecia satisfeito.
“Fast-food?” Gina questionou o irmão.
“Ah.” Ele fez um gesto de descaso balançando a mão no ar e sentou-se ao lado dela. “Tudo com moderação, não é, Emília?”

A menininha de cinco anos acenou com a cabeça como se tivesse entendido o pai. Seus grandes olhos verdes eram inocentes e brilhantes e o movimento com a cabeça estava mandando seus cachos vermelhos para todo lado. Ela parecia muito com a mãe e Gina teve de olhar em outra direção. Então ela se sentiu culpada e lhe deu um sorriso... e teve de olhar em outra direção de novo. Algo naqueles olhos e naqueles cabelos a amedrontava.

“Bem, um lanche no McDonald’s não vai matá-los,” Gina concordou com o irmão.

Timóteo levou as mãos à garganta e fingiu estar sufocando. Seu pequeno rosto ficou vermelho enquanto ele fazia sons como se estivesse engasgando e caia no chão muito parado. Percy e Gina riram. Emília parecia estar prestes a chorar.
“Oh, Deus,” Percy brincou. “Parece que estávamos errados, Gina, o McDonald’s matou mesmo o Timmy.”

Gina olhou para o irmão em choque por chamar o filho de Timmy, mas decidiu não falar nada, fora obviamente apenas um tropeço. Percy se levantou e jogou Timmy sobre o ombro. “Bem, melhor irmos enterrá-lo agora e fazer um funeral.” Timmy deu risadinhas pendurado de cabeça para baixo no ombro do pai.
“Oh, ele está vivo!” Percy riu.
“Não estou, não,” riu Timmy.

Gina olhou com divertimento a cena familiar à sua frente. Havia um tempo desde que presenciara algo assim. Nenhum de seus amigos tinha filhos e ela raramente ficava perto de crianças. Havia obviamente algo seriamente errado com ela se ela estava adorando os filhos de Percy.

“OK, melhor irmos indo,” riu Percy. “Tchau, Gina.”
“Tchau, Gina,” as crianças gritaram e Gina olhou Percy andar com Timmy jogado sobre seu ombro direito enquanto a pequena Emília pulava e dançava ao seu lado segurando a mão do pai.

Ela ficou olhando feliz para o estranho que saía com duas crianças. Quem era esse homem que dizia ser seu irmão? Gina certamente nunca havia conhecido aquele homem antes.

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