Memórias



“Draco, desliga a luz!” Gina ria enquanto observava o marido diante dela. Ele dançava pelo quarto fazendo um strip-tease, desabotoando vagarosamente a camisa branca de algodão com seus longos dedos. Ele levantou a sobrancelha esquerda para Gina em tom de provocação, permitiu que a blusa escorregasse de seus ombros, pegou-a com a mão direita e balançou-a sobre a cabeça.

Gina riu novamente.

“Desligar a luz? O quê, e perder tudo isso aqui?” ele sorriu brincalhão enquanto forçava os músculos. Ele não era vaidoso, mas tinha todos os motivos do mundo para ser, pensou Gina. Seu corpo era forte e perfeitamente torneado. As longas pernas eram musculosas por causa das horas e horas que ele passava malhando na academia. Ele não era extremamente alto, mas era alto o suficiente para fazer Gina se sentir segura quanto ele se prostrava protetor ao lado de seu corpinho pequeno. Mais que tudo, ela amava o fato de que, quando ela o abraçava, sua cabeça sempre descansava bem abaixo do queixo dele, onde ela podia sentir sua respiração levemente mexendo seus cabelos e o encaixe perfeito dos dois.

O coração de Gina disparou um pouco quando ele abaixou a cueca, aparou-a na ponta dos pés e chutou-as para Gina, onde elas pousaram na sua cabeça.

“Bem, pelo menos está mais escuro aqui em baixo, né?” Ela riu. Ele sempre conseguia fazê-la rir. Quando ela chegava em casa cansada e zangada depois do trabalho, ele era sempre solícito e a ouvia reclamar. Eles quase nunca brigavam e, quando acontecia, o motivo era sempre algo besta do qual eles riam depois, como quem havia deixado a luz ligada o dia todo ou quem havia esquecido de ativar o alarme à noite.

Draco terminou seu strip-tease e mergulhou na cama. Ele se aconchegou ao lado de Gina, enfiando seus pés gelados por debaixo das pernas dela para se aquecer.
“Aaaagh! Draco, seus pés estão parecendo cubos de gelo!” Gina sabia que aquela posição significava que ele não tinha nenhuma intenção, muito obrigada, de se mexer dali um centímetro sequer. “Draco,” a voz dela advertiu.
“Gina,” ele a imitou, brincando.
“Não se esqueceu de alguma coisa?”
“Não, não que eu me lembre,” ele respondeu fazendo graça.
“A luz?”
“Ah, sim, a luz,” ele disse sonolento e fingiu um ronco alto.
“Draco!”
“Eu que tive que levantar e apagar ontem à noite, se me lembro bem.”
“Tá, mas você estava pertinho do interruptor há um segundo!”
“É... há um segundo,” ele repetiu com falso sono.

Gina suspirou. Detestava ter que sair da cama quando já estava aconchegada, pisar no chão gelado de madeira e voltar cega na escuridão no caminho de volta para a cama. Ela soltou um som de protesto.

“Não posso desligar a luz sempre, sabe, Gin. Algum dia talvez eu não esteja aqui e então o que você vai fazer?”
“Mandar o meu novo marido desligar,” Gina respondeu chateada, dando o melhor de si para chutar os pés frios dele para longe dos dela.
“Ha!”
“Ou então me lembrar de desligar antes de vir para a cama.”
Draco deixou sair um som de nítida zombaria. “Grande chance de isso acontecer, minha querida. Eu teria que deixar uma mensagem no interruptor antes de ir só para você lembrar.”
“Que generoso da sua parte, mas acho que eu prefiro que você me deixe o seu dinheiro.”
“E um bilhete no aquecedor,” ele continuou.
“Ha ha.”
“E na geladeira, para comprar leite.”
“Você é um homem muito engraçado, Draco.”
“Ah, e nas janelas, pra você não abri-las e desativar o alarme de manhã.”
“Ei, por que você simplesmente não me deixa uma lista de coisas que eu tenho que fazer no seu testamento se você acha que vou ser tão incompetente sem você?”
“Não é uma má idéia,” ele riu.
“Certo então, vou desligar a maldita luz.”

Gina saiu da cama resmungando, fez uma careta ao pisar no chão frio e desligou a luz. Pôs os braços a sua frente na escuridão e começou a tentar achar o caminho de volta para a cama.

“Alôôô?!!! Gina, você se perdeu? Tem alguém aí, aí, aí?” Draco gritou, provocando, para o quarto negro.
“Sim, eu estou aq... aaaaaaaaaaaiiiii!” ela uivou ao bater o dedinho na perna da cama. “Merda, merda, merda, droga, bosta, merda, bosta!”
Draco soltou um ronco alto seguido de um risinho desdenhoso de debaixo do cobertor. “Número dois na minha lista: Cuidado com a cama...”
“Ah, cala a boca, Draco, e deixe de ser tão doentio,” Gina revidou, tomando seu pobre pé em suas mãos.
“Quer que eu dê um beijinho para ficar melhor?” ele perguntou.
“Não, tudo bem,” Gina respondeu triste. “Se eu só pudesse colocá-los aqui para aquec...”
“Aaaagh! Credo, estão congelando!”
“He-he-he,” ela riu.



E foi assim que surgiu a brincadeira sobre a lista. Foi uma idéia simples e boba que logo foi compartilhada com os mais próximos amigos do casal, Laura e Blaise Zabini. Fora Blaise que abordara Gina no corredor da escola quando tinham apenas catorze anos e murmurara as famosas palavras, “Meu parceiro quer saber se você quer sair com ele.” Depois de dias de discussões intermináveis e infinitas reuniões de emergência com as amigas, Gina aceitara. “Aah, vai lá, Gina,” Laura incentivara, “ele é tão lindo e pelo menos não tem manchas no rosto como o Blaise.”

Como Gina invejava Laura agora. Ela e Blaise haviam se casado no mesmo ano em que Draco e Gina. Gina era a caçulinha da galera, com vinte e três anos; todos os outros já tinham vinte e quatro. Alguns lhe diziam como ela ainda era muito nova e lhe davam sermões sobre como, na idade dela, Gina deveria estar viajando o mundo e se divertindo. No entanto, Gina e Draco viajaram o mundo juntos. Fazia muito mais sentido dessa forma porque quando não estavam, bem, juntos, Gina simplesmente sentia como se estivesse faltando algum órgão vital ao seu corpo.

O dia de seu casamento estava longe de ter sido o melhor da sua vida. Ela havia sonhado com o casamento de contos de fadas como a maioria das outras garotas, com um vestido digno de uma princesa e um clima perfeito e ensolarado num lugar romântico, cercada por todos que lhe eram queridos. A realidade foi um tanto diferente.

Ela acordou na casa apertada da família com os gritos de “Não consigo achar minha gravata!” (seu pai) ou “Meu cabelo está um desastre!” (sua mãe), e o melhor de todos: “Estou parecendo um cabo de vassoura! Sem chance de eu aparecer nesse casamento desse jeito! Vou morrer de humilhação na frente do Malfoy! Mãe, olha só o estado da minha pessoa! A Gina vai ter que achar um outro padrinho por que eu não vou nessas vestes! Oi! Rony, passa logo de volta esse gel, não acabei ainda!” (essas frases inesquecíveis foram ditas por um de seus irmãos mais velhos, Fred, que tinha vindo da Irlanda, onde atualmente morava, para o casamento da irmã.)

A família toda concentrou suas forças em obrigar Fred a ir ao casamento durante toda a manhã. Enquanto isso, Gina se vestiu em silêncio, se sentindo péssima. Eventualmente, a tarefa de arrancar Fred de dentro de casa foi cumprida.

O dia lhe parecia apenas um borrão agora. Mal tivera tempo de falar com Draco, já que estavam sempre sendo puxados em direções opostas para falar com a tia-avó Betty, lá de onde Judas perdera as botas, ou para conhecer o tio Toby da América, que nunca havia sido mencionado antes e de repente aparentava ser o membro mais importante da família.

E ninguém havia lhe dito que seria tão cansativo, também. Ao fim da noite, as bochechas de Gina estavam doídas de tanto sorrir para fotos e seus pés estavam lhe matando por ter andado o dia inteiro calçando sapatinhos idiotas que com certeza não deviam ser feitos para andar. Ela queria desesperadamente se sentar à mesa enorme com seus amigos, que tinham rolado de rir a noite inteira, obviamente se divertindo. Pelo menos fora bom pra alguém, Gina pensou. Mas assim que ela pisou na suíte de sua lua-de-mel com Draco, suas preocupações do dia evaporaram e o verdadeiro objetivo daquilo tudo ficou bem claro.

Lágrimas mais uma vez rolaram pelo rosto branquíssimo de Gina e ela percebeu que havia se perdido em devaneios novamente. Ela se sentou no sofá com o telefone ainda fora do gancho ao seu lado. O tempo simplesmente parecia passar por ela esses dias, sem que ela soubesse que horas ou que dia eram. Ela parecia estar vivendo fora de seu próprio corpo, indiferente a tudo, exceto a dor em seu coração, em seus ossos, em sua cabeça. Ela simplesmente estava tão cansada... O estômago da ruiva roncou e ela percebeu que não lembrava qual havia sido a última vez em que comera. Será que havia sido ontem?

Ela se arrastou até a cozinha usando apenas um camisão de Draco e suas pantufas favoritas de “Disco Diva”, que Draco havia lhe dado no último Natal. Ela era a sua Disco Diva, ele costumava dizer. Sempre a primeira na pista, sempre a última a sair dela. Ha, onde estava aquela garota agora? Abriu a geladeira e olhou para os compartimentos vazios. Apenas verduras e iogurtes há muito tempo vencidos que deixavam um cheiro horrível. Nada para comer. Ela sorriu fracamente ao balançar a caixa do leite. Vazia. O terceiro item na lista dele...



No Natal, há dois anos atrás, Gina saíra com Laura para comprar um vestido para o baile que eles freqüentavam no Burlington Hotel. Sair às compras com Laura era sempre perigoso, e Blaise e Draco tinham brincado sobre como teriam que, novamente, sofrer um Natal sem presentes por causa das compras das garotas. Mas eles não estavam muito enganados. Pobres maridos esquecidos, as meninas sempre os chamavam.

Naquele Natal, Gina gastara a mais absurda quantia de dinheiro na Brown Thomas no vestido branco mais lindo que ela já tinha visto. “Droga, Laura, isso vai até fazer um buraco no meu bolso,” ela disse culpada, mordendo o lábio e passando os dedos sobre o material macio.

“Aah, não se preocupe, o Draco pode te ajudar com isso,” Laura respondeu e emendou, “E pare de me chamar de ‘Droga, Laura’, a propósito. Sempre que saímos para comprar você se refere a mim assim. Se não tiver cuidado, posso começar a tomar como ofensa. E compre o maldito vestido, Gina. É Natal afinal, o tempo de dar e tudo o mais.”
“Deus, você é tão má, Laura. Nunca mais compro com você de novo. Isso é, tipo, metade do meu salário. O que vou fazer na outra metade do mês?”
“Gina, você prefere comer ou ficar maravilhosa?” Será que valia mesmo a pena ainda discutir aquilo?
“Vou levar,” Gina disse alegre ao vendedor.

O vestido era decotado, o que mostrava o busto pequeno de Gina perfeitamente, e era aberto até a coxa, mostrando suas pernas delicadas. Draco não conseguira tirar os olhos dela. No entanto, não era porque ela estava tão linda. Ele simplesmente não conseguia entender como diabos aquele pedacinho de tecido tinha custado tanto. Uma vez no baile, a srta. Disco Diva exagerou nas bebidas e conseguiu arruinar seu vestido ao derramar uma taça de vinho direto no tecido branco. Gina tentou (e falhou) segurar as lágrimas enquanto os rapazes na mesa informavam bêbados seus pares de que o número cinqüenta e quatro da lista as proibia de beber vinho enquanto vestindo um vestido branco caro. Foi então decidido que leite seria a bebida adequada, já que não mancharia os ditos vestidos brancos e caros.

Mais tarde, quando Draco derrubou o seu copo fazendo-o derramar o conteúdo no vestido já manchado de Gina, ela anunciou quase chorando (ainda assim muito séria) para a mesa, “Regra zinqüenti cinco da lixta: nunca, nunquinha, comprar um vextido branco caro.” E então ficou decidido e Laura acordou de seu coma de algum lugar debaixo da mesa para aplaudir e oferecer seu apoio moral. Um brinde foi feito (depois que o abismado garçom trouxera a bandeja cheia de copos de leite) em homenagem a Gina e sua profunda contribuição para a lista. “Sinto muito pelo seu vextido branco caro, Gina,” Blaise soluçara antes de cair para fora do táxi arrastando Laura atrás dele até a casa deles.



Seria possível que Draco tivesse mantido sua palavra e escrito uma lista para ela antes de morrer? Ela havia passado todos os minutos de todos os dias com ele até sua morte e ele nunca havia mencionado nada, nem ela sequer havia percebido qualquer sinal dele escrevendo uma. Não, Gina, se recomponha e não seja idiota. Ela o queria de volta tão desesperadamente que já estava imaginando todos os tipos de coisas malucas.
Ele não faria isso.
Ou faria?


***

Gente, se alguém for acompanhar a fic, só quero dizer que o começo pode ser um pouquinho monótono às vezes, mas tudo vai ficar bem mais interessante quando a Gina pegar as cartas do Draco, principalmente a partir da segunda... Então güenta aí!

Beijooos!

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