Fuga e perdão



- Achou mesmo que eu iria deixar você ir embora sem mais nem menos, Harry? – Hermione começou a falar – A propósito, Luna, ótima idéia de reunir a Armada de Dumbledore com os antigos galeões encantados.

- Obrigada, Hermione – Luna continuava sorrindo daquela maneira que lembrava a Harry o sorriso de Hermione quando ela descobria algo particularmente difícil.

A professora McGonagall olhava os garotos reunidos em seu escritório com um ar de censura fingida, que não conseguia disfarçar seu orgulho por aquele grupo. Os alunos eram uma lembrança viva de Dumbledore, pairando inquietos diante de seus olhos.

- Enquanto houver gente no mundo bruxo que é fiel a Dumbledore, Harry, estaremos com você – disse Cho Chang, que já havia concluído seus estudos em Hogwarts e, mesmo assim, viera para a escola naquela noite se juntar a Armada.

Luna olhou para Cho com olhos sonhadores, depois virou-se para Harry e começou a contar como ela e Neville tentaram convocar a Armada.

- Nós precisávamos fazer algo. Gina sumiu, sabe. E então eu resolvi conversar com McGonagall a respeito disso. Sugeri que os antigos membros da Armada dispostos a fazer algo deveriam se reunir hoje para conversar. A conversa despretensiosa ficou em segundo plano quando a Hermione mandou seu patrono para Hogwarts explicando que você tinha partido sozinho depois de saber do sumiço de Gina. Estávamos discutindo meios de te encontrar quando você simplesmente apareceu no corredor onde eu e Neville estávamos.

- Mas vocês falavam sobre fugir de Hogwarts – Harry completou, passando as mãos pelos cabelos bagunçados.

- Ah, sim! Íamos fugir mesmo – começou Neville, sob o olhar reprovador de McGonagall. - A diretora não queria deixar que a gente se envolvesse de uma forma mais ativa na guerra. Mas não adianta, não é mesmo Harry, afinal já estivemos ao seu lado lá no Ministério. Vovó diz que eu devo mesmo fazer algo em nome da honra de meus pais.

- Ela não queria nem deixar eu e meu irmão entrarmos, Harry, só porque somos menores de idade – lembrou Collin Creevey, aos pulinhos, sorrindo para Harry com todos os dentes como se ele fosse uma atração no zoológico particularmente interessante.

- O fato é que a situação é mais grave do que pensamos, Harry – era McGonagall, sua voz sobressaindo a dos estudantes ansiosos em explicar os últimos acontecimentos. - A Ordem já foi avisada do sumiço de Gina. Estamos tentando reunir o maior número possível de membros, inclusive os estrangeiros, para a batalha que parece se aproximar. Carlinhos está chegando com alguns amigos tratadores de dragões, Madame Maxime e os professores da Beauxbatons também estão a caminho. Não sabemos ainda como Aquele-que-não-deve-ser-nomeado irá agir, mas estamos esperando a qualquer momento. Ataques a trouxas e bruxos foram rotina esta semana, o Ministério está com muitos problemas.

Harry sentiu-se de repente tonto, uma dor estranha no peito e uma queimação anormal na cicatriz. Seus joelhos cederam e o suor brotou rapidamente pela testa, ao mesmo tempo em que seus pensamentos só conseguiam formular “Não posso passar mal na frente de todos”. No entanto, era tarde demais, a tontura foi mais forte e ele caiu com um baque.

Ao abrir os olhos, os colegas estavam parados ao seu redor, enquanto Madame Pomfrey entrava correndo pela pesada porta do escritório da diretora. Harry não entendeu o porquê do desmaio, mas algo dentro dele dizia que, o que quer que Voldemort estivesse planejando, havia começado.

O palpite se provou certeiro quando, em meio a confusão de vozes e a movimentação na sala, uma cabeça emergiu pela lareira. Era o auror Quim Shacklebolt. O aviso foi curto, categórico e pareceu desesperado:

- O Beco Diagonal está sendo atacado. Reforços devem ser dirigidos para lá. Avise os outros, Minerva!

A professora fez um sinal de concordância e os estudantes se calaram. Harry viu-a produzir uma fumaça prateada na ponta da varinha, que logo tomou a forma de uma imponente coruja e esvoaçou ligeira pela janela. A Ordem seria em breve avisada. McGonagall virou-se então para os estudantes, que fitavam a professora atentos, pensando se receberiam ou não a autorização para ir ao Beco Diagonal. O olhar da professora parecia cansado e resignado, e Harry não pode deixar de notar, mesmo sendo distraído pelo exame minucioso de Madame Pomfrey, o quanto ela parecia mais velha naquele momento. A mesma aura que Harry notara em Dumbledore pouco antes de ele morrer. Tentando afastar a idéia do pensamento, o garoto pôs-se prontamente de pé, sob os protestos inflamados da enfermeira.

- Vou para o Beco Diagonal - um sinal de concordância entre os membros da AD invadiu a sala.

- Nós montamos um esquema de guarda – McGonagall começou a explicar, resignada. - A base do quartel general dos aurores e da Ordem é o Caldeirão Furado. Tonks, Moody e Shacklebolt acham que Voldemort pretende conduzir a guerra tanto no mundo bruxo quanto no mundo trouxa. Por isso, o Caldeirão Furado é o local ideal para a força de defesa contra o exército de Comensais.

Ao terminar de explicar os procedimentos adotados pelo Ministério para a proteção de cada um deles, McGonagall informou que os membros da AD que assim desejassem e fossem maiores de idade poderiam viajar com Pó-de-Flu até o Caldeirão Furado. Harry não prestou muita atenção nas instruções, sua cabeça fervilhava com a adrenalina diante da guerra. Viu Hermione, Rony, Neville, Luna e os Gêmeos pularem apressados para perto da lareira, cada um sumindo nas chamas verdes depois de dizer Caldeirão Furado. Os irmãos Creevey eram os únicos menores de idade, e McGonagall proibiu terminantemente que eles seguissem os outros. Colin e Dênis voltaram emburrados para a sala comunal da Grifinória, onde Harry tinha certeza que eles tentariam reunir o máximo de estudantes possível e fariam um bom estardalhaço para persuadir a diretora. Justino, Cho, Ernesto, Zacarias e Lino foram os próximos. Harry foi se deixando ficar de propósito, pois precisava saber onde estava o colar de opalas, o motivo pelo qual efetivamente saíra da Toca rumo a Hogwarts.

- Professora, eu gostaria de fazer uma pergunta antes de ir – Harry segurava o Pó-de-Flu oferecido por McGonagall. – Eu precisava saber onde está o colar de opalas amaldiçoado, aquele que foi retirado das mãos de Cátia Bell no ano passado.

- O colar já foi destruído, Harry – disse a professora com um olhar conciliador. – Fique tranqüilo e vá.

Com o coração aliviado e a certeza de que restavam apenas dois pedaços da alma de Voldemort, Harry entrou nas chamas esverdeadas ao mesmo tempo em que seus lábios articulavam as palavras que o levariam rumo ao seu incerto destino.

- Caldeirão Furado!




Ela acordou sobressaltada, como se estivesse despertando de um sonho ruim que perdurara por um tempo excessivamente longo. O chão de pedra frio colado às costas dava arrepios na espinha, bem como a aura estranha que pairava no local. Não tinha coragem de abrir os olhos e descobrir-se mais uma vez na companhia deles. Não agüentava mais ser arrastada como um peso eterno, mas precioso. Um fardo duro de se carregar, mas absolutamente necessário.

Os cabelos vermelhos a muito tinham perdido a vida. Não mais brilhavam, permaneciam opacos, assim como os olhos cansados da manipulação. Uma alma ainda vagava perdida naquele corpo, entre tanto esquecimento e estados de semiconsciência.
A dor já não era algo de que ela pudesse reclamar. Ao menos trazia consigo um pequeno momento de lucidez, no qual ela tentava em vão lembrar-se de quem era. O coração e a memória despedaçados clamavam por alguém que não tinha nome, mas tinha um rosto que pairava sempre em seus pensamentos. Um rosto emoldurado por cabelos negros e espetados, de olhos muito verdes e intensos, uma expressão decidida e uma cicatriz que explodia em forma de raio todas as vezes que ela ameaçava abrir os olhos e tentar viver de novo.

A única coisa que ela pode escutar antes de ser novamente dominada e subjugada foi uma frase perdida na escuridão.

- Começou uma nova era. A minha era!




A movimentação no Caldeirão Furado era bem diferente daquela que Harry estava acostumado a ver quando ia fazer compras no Beco Diagonal. Fora os amigos da AD que haviam acabado de chegar pela lareira, uma infinidade de bruxos e bruxas que Harry não conhecia estavam no bar. Alguns, reunidos pelas mesas, pareciam absortos em discutir sobre enormes mapas e agitavam as varinhas no ar freneticamente, expondo linhas que traçavam planos e metas. Outros poliam as varinhas a um canto, as capas cobrindo o rosto, solitários. Outros pareciam conversar aos murmúrios em pequenos grupos espalhados. Num desses Harry avistou Tonks, Moddy, o casal Weasley e Carlinhos com alguns amigos, que Harry supôs serem os tratadores de dragões. Tonks foi a primeira a notá-lo.

- Ah, olá, Harry! Como estamos? Você pode ver que os aurores já foram avisados e a Ordem está quase toda aqui. Pelo menos aqueles que puderam ficar... – completou, seus olhos fixos num ponto qualquer a frente, e Harry imaginou que ela estivesse se referindo a Lupin.

- Fleur ficou em casa para cuidar de Christine – disse a senhora Weasley, tomando Harry nos braços como se fosse esmagá-lo. – É uma bela menina, Harry, cabelos muito ruivos e olhos azuis! Uma mistura perfeita do sangue Weasley com o sangue francês de Fleur. Quanto ao Gui, está com Lupin, serviços para a Ordem. No momento certo, eles irão chegar. Ah, Rony, querido, venha cá!

Harry deixou Rony ser agarrado pela mãe e virou as costas a procura de algo menos comovente. Mas não havia como fugir de seus próprios amigos. Lá estavam os membros da AD, parados, fitando os olhos perdidos de Harry como a esperar pelas instruções que deveriam seguir. Cho parecia a mais assustada de todos, mas mesmo assim mantinha absoluto controle sobre seus sentimentos. Apertava discretamente a mão esquerda de Miguel Corner por debaixo da capa negra da Lufa-Lufa que este usava, como que tentando filtrar para si mesma um pouco de coragem. Harry pensou no que sentira por ela há um tempo, nas contrações involuntárias de seus órgãos internos e o nó na garganta cada vez que ela o olhava. Não era nada se comparado ao desespero de não ter Gina por perto agora.

Um estrondo próximo a entrada trouxa do bar tirou de Harry a obrigação de dizer algo. Uma grande nuvem de fumaça entrou no Caldeirão Furado, gritos começaram a ser ouvidos do lado de fora do bar. “O lado trouxa”, Harry pensava, o desespero começando a tomar conta do bruxo. Os aurores e os membros da Ordem começaram a disparar vozes de comando, os planos deveriam ser colocados em prática, as pessoas corriam para executar suas tarefas. A poeira ainda não baixara totalmente quando Harry conseguiu ver novamente os rostos de Rony, Hermine, Neville e Luna.

- E agora, Harry? – era Hermione, com o olhar assustado, mas resignado.

- Alguns dos aurores saíram. Vamos sair também e ver o que está acontecendo. Eu não vou ficar trancado enquanto os outros cuidam de tudo! Varinhas a postos!

Os quatro amigos, varinhas em punho, aproveitaram a confusão e se esgueiraram para fora, para a rua. O caos era completo. O fim da tarde banhava Londres com uma luz difusa, impedida de se propagar completamente pela poeira da recente explosão e pela neblina anormal. Não dava para enxergar muito longe. Harry começou a sentir como se nunca mais fosse ser feliz novamente. Já conhecia bem essa sensação e fez esforço para lembrar de alguma coisa alegre. Olhou para os amigos com a certeza de que Rony e Hermione poderiam se defender, mas e Neville e Luna? Não houve tempo para pensar. A poeira baixava mais ainda e a cena que se seguiu deixou Harry tão boquiaberto que foi impossível até mesmo lembrar o encantamento para produzir o patrono.

Dementadores, suas longas capaz farfalhando, as mãos cheias de feridas aparecendo sob as mangas longas das capas, deslizavam suavemente por entre os carros parados na rua. O farol adiante estava verde, mas parado no tempo e no espaço. As pessoas que passavam pelas calçadas e aquelas que estavam dentro dos carros permaneciam paralisadas, talvez de choque, talvez pelo efeito que os dementadores produziam. Um bebê chorava alto nos braços da mãe imóvel. Mais adiante, foi possível ver o motivo do estrondo: um enorme gigante, de uns 6 metros de altura e aspecto feroz, havia destruído uma pequena sorveteria, as cadeiras e mesinhas vermelhas amassadas pelas mãos pesadas como ferro. Alguns aurores tentavam estuporá-lo, enquanto outros lançavam patronos por todos os lados para tentar proteger os trouxas. Com os olhos mais atentos, Harry conseguiu avistar Moody e Quim na esquina da rua, murmurando um feitiço e apontando para o céu. Uma luz colorida saiu da ponta da varinha de ambos e conjurou um muro multicor que se erguera para o infinito, e sumira logo depois que eles interromperam o contato visual. Harry imaginou que fosse algum tipo de feitiço protetor, mas não sabia bem qual seria o efeito.

Harry deslocou um pouco o olhar para a esquerda, agora mais próximo de si. E deu de cara com Luna. Pela primeira vez na vida, ele notou que a loira estava com uma aparência diferente. Seus olhos estavam vivos, brilhando de fúria retesada. O corpo estava rijo, dando a impressão de que a adrenalina corria por suas veias, pronta para explodir em feitiços. Neville, Rony e Hermione também estavam a postos, mas Harry não pode deixar de reparar em Luna porque ela enfim perdera o ar de distração constante que todos atribuíam a ela. Ela estava... estava... bonita... de um jeito que Harry nunca havia visto antes.

Mas não havia tempo para pensar. Os dementadores avançaram para o grupo. Harry, Rony e Hermione conjuraram veado, leão e lontra respectivamente para afastar os seres das trevas. Protegiam Neville e Luna, e assim deslocaram-se para mais perto do gigante, onde parecia haver uma movimentação maior de dementadores. Os aurores estavam em ligeira vantagem, dementadores dominados pelos patronos. A cena seria bela se assistida de fora, por alguém que nada entende de magia: uma infinidade de animais prateados cavalgava, se arrastava ou voava em torno da rua no coração de Londres. No entanto, o gigante continuava de pé.

O coração de Harry disparou. Ao longe, do lado esquerdo do gigante enfurecido pelos feitiços, no meio de toda aquela bagunça, havia uma pequena loja de roupas. Na vitrine, vários manequins pareciam observar a cena de maneira plácida, resignada, como se aquilo fosse um movimento esperado e normal para um anoitecer qualquer. No entanto, Harry podia jurar que vira uma cabeça muito ruiva se mover em meio às bonecas morenas e loiras, e depois sumir de vista. Correu desabalado para o local, seguido de perto pelos amigos que, a essa altura, já não entendiam mais nada.




- Weasley! Weasley! Você precisa acordar. Sei que está fraca, mas agora é a hora de tentar sair daqui! Já esperei demais, vamos!

Gina abriu os olhos lentamente, como se aquilo custasse o esforço de uma vida para seu corpo enfraquecido. A luz do alvorecer brilhava intensa em seus olhos, e lágrimas formaram-se no canto das pálpebras.

- Malfoy... – foi tudo o que a ruiva conseguiu murmurar.

Draco não tinha tempo a perder. As decisões tomadas nas últimas horas precisavam ser cumpridas de maneira rápida e precisa. Caso contrário, sua vida e de Gina estariam em sérios apuros. Ele tinha toda a consciência do risco que corria. Já fora perdoado uma vez pelo Lord das Trevas e sabia que não seria novamente. Mesmo porque a atitude de agora não era passível de perdão: Draco trairia Voldemort. E seu coração dizia que seria capaz de morrer para conseguir o que pretendia.

Apesar de estar bem mais magro que o normal, Draco passou o braço de Gina pelo seu próprio ombro e içou o corpo enfraquecido da garota. Ela murmurava coisas que ele não conseguia ouvir. Com um esforço mágico gigante, Draco aparatou, o pensamento fixo no Beco Diagonal.




- Malfoy...

Não dava para saber quais eram as intenções do loiro quando veio acordá-la mais uma vez de seu sono. Ela não queria se mexer. Sabia que isso implicaria em sentir dor. Foi quando, num lampejo de memória, tudo veio a tona: os motivos pelos quais ela estava naquele estado ficaram de repente claros em sua cabeça. Apesar da luz ofuscante, conseguiu visualizar, debruçada sobre seu corpo, uma cabeça platinada e olhos muito pretos. Foi como se um choque a invadisse e a memória retornasse numa avalanche confusa e desenfreada. Lembrou-se de Hogwarts, de Harry, e de Tom Riddle. Gina era a única que ainda chamava o Lord das Trevas pelo nome de batismo que ele abandonara, assim como Dumbledore fazia. O próximo pensamento que a invadiu foi a necessidade de fugir. Não poderia, não queria e não sabia mais quanto tempo suportaria ser usada por aquele ser nojento e asqueroso para cumprir seus propósitos malignos.

Enquanto sua cabeça trabalhava a mil por hora, seu corpo não conseguia reagir. Balbuciava de forma ininteligível, o medo crescendo no coração perdido. Mas Draco não tinha cara de quem iria machucá-la. Pelo contrário, parecia estar tentando protegê-la quando jogou o peso do corpo incapaz de se mover nos próprios ombros. Gina sentiu um aroma adocicado que não combinava com o aspecto roto e envelhecido das vestes de Draco.

O corpo de Gina pedia para que ela fechasse os olhos, mas a mente fazia esforço para mantê-los abertos. Ela era capaz de ouvir vozes que não conseguia identificar, e as luzes difusas do local não deram a chance de enxergar melhor onde estavam antes que Draco pudesse girar em torno de si mesmo e aparatar.

Antes de desmaiar novamente, Gina conseguiu focar, através de uma vitrine empoeirada e de aspecto abandonado, um verdadeiro caos de dementadores, patronos, bruxos de varinha em punho e um gigante que caia naquele exato momento.




A corrida dos cinco amigos precisou ser interrompida quando um gigante de 5 metros de altura iniciou uma queda livre em direção a eles. Enfim derrotado, o gigante despencava diretamente na direção dos garotos, que tentavam voltar ao ponto do qual haviam partido. Só foram salvos porque dois aurores de aspecto cansado conseguiram realizar feitiços convocatórios que os tiraram debaixo da linha de queda do gigante. Caído no chão empoeirado, Harry olhou para o que restava de luz do sol, que já havia se posto e trazia a noite para uma Londres que poderia estar em paz naquele momento. Os olhos piscaram e se focaram numa revoada de vassouras que chegava a toda velocidade. No mesmo instante foram ouvidos diversos pequenos estouros característicos de aparatação. A rua se encheu de Comensais da Morte, as máscaras assustadoras e as capas pretas e compridas farfalhando tanto quanto o deslizar dos dementadores.

O mundo voltou a gelar. Os patronos não eram suficientes para conter a massa de dementadores esfomeados pelas almas bruxas e trouxas do Beco Diagonal. O gigante caído estava apenas desmaiado e poderia levantar a qualquer momento. Os Comensais pareciam organizados do outro lado da rua, mas ainda não haviam atacado, o que fazia com que os aurores se mantivessem concentrados apenas no mais urgente, que eram os dementadores. Não dava para dizer que os bruxos estavam em vantagem naquele momento.

Os cinco amigos se levantaram e procuraram abrigo nos escombros da sorveteria destruída pelo gigante. Harry precisava pensar como chegaria até a loja onde avistara Gina. Mas no meio do caos era impossível parar para pensar. A lua cheia nascia e iluminava tudo ao redor. Harry observou o fenômeno e a luz fez com que seus olhos se fechassem, mas não evitou que ele notasse uma massa que se movia velozmente em direção a rua onde estavam. Harry fechou e abriu os olhos, como se quisesse espantar a idéia de que aquilo não fosse um avião trouxa. Não. Aquilo era um dragão!

Um não, três! Um deles brilhava num tom azulado, como se fosse coberto por uma camada perolada. O outro era vermelho como fogo, as escamas em brasa e um rugido furioso. O último dragão era muito parecido com o verde-galês do Torneio Tribruxo. Harry olhou para os lados e avistou Carlinhos e alguns amigos que pareciam murmurar palavras de ordem aos animais, enquanto mantinham as mãos espalmadas. Harry notou que havia na palma de cada um deles uma pequena marca prateada, de onde parecia fluir uma estranha energia direcionada até os répteis, que sobrevoavam suas cabeças em círculos. Um rugido cortou o ar, causando um arrepio na espinha generalizado. Rony, Hermione e Luna observavam tudo com os olhos vidrados, Neville já os tinha fechado há tempos.

A guerra estava pronta. Comensais alinhados de um lado da rua, aurores e a Ordem da Fênix do outro. Os dementadores pararam de tentar subjugar as pessoas e também se alinharam ao lado dos Comensais. Não era possível saber se as criaturas provocavam algum tipo de sentimento avesso para bruxos que não tinham alma como os seguidores de Voldemort. O gigante ainda caído completava o quadro, os escombros da sorveteria como uma lembrança do que ele poderia causar se levantasse novamente.

Harry não queria ver nada daquilo. A loja estava ali, poucos passos separavam-no da vitrine de manequins falsos onde ele vira cabelos ruivos verdadeiros e muito estimados. Era para lá que ele precisava seguir.

- Vamos...venham comigo, mas fiquem abaixados, ok?

Os dois rapazes e as duas garotas caminhavam atrás de Harry, varinhas em punho, prontos para um ataque repentino. Ouviam o ruído das asas dos dragões batendo freneticamente, e podiam sentir o cheiro de tensão no ar. A loja estava próxima aos Comensais da Morte, mas não havia nenhum tão perto que pudesse enxergar a aproximação deles naquele lusco-fusco de início de noite. Ainda havia a massa corpulenta do gigante como vantagem, que escondia os garotos quase até a entrada do estabelecimento.

Ao abrir a porta da loja, o choque tomou conta do grupo. Gina estava caída no chão, Draco Malfoy sobre ela, a mão espalmada, os olhos vidrados, os lábios muito esbranquiçados murmurando encantamentos jamais ouvidos por ninguém do grupo. Harry perdeu a ação e não conseguia fazer mais nada que não fosse observar a cena. No entanto, Rony precipitou-se para cima dos dois e gritou:

- Encarcereous!

Cordas foram conjuradas e prenderam Draco, fazendo com que o loiro tombasse. A atitude de Rony pareceu acordar Harry de um pesadelo. Este apontava a varinha para o coração de Malfoy e murmurava, o ódio no peito extravasando em pequenas porções.

- Você é desprezível, Malfoy! Eu deveria matar você, seu Comensal sujo! Você não vale o ar que respira!

- Potter, deixa eu explicar uma coisa para você e seus amiguinhos sangues ruins e traidores... – Draco começou a falar com a arrogância característica de um sonserino, mas foi interrompido por todas as varinhas que apontavam em sua direção.

- Se você não calar a boca, Malfoy, nos faremos você calar – era Luna quem falava agora, sem um pingo do ar sonhador que ela tivera no passado.

- Não... não machuquem ele... – todos os olhares se voltaram para Gina, que permanecia de olhos fechados, mas consciente dos acontecimentos ao redor. – Ele... me salvou... ele... me ajudou...e...

Gina não conseguiu mais falar, tão pouco abriu os olhos. Harry guardou a varinha no bolso da jeans e correu para ela, segurando-a nos braços, as lágrimas aflorando nos olhos verdes do bruxo. Gargalhadas irromperam e ecoaram pela loja.

- Bravo, Potter! Bravo! Eu bateria palmas para você agora, se pudesse. Só que dessa vez, quem salvou a caçula Weasley fui eu! Não há basilisco nem Câmara Secreta, mas há um mal muito pior contra o qual nenhum de vocês pode lutar!

Malfoy encarava, altivo, cada uma das varinhas que apontavam para ele. Harry apontava a sua própria para Gina e murmurava Enervate, mas o feitiço parecia não funcionar.

- Não adianta... esse feitiço não vai fazer ela melhorar. Ela precisa de magia contra as artes das trevas avançada.

- Então... faça... alguma... coisa, Malfoy! – Harry gritava, enfatizando cada palavra, com o rosto muito vermelho.

- Se eu não estivesse preso por essas cordas que o senhor Weasley conjurou, e se não estivesse rodeado por, hum, vejamos, uma, duas, três, quatro varinhas, talvez eu pudesse continuar o que estava fazendo quando vocês me interromperam.

Os amigos entreolharam-se. Era seguro soltar Malfoy? Ele tentara matar Dumbledore. No entanto não cumprira o acordo com o Lorde das Trevas, e eles não conseguiam entender como havia sido perdoado. Mas estava ali, e Gina dissera que ele a salvara. No entanto, a atitude altiva de Draco não fazia com que os outros pudessem creditar pontos a seu favor.

Lá fora a guerra seguia. Os dragões soltavam fogo pelas ventas e o gigante levantara novamente. Lampejos de feitiços voavam por todos os lados, e para onde se olhasse havia um duelo envolvendo dois ou mais bruxos. Os trouxas, livres do domínio dos dementadores, gritavam como loucos e procuravam se esconder, alguns dentro de seus próprios carros, outros dentro do carro alheio ou nas lojas da rua. Pensando no desastre que seria se algum trouxa adentrasse pela porta, e tentando tomar uma atitude no lugar de um perplexo Harry, Luna mirou Malfoy e murmurou:

- Finite Encantatem!

Nenhum dos garotos fez objeção e Draco levantou, voltando-se novamente para Gina. Harry ainda deixava as lágrimas escorrerem pelo rosto enquanto o loiro se aproximou e voltou a fazer seu trabalho, estendendo a mão sobre o corpo inerte de Gina e pronunciando aqueles estranhos encantamentos.

- Onde você aprendeu isso, Malfoy? – Harry questionou, mas a única coisa que Draco fez foi levar a outra mão a boca, num gesto de quem pede silêncio impacientemente, e continuou o trabalho.

Quando finalmente Malfoy retirou a mão estendida do corpo de Gina, ela não havia acordado, mas parecia mais corada do que antes. Dormia um sono plácido, como se a guerra lá fora não ribombasse. Harry iria questionar Malfoy novamente, mas foi interrompido por uma pessoa que vinha dos fundos da loja. Alguém que ele não esperava ver tão cedo.

- Ora, ora, bela reunião: Potter-Eleito, seus amiguinhos grifinórios, a senhorita-desmaiada-Weasley e Draco. Interessante... eu diria que é um grupo um tanto inusitado, mas estamos numa guerra em que muitas coisas inesperadas podem acontecer, não é mesmo? Agora, baixem estas varinhas antes que eu os desarme um a um e os ponha quietos. Não venham querer bancar os corajosos comigo! E isso inclui você também, Draco.

A posição altiva do loiro mudara com a chegada de Severo Snape. Seu rosto adquirira um aspecto verde-acinzentado e agora combinava mais com as vestes rotas que usava. A aparência dos outros não era melhor, mas Harry era o que mais chamava a atenção. Pegou a varinha do bolso da jeans com a rapidez de um raio. Bufava como se fosse soltar fogo igual aos dragões, a memória viva da torre atingida pelo raio, a morte de Dumbledore ainda quente no sangue bruxo. Era óbvio que nenhum deles, nem mesmo Draco, abaixaria a varinha. Snape, no entanto, pareceu não se importar muito com esse detalhe, uma confiança imensa traspassando os cabelos oleosos e escorridos diante da face.

Não restou muito tempo para pensar. No mesmo segundo, muitas coisas aconteceram. Um estrondo foi ouvido do lado de fora, vários gritos ecoaram, a poeira subiu e a estrutura da loja chacoalhou. Gina abriu os olhos, uma golfada de ar enchendo os pulmões, o rosto confuso, sem entender onde estava e o que acontecia. Harry tentou correr para a ruiva, mas não conseguiu alcançá-la antes que uma corrente de ar pudesse arrastá-lo e fazê-lo bater na parede do lado oposto ao corpo de Gina. Uma dor excruciante tomou conta do garoto, e a única coisa que ele conseguiu perceber foi que um novo bruxo havia chegado à loja, apontava a varinha direto para ele, e ria um sorriso de desdém que Harry conhecia de outros tempos. O quadro só estaria completo com ele. A chegada de Voldemort dava início a verdadeira guerra para Harry. A guerra para tentar cumprir uma profecia e evitar a outra.




N/A: Os dragões e a forma como são controlados pelos amigos de Carlinhos (que tem as palmas das mãos marcadas por uma mancha prateada) foram inspirados nos livros Eragon e Eldest, da série Trilogia da Herança, de Cristopher Paulini.


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