O suspiro que resta



- Mione! Ele está se mexendo, abrindo os olhos! Parece que vai acordar, venha rápido!

Não era possível. Não sobrevivera àquela dor. A cicatriz ardeu tanto que chegou a entender como os Longbottom enlouqueceram quando foram torturados por Belatriz. Aquilo era mais do que poderia agüentar. Não sabia quanto tempo havia passado desacordado, mas as horas na mansão Riddle pareciam ter ficado para trás há séculos. No entanto, ouvira alguém chamando por Hermione. Afinal, será que seus amigos haviam morrido também? Porque Harry tinha certeza de que, se abrisse os olhos, estaria no céu. Existe céu para bruxos?

Os olhos piscaram lentamente, a claridade ferindo-os, agressiva. Cada parte do corpo de Harry gritava em protesto, como que pedindo para que ele permanecesse imóvel. Os óculos estavam sobre a mesinha ao lado da cama, mas o esforço para alcançá-los seria demais. Rony, como que percebendo as intenções do amigo, colocou os óculos no rosto excessivamente branco de Harry, que contrastava com o negro dos cabelos do menino. Quando os olhos de Harry tomaram foco, pôde ver Hermione correndo desabalada, os cabelos revoltos, mais magra e pálida do que nunca. Olhou dela para Rony, que não estava em melhor situação, e tentou imaginar qual seria a aparência de seu próprio rosto.

- Harry! Harry, por Merlin, eu não acredito! Você está vivo! – e envolveu-o num abraço sufocante e molhado de lágrimas que lembrou a mãe de Rony. Dizem que os homens procuram as mães nas mulheres que amam. Talvez Hermione tivesse mesmo um pouco da personalidade da senhora Weasley.

- Sabe, cara, dessa vez a gente acreditou mesmo que estávamos lascados e era o fim. Mas você tem uma sorte absurda, chega a ser inacreditável – comentou Rony com um sorriso cansado.

Harry tentava colocar os pensamentos em ordem. O que será que teria acontecido? Como foi que ele chegou ali? Lembrando-se de que não sabia onde estava, correu os olhos pelos aposentos. As paredes muito brancas, as cortinas corridas de coloração azul pálido, com um aspecto secular, e o símbolo de uma varinha e um osso cruzados sobre a soleira da porta de entrada. O Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Então não estava morto, afinal. Nem Rony e Hermione, ao que tudo indicava.

Uma enfermeira atarefada adentrou o aposento, segurando a varinha com a mão esquerda. Harry se lembrou do pulso quebrado na mansão, mas olhava agora para um braço totalmente novo. A enfermeira arrumava os lençóis dos leitos vazios com acenos ligeiros da varinha. Ao notar Harry, não pareceu surpresa que ele estivesse de olhos abertos.
- Sente-se bem, senhor Potter? – começou, examinando o garoto e segurando-lhe o braço para medir a pulsação – Avisarei o curandeiro de que o senhor apresentou uma visível melhora. Ele ficará feliz, afinal, julgamos que você não se recuperaria.

A maneira formal como a enfermeira falava não diminuiu a sensação ruim no peito do garoto. Poucos minutos depois, o curandeiro entrava no quarto e cumprimentava Harry de forma alegre, tentando visivelmente desanuviar a tensão. Rony foi mandar uma coruja para a mãe, avisando da recuperação de Harry. Quando o trio estava novamente sozinho, Rony e Hermione sentados em poltronas ao lado da cama de Harry, muito quietos, o menino resolveu falar.

- O que foi que aconteceu de verdade? Quanto tempo estive nessa cama?

- Um mês inteiro – começou Hermione, depois de suspirar de forma resignada. – Os médicos tentaram de tudo, mas o veneno dela parecia consumir suas forças dia após dia, Harry...

- Dela quem?

- Nagini... – começou Rony – A cobra de V-Voldemort.

E Harry ficou surpreso. Rony enfim criara coragem para chamar o Lord das Trevas pelo nome.

- Ela me mordeu?

- Pior, Harry, muito pior! – agora era Hermione, falando tão rápido que parecia querer vomitar tudo aquilo, para acabar de uma vez. – Ela possuiu você. Entrou em você e você se transformou nela. Seus olhos viraram fendas vermelhas como os de Voldemort, a cicatriz na sua testa brilhava como se fosse recém feita. Vimos tudo, eu e Rony, estávamos na sala ainda presos pelo feitiço da varinha de Rabicho. Voldemort... ele... ordenou que você nos atacasse.

- QUÊ??? – Harry parecia não acreditar no que estava ouvindo. Voldemort queria fazer com que ele matasse os próprios amigos?

- É. Parecia que ele ficaria satisfeito em ver você ferir aqueles que te rodeiam. Instigava você para cima da gente, soltando uns sibilos daquela língua estranha de cobra – Rony lembrava.

- E eu... – Harry começou a pensar, o terror crescendo dentro de si mesmo – eu ataquei vocês?

- Não, cara! – Rony continuava. – Você precisava ver a cena. Hagrid invadiu o quarto, o guarda-chuva florido cor-de-rosa em punho, pronto para atacar quem fosse preciso. Ele se assustou quando viu você naquele estado, claro, mas parece que alguma coisa havia quebrado a possessão depois da entrada de Hagrid. Talvez V-Voldemort precisasse de contato visual, ou sei lá o quê. Ele passou a apontar a varinha para o Hagrid, e por um triz achei que fosse lançar a Maldição, mas de repente ele cambaleou e colocou a mão na testa. Nesse momento, a cobra saiu de dentro de você totalmente.

- E depois? O que aconteceu com Hagrid?

- Ah, Harry! Ah, Harry – Hermione parecia estar a beira das lágrimas – você precisava vê-lo, deu mesmo medo dele. Os olhos ferozes, pareceu dobrar de tamanho, intimidaria qualquer um. Rabicho levantou a varinha temeroso, Malfoy também. Imagino que os outros Comensais estavam bastante ocupados no primeiro patamar da casa, porque não havia mais ninguém lá. Feitiços ricocheteavam no peito de Hagrid e você estava caído no chão, perto da gente. No entanto, ninguém parecia prestar muita atenção nisso. Malfoy estava alarmado com a situação de Voldemort, que ainda estava com a mão na testa, completamente imóvel e torcido de um modo estranho. Hagrid andou determinado em direção à cobra. Pegou-a, e por um momento cheguei a pensar que ela estava morta. E então... então...

Hermione desabara no choro. O rosto de Harry estava lívido. Por Merlin, será que não poderiam contar a ele rápido? A cicatriz formigava na testa.

- Então Nagini atacou Hagrid com as presas – completou um Rony abobado, olhando para o teto como se quisesse evitar repetir as lágrimas de Hermione.

Não. Hagrid não. Harry sentiu o desespero tomar conta dele. Hagrid, seu último protetor, o último que poderia ajudá-lo a cumprir a profecia. E quando pensou nela, lembrou-se novamente das últimas palavras que ouvira da professora Trelawney: “no rubro perecerá”. A outra profecia estava afinal se cumprindo? Hagrid ia ser o próximo?

- Onde ele está agora? – Harry perguntou, abruptamente, olhando para os lados como se pudesse encontrá-lo ali, em alguma cama na enfermaria do hospital bruxo.

- Está em Hogwarts, Harry – começou Hermione, parecendo recuperar a voz, mas as lágrimas ainda escorrendo pelo rosto. – Levaram-no para lá depois que... bem, depois que descobriram que é muito difícil que ele sobreviva.

- Quando ele matou Nagini, Voldemort desaparatou, seguido de Malfoy e Rabicho. Eles soltaram a gente. E parece que avisaram os Comensais, pois a Ordem disse que todos fugiram juntos – Rony completara a história.

A sensação de peso no estômago de Harry fizera com que ele afundasse a cabeça nos travesseiros. Hagrid... o que Harry havia provocado? Todos que dele se aproximavam, todos que tinham algum vínculo com ele precisavam sofrer, chegavam até mesmo a perder a vida por causa disso. Ele era um bruxo amaldiçoado.

O curandeiro dissera a Harry que ele precisava descansar. O ferimento que tinha era totalmente interno, e feridas assim demoram mais para cicatrizar. Rony e Hermione saíram do quarto, prometendo voltar mais tarde com os Weasley. Isso deixou tempo a Harry para pensar. Ele não sabia qual deveria ser o próximo passo. O diário de Tom Riddle fora a primeira horcrux destruída. O anel de Gaunt também já havia sido exterminado por Dumbledore antes que a morte o levasse. A taça estava em poder da Ordem, provavelmente já destruída. E Nagini estava morta. Ainda faltavam dois fragmentos de alma, fora aquela que ocupava o corpo de Voldemort. Um era o medalhão, que Harry não fazia a menor idéia de onde pudesse estar. O outro, segundo as pesquisas de Dumbledore, poderia ser um objeto pertencente a Ravenclaw ou Griffyndor. Mas Harry sabia que os únicos artefatos históricos conhecidos que pertenceram ao fundador de sua Casa eram o Chapéu Seletor e a espada, ambos guardados cuidadosamente na sala do diretor em Hogwarts. Sobrava Ravenclaw. Harry pensava em como poderia ter sido útil prestar atenção nas aulas de História da Magia. Talvez assim se lembrasse de algo referente a Ravenclaw, a fundadora da casa dos mais inteligentes de Hogwarts. E, pensando em inteligência, o rosto de Hermione apareceu em sua memória. Claro! Hogwarts, uma história! Hermione sabia aquele livro de trás para frente, lá deveria haver alguma informação sobre a fundadora da Corvinal.

Acalentado por esta nova esperança e sonolento pela poção curativa que era obrigado a ingerir todas as noites, Harry caiu num sono atribulado, a espera da visita da família Weasley.




A recuperação de Harry se dera de forma rápida, levando em consideração o tempo que ele passara desacordado e o teor do acidente mágico. O único problema é que passara o Natal em St. Mungus. Queria saber notícias de Gina, mas a única coisa que conseguiu descobrir é que a menina tinha continuado em Hogwarts nas curtas férias de Natal. Rony e Hermione passavam a maior parte do tempo com Harry na enfermaria, e visitas diárias da senhora Weasley também eram rotina. Fred e Jorge apareciam de vez em quando, trazendo sapos e caldeirões de chocolate, além de alguma invenção da Gemialidades Weasley para distraí-lo. O senhor Weasley andava muito ocupado e aparecia esporadicamente, assim como Tonks e Lupin. Até mesmo Olho-Tonto Moody viera visitá-lo. O aspecto do auror estava pior, se é que isso era possível. Gui e Fleur vieram no dia de Natal, Fleur carregando um barrigão de fazer inveja a qualquer moça grávida.

- Non é maravilhoso, Arry? Eu i Gui teremes un bele filhe loge mas – contara Fleur de forma animada, os cabelos loiros ondeando alegremente.

Harry se perguntara se o filho seria de alguma forma afetado pela maldição do pai. Gui tinha se tornado meio lobisomem: ele se transformava em noites de lua cheia, mas não perdia a consciência humana em nenhum momento sem, no entanto, precisar de poções para isso.

Neville também aparecera no Natal. Ele veio visitar os pais e aproveitou para falar com Harry. Contou que estava desesperado por conta dos estudos para os NIEM´s. As aulas estavam particularmente difíceis, principalmente Defesa Contra as Artes das Trevas, que agora era dividida entre o professor Slughorn e a professora McGonagall. Os passeios a Hogsmead estavam proibidos e grande parte dos alunos não voltara a Hogwarts, como Simmas Finnigan, as irmãs Patil, Crabble e Goyle. Luna voltara e parecia ser a grande companhia de Neville, “dos tempos da AD, Harry”, como ele mesmo fizera questão de enfatizar. A um ponto da conversa, Neville pareceu se lembrar de algo importante que precisava dizer:

- É a Gina, sabe? Ela anda muito estranha, Harry, Luna também acha. Muitas vezes encontro-a sentada no salão comunal da Grifinória até altas horas da noite. Isso quando ela não aparece perambulando pelos corredores, com uma cara de quem foi confundida. Parece sempre distraída, perdida em pensamentos e assustada. Luna acha que ela foi atacada por um Zumbizologks, mas eu nem me atrevi a perguntar o que era isso...

Harry ficou preocupado, mas tentou não demonstrar quando a avó de Neville veio buscá-lo e ele saiu da enfermaria, o rosto redondo brilhando e a mão gordinha acenando para Harry. Rony e Hermione chegaram logo depois, mas Harry não quis dividir suas aflições com os amigos. Sabia que poderia preocupar Rony, afinal, Gina era sua irmã.

Depois de se sentir quase totalmente recuperado, Harry resolveu comentar com Hermione sobre Hogwarts, uma história. Ele precisava saber mais sobre Rowena Ravenclaw. Hermione começou a puxar da memória o que havia decorado sobre os quatro fundadores de Hogwarts.

- Ela era uma das fundadoras...Rowena Ravenclaw. Dizem que era muito inteligente e bela, os longos cabelos negros chegavam em cachos até a cintura. Tinha uma aparência resignada e valorizava a inteligência de seus alunos, por isso esta é uma característica necessária para aqueles que fazem parte da Corvinal. A vaidade também era um ponto forte, ela gostava de jóias, colares, roupas bonitas. A história extra oficial conta que era apaixonada por Salazar Slytherin, e que teve um filho nunca reconhecido por ele. Sendo assim, morreu sem deixar descendentes legais. É tudo o que sei, Harry.

Harry parecia forçar os miolos para encontrar alguma ligação, algum objeto que pudesse ter pertencido a Rowena e onde ele poderia estar. Rony parecia perdido em pensamentos também, Harry não sabia se eram sobre as horcruxes. Mas o rosto de Hermione iluminou-se de repente.

- Claro! O colar!

- Quê? – Rony pareceu acordar de um sonho, olhando para Hermione com cara de quem não havia entendido. Harry encarava Hermione também, e a garota parecia assistir a alguma cena que só ela podia ver.

- O colar de opalas amaldiçoado! Aquele que vi na Burgin & Burkes! E depois Malfoy tentou usá-lo para matar Dumbledore, Harry, lembra? Você me contou que ele disse isso na Torre de Astronomia! E quem tocava no colar morria, lembram-se de Cátia Bell? Ela só encostou nele por um furo na luva e passou meses no St. Mungus! Aquele colar só poderia ser de Ravenclaw! É a próxima horcruxe, Harry!

Harry e Rony olhavam Hermione de modo admirado. Ela terminara de contar com um ar de elementaridade que faria inveja a qualquer detetive. Era como se sempre soubesse daquilo, esperando apenas pela chance de dizer a eles.

- Então nossa próxima parada é o Beco Diagonal? – perguntou um Rony ainda incrédulo.

No entanto, a coisa não era tão fácil assim. Harry ainda estava no St. Mungus quando janeiro começou. As visitas de Rony e Hermione eram diárias, horas das quais eles passavam jogando xadrez de bruxo, conversando sobre os recentes casos de mortes e sumiços que apareciam no Profeta Diário, ou simplesmente pensando em formas de sair dali para continuar em busca das horcruxes. Mas Harry sabia que isso não seria uma tarefa fácil agora que estava ali, debaixo das asas da Ordem e do próprio Ministério. Trancado em St. Mungus era quase como se ele estivesse na Rua dos Alfeneiros.

O início de fevereiro encontrou um Harry tão saudável que seria impossível continuar a mantê-lo em tratamento. Recebeu alta do Curandeiro baixinho e de aspecto severo que comandava o turno da noite no St. Mungus e, acompanhado dos pais de Rony, saiu rumo à Toca. Sem falsas esperanças, sabia que não encontraria Gina por lá. A ruiva estava em Hogwarts, não saíra de lá nem para as curtas férias de Natal. Qual não foi a sua surpresa ao chegar à Toca e encontrar Minerva McGonagall sentada a mesa da ampla cozinha com Gui e Fleur. Ao vê-los surgir na lareira ela já foi despejando, sem meias palavras, algo que fez o coração de Harry bater mais apertado:

- Molly, Arthur, a menina Weasley desapareceu.

O senhor Wesley parecia petrificado diante da notícia. Harry também. Mas Molly foi além: caiu no chão com estrepito, desmaiada, sobressaltando a todos. Fleur levantou-se da cadeira, segurando a barriga de quase oito meses com as duas mãos. Gui tentou detê-la, mas a loira já estava agachada com dificuldades ao lado do corpo inerte da senhora Weasley, murmurando baixinho Enervate!, enquanto Minerva continuava a falar com o pai de Gina.

- Arthur, sei que é complicado, mas saiba que já colocamos a Ordem para procurá-la. Não comunicamos o Ministério, não quero que a notícia se espalhe e deixe ainda mais alarmada a comunidade bruxa. Vão surgir especulações, muitos em Hogwarts sabem que foi Gina quem reabriu a Câmara Secreta em seu primeiro ano na escola. Podem pensar que ela tem ligação com Aquele-que-não-deve-ser-nomeado, e não queremos isso, não é mesmo?

O senhor Weasley continuava paralisado e apenas balançou a cabeça afirmativamente. McGonagall despediu-se dos presentes e entrou na lareira sem ao menos falar com Harry, Rony e Hermione, sumindo em seguida nas chamas esverdeadas.

Harry só tinha um pensamento em sua cabeça: precisava agir rápido para encontrar as horcruxes que restavam e tentar remediar um estranho agouro de morte que soprara em seus ouvidos.

Hermione não parava de dizer, contrafeita, mas com a voz baixa, que aquilo era uma loucura. No entanto, Harry sabia que se não saísse naquela mesma noite para o Beco Diagonal, as chances de Gina ficariam cada vez menores. Além disso, o momento era absolutamente perfeito: depois do esforço em reavivar Molly, Fleur entrara num assustador trabalho de parto adiantado. A voz da loira ecoava pela Toca, e Gui andava desesperado de um lado para o outro enquanto a esposa era atendida por uma curandeira em domicílio. A senhora Weasley estava na cama, fraca ainda, mas preocupada com Gina e agora com o neto que estava a caminho no meio de toda essa bagunça na família Weasley. Seria ele mais um autêntico ruivo, ou teria os cabelos loiros de Fleur Delacour? Seria um inglês como Gui ou um francês com o sangue da mãe?

Harry não iria esperar para ver. Pegou a Capa da Invisibilidade e jogou-a sobre seu corpo, ouvindo os protestos de Hermione. Ela não queria ir, sabia que a senhora Weasley precisava da família por perto. Se Rony sumisse também, Molly poderia não agüentar.

- Harry, escute aqui, você não pensa nas outras pessoas? Podemos tentar encontrar Gina de outra maneira – o desespero e a dúvida na voz de Hermione eram evidentes.

- Você não entenderia, Mione. Voldemort precisa ser de novo mortal quando eu o encontrar. Só assim poderei acabar com tudo, cumprir essa maldita profecia e evitar... evitar...

Harry pensava na outra profecia que ouvira de Trelawney. Uma parte dela já se cumprira, embora Hagrid continuasse vivo. Fora mortalmente ferido e, no entanto, sobrevivera. Estava acamado, mas nada que boas doses de uma poção fortificante de Slughorn não resolvessem, contrariando todas as expectativas dos curandeiros do St. Mungus. Deveria ser o sangue de gigante de Hagrid. Mas e se aquela profecia caísse sobre outra pessoa? E se mais alguém tivesse que morrer? Harry sabia que nem todas as profecias se realizavam. Mas tinha certeza que o Lord das Trevas jamais descansaria enquanto não acabasse com sua vida. Mas Harry faria isso primeiro. Estava disposto a ir até o fim para exterminar a existência de Voldemort, independente de quantas vezes sua própria vida pudesse ficar por um fio.

Não completou a frase. Simplesmente olhou para os lados. Rony estava sentado no sofá da Toca, parecendo bastante preocupado e observando Gui andar de lá para cá. Os Gêmeos foram chamados, mas ainda não haviam chegado. Harry nem sabia se Percy fora avisado, e Carlinhos estava muito longe, na Romênia, fazendo contatos estrangeiros para a Ordem enquanto trabalhava com os dragões. O barulho do parto de Fleur enchia a casa, impedindo que as lágrimas e protestos de Hermione pudessem ser ouvidos. Harry olhou um último momento para a amiga, que até então havia acompanhado sua jornada desde que ele entrara em Hogwarts.

- Nós sabemos que essa batalha é minha...

Não suportando o olhar da amiga, Harry apenas virou o rosto e colocou a Capa sobre os ombros, ao mesmo tempo em que caminhava para a saída da Toca. Aparatou sem olhar para trás e ainda pode ouvir Hermione chamando por ele. Mas Harry não podia esperar. O sucesso desta empreitada poderia salvar o mundo bruxo ou mergulhá-lo em desgraça total.




Aquela hora da noite pareceria loucura andar pela Travessa do Tranco. As portas das lojas estavam cerradas, uma estranha neblina cobria o ar, dando ao local um aspecto de abandono. Nos becos Harry podia ouvir vozes, mas era incapaz de enxergar muito longe. E preferia manter a luz da varinha apagada, já que andava protegido pela Capa da Invisibilidade.

Entrar na Burgin & Burkes não foi difícil. Um Alorromora murmurado as pressas abriu a pesada tranca da porta. Harry tirou a Capa, mas continuou cobrindo o rosto com o capuz do moletom escuro. Caminhava com cuidado para não esbarrar nos estranhos objetos, dispostos pelas prateleiras sem nenhuma organização aparente. Uma luminosidade difusa vinha do fundo da loja, provavelmente de alguma vela acesa pelo dono. Harry imaginava que o bruxo Burgin, que dera seu nome ao estabelecimento, dormia nos fundos da construção. No entanto, acreditava que não precisaria de muito tempo para inspecionar o local. O objetivo de Harry era obter informações sobre a origem do colar de opalas. Sabia que Malfoy adquirira o objeto na Burgin & Burkes, pois Hermione viu o colar quando perseguiam o loiro no início do ano passado.

As sombras produzidas pela luz do luar atravessavam a vitrine e emprestavam a loja um aspecto desolador, fantasmagórico. Harry observava cada prateleira com interesse, procurando encontrar uma escritura, um livro, ou algum objeto ligado ao colar. Seus pensamentos vagavam de um lado para o outro. Caso aquela fosse mesmo uma horcrux, seria a penúltima a ser destruída, supondo sempre que Voldemort tivesse dividido sua alma em sete pedaços, como Dumbledore desconfiava. Depois faltaria apenas o medalhão, que Harry não sabia onde estava. E ainda restava uma dúvida na cabeça do bruxo: quem era R.A.B. e por quê ele havia traído o Lord das Trevas? Fazia tempo que Harry não parava para pensar neste aspecto do medalhão, e ele sabia que desvendar este enigma poderia fazer com que ele chegasse a horcrux verdadeira. Estivera tão preocupado em encontrar as outras horcruxes que não se lembrara de pesquisar mais a fundo sobre o tal de R.A.B. Ou a tal. Ou os tais. Não sabia se aquele que tinha assinado a falsa horcrux era homem, mulher, ou várias pessoas. Sabia apenas que ele fora esperto a ponto de ludibriar Voldemort.

Com o pensamento passeando de lá para cá, Harry foi pego de surpresa ao virar a direita num corredor dos fundos da loja. Uma varinha apontava diretamente para seu coração. O portador encarava Harry com os olhos esbugalhados, uma expressão vidrada que dava arrepios na espinha. Sorria de um jeito vitorioso, como se estivesse prestes a adquirir um objeto raro e impregnado de artes das trevas para vender em sua preciosa loja.

- Achou que ia me enganar, bruxo? A porta da minha loja tem feitiços anti-intrusos, e eu sou prontamente avisado quando alguém lança um feitiço. Pequenos cuidados necessários para quem tem um estabelecimento comercial, digamos, pouco convencional como o meu – a proximidade do rosto de Harry com o do velho Burgin fazia com que várias gotas de saliva nojentas atingissem o garoto. – Vamos, menino, pode começar a desembuchar o que quer. Ei! Tire a mão do bolso agora!

Mas Harry não buscava a varinha, como supunha Burgin. Protegido pelo capuz do moletom, imaginara que o dono da loja não fosse reconhecê-lo. E uma idéia digna de Hermione Granger (e ao se lembrar da amiga, Harry chegou a sorrir por dentro) chegara até sua mente.

- Eu só quero informações – e Harry tirou as mãos do bolso, revelando vários galeões dourados que cintilavam. – E sei que você pode fornecê-las. Afinal, todo o mundo tem um preço. Qual é o seu?

Por um instante que parecia infinito, Harry podia ouvir o barulho de seu próprio coração, e seu cérebro trabalhava freneticamente. Será que Burgin cairia nessa? Harry poderia comprá-lo? Torcia sinceramente para que pudesse. O bruxo parecia vacilar. Olhava para o menino encapuzado a sua frente, depois para as brilhantes moedas de ouro e demonstrava dúvida em ceder ou não à tentação. Quando falou, foi com um tom de voz vencido.

- Pode ir esvaziando o bolso porque sou muito caro – e mostrou todos os dentes num sorriso ainda mais aberto e horripilante. O rosto bexiguento chegava a dar náuseas.

- Antes, quero que me passe as informações que preciso. Afinal, como saberei que posso confiar em você? – Harry tentava não encarar o bruxo sob a meia luz da varinha do oponente, que brilhava de forma ameaçadora próxima demais de seu peito.

- Você não está em posição de barganhar, garoto! Foi pego invadindo uma propriedade particular. Estou sendo muito bonzinho com você fazendo o favor de não te azarar aqui mesmo.

- Quero saber informações sobre o colar de opalas que você vendeu nesta loja – Harry resolveu que precisava ser curto e grosso. Não havia como enrolar pessoas do feitio de Burgin.

- Ah – um brilho estranho pareceu percorrer os olhos do bruxo, e o murmúrio que se seguiu tinha um tom de entendimento. – O colar.

- Sim, o colar – Harry continuou, como que para reforçar. – Preciso saber suas origens e... onde está agora – resolveu fingir que não sabia a localização exata do objeto para não levantar suspeitas de quem ele pudesse ser.

- Primeiro o meu pagamento! – e o bruxo estendeu as mãos ávidas, puxando para si os galeões. – Agora sim! Então, voltemos ao colar. Lembro bem da história dele. Adquiri de uma mulher muito vaidosa. Ela tinha vários objetos antigos em sua casa, mas se orgulhava particularmente deste colar. Dizia que havia pertencido a Rowena Ravenclaw e que ela mesma era ancestral da famosa fundadora daquele colégio nojento. Paguei uma pequena fortuna pela relíquia! Mas valeu a pena. O único problema – e nesse ponto, o bruxo parecia tentar se recordar de algo – é que ele sumiu durante uns bons anos da loja. Depois que reapareceu, não podia mais ser tocado. Um de meus assistentes descobriu isso da pior forma possível – e Burgin fez um gesto como se estivesse cortando o próprio pescoço, para indicar morte.

Era tudo o que Harry precisava saber. Não tinha mais perguntas a fazer. Suas suspeitas estavam absolutamente confirmadas: o colar era de Ravenclaw. E como Burgin parecia ter alguma parte de suas lembranças apagadas, Harry podia supor que Voldemort tivesse utilizado o colar para encerrar dentro dele um pedaço de sua alma partida. Sem precisar de mais informações, Harry retirou uma pequena bolsa de couro do bolso das vestes e jogou no balcão, virando as costas sem dizer mais nenhuma palavra. Mesmo assim, mantinha a mão direita firme na varinha, caso o bruxo decidisse agir. Mas, ao olhar de relance para a loja quando cruzou a soleira de saída, viu que Burgin já havia se recolhido aos seus aposentos nos fundos. Pensou em como era fácil corromper alguém que jogava para os dois lados. Isso fez com que se lembrasse primeiro de Rabicho, que traíra seus pais, e depois, com um lampejo de ódio, de Snape. O traidor ranhoso que havia matado Dumbledore.

Tentando permanecer com o sangue frio, Harry voltou os pensamentos para o destino que precisava seguir agora: Hogsmead. Era o único jeito de chegar perto de Hogwarts. Mas imaginava que não conseguiria entrar no castelo sem autorização, e não queria dar a Ordem o prazer de saber onde ele estava. Era óbvio que os membros estavam em seu encalço, e Harry se regozijou com o prazer de sumir sempre por entre os dedos dos aurores. Lembrou-se com carinho de Lupin, quando este dissera pela primeira vez que ele daria um bom auror. Harry ainda acreditava nisso.

Aparatou em Hogsmead, num ponto escuro próximo ao Três Vassouras. Vestiu a Capa da Invisibilidade, segurando a varinha de modo firme na mão invisível. A escuridão esconde perigos que ninguém pode subestimar. Caminhou em direção a Casa dos Gritos, que ficava no alto de uma colina ao norte de Hogsmead. A grama que crescia no monte estava coberta por um orvalho gelado, que fazia piorar a sensação de frio que Harry sentia. Estavam no fim do inverno, mas o frio ainda era cortante e não denunciava em nada a primavera que chegaria em algumas semanas. A Casa dos Gritos estava coberta de neve e pontos congelados. O branco brilhava com a luz da lua, dando a construção um aspecto mais fantasmagórico do que o povo do vilarejo bruxo já acreditava que ela tivesse.

Hogwarts era protegida por diversos feitiços, e Harry sabia que não poderia aparatar diretamente nos terrenos da escola. Portanto, a única forma que conhecia de adentrar o local era pela passagem secreta da Casa dos Gritos, que daria diretamente abaixo do Salgueiro Lutador. Cruzou o portão quebrado da casa, lançou um feitiço na porta de entrada e logo estava subindo as escadas rumo ao quarto onde ficava localizada a passagem para Hogwarts. Já estivera ali antes e um nó apertou sua garganta. Não um nó de medo, mas de saudade. Fora ali que encontrara pela primeira vez o padrinho Sirius Black, pouco depois de ele sair de Askaban. Também fora ali que ele descobrira que Sirius não era traidor e que não havia ajudado Voldemort a matar seus pais. Por um momento, Harry exultara de felicidade com a perspectiva de ver vivo um parente do mundo bruxo. Mas a felicidade durara pouco. Por conta da fuga de Rabicho, Sirius teve que viver escondido até o momento em que saiu para defender Harry no Ministério. E assim fora atirado para dentro daquele véu por Belatriz Lestrange.

Tentando afastar as lembranças, Harry percorreu a passagem até chegar ao Salgueiro Lutador. Com a ajuda de um galho, manteve o botão no tronco da árvore pressionado para que pudesse sair sem levar uma bofetada. Ainda vestia a Capa e não poderia tirá-la tão cedo. Sorte que apenas ele no mundo bruxo possuísse algo semelhante ao Mapa do Maroto, que viajava com ele no bolso da jeans. Desdobrou o papel apressadamente, verificando quais eram as possibilidades de entrar no castelo pela porta da frente. Por sorte, encontrou o local deserto e conseguiu abrir as pesadas trancas com um Alorromora.

Harry lembrava-se vagamente de ter visto a professora McGonagall levar o colar quando este quase provocara a morte de Cátia Bell no ano passado. Por isso decidiu seguir para a sala da diretora. Não fazia idéia de como entraria, a senha da gárgula de pedra deveria ter mudado há muito tempo. A última vez em que estivera lá, o quadro de Dumbledore ressonava placidamente, como se o bruxo não tivesse acabado de ser brutalmente traído e assassinado. Não importava como, mas Harry precisava entrar no escritório que agora pertencia a McGonagall. Precisava fazer isso por Gina. “Por Gina”, pensava sem parar.

Ao chegar no corredor onde ficava o escritório da diretora, Harry precisou ser rápido para se esconder atrás de uma armadura, que começou a reclamar com palavras incompreensíveis, enquanto duas pessoas vinham pelo lado oposto tentando fazer o mínimo de barulho possível. Mas não estavam tendo muito sucesso na tarefa, pois Harry conseguia ouvir o que, entre dentes, eles murmuravam.

- Luna, eu disse para você que isso não era boa idéia! Alguém vai pegar a gente!

- Ah, pára com isso Neville! Eu vou embora daqui, já falei. Mesmo porque não acho que Hogwarts sirva muito agora que o combate parece iminente.

- Mas Luna, o combate sempre esteve iminente. Aliás, ele já começou desde o dia em que saímos do Ministério, não é mesmo? Ou você se esqueceu de tudo o que a gente passou lá? Vai adiantar abandonar Hogwarts agora? O que a gente vai poder fazer se não tiver nem completado os nossos estudos?

- O Harry também não completou os dele, no entanto, você vê ele por aí? Pára, Neville, Hogwarts não é o mais importante nesses tempos. O mais importante é ter coragem e peito firme pra encarar os problemas, como Harry fez.

Atrás da armadura que ainda resmungava, Harry sentiu seu peito inchar de orgulho. Luna sempre acreditara nele. Percebeu no mesmo instante como sentira falta dos dois amigos durante aquele ano. A presença deles era sempre reconfortante. Mesmo que Neville fosse um tanto quanto atrapalhado e Luna combinasse perfeitamente com o apelido maldoso Di-Lua Lovegood, ele sabia que tinha ali dois fiéis membros da Armada de Dumbledore que jamais o abandonariam. Num arrombo de súbita euforia, despiu a capa e pulou de trás do esconderijo, sobressaltando os dois amigos.

- Bom, talvez o Harry não esteja tão longe assim de Hogwarts!

Neville levou a mão a boca para sufocar um grito. Luna, no entanto, mantinha-se impassível, um sorriso de orelha a orelha a dominar o rosto como se já soubesse que Harry saltaria como um gato por cima deles no corredor da sala de McGonagall. Como que para completar a impressão de Harry, Luna concluiu:

- Não falei, Neville? Não foi em vão que te acordei no dormitório da Grifinória hoje para fugirmos daqui. Noite, Harry!

- Noite, Luna! Noite, Neville.

- Uau, Harry! O que você faz aqui?

O bruxo deixou de lado a idéia de que deveria empreender essa viagem sozinho. Afinal, por mais que tentasse, sempre aparecia alguém para ajudá-lo, direta ou indiretamente. Talvez aquilo só viesse reforçar o quanto era querido pelos seus amigos, o quanto eles se importavam com ele. Apesar de saber que Dumbledore só autorizara Harry a contar sobre as horcruxes para Rony e Hermione, ele já havia contado para Gina. Que mal haveria em manter Neville e Luna informados? Eles haviam provado seu valor tanto quanto Rony e Hermione. E Harry contou a eles os últimos acontecimentos, de forma bastante resumida, e o que o trazia a Hogwarts.

- Por sorte, eu sei a senha para entrar na sala de Dumbledore – dissera Luna, com a voz mais plácida do mundo, como se estivesse apenas contanto a Harry o que comera no café da manhã.

- Como assim, Luna? – perguntou um Harry boquiaberto.

- Ah, é que quando a Gina sumiu, eu vim até a sala conversar com McGonagall. Sabe, dizer que eu achava que a Gina andava estranha e tudo mais. E então encontrei-a no corredor, e lembro de ter ouvido ela murmurar a senha, como se estivesse tentando fazer com que eu não ouvisse.

- Bom, acho que não funcionou muito, não é mesmo?

- Ah, não, não funcionou, Harry – e agora Luna sorria com uma espécie de orgulho desmedido que lembrava Hermione. – Eu ouvi!

- E qual é? – Neville parecia ainda aturdido, mas não queria ficar por fora das conversas.

- Sangue de dragão.

A gárgula, como que impulsionada por uma magia antiga e infalível, girou para os lados, dando lugar a escada em forma de caracol que levava para o escritório que pertencera a Dumbledore. Luna, Neville e Harry saltaram e a escada subiu até que se depararam com a pesada e escura porta. Por um momento, Harry pensou que ela estivesse trancada. Imaginou também se aquilo que vinha de dentro da sala eram vozes, mas balançou a cabeça diante do improvável. No entanto, ao empurrar a porta, seu queixo caiu: Rony, Hermione, Cho Chang, Miguel Corner, os irmãos Creevey , Dino Thomas, Ernesto McMillan, Lino Jordan, os Gêmeos Weasley, Justino Finch Fletchey e até mesmo Zacarias Smith estavam parados, ao lado de uma mulher com vestes rígidas e pose austera: Minerva McGonagall.

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