Capítulo 20



NOTA: a identidade do homem jamais mudou.

como muitos sabem, comecei a escrever a fic ANTES (mais ou menos um ano antes) do lançamento do livro sete. lógico que algumas coisas eu não pude prever. ainda assim, desde a primeira versão do enredo, a identidade do encapuzado SEMPRE foi essa. mudei alguma coisa no final, fato, mas mais sobre isso nas notas finais.

=)

---


Ela estava deitada, imóvel, na cama. Talvez jogada, caída, abandonada.

A luz das velas podia ser trêmula e insuficiente mas ainda assim permitia com que ele visse seus olhos abertos, fixos no nada. E o vermelho escuro e cheio de maus presságios espalhado sobre a parte superior de seu corpo.

Imóvel.

Indiferente ao som dos passos dele e à sua presença ali na porta do quarto.

"Lily", Severus ofegou, e correu até a cama e se ajoelhou no chão ao lado dela.

E se desmanchou num suspiro aliviado quando ela pestanejou e pareceu despertar.

"Sev", ela murmurou cansada e triste, e estendeu um pergaminho para ele.

Negativo.

Foi a primeira palavra que ele leu, logo abaixo do símbolo do hospital St. Mungus. Severus já estava relativamente conformado com a idéia de um bebê então teve que destruir todos os pequenos blocos de conformismo que havia criado para não enlouquecer e deixar tudo desandar antes de suspirar de alívio pela segunda vez. E acrescentou palavras de pesar para não parecer indiferente e, pior que isso, feliz:

"Sinto tanto, Lily."

"Eu tinha tanta certeza, Sev. Tanta!", ela disse, sentando-se na cama, arrasada e apagada.

Ele se sentou ao lado dela e a abraçou - fazia tanto tempo em que não a abraçava daquela forma, mas também, fazia tanto tempo que não a amava daquela forma, aliviada e necessária e simples. Sentiu lágrimas dela em seu rosto e disse:

"Podemos tentar de novo mais pra frente. Depois da guerra, quero dizer. Seria... realmente ótimo termos essa criança, Lily... mas agora, é tão arriscado."

"Você... quer mesmo?", ela perguntou, devencilhando-se do abraço dele e olhando-o nos olhos, daquela forma perigosa que parecia ver dentro dele, de sua alma escura e mentirosa, "Fiquei com a impressão de que você não estava tão feliz com esse bebê quanto eu."

O tom de voz e a expressão neutros vieram de forma fácil e sem culpa quando ele mentiu:

"Meu único problema, Lily... é com a guerra. Estava preocupado com você, sei que não se contentaria em ficar em casa..."

"Não mesmo", ela disse, e deu um pequeno sorriso cúmplice.

"... e seria tão arriscado."

Ela suspirou, e pareceu eliminar um pouco da tristeza com o suspiro.

"Talvez fosse mesmo um pouco arriscado, Sev... mas eu poderia conseguir. Eu sei. Já tinha feito tantos planos...", então, ela suspirou outra vez com um quase nada de raiva, e riu: "Engordei por causa do stress, dá pra acreditar nisso? Mal estou comendo e engordei."

Em resposta, Severus deu um pequeno sorriso que tentava parecer divertido.

"Vamos tentar de novo mais tarde, Lily. Eu prometo."

"É, é. O que mais nós podemos fazer, não é mesmo?", ela se perguntou, e voltou a olhar de maneira fixa e estranha na direção dele.

Quase como se soubesse o quanto ele tinha pedido para que aquela criança não existisse.


*


Mergulhar em um lado de si mesmo que ele havia preferido renegar.

A sugestão de Dumbledore havia parecido loucura no começo, mas agora, parecia ser a única coisa que Severus podia fazer para salvar Lily, por mais irônico que fosse.

Ah, não, claro que ele não era tolo e fraco a ponto de se deixar influenciar e voltar a ter exatamente os mesmos pensamentos que possuía, antes. Suas prioridades e aspirações haviam sido mudadas, radicalmente, à força, em seu último encontro com o homem - e embora a urgência da mudança houvesse se perdido um pouco, com o passar do tempo e a segurança de estar num relacionamento sério com Lily, a ameaça contida no pergaminho o havia feito despertar. Não estavam a salvo, ainda.

Então ele se forçava a recordar como era.

Desejar o sombrio e o maligno acima de tudo. Usá-los para alcançar seus objetivos. Desejar, realmente desejar, inflingir o horror, o sofrimento, a dor a seu semelhante.

Logo, Severus descobriu que não era assim tão difícil. Não quando seu maior inimigo, James Potter, abertamente se insinuava para sua namorada. Lily apenas zombava e não cedia - ainda, era o que Severus amargamente e com um pânico cada vez maior pensava. Ela estava diferente, triste, apagada,era o que Potter fazia questão de dizer. E depois, se perguntar em voz alta o suficiente para que todos ouvissem se Severus não a estaria tratando bem.

Severus desejava profundamente que estivesse conseguindo esconder a culpa e o medo. Tinha certeza de que não, não era muito bom naquilo, sentimentos e que não a estava tratando bem, de que havia sido um insensível quanto ao filho que jamais existira e que Lily ainda estava chateada com ele por aquele motivo. Por mais que ela dissesse estar tudo bem e que parecesse de volta à normalidade, ele sentia que alguma coisa havia mudado.

Então ele odiava Potter por colocar o dedo em sua ferida, e aquele ódio tornava bem mais fácil mergulhar no passado.


*


Ela estava deitada, imóvel, no chão. Não, não deitada. Visivelmente caída, jogada e então, abandonada.

A luz das velas podia ser trêmula e insuficiente mas ainda assim permitia com que ele visse seus olhos abertos, cujas pálpebras piscavam rapidamente. E o vermelho escuro e cheio de maus presságios espalhado sobre a parte superior de seu corpo e sobre a parede.

Gemendo.

Indiferente ao som dos passos dele e à sua presença ali na porta do quarto.

"Mãe", Severus ofegou, e correu até o corpo e se ajoelhou no chão ao lado dela deixando cair o pergaminho que carregava a notícia de morte.

"Severus", ela gemeu mais alto, e estendeu a mão segurando a dele com força.

"Mãe", ele repetiu, assistindo a vida abandonar o rosto dela e desesperadamente tentando pensar em alguma coisa que pudesse fazer para salvá-la. Ele tinha de ter deixado alguns ingredientes e caldeirões para trás, talvez... talvez pudesse preparar rapidamente alguma coisa, suficiente para mantê-la viva até poder levá-la ao hospital. Talvez...

"Não me deixe, Severus. Não outra vez. Não agora, que estou morrendo."

"Mãe. A senhora não vai morrer, eu vou dar um jeito, eu só preciso..."

"Não", ela gemeu outra vez, cheia de dor, e piscou rapidamente esmagando com as pálpebras as lágrimas que caíam agora caíam de seus olhos. "Não vá, Severus! É tarde demais, tarde demais...", Eileen disse num sopro.

Severus assistiu com olhos arregalados e cheios de terror e culpa sua mãe cerrar as pálpebras e se imobilizar por um segundo completo. Então, mais um segundo. E mais outro. Quem, por quê...? Ele pensou vagamente em algumas hipóteses e uma delas pareceu ganhar mais força. Assim como a mão dela, subitamente, que agarrou a sua com desespero. Eileen abriu os olhos outra vez.

"Me prometa, meu filho", ela sussurrou, tão baixo que ele teve de se curvar sobre o corpo moribundo da mulher para conseguir ouví-la.

Severus olhou em volta, em busca de inspiração, e só então descobriu as palavras escritas na parede. Em vermelho profundo.

"Você sabe quem será a próxima."

Ele não precisava de nenhuma pergunta quanto à autoria daquele ataque.

Subitamente sentiu que respirar lhe parecia tão difícil quando devia ser para a mãe, o ar se tornara denso e viciado, seu corpo, extremamente fraco.

"Severus", Eileen disse, aos tropeços. "A sangue ruim."

Ah, deus, não, aquilo não, não outra vez. Não agora. Quando ele já estava frustrado e cansado e desesperado demais. Não naquele último instante... inspirando profundamente, ele se endireitou e tentou ficar de pé.

"Posso salvá-la, mãe. Sei que posso, só me deixa..."

"Não", ela choramingou, segurando com força a mão do filho. "Não, Severus, não me deixa, meu filho... por favor, respeite minhas últimas vontades... é o fim... não aguento mais", ela murmurou, e se calou e seus olhos se fecharam mais uma vez.

Ela estremeceu e então, ficou imóvel.

Seus olhos caíram sobre um frasquinho abandonado no chão. Ele o apanhou. Cheirou-o. Um traço de veneno de basilisco, misturado a outras substâncias. Não havia mesmo nada a fazer. Não havia antídoto para aquele veneno, exceto a lágrima de uma fênix, e onde poderia ele conseguir uma? DUmbledore... chegaria a tempo? Se Eileen já não estivesse morta, o estaria muito em breve. Com todos os cortes em seu corpo e pancadas que havia sofrido... ele gemeu. Respirar se tornou difícil outra vez e a luz trêmula e fraca das velas dificultava um pouco acreditar que aquilo tudo realmente acontecia. Por sua culpa. Ah, não, não estivera ali, nunca havia realmente se importado com ela nos últimos anos, não depois de romper definitivamente com as crenças da mãe... mas ainda assim. Era sua culpa. Talvez estivesse amolecendo por causa do contato com Lily e com o velho diretor. Talvez... curvou-se sobre o corpo da mãe outra vez, tentando sentir ainda alguma respiração em seu rosto.

"A sangue-ruim, Severus", Eileen repetiu, aos trancos. "Prometa que vai deixá-la. Por mim."

"Mãe."

"Por você, então, meu filho", a mulher choramingou. "A sangue-ruim, Severus... o fez desviar de seu caminho."

"Mãe."

"Você sempre foi tão inteligente, tão promissor... sempre... sempre os odiou, Severus!"

Severus gemeu, correu até a janela, abriu-a de supetão e, da ponta de sua varinha, fez surgir um corvo prateado, que voou pela noite escura na direção da sede da Ordem da Fênix.

"Deixe-a, Severus", o sussurro da mãe veio tão baixo que podia se apenas fruto de sua imaginação, mas, quando ele fechou a janela e se voltou na direção dela, seus olhos brilhavam resolutos e fixos com o pedido.

"Já conversamos sobre isso, mãe. Uma porção de vezes", ele disse, tentando desesperadamente procurar um novo assunto.

Mas Eileen estava irredutível.

"Ela o irá trair, Severus."

Ele pensou vagamente em Potter e estremeceu. Mas não. Potter estava sendo inconveninente, mas nada além daquilo aconteceria. Lily havia feito questão de dizer, mais de uma vez, o quanto Potter estava sendo ridículo... mas, se Severus não acreditava que aquilo aconteceria, porque se preocupar tanto? Tentou esconder o medo que sentia para não ter que dar razão à mãe.

"Ouça-me. Pelo menos essa vez. Ela irá usá-lo, sugar o que você tem de melhor... e então, abandoná-lo."

Mas era claro que não, não daquela forma. Lily não era ruim, não era Tobias, a mãe tinha de entender aquilo... e aceitar. Porque ele jamais deixaria Lily. É. Era aquilo. Não a deixaria nem deixaria que ela o deixasse e, por aquele motivo, ele se endireitaria. Mais. Faria mais além de entrar pra Ordem, além de fingir lutar para derrotar o Lord, mais...

"Deixe-a, Severus", Eileen suspirou, e seus olhos se fecharam.

E não voltaram a se abrir.



*


Severus nunca havia sido realmente apegado à mãe, mesmo quando bem pequeno. Dependera dela no começo, era fato, mas apenas porque não era capaz de cuidar de si próprio sozinho. Ela havia sido fraca e incapaz de se vingar; depois, sido fraca outra vez e intrometida, e tentando manipulá-lo choramingando e destacando a sua fraqueza. Tão desprezível. Mas havia existido alguma lealdade que ele não sabia explicar. Talvez no fundo compreendesse, sem querer admitir, que ela era simplesmente fraca e jamais poderia ser de outra forma. Talvez fosse pena. Talvez fosse apenas o elo entre um filho e sua mãe.

Fosse o que fosse, ele não podia deixar de se sentir atordoado pelo pesadelo que havia sido a morte de Eileen Snape. A dor, a tragédia, sua própria culpa. Mas nem tanto pelas palavras ou pelo que a mãe havia lhe pedido, porque ele não cumpriria... ora, era claro que Lily não o trairia. Claro, ele se obrigava a pensar, e se obrigava a não pensar no quão inconvenientemente próximo Potter vinha se tornando. Mas não. Lily ainda estava ali, com ele, segurando sua mão o tempo todo, desde o instante em que chegara à casa (e Severus havia tido presença de espírito o suficiente para apagar da parede as ameaças escritas em sangue), depois durante o enterro e agora, quando a vida devia continuar. Tão próxima quanto havia sido antes de toda aquela estúpida história de gravidez. Voltando sua atenção toda para ele outra vez. Preocupando-se. Amando-o, apenas a ele.

"Que coisa horrível, Sev", ela ainda repetia de quando em quando se referindo ao assassinato da mãe dele.

E era outra coisa que Severus não conseguia compreender. Eileen havia ofendido Lily até mesmo publicamente, e ainda assim, Lily estava lá, lamentando a morte e tão ou mais chocada do que ele. Talvez ele jamais viesse a compreender, mas o aliviava, um pouco, porque reforçava sua crença na bondade e lealdade de Lily, e na esperança de que as previsões da mãe jamais se cumpririam.

"Como é que você está?, ela perguntou mais uma vez, colocando para trás da orelha dele a mecha de cabelo negro que ele voltara a deixar cair no rosto. O velho e irritante hábito de se esconder, que havia abandonado há algum tempo, e retomado.

Então ele murmurava que estava tudo bem, e que já estava afastado da mãe há tanto tempo que podia simplesmente imaginar que ainda estavam afastados, de maneira que não sentiria tanto a morte dela.

"Mas foi assassinato... foi horrível... e quem fez isso não pode sair impune."

"E não vai", ele se apressava a dizer, acrescentando que a mãe havia lhe contado sobre os responsáveis.

Tanto a esconder de Lily.

E mesmo que ainda fosse um pouco irritante o fato dela recordar a quase todo instante que ele agora estava na Ordem e poderia dar um jeito nos assassinos da mãe, blablablá, ele tinha consciência do quanto a amava. Do quanto podia se considerar um homem de sorte por ela amá-lo de volta. Da necessidade de preservar aquele amor e aquele relacionamento acima de qualquer outra coisa. Ela o observou por algum tempo, calada, os olhos preocupados e ternos, então beijou-o. E outra vez, e outra, beijou-o na boca, nos olhos, na testa, ele pouco se importando com o fato de estarem em um pequeno café no Beco Diagonal, à vista de todo mundo. Porque era importante demais aquela demonstração de afeto depois de tudo, principalmente da crise por causa do filho, que fora tão real por alguns dias. Severus inspirou profundamente. Vinha pensando naquilo há anos. Mas jamais achara que Lily o amasse realmente, ou talvez, que as coisas entre eles realmente funcionassem, por isso jamais havia tocado no assunto. Diabos. Jamais havia admitido para si mesmo. Mas sentia que agora estava pronto, que não havia mais motivo para dúvidas, ou talvez fosse apenas seu pânico o impelindo a criar um laço realmente forte.

Severus inspirou profundamente outra vez, e disse:

"Estive pensando... estamos juntos há algum tempo."

Ela o espiou cheia de curiosidade crescente quando ele se calou, tomando coragem, e como ele continou calado, ela o incentivou, apertando sua mão e sorrindo.

"Acho que... o que você diria de... de... de tornarmos... oficial?"

Lily ofegou, então, o sorriso cresceu e seus olhos se arregalaram.

"Oficial? Você quer dizer... nos casarmos?"


*

As coisas já tinham ido longe demais.

Ninguém nunca dera muito para o namoro de Lily com Ranhoso, mas não só havia durado anos, como, aparentemente, continuava firme e forte. Claro. A palavra-chave para ele era aparentemente. James não acreditara muito quando Dumbledore lhe contou que o motivo de Lily parecer chateada era pura e simplesmente a guerra. Ele tinha esperança, não, mais do que esperança... ele sabia que aquele relacionamento doente, sujo e sem sentido finalmente havia começado a acabar. Ele sentia no ar, farejava, como se ele fosse Almofadinhas em pessoa.

Não era possível que Lily, logo ela, tão certinha e perfeita, se envolvendo com um mau-caráter. James jamais englira aquela história.

Porque ele simplesmente não acreditava que se pudesse mudar a natureza de uma pessoa. Nem mesmo por amor. Ele, por exemplo. Ele jamais se tornaria santo por quem quer que fosse. Mesmo Lily. Só tomaria algum cuidado. Provavelmente Ranhoso, depois de gastar metade do cérebro, houvesse chegado também àquela conclusão. Ele só precisaria desmascarar o maldito Ranhoso. E era o que estava fazendo ali, pela terceira ou quarta vez no mês, no começo daquela noite fresca de outono. Mexendo em documentos da Ordem ele havia descoberto onde os dois moravam, e ido espionar. Confirmar suas suspeitas de crise e pensar numa maneira eficiente de trazer à tona a verdade sobre Snape. Mas não tivera muita sorte até então. Nada comprometedor nas outras vezes e, naquela noite em especial, estava há
horas que estava ali vigiando um apartamento vazio e com as luzes apagadas.

James praguejou e saiu para andar pelas ruas, a fim de esticar um pouco as pernas e, quem sabe, descobrir alguma maneira de não ter uma noite inteira perdida. Podia invadir o apartamento, não? Talvez inconscientemente já previra aquela necessidade, o bolso estufado com a Capa da Invisibilidade era prova. Claro, o local provavelmente seria protegido... mas ele conhecia alguns bons métodos de invasão que não envolviam magia. Deus abençoasse os trouxas. O que o desmotivara até então havia sido a possibilidade de, por acaso, ser obrigado a presenciar um contato mais... íntimo de Lily com Ranhoso. Ele não conseguia adivinhar o que seria maior, seu nojo ou sua raiva. Contato íntimo. Que coisa mais nojenta. Não, aquela palhaçada tinha de acabar o quanto antes, ele resolveu, chutando uma pedrinha que acertou uma lata de lixo e fez um som que pareceu grande demais por causa de todo o silêncio que caía sobre a rua. Olhou em volta, debochando da pouca classe do local onde Ranhoso havia levado Lily para morar. Pobre coitado. Se ela sonhasse com o que ele, James, poderia lhe dar... o som de passos furtivos interrompeu seus devaneios. James escondeu-se atrás de uma árvore enquanto jogava sobre o corpo a Capa de Invisibilidade. Ele conhecia bem aquele jeito de pisar, muito leve, porque o havia ouvido milhares de vezes em seus anos em Hogwarts, nos pés de seus companheiros. E por aquele motivo exato sabia que quase nunca as intenções que aqueles passos carregavam eram boas. Coberto pela capa ele retirou a varinha do bolso, e apertou os olhos, tentando descobrir o dono das pisadas. Sentiu-se arrepiar, sentiu o nível de adrenalina subir quando não enxergou ninguém mais na rua além dele. Cautelosamente, realmente em silêncio, aproximou-se do prédio onde Lily morava. Os passos do outro recomeçaram. Então, James finalmente o viu. Ou quase. Porque o estranho também usava uma Capa da Invisibilidade mas, por baixo dela, uma outra capa, feita em tecido negro, que cobria quase todo seu rosto.

Todos os pêlos de seu corpo se arrepiaram. Era um dos seguidores de Voldemort, só podia. Não contente em em estragar a vida de Lily, Severus seria também o responsável por acabar com ela, James pensou, apressando os passos porque o Comensal, de alguma maneira, conseguira abrir a porta de entrada do prédio e subir as escadas. James, no desespero, tentou aparatar. Conseguiu surgir no Hall de Entrada, e correu escada acima até o primeiro andar, onde o Comensal já abria a porta do apartamento.

"Pare", ele gritou, revelando-se e apontando a varinha para o intruso.

O homem imediatamente se congelou, em pânico. Mas não demorou a se recuperar e apontou a varinha para James. O tempo que ele levou, no entanto, para se virar e fazer o feitiço foi suficiente para James berrar "Expeliarmus!" e depois, invadir o apartamento.

O homem havia caído por cima de uma poltrona e ali jazia, desacordado, o capuz caído para trás.

Furioso, James agarrou-o pela gola do casaco e pôs-se a sacudi-lo, para que ele acordasse e pudesse revelar seus planos, depois ser torturado e então, finalmente, colocado fora de combate. Foi só quando as pálpebras do homem começaram a piscar e seus lábios, a se mover, deixando escapar gemidos de dor, foi que James começou a reparar em sua face. No quão familiares eram os traços do homem, apesar de velhos, gastos, sofridos. Era como se ele estivesse olhando para seu próprio rosto. Foi a vez de James congelar e largar imediatamente a gola do casaco do homem. Então, de repente, o outro abriu os olhos. Eles eram absurdamente verdes. Verdes como os de Lily. James deu um grito abafado. O homem, então, aproveitou-se do choque e estuporou o rapaz com sua própria varinha.

Com alguma dificuldade, Harry Potter colocou-se de pé. Passou a mão pela testa, a superfície gelatinosa da cicatriz dos dois dedos a menos roçando a superfície de sua outra cicatriz, a mais antiga e famosa delas. Com o coração aos saltos, olhou em volta. É. Ele tinha estado mesmo certo ao pensar que deveria tomar muito cuidado com seu pai. Pai. A palavra escapou-lhe dos lábioscom ternura. Foi por muito pouco que não se ajoelhou ao lado dele e o acordou e fez... sabe-se lá o que poderia fazer. Não, nada. Apenas deixá-lo ali exatamente onde estava, desacordado. James. Amava-o tanto que sentiu seu coração se apertando da mais pura dor e angústia. Mas seria bom seguir seus planos - James também continuaria a viver. Não tão feliz como seria com Lily, mas vivo, de qualquer maneira. E Lily não seria enganada por ele. E continuaria viva. E Severus receberia, ainda que naquela outra versão, sua recompensa por ter sido tão leal, por ter amado tanto.

Ele compreendia, agora.

Apanhou o envelope de dentro do casaco e colocou-o em cima da mesa. O envelope continha a finalização de seu plano, e aquele era o momento certo: Severus Snape na Ordem da Fênix, sendo útil e compreendendo que deveria derrotar Voldemort para viver em paz. Harry olhou em volta e enxergou sua varinha caída do lado de uma pilha de livros. Apanhou-a. Arrumou a bagunça do local e, sentindo outra vez angústia e amor comprimindo seu peito, apontou a varinha para seu pai e murmurou com tristeza:
"Obliviate".



*


"E quando, Sev? Quando?", Lily perguntou, com os olhos brilhando, fazendo-o pensar que devia ter proposto aquilo antes.

Snape suspirou, meio aborrecido:

"Depois da guerra, pra variar."

Lily fez um muxoxo.

"Droga. Eu me casaria agora com você, Sev. Sabia disso?"

Ele olhou para o chão, sentindo os cabelos cobrirem seu rosto outra vez, e chutou uma pedrinha junto a uma lata de lixo. Então, ergueu a cabeça de repente e perguntou:

"Casaria mesmo?"

Lily riu.

"Por que não?"

Ele deu de ombros.

"Eu não sei", sem muita coragem para abordar o assunto 'filhos' ou seu re-envolvimento com as Artes das Trevas.

Porque ele sentia que aquilo não lhe fazia bem... mas era sua única arma naquela guerra e deus. Era tão difícil.

"Olha só pra você", ela disse. "Quando é que eu te imaginaria aqui, do nosso lado, lutando contra Voldemort? Contra aquilo em que você mesmo sempre acreditou? Se eu ainda tinha dúvidas, Sev, de que você tivesse mudado..."

Ele suspirou.

"E você sabe", ela continuou, "Que esse sempre foi o único lado que eu abominava em você. Sabe, não sabe? Que jamais andei com você por pena, como muita gente gostava de dizer. Lamento por eles", ela disse, franzindo a testa. "Com essa forma tão pequena de pensar. Deixando de ver alguém tão interessante e único como você."

Severus suspirou outra vez. Ainda demoraria algum tempo para ele se convencer de que ela realmente se sentia atraída por ele e o amava. Mas ela havia aceitado o casamento e era o que importava. Ele estendeu o braço e segurou a mão dela, acariciando-a até chegarem ao apartamento.

Foi Lily quem o viu primeiro: o grande envelope pardo sobre a mesa de trabalho, que ocupava metade da sala. Franzindo a testa, ela o pegou. Severus seguiu-a de perto, a tensão retomando conta de seu corpo.

"Não, Lily", ele pediu. "Não abra" e, diante do olhar inquisitivo dela, acrescentou que podia ser um truque, uma ameaça, até mesmo um atentado.

Ela franziu a testa e, lentamente, colocou o envelope de volta sobre a mesa, retirou a varinha do bolso do vestido e murmurou "revele-se".

Nada aconteceu. Ainda assim, Severus tomou para si a responsabilidade de abrir o envelope. Ele continha mapas, documentos, velhos pergaminhos, e uma carta. Breve, ela dizia que o material ali contido era a chave para a derrota de Voldemort. Lily se aproximou, lendo por cima do ombro de Severus, com a testa franzida, a princípio, então, a expressão se iluminando aos poucos. Ela e Severus descobriram então sobre a obsessão de Lord Voldemort pela imortalidade e a forma como ele pensava tê-la obtido. Os horcruxes, sua localização exata e a maneira de destruir cada um deles.

Lily foi a primeira a romper o silêncio pesado que caiu sobre ambos.

"Você... você acha mesmo que é possível?"

A mente de Severus funcionava com rapidez, e ele disse, por fim:

"É possível. O Lord faria qualquer coisa... qualquer coisa, para vencer a morte."

"Hmm. E quem... quem você acha que deixou isso aqui? E por que nós? Por que não entregar para Dumbledore?"

Severus tinha uma vaga idéia de como responder àquelas perguntas, mas guardou as respostas para si mesmo e disse:

"Quem é que pode saber, Lily? Mas sabe de uma coisa? Acho que deveríamos nós mesmos, agora, levar isso aqui para o velho. O que é que você acha?"

"Acho que já esperamos demais", ela disse, resoluta, e ouxou Severus pela mão e trancou a porta e juntos aparataram até Hogsmeade.


*


"Sabe o quê?", Hermione perguntou, com lágrimas escorrendo face abaixo, alisando para trás os cabelos negros de Harry.

"O quê?", Ron perguntou de volta, ele mesmo sentindo uma pequena lágrima escapar de seus olhos. E depois, outra, ao olhar para Harry.

"Ele parece bem feliz", ela disse, com a voz embargada.

Ron secou os olhos com as costas da mão e olhou atentamente para o corpo de seu melhor amigo. É, Hermione tinha razão. Harry parecia mesmo feliz. Pela primeira vez em décadas.

"Por quê?", ele perguntou à esposa.

"Quem é que pode saber? Ele andava tão fechado e misterioso nas últimas semanas... mais, quero dizer."

"É", Ron disse apenas, e suspirou.

Tinha chegado ao fim. E como quer que houvesse sido aquele fim, pela expressão de paz e realização no rosto de Harry, alguma coisa muito boa tinha acontecido.


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porque dar uma de cupido é MUITO melhor do que "albus severus" >:D

ok, aqui eu confesso... tive medinho de que algumas pessoas sacassem a identidade porque é público e notório o quanto tenho uma *cough* leve obsessão por dark!harry... inclusive foi uma das minhas frustrações com o deathly hallows. nada de harry sombrio. thanksgod ninguém associou uma coisa à outra.

adorei toda e cada uma das teorias de vocês <3

e a fic acaba aqui. originalmente eu tinha planos pra mais capítulo & epílogo, mas achei melhor mudar um pouco o enredo e colocar um final feliz logo de uma vez :P não ando com muita vontade de escrever (acho que muita gente já notou) e inclusive decidi abandonar a carreira, ou, no mínimo, deixá-la num hiatus eterno. decidi isso tem mais ou menos um ano, sempre surgia uma ou outra coisinha que eu não podia deixar pra lá... mas agora realmente cheguei no limite. não fiquem tristes, no entanto. comemorem. ou porque a biatch-mor bateu as botas, ou porque eu vou poder viver um pouco mais e me dedicar aos meus outros 95749749 hobbies (ler, desenhar, cozinhar, fotografar, pensar, inventar moda, tocar guitarra, vagabundear... ocasionalmente, escrever mais, também. mas não fanfics).

então, nos capítulos finais planejados originalmente, pottah nocauteava o harry e fugia, sev & lily davam de cara com ele desmaiado na sala, ele acordava e contava sua triste história: na versão 1 ele era ferido na batalha final pela nagini, mesma ocasião em que ele perdia ginny weasley e descobria a história de snape. depois, além de descobrir seu lado negro, ele entrava numa depressão emo sem fim, por ter sido injusto e perdido o amor de sua vida, e resolvia compensar snape... e não nascer, pra não ter uma existência tão f*dida. depois que o livro sete saiu, o plot final passou a ser: harry se feria numa batalha onde lutou como auror, bem mais velho, e perdia a família, também. mas nunca deixou de se sentir muito mal por causa do snape. e a doença dele, que o obrigava a tomar remédios e poções e o fazia perder o controle do lado negro, teve origem em algum envenenamento que eu não me lembro agora, mas que anotei num dos meus infinitos papeizinhos. lily ficava muito, muito tocada pela história (além de jamais ter acreditado completamente nos desejos de severus querer um filho), e resolvia que era capaz, sim, de dar uma vida decente e boa pro harry naquela realidade (afinal, eles sabiam da existência dos horcruxes, agora, e snape não tinha ouvido nenhuma profecia então seria infinitamente mais fácil derrotar o cara-de-cobra), e surtava TOTAL e ia atrás do james - pra fazerem um novo harry. tinha que ser o harry, não podia ser um bebê snape. notem que ela já tinha se sentido muito comovida pela história do harry quando ele era apenas "o encapuzado misterioso" (cap. 5, se não me engano), imagina depois de descobrir que ele era filho dela. severus, por sua vez, também surtava, lembrava da previsão de eileen, da traição de lily, e resolvia chutar o pau da barraca e seguir seu caminho: se tornar um comensal da morte.

o nome da fic, "love will tear us apart", tem a ver com isso, com lily deixando severus porque, canon, meu povo, o amor dela pelo harry é maior do que o amor por qualquer outra pessoa. ela morreu por ele. o que é dar um pé na bunda do namoradinho perto de morrer?

eu devia trocar o título pela 5874957594 vez, voltar pro primeiro nome, "anjo negro", quem sabe. talvez faça isso, talvez não, hahahah - já virou piada, não é mesmo?

o encapuzado jamais poderia ser o snape, porque na cena que ele mostra pro severus, logo no começo, vemos a data da morte do snape em seu túmulo... e como ele poderia ter obtido isso se fosse o próprio snape? o snape daquela linha do tempo teria que estar morto pra ter uma sepultura e, estando morto, jamais poderia obter a memória da própria spultura (dã. é óbvio). as "memórias" de severus com lily não são memórias, ou antes, são memórias, mas do próprio harry. memórias da mais pura encenação - atores, transfiguração, etc.

ah! como harry conseguiu um vira-tempo? além de ter se tornado riquíssimo, ele derrotou voldemort, fazendo com que a gratidão da bruxidade não tivesse limites. eles fariam tudo por ele, e a única coisa que harry queria era concluir o plano que o obcecava.

depois do lançamento do DH *EU* entrei numa depressão emo sem fim por causa da morte do snape e planejei uma continuação, com a lily grávida do harry sendo perseguida (pettigrew traidor, em sua forma de rato, em algum momento ouviu quando snape e lily contaram a dumbledore sobre as horcruxes) e snape-comensal ainda a amando desesperadamente apesar de odiá-la, indo atrás e protegendo-a e os dois fugindo como párias pelo país e se acertando eventualmente, é lógico (e finalmente dar um final feliz pra essas pobres almas atormentadas), mas só depois do snape superar sua imaturidade emocional. quero acreditar que ele a superou nesta nova linha do tempo, de "love will" com um final feliz. ah, houve um bebê snape. por mais que severus não seja fã de crianças, ele topou um filho pra lily continuar com ele (e como ele a ama mais que tudo, e é racional, também, e sonserino, o baby snape foi apenas uma forma de atingir seu objetivo maior. uma vez definido isso, ele não teve maiores preocupações/problemas com a criança).

pra quem ficou comigo até o fim, obrigada <3 foi importante e doce. pra quem não teve paciência com todas as vezes em que reescrevi a fic, ou simplesmente se desinteressou pelo rumo da história: tudo bem. é um direito de vocês, e eu o compreendo perfeitamente (provavelmente teria feito o mesmo, haha). um agradecimento especial à beta, morgzinha - obrigada por ter me aturado por tanto tempo.

cuidem-se, sejam bons, felizes e produtivos.

:*

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