Capítulo 18



Ele levou a mão ao peito instintivamente, mas o distintivo de monitor não estava mais lá. As paredes de pedra não eram mais aquelas milenares que construíram Hogwarts, mas apenas um imundo beco do mundo trouxa. Os olhos que o fitavam do outro lado da entrada do beco não eram mais confiáveis, ele se forçou a pensar (era mais provável que nunca tivessem sido), não havia mais elo algum o unindo a seus donos. Não o respeitariam mais porque o distintivo era passado, até podia ser, mas ele podia simplesmente virar as costas ou então, atacar - e não seria punido. Ninguém seria punido. Era a vida real, agora. Era pra valer. Era tudo tão estranho e desolador e solitário. Severus acariciou nervosamente a varinha com dedos cujo tremor lutava para controlar. Sentia falta do que era seguro e sólido e, principalmente, de seu poder sobre os mais fracos. Tudo bem. Talvez ele precisasse fazê-los recordar por meio de uma pequena luta... mas seria mesmo ele o superior, agora? Ele quase podia ver a Marca brilhando malignamente por baixo das mangas, como se o tecido pesado e grosseiro fosse tão fino quanto gaze. A Marca Negra era o que sempre havia sido superior em sua mente.

Era tão estranha e sim, definitivamente confusa a situação em que se encontrava agora...

Ouvir seu nome sendo dito no tom de voz doce e ao mesmo tempo firme de Lily fez uma certeza, ao menos, brotar em sua mente. Sua voz era tão clara e poderosa que até mesmo a intensidade maligna com a qual seus ex-colegas o fitavam vacilou. Lily era como um feitiço do patrono, inextinguível, brilhante e forte, o guiando. Guiando-o para uma direção que ele não sabia se queria seguir.

A Ordem da Fênix.

Ele não sabia se queria lutar. Tudo bem, uma coisa era brigar por Lily abrindo mão da Marca Negra. Mas aquilo não queria dizer que ele quisesse destruir Voldemort e seus seguidores. Até porque aquela era uma idéia estúpida. O Lord havia começado a trilhar o caminho do poder absoluto há muito tempo atrás, cuidadosamente, e Severus simplesmente sabia que ele jamais abriria mão daquele poder. Diabos. Não era no que ele mesmo estava pensando há apenas poucos minutos? Recuperar o poder. Ele compreendia o Lord.

"... como poucos, Severus", Dumbledore disse, fitando-o gravemente por cima dos óculos de meia-lua, quando finalmente chegaram até a sede depois de aparatar. Como que lendo os pensamentos que Snape não deixara morrer durante a curta viagem. "Pelo menos, dentre os que temos deste lado", ele disse, abrindo os braços e abrangendo todo o pequeno grupo de pessoas na sala, o que não era difícil. Seu exército. O grupo com o qual tinha a pretensão de derrotar o Lord, Severus pensou, tentando ocultar um pequeno sorriso sarcástico e seus próprios pensamentos. "Nunca vou esquecer a rapidez com que o Chapéu Seletor o colocou na Sonserina... e a promessa só se tornou mais forte com o passar dos anos. Um Sonserino por natureza."

"Mas abri mão de tudo, Prof. Dumbledore", o rapaz replicou, cauteloso, desviando os olhos, apertando com força a mão de Lily.

O velho riu.

"É por isso que está aqui, Sev", Lily disse, como se ela, agora, estivesse lendo pensamentos, os de Dumbledore.

Ou pior, como se ela e o velho estivessem tramando e planejando a vida dele, Severus, por detrás de suas costas. Apertou ainda mais forte a mão dela - o outro punho se fechou de raiva. Diabos. Ele não queria lutar. Tinha sua própria guerra pessoal para travar - quanto à outra, imaginava que ele e Lily pudessem ficar simplesmente à margem, vivendo suas vidas, porque, claro, o destino compreenderia que uma guerra era suficiente para um único ser humano. Mas não. Só para variar um pouco, o destino não compreendia. Nunca compreendia droga nenhuma. E, misteriosamente, Lily também não compreendia sua escolha.

"... então, como... como a Sonserina está em seu sangue, sua natureza", Lily disse, séria, então, iluminando-se, "mesmo que você a tenha renegado..."

"... você se torna uma peça chave na Ordem, Severus", Dumbledore completou. É, tramando, ele e Lily. Com certeza ensaiando aquele discurso, os dois juntos sem consultá-lo, há dias. Podia ver claramente. "Não uma simples peça de ataque. Mas de estratégia."

Mas naquele momento, o que mais o pressionava e incomodava não era Lily e o velho tramando, não era a perda do poder... eram os olhos dela sobre ele, esperando que ele aceitasse. E um lado seu que se inclinava a aceitar, apenas para satisfazê-la. Enquanto que outro lado... Severus desembaraçou-se do toque dela e procurou a janela mais próxima, desejando poder escapar por ela e nunca mais ter de voltar àquele impasse. Inspirou profundamente enquanto mergulhava em recordações e tentava encontrar alguma onde o homem lhe dissesse o que devia fazer naquela situação. Procurou desesperadamente quando ouviu os passos dela o seguindo e sentiu seu perfume bem próximo.

Mas o homem não lhe havia dito nada sobre lutar contra os Comensais - apenas contra um deles. Aquele adormecido dentro de si. Sentiu raiva do homem por ser tão falho, tão afobado e incapaz de construir detalhadamente um plano. De ter de deixá-lo livre para fazer uma escolha tão complicada. Ele não queria lutar. Era-lhe algo tão indiferente. Guerra, pessoas morrendo, tendo sua liberdade restringida, os direitos fundamentais violados... ele fez um mínimo movimento de subir e descer de ombros. Pouco lhe importava... desde que ficasse com Lily, ao final.

"Por favor, Sev?", ela sussurrou, abraçando-o no meio de todos.

Fazia tanto tempo que demonstrações públicas de afeto não o aborreciam. Mas sua raiva não durou muito depois que ela encostou a face na sua.

"Mas pensei que fôssemos cuidar de nossas vidas, eu estudando Poções e você com o treinamento de auror..."

"Nada disso é tão importante, Sev... quando se pode fazer algo tão mais útil como ajudar Dumbledore", ela disse, entusiasmada e intensa. "Pra mim é como se fosse só um estágio adiantado... E não é como se você fosse perder tanto tempo assim com a Ordem... você pode perfeitamente continuar com seu curso durante as manhãs e ajudar a Ordem no resto do tempo... por favor, Sev?", ela suplicou com os olhos. "Por favor? Você é tão importante."

Porque ele relutava tanto, afinal? Sentiu mais uma pequena onda de raiva o atingindo quando percebeu que vacilava em sua decisão de permanecer de fora. Era aquele jeito dela olhá-lo, com olhos tristes, e o fato de saber que bastava uma palavra dele para que eles voltassem a brilhar. Severus passou os olhos pelo lugar. Até mesmo Black e o lobisomem estavam ali - e ele não fazia a menor questão ou importância da presença dos outros dois. Era tão absurda aquela certeza de Dumbledore e de Lily - mas ainda assim, ele se oporia abertamente a ela? Se sim, qual seriam os efeitos sobre seu namoro com Lily? Ela estava tão absorta pela idéia e pelos ideais de um auror que ele podia ver claramente: opor-se seria o fim de tudo.

Na mente dela, talvez, opor-se fosse a mesma coisa que se unir ao outro lado. Todo seu sacrifício teria sido em vão.

"Não quer dizer que eu concorde com esse seu critério de importância", ela suspirou e revirou os olhos, parecendo realmente contrariada por um instante, antes de sorrir, "mas pensa na recompensa, Sev. Pensa no que você vai ganhar com o fim da guerra, por ter lutado... a Ordem de Merlin seria o mínimo", e se ele não conhecesse tão intimamente os valores de Lord Voldemort ele até poderia acreditar nos olhos ardentes e na voz eloquente da namorada. Se não se tornasse subitamente tão aliviado e ao mesmo tempo tão irritado pela compreensão dela ter retornado de repente e pelo fato de Lily a estar usando para manipulá-lo. Seria ele tão facilmente legível, assim? Tão previsível? Diabos. Ela sabia como conseguir dobrá-lo, Severus pensou, sentindo a raiva oscilar e tentando não sorrir. Ah, viborazinha, ele quase pensou mas se censurou. Como poderia censurá-la por qualquer coisa? Uma pequena parte de seu ser ameaçou despertar e se revoltar; fizera tanto por Lily ao abrir mão de sua própria ambição e ela ainda queria mais e queria... mas ele a proibiu. Fazia tudo aquilo por ela. Faria qualquer coisa, para que ela apenas permanecesse viva. Qualquer outra coisa seria lucro. Inspirou profundamente. Recolocou seus pensamentos e prioridades no lugar mas ainda assim deixou algo de sua revolta escapar, ainda que na forma de uma carícia:

"Você é tão esperta, Lily, sabe tão bem como conseguir o que quer... eu me pergunto quem é o grande Sonserino, aqui, afinal", ele disse, dando um meio-sorriso.

"Isso é um sim?", ela perguntou, segurando as mãos dele e beijando-o impetuosamente na boca.

"É um 'vou pensar'."


*


"Querido Severus:

volte, oh, volte! Se não para mim, para seu destino. Não o renegue! Não abra mão de sua grandeza, de você mesmo, por uma nascida trouxa. Não repita a minha história, meu filho tão promissor. Tenho chorado todas as noites pensando em você e nas tragédias que lhe aguardam se você não voltar atrás. Ainda há tempo. Ainda não existe um compromisso muito profundo entre você e essa trouxa. Não se deixe enfeitiçar pela beleza dela, nem por suas palavras doces e promessas vazias.

Vazio é como você se sentirá quando ela o dispensar depois de ter esgotado tudo o que você pode lhe dar. Interesseiros, mentirosos e volúveis, isso é o que os trouxas são. Volte, meu filho. Volte. Abra seus ouvidos para o chamado do Lord. Feche os olhos para a luz, mire sua própria escuridão. Não renegue sua natureza.

Não vale a pena. Ouça quem passou por exatamente a mesma coisa. Não vale a pena. Não sei se é carma, ou se está em nosso sangue, mas você sempre foi tão forte... está em suas mãos reagir, Severus! Oh, como eu gostaria que você ainda fosse aquele garotinho, que me ouvia sempre e jamais me contestava, e tão determinado a odiar os trouxas. Lembre-se de seu pai, Severus! Essa garota Evans é exatamente a mesma coisa que ele é. Nem mais nem menos. Amante de trouxas... meu filho. Você me faz sofrer e chorar, Severus, como pode ser tão ingrato? Mas eu não me importaria com sua ingratidão se você caísse em si e retornasse aos seus planos de servidor de Lord Voldermot. Onde está aquele garoto Malfoy? Onde estão seus amigos?

Olhe para minha própria história e pergunte a si mesmo se é o que deseja para você.

Eu sei que não é. Espero que não seja tarde demais para você voltar atrás, quando descobrir a verdade.

Sua mãe arrasada,

Eileen"



*


"Eu acho que você podia muito bem ficar só mais um pouquinho."

E embora a perda do poder o frustrasse, e o convite para se unir à Ordem da Fênix pesasse sobre ele, Severus não podia realmente reclamar dos rumos que sua vida havia tomado.

"Porque hoje, afinal, é sábado."

Era algo que ele havia imaginado muito superficialmente, porque era o tipo de devaneio que sempre havia classificado como altissimamente improvável: dividir um canto com ela. Era pequeno, apertado, cheio de móveis de segunda mão, porque as bolsas de estudos em tempos de guerra haviam encolhido, mas e daí? Ele havia convivido com aquele tipo de decoração e tamanho por toda a sua vida (Hogwarts sempre havia sido, conscientemente, um tipo de moradia provisório). A casa dos Evans, por outro lado, havia sido maior e menos pobre, mas Lily sequer parecia se importar, parecia estar tão satisfeita quanto ele, passando o braço por cima do abdômen magro e o impedindo de se levantar. As nuvens pesadas, cor de chumbo, espiando para dentro do quarto através da cortina entreaberta faziam coro ao pedido dela. Ele ergueu um braço e aopiou a mão sobre a cabeça dela, acariciando os cabelos por um ou dois segundos. Ela fez um sonzinho de satisfação, ele conseguiu não pensar em mais nada por algum tempo. Estava finalmente se tornando seguro de seu relacionamento com ela. Talvez jamais fosse compreender o que a atraía, mas era o que ele sempre quisera, não era? Ser reconhecido. Que alguém fosse capaz de enxergar as qualidades que a massa ignorava. E esse alguém era ela, que habitava sua mente de forma onipresente pelos últimos nove anos. A sorte finalmente havia olhado em sua direção; talvez pela primeira e última vez... e ele não abriria mão daquilo. O homem... bem. Devia ter mesmo morrido e se, por acaso não tivesse, e quisesse mais, Severus tinha alguma coisa bem guardada para ele, pensou, sombrio.

"... mmm e tenho que almoçar com mamãe hoje. Ela está cada vez mais deprimida, sabe."

"Certo", ele disse, e beijou-a.

Nem queria ouvir falar na palavra 'mãe'.

Empurrou ambas as mães para o fundo da mente enquanto beijava Lily outra vez, mais profundamente. Beijá-la e tocá-la também estava diferente. Ele também havia se tornado mais seguro a respeito, ou talvez fossem apenas os hormônios adolescentes perdendo a força. Era bem melhor agora. Ele passara a conhecer intimamente cada detalhe do corpo dela, ela o ensinara do que gostava, mas por mais familiaridade que houvesse, o ato ainda parecia mágico e irreal em alguma parte de sua mente. Bom demais para que pudesse estar acontecendo de fato. Acompanhou-a com os olhos enquanto ela se levantava e caminhava lentamente pelo quarto, nua, pálida e ruiva. Deus. Ela era a mulher mais bonita e perfeita que ele já havia visto, e que veria até o fim. E ela havia virado o rosto e estava sorrindo para ele e dizendo qualquer coisa na qual ele não prestou atenção, porque toda ela estava voltada para os olhos que o hipnotizavam. Quando ela abriu o guarda-roupa o feitiço perdeu um pouco a força, e a voz dela penetrou em seus ouvidos. Severus repassou mentalmente seus planos para aquele dia: dedicar o resto da manhã ao estudo de poções muito avançadas, talvez almoçar uma sopa, ou mais provavelmente, nada, e depois mais poções. Talvez tirar um minuto ou dois para se preocupar com a proposta de Dumbledore, não mais do que aquilo, ele se sentia muito menos mal-humorado do que de hábito naquela manhã. Mas tudo aquilo ele fez apenas com uma pequena parte de sua mente, deitado preguiçosamente na cama, enquanto a maior parte de sua consciência estava voltada para Lily.

Ela estava sentada em um banquinho minúsculo, cor de ameixa e cheio de babados, de costas para o grande espelho da penteadeira (que tomava conta de uma parede inteira), franzindo a testa e fazendo bico.

"Nâo é possível que eu tenha engordado. Não é. Essa roupa é que deve ter encolhido."

Severus não deu a menor atenção. Apenas continuou olhando para ela com os olhos semicerrados.

"Todas as minhas roupas, pra ser justa."

Ela se virou rapidamente de costas para ele e de frente para o espelho. Segurou os dois seios com as mãos.

"Mas eles estão maiores. Ah, que droga. Não estão, Sev?"

Maiores, menores, tanto fazia. Ele gostava deles do mesmo jeito.

"Estão. E doloridos, também, mas não estou no meu..."

O ar de aborrecimento foi trocado pelo de dúvida.

"Meu período."

Severus viu o reflexo dela se boquiabrir no espelho. Então, o reflexo baixou a cabeça e a cascata de fios vermelhos encobriu o rosto. Então, ela girou no banquinho mais uma vez, bem devagar, e ergueu o rosto para ele. Severus sempre havia achado fascinanete e incompreensível a forma como ela conseguia mesclar tantos sentimentos diferentes de uma só vez - e, naquele instante, ela estava batendo seu próprio recorde, ao parecer assustada, maravilhada, ansiosa, felicíssima, triste, tensa e simplesmente mulher.

"Sev. Acho que estou grávida."

"Grávida?", ele perguntou, se erguendo sobre os cotovelos e sentindo a cor deixar seu rosto e o estômago afundar até as costas e a calma manhã de sábado se transformar em um pesadelo.

Ah, não. Grávida, não, simplesmente não podia estar. Não um filho, não quando tudo já parecia preocupante e perigoso demais. E eles ainda eram tão jovens, e havia tanto o que queria fazer com ela apenas, e Lily estava se preparando para ser uma auror...! E mesmo que não estivesse, e mesmo que não houvesse sequer sombra de guerra,... Severus podia não ter tanta certeza quanto à guerra em si, mas sua posição a respeito de filhos era um pouco mais clara: não estava preparado, ainda. Talvez jamais fosse estar.

"Não", ele sussurrou.

Severus ficou de pé porque a agitação o impelia a andar para cima e para baixo no quarto minúsculo abrindo e fechando as mãos.

"Não pode ser", ele acrescentou, sua preocupação contrastando vividamente com a exuberância no rosto dela.


--


ui.

e aí, o que vocês acham? o que vocês gostariam que fosse? mwahahaha. sev trocando fraldas, harry snape, será? ou apenas alarme falso? :P

ok. sei que devia estar envergonhada por postar um capítulo tão minúsculo, mas ando meio sem tempo & sem internet em casa, modos que ou eu postava logo um micro-capítulo com o essencial, ou enrolava um pouco mais pra postar sabe-se lá deus quando :P acho que todos preferimos a primeira opção :P detesto não agradecer pessoalmente, mas preciso ir. obrigada de coração aos leitores/comentadores, e até o próximo (ou não, não quero acabar a fic, vou sentir falta *cries*).

cuidem-se! :*

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