Capítulo 17



Empurrou decidido a porta do Hog's Head com uma das mãos, enquanto com a outra lutava para manter a capa bem fechada junto ao peito. Os ventos frios de final de Outubro sopravam ainda mais fortes naquele ano, até mesmo as portas sólidas do bar se escancararam e chocaram-se contra as paredes. Severus trouxera o frio consigo para dentro do lugar, mas parecia não senti-lo. A única parte de seu corpo que demonstrava alguma vida eram os olhos, percorrendo febrilmente o estabelecimento, parecendo procurar alguém.

"Entre mas feche a porta!", o barman saiu esbravejando detrás do balcão e tornou a fechar com raiva as portas, tentando trazer de volta o pouco conforto que o Hog's Head era conhecido por possuir. Então, retornando para seu lugar de hábito, perguntou, azedo: "E então, o que vai ser?"

"Estou apenas procurando alguém", Severus murmurou, semicerrando os olhos a fim de enxergar melhor. Procurou nos recantos mais escuros, atrás de colunas e de fumaça. Nada. Contrariado, aproximou-se do barman, que o espiava com o canto do olho, desconfiado, enquanto tentava limpar um copo com um trapo sujo.

"Onde ele está? O encapuzado?", perguntou, mal conseguindo conter-se de ansiedade.

O outro riu com desdém.

"Meu filho, passam encapuzados por aqui todos os dias. Você não espera que eu me lembre das fuças de todos, espera?"

"Ele esteve hospedado aqui há quase dois anos... e tinha uma cicatriz... bem aqui", Snape deslizou os dedos sobre o próprio rosto, indicando o canto da boca. Os olhos traíam a obsessão em encontrar o homem, estudando atentamente o barman, a fim de não perder um mínimo movimento suspeito.

Mas o outro deixou o copo e o trapo de lado, plantou as duas mãos no balcão, suspirou pesadamente e disse:

"Escute aqui, já lhe disse. Não me lembro. Não posso me lembrar de todo mundo que já colocou os pés aqui algum dia. Agora... por que não bebe alguma coisa?", e diante da negativa de Snape, expulsou-o sutilmente dali. "Por que não vai então se juntar aos outros pirralhos da sua escola no Três Vassouras?"

"Se ele voltar, mande-me uma coruja. Severus Snape, Hogwarts. É muito importante", Snape curvou-se para a frente e sussurrou, tentando parecer ameaçador.

"Claro, claro que mando", respondeu o outro com desinteresse, agora passando o pano sujo sobre o balcão. "Agora, vai", enxotou-o, agora, com decididamente nem um pouco de sutileza.

Severus obedeceu; não tinha mais nada o que fazer ali. A não ser que o homem estivesse se escondendo... por um ou dois segundos chegou a cogitar a hipótese de se plantar ali fora, no frio, o dia todo, para ver se o maldito aparecia. Mas havia combinado de se encontrar com ela na livraria e estava já em cima da hora... Mas precisava achar o homem, pensou resoluto, apressando os passos em direção à parte habitável do povoado. Havia se tornado uma obsessão nas últimas semanas. O problema era que não fazia a menor idéia de onde ele poderia estar. Era como se ele jamais houvesse existido... como se não fosse mais do que fumaça ou um delírio seu... mas não era, tinha certeza. A dor da maldição Cruciatus ainda estava fresca em sua lembrança, assim como as imagens dele, Severus, com Lily que vira na penseira do estranho. Aquilo era real.

E era exatamente por isso que precisava encontrar o homem. Precisava saber o que ele queria em troca dela, e de sua vida, que jamais fora tão perfeita, antes que fosse tarde demais. Ora, não tornar-se um Comensal... não poderia ser simplesmente aquilo! Que pessoa em sã consciência trocaria Lily Evans por uma carreira entre os seguidores de Voldemort? Ele, definitivamente, não. Não agora que tinha outras recompensas além do amor de Lily. Tinha de haver algo mais por trás daquilo... algo que ele não conseguia captar, mas que estava ali... não fazia sentido algum aquela escolha que lhe fora oferecida... e o que quer que fosse que havia por trás daquela história muito mal contada, ele haveria de descobrir e haveria de cuidar para que acabasse por ali mesmo... para que não lhe fosse apresentada, mais tarde, uma conta astronômica pela realização de alguns de seus desejos mais profundos. Não abriria mão dela por nada, essa era a única certeza que tinha. Não admitiria perder aquela sensação de vitória, de uma finalmente conquistada. E também... jamais pensara que fosse possível uma pessoa se sentir assim, como sentia-se agora. Não sabia bem o que era, apenas... que era uma sensação completamente inédita em sua vida... e que era grande. Imensa. A ponto de assustar. E parecia estar criando vida própria. E tanto e cada vez mais que, nos últimos dias, ela tivera de sugerir, divertida mas firme, que por mais que gostasse dele, gostava também das amigas e queria ter seus momentos apenas com elas.

Ainda não sabia se se sentia confortável com as mudanças que vinham ocorrendo em si mesmo desde que começaram a namorar. Não que houvesse mudado tanto assim. Mas só de pensar que estava namorando, que havia aceitado outra pessoa em sua vida sempre tão solitária e auto-suficiente, que agora se permitia um contato humano muito maior do que sempre desejarara, fosse psicológico ou apenas puramente físico... não, mais: não apenas se permitia, mas desejava. Às vezes se perguntava como fora que deixara tudo aquilo acontecer. Às vezes sentia-se como se estivesse à beira de um abismo, tomando fôlego para saltar.

Dava um pouco de medo.

Porque sabia que, continuando juntos, muito mais coisas mudariam.

Mas ele havia feito sua escolha.

Empurrou a porta da loja e lá estava ela. Distraída, os olhos postos em um volume seguro nas mãos e uma pilha deles debaixo do braço. Os cabelos vermelho-escuros e muito lisos escorregavam detrás das orelhas, onde deveriam ficar, e encobriam-lhe a expressão. Mas ele podia adivinhar muito bem os olhos atentos e os lábios levemente abertos de quando ela sempre se concentrava em alguma coisa. Ele a observou por algum tempo sem ser visto, meio escondido atrás de uma estante. Quase precisou se beliscar para ter certeza de que era real e o coração quase lhe saía pela boca que sorria. Aquele sorriso quase tímido (talvez porque não estivesse habituado a ser usado e não tinha muita certeza de como um sorriso deveria se comportar) que apenas ela conseguia enxergar. Apenas uma leve curvatura dos lábios para cima e os olhos se estreitando um pouco.

Ela ergueu a cabeça de repente e seus olhos se encontraram e ela também sorriu. Aproximou-se. Os lábios se encontraram, os dele entreabriram-se um pouco, exigindo os dela ali ainda por mais algum tempo.

"Deu pra espionar pessoas, agora?", ela provocou, batendo de leve com o livro no braço dele e tentando parecer séria.

"Só as mais perigosas", Severus replicou - e embora o tom fosse de brincadeira, a resposta possuía um fundo de verdade.

Lily era perigosa, como era... a ponto de enfeitiçá-lo, hipnotizá-lo, fazê-lo renegar sua própria história e destino.

Mas ele não se importava, Severus pensou, beijando-a outra vez, um beijo que anda tinha de tímido ou inseguro.

Aquilo também estava mudando, e não acontecia apenas com ele. Era como se fosse impossível separá-los, uma vez que atingissem um certo grau de excitação e envolvimento. E era sorte que estivessem indo ao Madame Poodfoot naquela tarde - o lugar era meio caro e chique, qualidades não muito populares entre os alunos de Hogwarts. Nem com Severus, se ele fosse sincero. Mas ele achava que mereciam algo mais tradicional, agora que estavam namorando "de verdade". E dinheiro, embora fosse um problema para ele com alguma frequência, ele possuía, naquela tarde. Eileen estava bem mais generosa, dentro de seus limites, agora que o filho era monitor-chefe.

"Você realmente não precisava ter me trazido aqui, Sev", ela sussurrou, olhando e volta, para a decoração excessiva e romântica demais, depois que ele puxou a cadeira para que ela se sentasse e ocupou o próprio lugar à mesa.

"Pois eu acho que sim", ele discordou. "Quero dizer...", ele limpou a garganta, "é sério, agora, não é?"

"Demais", ela sussurrou de volta, recostando a cabeça no peito dele por um minuto. "Sev... obrigada por ter sido tão insistente. Por não ter desistido de querer ficar comigo. Foi meio estranho que me acostumar à idéia de namorar meu melhor amigo há tanto tempo, mas... estou feliz por ter tentado. Está sendo maravilhoso."

"Então acho que precisamos de uma comemoração", ele replicou, dando seu sorriso característico.

"Ora, quem diria, Severus Snape é, no fundo, um romântico", ela provocou, erguendo uma sobrancelha. "Quando pensei que seus mistérios não conseguissem mais me surpreender... você me vem com essa."

Ele sorriu um pouco mais, satisfeito consigo mesmo, e pensou que, comparando-se a mudar completamente de vida e amibições, um pouco de romantismo e tradição não era nada. Mas, como sempre, ele guardou para si mesmo o que achava e, pouco depois, acabou agradecendo por Lily ser ela mesmo não muito interessada em declarações piegas, como quase todas as outras garotas que ele conhecia. Ela passou a fazer observações espirituosas sobre a decoração do local mas ele notou que, no fundo, ela estava gostando que ela tivesse levado ali, porque ela não parava de sorrir.


*


Ele parou na porta para se despedir mas, antes que dissesse qualquer coisa, ela o puxou para dentro. Aquela pequena encenação havia se transformado em um hábito, e se tornava cada vez mais difícil resistir a mais do que simples beijos de boa-noite. Naquela noite em especial ele tentou colocar alguma distância entre ele e ela, para que Lily não notasse todos os efeitos físicos que seus beijos e sua proximidade tinham sobre ele... mas ela parecia querer descobrir. Passou os braços atrás do pescoço de Severus e colou seu corpo junto ao dele. Nunca haviam estado próximos daquela forma, ele conseguia sentir todo o calor, todas as formas e a maciez do corpo dela, podia sentir os lábios beijando-o avidamente... ele ofegou. Ela respondeu também sem palavras, suspirando contra a boca dele quando Severus passou os braços pelas costas dela, acariciando os cabelos e a nuca, e retribuiu aos beijos com a mesma intensidade.

Ele deslizou as mãos até a frente do pescoço dela, acariciando com os polegares o cordão que fechava as vestes, como que pedindo permissão para desfazer o laço. Lily o beijou de forma provocante enquanto retirava as vestes dele, e continuou provocando-o quando se afastou alguns passos e o encarou fixamente, desafiando-o a se aproximar. Severus hesitou. Tudo bem, Lily aceitar beijá-lo. Tudo bem, namorar com ele - havia sido demais para que ele acreditasse, no princípio, mas ele acabou se acostumando à idéia. Mas que ela, também, estivesse querendo ir além do que haviam ido até então, que quisesse... se entregar a ele... Severus estreitou os olhos, analisando o rosto dela, os olhos brilhantes com as pupilas muito grandes, as abas das narinas se abrindo e fechando, os lábios entrabertos, a face corada... o cabelo ganhava uma cor fascinante, iluminado apenas pelas chamas avermelhadas da lareira. Não, ele se corrigiu. Ela toda era completamente fascinante. Havia crescido de uma garota bonita para uma mulher deslumbrante, a mais bela que ele já houvesse visto. E estava estendendo a mão para ele.

Ele se aproximou sem, no entanto, tocá-la.

"No que você está pensando, Sev?", ela sussurrou, com a voz mais profunda e grave do que costumava ser.

Ele sacudiu a cabeça.

"Tem alguma coisa preocupando você", ela disse, apoiando a palma da mão na face dele e olhando dentro dos olhos negros.

Ele fechou os olhos e inspirou profundamente, sentindo outra vez o corpo dela contra o seu. Ah, deus, como a queria... levou o lábios até a orelha dela, beijou-a de leve, demoradamente, enquanto reunia coragem para pedir - porque ela era especial demais para que ele simplesmente a despisse, e a tomasse com toda a intensidade que seu corpo queria. Ele acabou afirmando com um movimento de cabeça.

"O que é?", ela sussurrou outra vez, e sua voz soava tão quente como a luz do fogo que inundava o quarto.

Severus suspirou.

"Uma dúvida, na verdade."

"E qual é?"

"Se você quer tanto... quanto eu."

Ela riu baixinho no ouvido dele e então afastou um pouco o rosto, séria.

"Sabe... pra nós, garotas, a primeira vez é muito importante. E não consigo imaginar ninguém melhor pra mim, agora, do que você, Sev", ela sussurrou outra vez, apoiando a mão sobre o peito dele e o beijando.

Severus suspirou outra vez, aliviado. Apoiou as mãos na cintura dela, sentindo a pele suave e quente por baixo da camisa do uniforme. Ouviu-a ofegar baixinho entre duas mordiscadas em sua orelha, e muito mais cedo do que ele esperava sentiu as mãos dela outra vez em seu peito, agora, abrindo os botões da camisa que ele usava e desfazendo o nó da gravata verde e prata, que escorregou para o chão. A gravata com as cores da Grifinória logo seguiu o mesmo caminho, assim como a camisa que ela usava. Era tão mais do que ele esperava, tão mais do que podia suportar, sentir a pele dela, completamente nua, contra a sua, exatamente nas mesmas condições. Sentir o cabelo dela, suave e liso como seda, deslizando sobre sua pele, quando, já deitados na cama dela, ela se inclinou sobre ele.


*

Horas se passaram sem que ele se desse conta, apenas ficando deitado ali, ouvindo a respiração suave dela e sentindo o peso agradável sobre seu peito.

Severus deu uma espiada no relógio sobre o criado-mudo ao lado da cama. Passava um pouco das cinco da manhã. Talvez ele devesse ir, agora, antes que todos acordassem e a visão dele saindo do quarto dela pudesse lhes trazer problemas. Mas talvez ele pudesse ficar só um pouco mais... mais alguns minutos, talvez meia hora. Ninguém estaria realmente de pé e andando pelos corredores até lá pelas oito da manhã e estava simplesmente tão bom apenas ficar ali, aproveitando as conseqüências de suas escolhas... ele suspirou, acariciando de leve uma mecha de fios vermelhos que se estendia sobre o travesseiro. Severus tornou a fechar os olhos, apenas para descobrir que os ponteiros do relógio haviam dado mais um grande salto em apenas um segundo, marcado agora sete da manhã, e que havia alguém batendo à porta do quarto dela, com uma certa impaciência.

Lily despertou um pouco confusa, mas rapidamente caiu em si, murmurou para um Severus levemente tenso que ficasse apenas calado, e alcançou o roupão sobre uma cadeira próxima. Ele obedeceu, tentando parecer invisível por baixo da coberta, o que não foi realmente necessário, pois Lily havia aberto uma pequena fresta da porta. E também, porque o visitante estava tão impaciente, ou melhor, apressado, quanto suas batidas denunciaram. E mesmo que ela estivesse falando baixo, para não chamar a atenção, foi perfeitamente possível ouvir a voz da Prof. McGonaggall:

"É seu pai, Srta. Evans... sua mãe acaba de entrar em contato conosco. Ele teve de ser internado outra vez... e parece que agora é sério."


*


O ar que ela inspirava era gelado, e ele não deixava seu corpo com uma temperatura muito mais alta.

Era como se ela estivesse meio morta por dentro.

E era como se visse o mundo por detrás de uma grossa camada de coisas mortas, como se não fossem mais os olhos que ela havia tido até então a fitarem as pessoas, os vitrais iluminados por uma luz muito branca, refletida da neve do lado de fora, as guirlandas. Ah, as guirlandas, Lily pensou, sorrindo. Como era irônico elas estarem ali, celebrando a vida que renascia a cada Natal, enquanto ela e seu grupo lamentavam a morte. Morte, morte, morte. Por mais que ela repetisse a palavra, por mais que visualizasse o destino que seu pai, seu paizinho, tivera, ainda era difícil encaixar aquilo em sua realidade. Era difícil não esperar encontrá-lo, sorrindo tanto que os olhos viravam apenas dois pequenos traços em sua face, em King's Cross, era estranho não sentir o cheiro de suas experiências culinárias na época do Natal, inimaginável o prognóstico de não ser despertada cedo demais nas manhãs ensolaradas de verão, pelo som irritante do cortador de grama. Ele parecia apenas estar dormindo serenamente - em um lugar não muito convencional. Mas o choro alto de sua mãe e a aparência pálida e desgrenhada da irmã recordavam que havia algo de muito errado e trágico e pesado, algo que a contaminava, também, que, outra vez, a fazia se sentir meio morta por dentro ou, então, repentinamente transposta para uma outra realidade.

Sem seu pai.

Dezenas de pessoas haviam se aproximado dela naquele dia de forma que, quando mais uma mão buscou a sua e a apertou, Lily, a princípio, reagiu mecanicamente. Foi só quando ela ergueu os olhos que um sorriso, o primeiro verdadeiramente feliz, se estampou em seu rosto naquela semana.

"Como é que você está?", ele perguntou, naquela voz baixa.

"Sev", ela sussurrou, emociconada, mais do que passando os braços em volta do pescoço dele, se aninhando em seu peito e deixando que ele a abraçasse. "Que surpresa. Nem esperava que você saísse de Hogwarts nesse feriado..."

Ela sentiu a cabeça dele fazendo um movimento negativo.

"Eu não podia deixar de vir."

Lily sentiu as lágrimas se formando e ameaçando rolar por seu rosto, ainda tentou lutar, mas acabou por deixá-las ir.

Severus apenas acariciava seu cabelo, sem saber o que dizer - ela sabia. Sabia que ele não possuía as palavras para aquele tipo de ocasião extremamente sentimental, jamais possuíra e provavelmente jamais possuiria... mas o simples fato de estar ali dizia tão mais do que qualquer palavra que qualquer outra pessoa poderia ter lhe dito. Era aquilo. Era a mesma coisa da eterna luta contra si mesmo que ele vinha travando nos últimos meses. Eram os significados dos gestos dele, e não tais gestos analisados como atos de qualquer outra pessoa. E mesmo que Lily houvesse chorado outra vez, quando a tampa foi descida sobre o caixão e este finalmente baixado até o solo, ela se sentiu um pouco menos fria com a mão dele segurando a sua.


*


O restante do ano letivo foi uma estranha repetição daqueles dois estados de espírito, amor e escuridão.

Lily foi se recuperando aos poucos da perda, e se apegou ainda mais a Severus durante o processo. Ele era familiar, era adulto e sério e era simplesmente a coisa sólida da qual ela precisava, naquele momento. Era um pouco estranho alguém naturalmente sombrio ser sua fonte de alegria naqueles tempos escuros e pessimistas, mas estar com ele lhe fazia bem, apesar de tudo. E Severus continuava lutando, cada vez mais, contra si mesmo. Para ser bom. Ela conseguia ver o conflito estampado na face dele muitas vezes, e torcia secretamente para que o desejo de ser bom ganhasse. Como ela poderia não amá-lo? Talvez fosse aquilo. Talvez fosse inspirador alguém com tantas tendências a fazer parte do outro lado estar ali, e o que o tornava mais especial do que qualquer outro em Hogwarts... ou em qualquer outro lugar do qual ela pudesse se lembrar.

Severus também achava seu destino algo estranho em relação à guerra que agora se desenrolava. Era como se ele fosse o único a ter ambições realizadas naquele período, o único a acordar satisfeito a cada dia, o único a não ter preocupações realmente grandes - exceto sobre o que faria quando acabasse o ano. Em uma das únicas vezes em que realmente considerou a opinião dela, ele pensou que era mesmo bom em Poções, e aquela era uma área tão pouco considerada por quase todo mundo, que preferia magias grandiosas e chamativas... talvez ele pudesse conseguir alguma coisa ali. Sua obsessão em encontrar o homem continuou ainda por algum tempo, mas era como se o encapuzado tivesse simplesmente se dissolvido. Às vezes Severus imaginava se a doença que ele aparentava ter não o havia levado, aquilo seria excelente... e embora ele terminasse por desistir, por ora, após várias buscas infrutíferas, ele continuou vigilante.


*


"Não vá se acostumando. Isso não vai acontecer com muita freqüência lá fora."

Ela revirou os olhos.

"Aah, por favor, Sev."

"Só estou indo esta noite porque não seria correto o monitor-chefe não comparecer."

"Claro. E esse sorriso que você está tentando esconder também faz parte das obrigações do monitor-chefe", ela provocou, erguendo uma sobrancelha, e aproximou-se e ajeitou as vestes dele.

Vestes formais, para o baile de dali a pouco. Pelo olhar que ela lhe deu, ficavam bem nele; mas Severus duvidava que, por mais razoável que sua aparência pudesse ser no momento, ela jamais chegaria aos pés da aparência de Lily naquela noite. Lily nunca havia sido feia, era fato, mas, à medida em que se tornava adulta, era como se ficasse mais bonita a cada dia, e ele jamais se cansava de admirar aquilo. Seus traços haviam se tornado mais definidos, a pele que os cobria continuava leitosa e perfeita, as sobrancelhas um pouco mais finas só deixavam ainda mais evidentes os olhos que tanto o fascinavam, e o corpo havia ganho novas curvas. E, bem, ele não entendia absolutamente nada de moda e roupas e coisas de garota, mas era capaz de perceber o quanto o vestido verde e vaporoso ficava bem nela, realçando dois de seus aspectos preferidos, os olhos e as curvas, e se outras garotas se sentissem inclinadas a criticar a ausência de qualquer adorno em seu cabelo, seria apenas por causa da mais pura inveja. Um cabelo com aquela cor e aquela textura já era belo por si só, e qualquer adorno apenas ofuscaria sua perfeição.

Como ele poderia realmente se incomodar em ser visto com ela, levando o distintivo de monitor no peito, ainda por cima? Ah, não, era claro que ele realmente não se incomodava com o fato. Pelo contrário, era a melhor forma de encerrar seus anos em Hogwarts: mostrar a todos o quanto ele havia subido. Que o garoto esquisito e solitário que chegara ali quase oito anos atrás havia se tornado esperto, se dedicado, e conseguido tudo o que queria por seus próprios méritos. Status, e a garota que sempre quisera. Quem mais ali conseguira tudo aquilo? Ele não se recordava de ninguém. Claro, sempre existiria um ou outro com conquistas, também, mas elas seriam infinitamente melhores do que as suas. Sentia-se merecidamente mais do que qualquer um. Hesitou por um instante, sentindo-se culpado ao se satisfazer tanto com aquela superioridade - claro, não havia ligação alguma com Artes das Trevas e Comensais da Morte, ali, mas algo lhe dizia não ser correto, também. Não ser o comportamento típico de alguém bom... mas então ele sacudiu a cabeça. O homem havia pedido apenas que desistisse dos planos de seguir Lord Voldermot. Não pedira que se transformasse em um santo.

Ela o observava, curiosa, mas também guardou para si o que pensava. Ele, às vezes, gostaria de saber o que passava pela mente dela, sobre estar com ele, e se ela acreditava mesmo que ele havia mudado. Para sempre. Nunca chegara a ter a coragem de perguntar, e preferia as supostas respostas, do namoro, das noites que passavam juntos e dos planos que faziam para o futuro. Ora, se ela quase havia terminado tudo com ele, se ela desprezava Potter acima de todos justamente por causa de mau comportamento... era de se esperar que o contrário a atraísse. Ele iria levando, sem jamais ter certeza, até porque provavelmente faria o que fosse para que ela jamais o deixasse - e um outro futuro acontecesse.

Potter. Seu sorriso aumentou, embora agora trouxesse um boa quantidade de sarcasmo, enquanto caminhava de braços dados com ela até o Salão. Espiou todos os rostos durante o trajeto, e ele não estava lá. Não estava em lugar algum. Não tivera coragem. Potter havia simplesmente desaparecido desde o último encontro. Via-o, claro, às vezes, junto com os outros três comparsas, mas jamais havia se aproximado de Lily outra vez. Pelo contrário, evitava até mesmo olhar na direção dela. Claro, seria uma pena não ver o olhar furioso do Grifinório no baile, aquilo simplesmente coroaria a noite... mas ele estava satisfeito. Potter havia se frustrado, aprendido que o dinheiro e a popularidade não podiam conseguir tudo, afinal. Que ele, o pobre e ridículo Severus, havia ganho, contra todas as apostas.

Aquilo era suficiente.

Lily estava radiante e não parava de acenar, já em tom de despedida, de todos os amigos que possuía. Vários deles pareciam simplesmente ignorar Severus, e ele os ignorava de volta. Uma das poucas exceções foi o lobisomem.

"Lily. Severus", ele se aproximou, deu um abraço na amiga e, depois de hesitar um segundo, estendeu a mão para Severus.

Ele a apertou de volta, enquanto observava o ar tenso e preocupado no rosto do outro rapaz. Claro, ele tinha motivos, a vida não seria fácil longe da proteção de Dumbledore... bom, ele que se virasse. Prestou vagamente antenção na conversa entre Lily e Lupin, porque havia enxergado Black e Pettigrew vários passos atrás, tentando olhar para qualquer outro lado que não fosse o seu, e tornou a sorrir. Definitivamente, nada de Potter naquela noite. Tudo bem. Ele possuía espectadores suficientes para presenciarem seu sucesso - mas quando Lily o reclamava apenas para si e o levava para algum canto isolado, ou ele mesmo o fazia, Severus não se importaria se ninguém o invejasse. Porque não era capaz de pensar em muito mais que não nela. Era como se Hogwarts e os anos de escolares já fizessem parte do passado, embora restassem ali alguns dias, porque Lily parecia simplesmente tão adulta. Assim como o que ele sentia por ela sempre havia sido: algo sério e maduro, muito além de uma simples atração baseada em aparências, inteligência ou o que quer que fosse. Porque ele tinha a prova, agora: a vida com ela era outra, era como se ela possuísse algo que faltava a ele e só estando com ela a seu lado ele era completo.

Severus suspirou. Pediu, pelo que devia ser a milésima vez, sem saber a quem pedia, que aquilo durasse para sempre. Suspirou outra vez, agora de contrariedade, quando ela soltou sua mão para pegar dois copos de bebida com um garçom que passava. Entregou um a ele, e pediu que esperasse.

"Sei que a previsão é a de que ele não seja muito luminoso, não por enquanto", ela disse, grave, fitando-o por cima de seu copo. "Mas... ao futuro", ela brindou, chocando o copo contra o dele.

Severus sempre havia sido o lado cético dos dois, e nunca tivera motivos para acreditar realmente que houvesse um futuro melhor para ele. Mas, naquele momento, olhando para trás, ele pensou que talvez não houvesse motivo para ser tão pessimista. Talvez fosse o pensamento de um futuro que o aguardaria, em uma outra realidade. Talvez fosse apenas reflexo e influência da bebida e do otimismo que via nos olhos dela. De qualquer forma, ele também ergueu seu copo, e respondeu:

"Ao futuro".


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pova! _o/ boas notícias: mais seis capítulos (contando o epílogo) e a fic chega ao fim. tava na hora, néam? tá me dando um friozinho na barriga, tanto por estar tento um surto de j.k. rowling e estar (já) me despedindo de uma história que comecei há mais de 2 anos, como por causa do que ainda vai acontecer. segurem-se nas suas cadeiras, ahn?

espero que tenham gostado na NC (muito medo de ter ficado melosa e piegas. erm... li... hm... ok, vá lá, twilight, prontofalei, entre o último capítulo e esse e tenho muito medo de ter me influenciado - negativamente =X). anyway, fiz algo mais light, até porque o clima desta fic não é, definitivamente, erótico =P (ao contrário de histórias como "pertence ao príncipe mestiço", "como veneno" e, principalmente, "feitos um pro outro", todas minhas, e que você encontra no meu perfil, se estiver a fim de ler algo mais quente com esse casal. porque eu acredito fervorosamente no NC sev-lilyano >;D). por último, um convite: alguém que possua perfil no orkut tá a fim de participar de um projeto de fics severus/lily? interessados se manifestem.

muuuuito obrigada pelos reviews e pela leitura e... vam'lá, povo. comentando!

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