Capítulo 3



"Levicorpus."

O mundo virou de cabeça pra baixo e todo o conteúdo de seu bolso escorregou. Uma moeda de um galeão, presente da avó, atingiu-o no olho. Os garotos em volta, Sonserinos e muito mais velhos do que ele, riram com gosto, e um deles se abaixou, apanhou a moeda e, depois de examiná-la, achou que deveria mudar de dono. O garoto mal se deu conta de tudo o que acontecia, atordoado e confundido como estava.

"Esse é mesmo muito bom, Severus!", Avery aprovou.

Snape, um pouco afastado do grupinho que se divertia com um pequeno primeiranista da Lufa-Lufa, apenas murmurou um agradecimento. Não por modéstia; ele só não fazia o tipo que se entusiasmava abertamente com elogios. Mas não deixava de sentir-se cheio de si todas as vezes em que era reconhecido e aceito, finalmente, por gente mais importante e poderosa do que ele.

"Minha vez", anunciou um sextanista, empurrando Avery com o cotovelo (e ganhando um 'imbecil' como resposta).

O nome da vítima não importava, nunca importava. Importava apenas ser mais um sangue-ruim, que merecia ser punido. A diversão prosseguiria ainda por uma boa meia hora, no mínimo: os Sonserinos se revezariam, infligindo todo tipo de feitiço na vítima daquele dia, até se entediarem. A Snape nunca era permitido participar tão ativamente da brincadeira, ele nem mesmo trazia a varinha nas mãos naquela tarde em especial, o que não o impedia de ser o autor da maioria dos feitiços que eram usados. Havia sido justamente seu enorme repertório deles que abrira as portas para o grupo. Porém, ao contrário do que ocorria com Wilkes, Avery, Black, os Carrow, Mulciber, Crabbe e Goyle, ele não se divertia com aquilo.

Ele se realizava.

Sentia-se pleno, cumprindo aquilo para que nascera. Não era algo que fosse capaz de perceber conscientemente, mas toda a confusão de sentimentos que reinava dentro dele finalmente encontrava uma forma de se exteriorizar. E mais que isso: aquele lado sombrio da Magia era algo que fluía naturalmente dele, não algo que precisasse se esforçar a ser. Era também sua forma de se vingar. E esse, esse sim era um pensamento do qual tinha plena noção quando deu um passo à frente. Não precisou brigar por uma brecha na parede de corpos que faziam uma roda em volta do garoto menor; assim que Snape se aproximou, os outros abriram espaço, como se já esperassem instintivamente por alguma atitude bombástica. Talvez fosse alguma coisa na expressão dele, determinada e feroz como raramente haviam visto. Com um movimento leve e gracioso Snape tirou a varinha de dentro das vestes e apontou-a para o garoto:

"Imperio."

Sua voz não passou de um murmúrio, mas teve um efeito devastador. Uma onda de surpresa e choque e silêncio cheio de palavras não-ditas percorreu o grupo. Uma Imperdoável. Não era coisa que se visse todo dia, mesmo entre eles. Porque ainda possuíam escrúpulos, ou medo, que fosse; afinal, estavam em Hogwarts, sob o controle do velho Dumbledore, conhecidamente um ferrenho opositor das Artes das Trevas. Porque, para uma aplicar uma Maldição Imperdoável impecavelmente, era preciso uma enorme dose de concentração e vontade, o que parecia não faltar a Severus naquela tarde. A cada comando seu o garoto executava acrobacias cada vez mais perigosas, que jamais seria capaz de realizar em condições normais. Todo o grupo assistia como que hipnotizado. Mulciber, por fim, aproximou-se e deu um tapinha nas costas de Severus:

"Agora, essa é ainda melhor."

Em resposta, os cantos de sua boca se curvavaram para cima, e a expressão de seu rosto era algo terrível de se ver. Ninguém, no entanto, podia ler claramente seus pensamentos: como era maravilhoso, simplesmente maravilhoso, subjugar alguém a suas vontades, apenas por prazer, apenas porque podia, em vez do contrário. Os murmúrios de aprovação às suas costas cresceram. "Demais", "arriscado", "corajoso", "sem noção", "eu faria muito melhor". Severus os ouvia apenas com uma mínima fração de seu ser, a maior parte de sua atenção continuava voltada para o elo que criara com o menino. Notou que os comentários depreciativos aumentaram, o que era muito bom, afinal, quase todos ali prefeririam torcer para a Grifinória na próxima partida de Quadribol a admitir perder para um... mestiço. Acontece que nenhum dos sangue-puro à sua volta ousara uma Imperdoável em muitos meses. Precisavam que um mestiço lhes mostrasse uma Maldição Imperdoável bem aplicada. Sentiu-se ainda mais forte e agora, o garotinho caminhava perigosamente pelo parapeito da janela, como se pisasse em chão firme e não em uma estreita fileira de pedras a dezenas de metros do chão. Um simples desejo de seu mestre e agora, ele pulava em um pé só. Agora, executava passos de sapateado.

"Snape poderia ser o melhor de nós", começou aquele moleque Black chato e mimadinho, que conseguia, misteriosamente, ser ainda mais insuportável que o irmão.

Severus, agora levemente curioso quanto ao que se seguiria, dedicou um tanto mais de sua atenção ao que o moleque dizia.

"É pena que andar com aquela sangue-ruim... como é mesmo o nome dela? Evans, algo assim... vai pegar tão mal que o Lord das Trevas nem vai se dignar a olhar para ele", Regulus concluiu, empinando o nariz.

O Lufa-Lufa desabou sobre o parapeito, um dos braços pendendo para fora.

"Quem foi que lhe disse isso?", Severus voltara-se impetuosamente para o outro. "O que uma coisa tem a ver com outra? Ela é só...", e ele se interrompeu, confuso, sabia que debochariam dele se usasse a palavra 'amiga', então apenas disse:"... só muito mais poderosa do que vocês todos juntos".

Mas não adiantou muito, porque eles riram estrondosamente, da mesma forma. O garotinho gemeu, tentando se levantar, apoiando-se no ar.

"Estupefaça", adiantou-se Snape, mais para ter algo o que fazer e ocultar o rosto que queimava. O garoto escorregou para o chão.

"Bom, eu acho ela bem jeitosa."

"Gostosa, eu diria."

Snape ouvia paralisado, a vermelhidão em seu rosto transformando-se rapidamente em lividez; sentindo-se, para variar, extremamente confuso.

"Mas sangue-ruim..."

"Pelo menos, dava pra se divertir um pouco."

"'Cê reparou nos pei..."

"Estupefaça!", Snape disse mais uma vez, mas agora, com muito mais energia; e Avery foi estatelar-se do outro lado da torre.

Os outros se calaram por um instante, então, riram outra vez.

"Tá com ciúme da sangue-ruim, Sev?", um deles perguntou.

"Pensa só no que o Lord diria... pensa bem. Eu sei", Regulus contou, "ele é figura fácil lá em casa, tem nossa família em altíssima conta", o pirralho sempre vivia contando vantagem quanto ao nome, e Severus nunca sabia quantas de suas histórias eram verdadeiras, só tinha certeza de uma coisa: o nome era a única coisa que Black possuía, de resto, não passava de um frouxo.

Odiava-o.

Frustrara seu momento de maior glória, trazendo à tona um assunto que Severus sempre torcia para que os outros esquecessem. Agora, ridicularizavam-no. Agora, jamais o aceitariam verdadeiramente, jamais seria alguém.

"Ela é só... inteligente", ele tentou se defender e defendê-la. "Não vejo porque não me aproximaria, mas... eu não... não penso nela... desse jeito", gaguejou. As risadas foram se extinguindo, mas apenas para dar lugar, outra vez, àquelas expressões de reprovação. Percebeu, tarde demais, que deveria ter dito exatamente o contrário, que, se pensasse nela 'daquele jeito', todos se dariam por satisfeitos e o deixariam em paz.

Mas não podia traí-la, e acabava traindo a si próprio.

Como ele odiava o maldito Black.

"Vocês não entendem!", Severus odiou o quanto sua voz soou desesperada e imatura.

Não conseguiria mais suportar aquela humilhação e nem queria saber o que ele diriam a seguir. Então, fugiu, covardemente, ouvindo as risadas atrás de si, mas sabia que essas não eram de felicidade, e que o que o garoto Black dissera possuía um fundo de verdade, mais que um fundo, mas que ele tentava fingir que não existia.

Mais uma vez.



*


"Você estava lá."

"Juro que não estava, Lily."

"Então olha bem dentro dos meus olhos enquanto nega."

...

"Eu disse olha, Severus. É, é bem claro, você estava mesmo lá."

"Não estava."

"Você não tem vergonha, Severus? Não tem dó de um pobre garoto indefeso?"

"Mas eu não fiz nada, Lily!"

"Fez."

"Prova."

"Não posso provar. Mas é suficiente pra mim. Você mentiu."

"Lily."

"Cansei."


*


Mais uma maldita noite de sábado perdida, Severus pensou, fechando a porta da biblioteca, onde acabada de renovar seu estoque de livros. Se bem que, pensando bem... O que é que ele teria para perder em uma noite de sábado? Pensou por um momento no que Lily estaria fazendo; torcia, com todas as fibras de seu ser, para que ela também estivesse sozinha. Noites de sábado, nos últimos dois anos, costumavam significar horas de desespero e inveja e ciúmes: eram as noites em que ela passava com o eleito da vez. Haviam sido dois namorados firmes naqueles dois anos, um da própria Grifinória, e um da Corvinal. Ambos daquele tipo interessante, bonitão e de bem com a vida. Fazia cerca de três meses que ela terminara com o segundo e, desde então, percebera pelas indiretas que sutilmente deixava, que ela continuava só. Pensou outra vez em tentar alguma coisa; simplesmente não suportaria mais um namoro dela, mais meses e meses de solidão, de encontros cada vez mais rápidos e superficiais com a única pessoa da qual fazia questão em sua vida. De imaginar qualquer outro fazendo o que ele gostaria de fazer com ela. E Lily era cada vez mais bela, mais popular, mais desejada. E aquele maldito Potter... ele era provavelmente o mais insistente dos pretendentes. Por um breve instante imaginou o pesadelo que seria se ele a conseguisse. Era mesmo uma sorte que Lily odiasse o imbecil. Mas ainda assim, não podia facilitar. Vira na penseira os dois juntos, afinal. É, talvez... talvez ele pudesse tentar mais uma vez, já que a alternativa final seria Potter.

Desviou-se para um corredor escuro quando percebeu a silhueta do diretor vindo em sua direção. Não era dos maiores fãs do Prof. Dumbledore. Não que o odiasse, e eram pensamentos que preferia guardar para si. Mas havia algo no velho... não se sentia confortável na presença dele. Parou um instante para ajeitar um livro que escorregava debaixo do braço.

"Muffliato."

Mas o livro seguiu seu caminho rumo ao chão enquanto Severus boquiabria-se.

"Pensou que eu não iria descobrir o que fez com o menino?"

"Como... como entrou aqui?"

"Entrando", o homem respondeu calmamente, e sorriu.

Ele havia simplesmente se materializado do nada ali, no meio do corredor. Como fizera aquilo? O cérebro de Snape pôs-se a trabalhar furiosamente, e ele se afastou um ou dois passos para trás.

"Snape, Snape... não acredito que abrirá mão de uma garota como Lily... por isso", os olhos do estranho demoraram-se no livro que jazia sobre as pedras, Magia Mui Maligna.

"Abrir mão de Evans", Snape debochou, sentindo a repulsa ao estranho aumentar e aumentar. "Claro que não vou abrir mão dela; como é que se pode abrir mão de algo que não se possui? Ela não sente, nem nunca sentirá, nada por mim. E nem quero que sinta", mentiu. "Agora, desapareça."

O homem riu.

"Mas é claro que não. Nunca sentirá. Como poderá amá-lo, se você não faz nada para que isso aconteça? Silencio."

A voz morreu na garganta de Severus. Um centésimo de segundo antes, seu cérebro alertou-o de que o pior estaria por vir, mas não foi o suficiente para que ele pudesse se defender.

"Crucio", o homem disse, de forma quase insolente, enquanto acenava a varinha.

Snape sentiu como se mil agulhas incandescentes perfurassem seu corpo. E os outros livros escorregaram por seus braços, a mochila despencou, e ele caiu por cima de tudo, batendo a cabeça com força no chão pela segunda vez naquela semana. Retorcia-se em silêncio no piso frio, e isso aumentava ainda mais seu terror.

"Crucio", sussurrou o homem, mais uma vez, e Snape odiou-o como nunca.

Sentiu como se seus membros fossem se separar do corpo; sentiu ímpetos de arrancar os olhos porque assim, quem sabe, a outra dor se tornaria menor, e então... tudo parou. Soergueu-se sobre os cotovelos, arquejando, os cabelos longos caindo sobre o rosto. Arrastou-se até a parede. Escorando-se nas pedras frias, Severus tentou colocar-se de pé, mas era difícil, com as pernas trêmulas, os músculos ainda sofrendo espasmos. Nunca, jamais em sua vida havia sentido tanta dor. Ofegava. O homem se aproximou sorrindo. Bastardo! Esperava que o ódio que seus olhos dardejavam fossem suficiente para matar o maldito homem. Mas ele apenas sorriu, e curvou-se para baixo, sussurrando em seu ouvido:

"Isto, meu caro Severus Snape, é apenas uma pequena amostra do que o espera, se continuar sendo tão idiota, tão cabeça-dura. Mude, para que ela possa amá-lo. Para que ela possa enxergar algo que valha a pena dentro dessa criatura lastimável na minha frente", finalizou, com a voz cheia de ódio, e uma última amostra da Maldição Cruciatus.



*


Estava se sentindo extremamente desconfortável em sua nova pele. Ou talvez, aquela aparência não pudesse ser chamada de sua em hipótese alguma, o que explicaria o desconforto. Fosse lá o que fosse, torcia para passar mais despercebido do que nunca, porque se alguém notasse, choveriam perguntas e piadinhas. Ninguém tinha nada a ver com aquilo, pensou irritado, evitando o Salão Comunal que se enchia rapidamente com os alunos que retornavam da última aula do dia. Mas o Universo parecia estar, surpreendentemente, conspirando a seu favor: não foi nem um pouco complicado não se fazer notar naquela noite. Antes de entrar e se entrincheirar em seu quarto, entreviu Mulciber e Avery se dirigindo furtivamente a algum lugar, com ares de quem ia aprontar alguma. Mas a sensação quente e ácida de ser excluído, que sempre surgia nessas horas, sequer se fez presente, de tão concentrado Snape estava em sua decisão.

Devia se sentir era com raiva, e realmente sentia-se furioso com aquela segunda aparição do homem. Mas havia algo, além da lembrança da dor excruciante que sentira, que não o deixava em paz: o pensamento de que deveria mudar, para que ela enxergasse alguma coisa que valesse a pena nele. Pois bem. Tentaria mais uma única vez, acreditaria mais uma última vez naquela proposta completamente absurda - até porque fazia mais de uma semana que Lily não o procurava, e Severus recordou-se outra vez de que seria ele, ou James, no final. E a simples hipótese do quatro-olhos beijando Lily era um combustível poderoso para que Severus agisse. Para começar, escolhera um dos pontos que considerava mais críticos - nada que uma visitinha rápida ao dormitório feminino não tivesse resolvido. O sono demorou a chegar e a noite parecia se arrastar, testando suas resoluções. Mas uma vez fechados os olhos, o tempo escoou rapidamente, transformando-se de noite fechada em dia claro numa questão de segundos. Com os olhos inchados de quem não dormiu o suficiente, procurou o relógio e então, pulou da cama, alvoroçado. Estava atrasado! Odiava se atrasar. Apanhou as vestes amarrotadas, arruinariam metade de seu plano... Arriscou uma olhada no espelho sem muita esperança mas, para sua surpresa, a novidade continuava lá. Seu ânimo continuava oscilando entre uma resolução ferrenha e a vontade de desistir de tudo para voltar a ser apenas o velho Ranhoso de sempre, porém, não tinha muito tempo para perder com aquilo, tinha de simplesmente ir.

Felizmente os corredores estavam quase totalmente vazios... até chegar ao andar térreo do castelo. Dali, podia-se dizer tudo, exceto que estava calmo e deserto. Uma confusão de alunos, professores e funcionários bloqueava a passagem da escada das masmorras para o hall do Salão Principal. Espiou por cima do mar de cabeças, mas os gritos histéricos de uma garota já anunciavam para quem quisesse saber (e também para quem não quisesse) como havia sido cruelmente torturada, com Maldições Imperdoáveis inclusive, durante toda a noite, por dois encapuzados misteriosos. Severus franziu a testa, apenas lentamente absorvendo o que a garota berrava. Acabou concluindo que aquilo não merecia sua atenção, e preparava-se para dar meia-volta quando um esbarrão o desequilibrou.

"Por que não...", ele começou.

"Oi, Severus", cumprimentou uma Lily muito séria e meio seca.

"Lily", ele disse, e não conseguiu pensar em mais nada pra completar uma bela frase de efeito no curto espaço de tempo em que ela permaneceu a seu lado.

Ele acompanhou-a com os olhos, abrindo espaço no meio do tumulto até alcançar a garota histérica. Reconheceu-a vagamente, era uma das muitas amigas de Lily. Sangue-ruim. De repente, um palpite sobre quem seriam os dois agressores lampejou em sua mente. Podia até ver os dois claramente se esquivando para fora do dormitório, agarrando a primeira sangue-ruim que aparecesse e se divertindo com ela. Tentando, com pouca dúvida, reproduzir o que ele próprio havia feito numa torre abandonada semanas atrás. Sorriu, envaidecido. A idéia de denunciar Avery e Mulciber sequer atravessou sua mente. Lily passou outra vez perto dele, mas agora, puxava a garota pela mão e logo as duas sumiram-se, na direção da Ala Hospitalar. Filch e os diretores das casas tratraram de dispersar os alunos, enquanto McGonagall, furiosa, exigia de todos e de ninguém em particular uma solução para aquele caso. O diretor também estava anormalmente sério e até mesmo parecia um pouco pálido e abatido, e assegurou à professora que todas as medidas seriam tomadas para que fosse descoberta a identidade dos agressores, e para que aquela situação jamais se repetisse. A vida letiva tentou voltar a seu ritmo normal: os estudantes dirigiram-se a seus lugares de costume, porém, nem eles nem os próprios professores conseguiram se concentrar nas aulas.

E Severus até mesmo se esquecera momentaneamente da novidade em seu visual. Quando se recordou, porém, foi só para descobrir que não adiantaria muito, porque, afinal, a pessoa que ele gostaria que o visse nem havia voltado à sala ainda... Suspirou, frustrado e aborrecido. Voltou a sentir-se desconfortável, o cabelo agora solto e muito fino escorregava com muito mais facilidade sobre seu rosto e ele não estava acostumado àquilo.

"Muito bem, muito bem, meus caros! Apenas cinco minutos para o término da aula... queiram fazer a gentileza de me entregarem aquela redação sobre a influência das fases da Lua no preparo de poções!"

A voz pomposa do Professor Slughorn trouxe-o de volta à sanidade: sentado à última mesa no fundo da sala, sozinho, a pena parada no ar há minutos, provavelmente, uma solitária gota de tinta mal se equilibrando em sua ponta. Colocando-a cuidadosamente sobre a mesa, inclinou-se para o lado, a fim de apanhar a redação em sua mochila. Dois rolos, o dobro do que havia sido pedido. Então, ficou de pé, percorrendo a sala com os olhos disfarçadamente, na esperança de tentar enxergar alguma centelha vermelha. Nada. Desenrolou os pergaminhos enquanto caminhava meio curvado até à mesa do Professor, revisando, absorto, seu trabalho. E tentando passar despercebido.

"Opa!"

O tom falsamente desastrado de Potter o alertou centésimos de segundo antes, mas era tarde demais para evitar o desastre: aproveitando um Snape completamente distraído, Potter fez flutuar o tinteiro que o próprio Snape esquecera aberto sobre a mesa; e o virara inteiro sobre os dois rolos de pergaminho.

"Nossa, Ranhoso, mas o que é que você tem aí?"

Antes que Snape tivesse tempo de reagir ao 'acidente', Black, acompanhado por Pettigrew, vinha vindo da direção da mesa do Professor, espiando muito interessado o trabalho arruinado.

"O que foi que você fez? Encostou o cabelo na redação e manchou tudo? Aah, acho que o Professor Slughorn não vai conseguir entender o que você escreveu... que pena, não é mesmo?", e com um ar falsamente preocupado, Black se empertigou, ajeitando os cabelos, e pôs-se a desfilar entre os alunos, acompanhado pelas risadas estridentes do outro.

Severus levou a mão à varinha guardada dentro das vestes enquanto pesava se valia ou não a pena levar uma detenção por azarar aqueles quatro (Lupin, como sempre, ficara num canto, fingido que não tinha nada a ver com a história toda). Mas antes que tomasse qualquer decisão, o grupinho de alunos em frente à mesa do Professor se dissolveu.

"Snape, meu caro, com que maravilhosas idéias nos brindará dessa vez?"

Mas então, os olhos de Slughorn escorregaram para os pergaminhos completamente cobertos de tinta; e ele franziu a testa.

"Professor Slughorn, eu...", Snape começou, vacilante.

"Professor Slughorn!", uma voz de garota interrompeu. Era ela, finalmente. Seu estômago afundou um pouco, e ele a observou, com o canto do olho, a garota se aproximando, os cabelos ruivos e lisos ondeando para trás, e aqueles olhos verdes cintilando, resolutos. "Foi Potter quem fez isso, eu vi."

"Aah, Potter, Potter... ele e Black, tão inteligentes, mas sempre metidos nessas confusões... os sermões de McGonaggal aparentemente não fazem efeito algum... Bem. Normalmente, Severus, não permitiria. Mas é um caso à parte, e você é um dos melhores alunos... tem mais uma semana para fazer a redação, está bem?"

Potter gargalhava abertamente de sua desgraça, Lily perscrutava a ele, Severus, com os olhos, desconfiada, e todos os outros alunos contemplavam a triste figura que ele fazia, com o pergaminho inútil e coberto de tinta nas mãos, o cabelo que ele pensava estar limpo mas agora não estava mais tão certo a respeito. Conseguia ouvir, entrecortada no meio do murmúrio, a gargalhada de Potter, Black e Pettigrew, e uma palavra repetindo-se sem parar. Ranhoso.

Ódio começou a borbulhar dentro dele.

"Eu vou te ajudar a refazer isso, Sev", Lily anunciou, porém, sem muito calor na voz. Como se estivesse mais interessada em se vingar de Potter do que em ajudá-lo realmente.

E funcionou, porque a gargalhada de James morreu no mesmo instante. E ele a encarou, atônito. O Prof. Slughorn selou o acordo, dizendo:

"Ótimo, ótimo, minha cara Lily! Dois dos melhores alunos juntos, terminarão em questão de minutos!"

Severus sentiu-se agradavelmente vingado. E ainda mais feliz após toda a sala ter se esvaziado, exceto por ele e Lily. A garota, no entanto, continuava o encarando de forma séria e desconfiada.

"Onde foi que você esteve essa noite?", ela disparou, por fim.

"Dormindo, ora", ele respondeu por instinto, pego de surpresa. E compreendeu aqueles olhares intensos. "Lily, ouça", ele suspirou, "não fui eu quem atacou a... a sua amiga."

"Você me dá a sua palavra?"

E porque não havia o que temer, ele não pensou duas vezes em afirmar, olhando bem dentro dos olhos dela. Lily o encarou por um ou dois instantes, ainda desconfiada, então, pareceu relaxar minimamente. Ele respirou aliviado, não saberia o que fazer caso ela insistisse. Não sabia se seria capaz de denunciar Avery e Mulciber... pensou na vingança que o aguardaria. Na indiferença, na expulsão do grupo, por fim. Mas se fosse para salvar a própria pele, e com ela... era algo a se pensar. Mas preferia não pensar por enquanto.

"Que coisa mais horrível, Sev", e de repente, era como se aqueles dez dias em que passaram afastados nunca tivessem existido.

Um pequeno silêncio hesitante se fez, então, contribuindo para a reaproximação, Severus perguntou, simulando indiferença:

"Como é que ela está?"

"Péssima, é claro", Lily respondeu em tom de reprovação. "Imperdoáveis, Sev! Aqui dentro!"

"É."

Os cabelos se sacudiram, limpos e sedosos, com o movimento que ele fez. Ela estreitou os olhos outra vez.

"Mas você...", ela começou, em tom de surpresa.

"Sim?", ele voltou a encará-la, tão patética e abertamente esperançoso.

Mas jamais soube o que ela queria lhe perguntar, porque uma afobada McGonaggall surgiu à porta, procurando por Lily.

"Srta. Evans! A Srta. Ash deseja vê-la. Imediatamente!"

A sangue-ruim.

"Ah, sim, sim!", Lily agarrou seu material e se apressou a despedir-se de Snape.

"Amanhã, às oito, na biblioteca?"

Ele concordou com um aceno de cabeça e suspirou, sem conseguir se conter, quando ela roçou suavemente os lábios em sua face.



*

Que dia estava sendo aquele, Lily pensava, aborrecida. Gostava de fugir da rotina, mas nunca era legal quando o motivo que a levava a isso era o fato de uma de suas melhores amigas ter sido atacada daquela maneira estúpida. Pelo menos sabia que não havia sido Severus. Conhecia-o bem demais para saber quando ele mentia, e naquela manhã, encarara-a nos olhos e havia sido sincero. Pelo menos aquilo. Mas ainda assim... "droga", ela suspirou, aborrecendo-se um pouco mais. Aquilo nem de longe significava uma mudança. E ela não sabia mais o que dizer, o que fazer, e o homem que a desculpasse, ela realmente sentia muito, mas não estava vendo muito sentido em ainda insistir. Então a hipótese de Severus afundar-se de vez no lado negro abateu-se com força sobre ela. Droga, droga. Por que cabia a ela salvá-lo? E a mãe dele, Eileen? Sabia o quanto era apegada ao filho, mas... ah, que droga. Ela havia sido uma Sonserina, também. Era claro que a idéia de Severus Comensal da Morte lhe seria mais do que bem-vinda. Bufou outra vez. Então, algo desviou sua atenção. Uma coruja, com penas negras como as de um corvo, entrou esvoaçando por uma janela aberta e pousou sobre o braço estendido de uma velha e enferrujada armadura. Então, a coruja negra estendeu uma perna, à qual estava amarrada um pergaminho. Era para ela, não havia dúvida. A testa franzida de curiosidade, desamarrou o bilhete e leu, escrito numa letra que ela nunca havia visto, um bilhete, muito curto e objetivo, que dizia:

'Lily:

Por favor. Encontre-me no jardim atrás das estufas amanhã. Sei que já tem compromisso, mas prometo ser rápido. Às quatro da tarde. Por favor, vá. É muito importante.'



---

vai, gente. porque essa de cabelo que não fica limpo DE FORMA ALGUMA não existe, nem em hogwarts =P a não ser que alguém tivesse lançado um feitiço no snape, vá lá, mas nunca me pareceu o caso. ele só precisa é de um bom xampu =P

obrigaaaaada, beca (ai, sério que tá gostando? que muito, muito bom, mesmo! e não se acanhe, comente onde achar melhor XD); diana (cara, também gosto MUITO dessa passagem e provavelmente vou colocar nessa versão nova, também ], até já dei uma insinuada nesse capítulo aqui), cedryan (ain, que chato. não se pode agradar a todos... =/), morgana (pedidos atendidos! e muito, muito obrigada, de novo, pela "betagem informal" e tudo o mais ;D), ana (<3 e não esquece de me avisar daquela fic!) e samoa (obrigadíssima! fidelidade ao mundo da rowling é o que eu mais tento fazer).

e muito obrigada, também, a quem leu <3

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