Encontro Frustrante



Capítulo 3. Encontro Frustrante

::Aine::

O barulho das conversas, pratos e talheres batendo, risos e rangidos que nos recebeu naquela noite no salão era muitos níveis mais alto que nos dias normais. Nosso último dia de aula antes do início do feriado de natal havia acabado de se encerrar e todo mundo estava mais sorridente que o normal com a perspectiva de duas semanas livres.

Eu estava particularmente feliz com a decoração de natal que tomava completamente o castelo e ansiava pelo dia seguinte, quando haveria visita a Hogsmead. Eu e Andy já tínhamos tudo combinado: acordar cedo, arrastar Marlene da cama, encher umas duas cestas de piquenique, intimar Lily a deixar seus relatórios da monitoria para outro dia qualquer e seguir para o povoado para fazer as compras de natal. Meu irmão Ludo havia me prometido uma Comet 130 e eu contava os dias para poder experimentá-la, e ia com certeza fazer isso no dia 25, não importava se estivesse nevando ou chovendo hipogrifos.

Ocupamos nossos quatro lugares na extremidade da mesa mais próxima dos professores e Lily foi a primeira a se servir, enchendo o prato de couve-de-bruchelas. Eu até entendia a mania de certinha dela, mas quem a via comendo daquela maneira até se sentia mal por encher o prato de porcarias não-nutritivas. Por outro lado, eu podia lembrar das palavras de Marlene, afirmando que, se Lily gostava tanto assim de vegetais, Tiago ainda tinha alguma chance afinal.

Me servi de rosbife, já olhando com cobiçosamente para o pudim de leite e ameixas da sobremesa, quando vi alguém que me fez encolher na cadeira. Héstia Jones estava reunida com sua trupe de fofoqueiras de todas as casas num canto da mesa da Corvinal. Ela olhou pra mim (digo, não na minha direção, mas diretamente pra mim) e sorriu de um jeito estranho.

Eu olhei para minhas amigas e surpreendi Lílian e Andy trocando olhares preocupados, o que me fez ficar preocupada também. Uma coisa era minhas amigas saberem que eu tinha problemas, mas Héstia, a maior fofoqueira de Hogwarts, sabendo disso era totalmente diferente. E não era nada bom.

- Não se preocupe, Aine, ela não sabe de nada - ouvi a voz de Lílian e ela pulsou a mão sobre a minha cabeça num gesto muito próprio dela.

Do meu outro lado, Andy se desmanchava em sorrisos e insistia que eu experimentasse o bolo de carne. Marlene olhava na direção de Héstia com a cara amarrada. Tinha o punho fechado sobre a mesa, como se trabalhasse mentalmente numa vingança.

Minutos depois, Lílian estava se levantando dizendo que tinha que cuidar das detenções do dia e arrumar seus relatórios da monitoria para poder fechar o ano sem nenhum atraso. Foi a deixa para Marlene se esquecer completamente de Héstia e sumir debaixo da mesa, ressurgindo logo depois com a mochila de Lílian na mão.

- Não, você não vai trabalhar nas nossas primeiras horas de férias! - ela falou, em tom categórico.

Lílian cruzou os braços de impaciência e passou por debaixo da mesa também para alcançar Marlene do outro lado. As duas ficaram nessa espécie de cabo-de-guerra com a mochila por uns bons minutos até Andy intervir:

- Vamos meninas, parem com isso. Amanhã teremos um dia maravilhoso, o jardim está cheio de neve fofinha, Hogsmead deve estar maravilhosa para o natal, vai ser tão maravilhoso! Imaginem anjinhos, fadinhas brilhantes, bolas coloridas, guirlandas, Papais Noéis e toda aquela comida deliciosa... Eu amo tanto o natal! - ela falou tudo isso olhando para as paredes com um ar sonhador, como se descrevesse uma cena que sobrenaturalmente se revelava diante de seus olhos.

Andy então bateu palmas e se ergueu da mesa, saindo aos saltos do salão.

- Ela tem melado nas veias em vez de sangue - falou Lily. Marlene riu e Lílian aproveitou a chance para recuperar a mochila.

Ela se levantou e seguiu o mesmo caminho de Andy.

- Engraçado ela estar assim tão ansiosa - falei. - Que eu saiba ela tem a detenção de Tiago hoje.

- Mais uma? - Marlene ergueu as bem desenhadas sobrancelhas para mim. - Escute, Aine, será que você está mesmo bem o bastante pra ficar sozinha?

- Estou - falei, entediada. Minhas amigas haviam passado o dia inteiro me fazendo a mesma pergunta, como se eu fosse um bebê que precisasse de vigilância ininterrupta. - Estou muito bem, juro.

Marlene não pareceu acreditar muito e acrescentou:

- Acho que eu e Tomas vamos dar um passeio pelos jardins. Se alguém te importunar, por favor, me procure. Especialmente se for a Jones - ela sorriu.

Marlene era dentre nós a que tinha mais encontros, embora sempre dissesse que estava indo passear com amigos do sexo masculino, não com namorados. Por outro lado, ela era também a que mais dava medo nos garotos, por seus "métodos nada pacíficos nada pacíficos de conter avanços", como dizia Lílian. Andy era a mais romântica e era capaz de ficar horas ouvindo os detalhes de cada encontro de Marlene, o que deixava Lílian bastante irritada.

Eu entendia em parte como Andy se sentia. Eu e ela costumávamos ser muito tímidas e chamávamos muito menos atenção que Marlene, com sua beleza, ou Lílian, com seu jeito mandão (alguns caras gostam disso... pelo menos Tiago Potter parecia gostar). Para nós era mais fácil ter experiências indiretas através de Marlene - ficar na cama e esperar que ela voltasse para contar tudo enquanto vestia o pijama.

- Não gosto de ser dedo duro - falei, olhando para meu prato de pudim.

- Não será dedo duro porque Jones é muito maior que você - ela falou, como se isso fosse um argumento irrefutável.

- McKinnon, tem primeiranistas maiores que eu...

Marlene sorriu de uma maneira incerta e prometeu não dar muito trabalho pra acordar pro piquenique na manhã seguinte se eu prometesse chamá-la se precisasse. Eu apenas prometi, me sentindo meio idiota, e continuei a apreciar minha sobremesa enquanto minha amiga ia embora.

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::Lily::

- Sejam bem vindos a mais uma alegre noite de trabalho escravo no castelo do terror - gracejou Tiago Potter, assim que me viu dobrar um corredor e aparecer diante da sala dos monitores.

Eu fiz uma nota mental de estrangular a Marlene por me fazer parecer ridícula na frente de Potter - porque a detenção dele dessa vez era exatamente por chegar atrasado a uma detenção e, oras, EU estava atrasada!

- Se não gosta disso podia aprender a se comportar - retruquei.

Ele fez uma reverência exagerada quando me aproximei, como se fosse me chamar para valsar ou algo do gênero.

- Boa noite, senhorita Evans. Está mesmo uma noite muito agradável, não?

- Que noite pode ser agradável com você por perto? - falei, de mau-humor, destrancando a sala da monitoria. Deixei minhas coisas lá dentro e voltei com um espanador.

- Não me faça polir aqueles troféus outra vez, por favor - ele me seguia enquanto eu saia da sala, traçava de novo e seguia para o lugar onde ele cumpriria a detenção. - Porque eu já estou cansado de passar horas polindo aquelas coisas só pra vir alguém e sujar tudo depois...

Eu ouvia tudo calada, meus pensamentos no salão alguns andares abaixo onde havia deixado Aine terminando a sobremesa. Não tinha muita certeza de que minha amiga estava bem o suficiente para ficar sozinha, não que Marlene não fosse uma boa companhia, mas o fato era que McKinnon simplesmente tendia a encarar tudo como uma batalha e o que Aine precisava era de calma e bom-senso. E além do mais, Marlene tinha um encontro naquela noite e Andy estaria numa reunião do Clube das Bexigas.

Eu esperava terminar depressa aquela detenção e poder levar os relatórios da monitoria para terminar na sala comunal, onde poderia vigiar Aine.

Assim, simplesmente fiquei observando Tiago na biblioteca, espanando as prateleiras, impaciente para que ele terminasse de uma vez. Mas ele não parecia muito disposto a me fazer essa gentileza. Evoluía vagarosamente no trabalho, cantarolando uma música idiota sobre duendes e lobisomens.

Faltavam uns vinte minutos para as onze da noite quando eu finalmente perdi a paciência e o mandei embora, antes mesmo que ele tivesse terminado a seção de transfiguração. Essa concessão fez meu estômago revirar de desgosto, mas eu não tinha escolha a não ser olhar para aquele sorriso pretensioso enquanto ele ia, acreditando piamente que fora dispensado pelo efeito que seus lindos olhos castanhos tinham sobre mim - não que eles tivessem algum efeito, mas podem ter certeza que Tiago Potter achava que sim.

Após uma breve parada na sala da monitoria para pegar minhas coisas e guardar o espanador, segui para a torre da Grinfinória. Encontrei Aine sentada na própria cama preparando sua lista de compras para o dia seguinte. Nada parecia fora do normal com ela, o que me deixou muitíssimo aliviada. Andy chegou logo depois de mim, exalando um cheiro um tanto quanto ruim.

Me explicou em poucas palavras que levara uma surra de Mundungo Fletcher no jogo de Bexigas e correu para o chuveiro. Eu fiquei trabalhando em meus relatórios até por volta de umas onze e meia, quando Marlene chegou trazendo no rosto uma expressão legítima de quem fora obrigada a engolir algo muito amargo.

Ela apenas entrou, vestiu sua camisola de algodão e se enfiou debaixo das cobertas sem dizer nada, o que foi bastante estranho, visto que Aine e Andy já estavam apostas esperando por mais uma narração - ou, como eu prefiro chamar, uma incrível seção de exibicionismo, digna de Tiago Potter e Sirius Black.

Com Andy me intimando silenciosamente a fazer alguma coisa, eu não tive opção a não ser protelar minhas obrigações de monitora em favor das minhas obrigações de amiga.

- Está tudo bem, McKinnon? - perguntei, tendo o cuidado de não chamá-la delo primeiro nome que ela tanto odiava.

- Não, não está - ela murmurou, com a voz embargada. - Os garotos são todos uns idiotas e Tomas Wood é o maior deles! - ela se sentou na cama com lágrimas nos olhos (uma cena totalmente surreal em se tratando de Marlene). - Estava querendo me agarrar a todo custo e disse... disse que todos sabiam que garotas como eu já tinham feito de tudo...

Eu abaixei a cabeça e me ajoelhei no tapete ao lado da cama de Marlene. Aine veio correndo e a abraçou, enquanto Andy se juntava a mim.

- Estão espalhando mentiras sobre você? - perguntou Andy. Tinha no rosto uma expressão brava, do tipo que eu vira poucas vezes na vida nela.

Eu mesma sentia meu rosto ficar vermelho de raiva, uma raiva tão grande que eu tive vontade de ir caçar o Wood pelo castelo só pra poder usar uma daquelas azarações que Potter costumava usar em Snape.

- Sério, eu odeio minha família, todos eles me olham como pobre órfã, sem pai nem mãe. Pelo menos quando eu estou com os garotos eu me sinto de algum modo especial, porque sei que sou provavelmente a garota mais bonita com quem eles já saíram - eu guardei meu comentário sobre a pouca modéstia de Marlene para mais tarde e segurei a mão dela com força. - Eu admito que me exibo às vezes e não me envergonho deles olharem pra mim, mas isso não quer dizer que eu seja uma... que eu seja esse tipo de garota...

- Não ligue pra isso - falou Aine, chorando também.

Andy me olhou como se esperasse que eu tivesse na ponta da língua as palavras corretas para um momento como aquele, mas eu simplesmente não sabia de nada que eu pudesse dizer que melhorasse as coisas. Eu não sabia se havia algo assim.

- Isso não tem importância - murmurei. - O que importa é quem você é, não quem ele pensa que você é.

Eu tentei parecer convicta em minhas palavras, mas sinceramente não tinha certeza se estava certo dizer aquilo. Andy se levantou e abraçou Marlene e seu segui seu gesto. Ficamos as quatro por vários minutos ali, abraçadas, esperando que, mais uma vez, nossa união nos tornasse individualmente mais fortes.

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