Na calada da noite



Capítulo 8. Na calada da noite


::McKinnon::


- Você só pode estar tentando fazer eu me odiar. Como pretende que eu faça isso?


- Ora, você apenas precisa entrar lá e pedir, nada de mais - falei para Lílian, enquanto seguíamos por um corredor escuro em direção às cozinhas.


- Tem muita comida nessa lista, com certeza eles vão desconfiar - reclamou ela exasperada. Estava no limite de sua tolerância.


Atravessamos uma passagem atrás de um retrato de uma fruteira prateada e chegamos à cozinha em meio a uma enorme quantidade de vapor. Era um amplo salão com o teto não muito alto e pilhas e pilhas de tachos e panelas escondendo as paredes. Havia vários fogões e armários em miniatura para que os elfos domésticos pudessem usá-los.


Lílian foi quem interpelou o primeiro elfo que veio a nós:


- O que os mestres desejam?


- Basicamente isto - ela puxos uma comprida lista escrita em pergaminho amarelo e passou aos dedos roliços do elfo. Ele nos lançou um olhar de desconfiança e disse que ia procurar um tal de Kiko, que era o único dentre eles que sabia ler.


Ela suspirou e olhou para mim como se dissesse que já estávamos começando mal. Foi precisamente nesse momento que eu vi seus olhos verdes perderem o foco olhando para algo que estava atrás de mim.


Ao me virar, me deparei com os quatro Marotos espalhados ao redor de uma mesa de chá, lanchando. Eles nos miraram com estranheza e foi Sirius que se levantou para perguntar: imagina os marotos lanchando numa mesa de chá


- O que estão fazendo aqui?


Como Lílian estava impossibilitada de falar, só olhava para as pontas dos sapatos e torcia os dedos, eu respondi:


- O mesmo que vocês.


- Ah, não estão não- intrometeu-se Tiago. - Nós estamos comendo, vocês querem comida para levar.


- Podemos ficar com fome, não podemos? - justifiquei.


Lílian estava levemente trêmula ao meu lado enquanto eu tentava manter a naturalidade. Os quatro garotos trocaram olhares desconfiados e sorriram de maneiras igualmente misteriosas antes de Tiago responder:


- É, podem. Peguem algumas tortinhas de caramelo, estão muito boas.


O tal Kiko nos trouxe três enormes cestas de vime cheias até a borda e que pesavam toneladas e tratamos de nos mandar o mais rápido possível.


- Se eles descobrirem essa história toda... - murmurou Lílian no meio do nosso caminho para os dormitórios.


- Eles não vão descobrir - garanti. - Teremos partido muito antes de alguém desconfiar de qualquer coisa.


Chegamos ao dormitório e Andy trancou a porta cuidando para não fazer barulho. Revistamos tudo como um grupo de paranóicas atrás de qualquer sinal de que Héstia estivesse escondida, esperando para escutar qualquer coisa. Afinal, ela já havia nos enganado antes.


Depois sentamos no chão formando um círculo.


- Os mapas - pedi quase num sussurro.


Lílian puxou a mochila que estava aos pés de sua cama e tirou de dentro um grosso papel dobrado, que ela abriu no espaço entre nós, revelando um mapa rodoviário da Grã Bretanha. Ela alisou as marcas das dobras e falou, apontando:


- Esse é o roteiro por dentro do país e esse é pelo leste - informou ela. - Há também um pelo oeste, mas, pelo que sei, os ventos lá podem nos desestabilizar. Achei melhor evitar essa possibilidade. Seguiremos as estradas trouxas para nos mantermos orientadas e...


- Quanto tempo vai levar? - interrompeu Andy.


- Depende da rota que escolhermos - respondeu Lílian com um ar de desagrado por ter sido interrompida. - Mas eu acho que levamos no máximo quatro dias.


Lílian então se empertigou e voltou-se para mim, me mirando com aqueles imensos e inquisidores olhos verdes.


- Muito bem, McKinnon, fiz o que me pediu. Agora nos diga como tenciona chegar à Escócia.


Recostei-me no malão de Aine, os braços cruzados sobre o peito.


- Vou guiar a moto de Black - respondi, dando de ombros, como se fosse a coisa mais óbvia.


Os olhos de Andy brilharam de expectativa, mas Lílian e Aine realmente ficaram sem palavras por vários segundos, como se não acreditassem realmente no que eu tinha dito.


- A moto voadora do Black? - repetiu Lílian. - Aquela que ele usou pra chegar aqui no ano passado? Você quer atravessar o país naquela coisa medonha?


- É preciso autorização do Ministério para usar objetos trouxas enfeitiçados – Aine a apoiou. - E ninguém daria uma autorização dessas para bruxas não-formadas.


- É preciso ter autorização para ser legal, não para usar a moto - falei, simplesmente.


- Pode ser, mas Minerva proibiu Black de trazer aquela coisa para o castelo, você sabe onde está?


- Eu sei! - fez Andy.


- Eu também - respondi. - Está em Largo Grimmauld, na mansão dos Black. Ele a deixou lá quando saiu de casa.


- E como exatamente você pretende pegá-la? - Lílian estava determinada a encontrar uma falha no meu plano.


- Andy nos levará até lá, e então...


- Então o quê? - Aine se pendurava nas minhas palavras.


-Roubaremos ela.


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::Aine::


-Roubaremos ela.


Lílian sorriu, pensando que Marlene estava brincando. Parou de repente ao compreender que ela falava sério. Eu e Lily ficamos olhando fixamente para McKinnon, concordando silenciosamente que ela devia ter pirado por completo.


- Hoje à noite vamos a Hogsmeade - anunciou Marlene. - De lá pegamos um trem na estação e partimos para Lon...


- É impossível! - Lílian se levantou, dobrando o mapa. - Não sei por que quis ouvir isso, eu sabia desde o início...


- Pare de dizer isso! - exclamou McKinnon. - Não é impossível, está tudo planejado. Você é que não tem coragem de fazer nada que outras pessoas não aprovem. É assim com essa fuga e é assim com o Potter! Você é uma covarde, isso sim, Lílian Evans!


Eu comecei a ficar assustada com a discussão que se iniciava e até Andy tinha perdido a habitual expressão sonhadora. Lílian tinha os olhos em brasa fixados em Marlene, enquanto a outra apenas cruzava os braços e sorria, triunfante com o efeito de seu argumento.


- Eu não tenho medo do Potter - murmurou Lílian após vários minutos de silêncio. - E também não tenho medo disso. Mas você viu como os Marotos desconfiaram de nós e eu não dou dois dias para todo mundo no castelo perceber que desaparecemos. Imagino que alguém do Ministério vá atrás de nós quando isso acontecer. Ou antes ainda, se por acaso Black descobrir o que vamos fazer.


Outra vez silêncio. Minha mente estava trabalhando em ritmo acelerado, possibilidades e mais possibilidades tomando forma e sendo descartadas. Eu não queria voltar à casa onde havia vivido quase toda a minha vida. Queria ignorar para sempre o que tinha acontecido lá. Estava acostumada a sempre abaixar a cabeça e me esconder atrás das pessoas, mas de algum modo sabia que aquilo não estava certo. Eu era grifinória. Tinha que haver alguma força ainda oculta dentro de mim, uma fagulha de coragem que havia me trazido para perto daquelas garotas fantásticas.


- Podemos deixar uma pista falsa - falei finalmente.


Todas as outras, que tinham se limitado a mirar o chão por todo aquele tempo, levantaram os olhos para mim.


- Como? - indagou Andy.


- Deixaremos um mapa com a rota pelo oeste - falou Lílian -, fingindo que deixamos cair na pressa.


- Brilhante! - Marlene sorriu, novamente esperançosa.


- Ainda é um risco muito grande - Lily mordia o lábio inferior ansiosa, ao mesmo tempo em que balançava a cabeça, pensativa. - Roubar uma moto é algo realmente sério.


- E quem disse que vamos roubá-la? - fez Andy. - Vamos só pegar emprestado.


Embora todas soubéssemos que naquele caso havia pouca diferença entre roubar e “pegar emprestado”, aquilo contribuiu para atenuar a ruga de preocupação que havia na testa de Lílian.


- Não sei... - ela falou após vários minutos olhando para o mapa, como que tentando pôr os pensamentos em ordem.


Olhei para ela e supliquei:


- Vamos, Lily. Eu quero isso. Eu quero ir lá com vocês.


- Não precisamos gastar com quarto de hotel, podemos levar a barraca auto-montável de Andy - falou Marlene. - Temos comida - ela apontou para as cestas de vime - e eu tenho uma poupança no Gringotes que nunca vou conseguir gastar em vida mesmo, centenas de galeões que herdei da minha mãe.


Lílian suspirou longamente antes de voltar a se sentar no círculo. Para mim aquilo foi um convincente sinal de concordância.


- Isso! - Andy sacudiu os braços num tipo esquisito de comemoração.


Com uma excitação quase sólida tomando conta do quarto, todas nos debruçamos sobre o mapa. Começamos a calcular até onde iríamos no primeiro dia, todas falando ao mesmo tempo.


- Certo, vamos sair depois do jantar - concluiu Marlene. - Cada uma deve vestir agasalhos e colocar algumas roupas na mochila. Não podemos levar muita coisa. Só as mochilas e as cestas de comida. Chegaremos a Londres amanhã de manhã.


Todas acenamos em concordância e Lílian lançou a Marlene um olhar esquisito.


- O que é?


- Não vai mudar de idéia, não é, Mckinnon? - ela indagou.


- Claro que não. Acha que estamos fazendo a coisa errada?


- Isso importa? - ela ergueu a sobrancelha, olhou para mim e tratou de mudar de assunto: - Você já vinha pensando nisso há algum tempo.


Marlene sorriu em resposta e falou:


- Não esqueçam as escovas de dente.


As últimas horas daquele dia se arrastaram como lesmas carnívoras doentes. Passamos a tarde na sala comunal fazendo um enorme esforço para ocultarnossa excitação e ansiedade. Era uma sensação estranha olhar para aquelas paredes e pensar que estaríamos muito distantes dali na manhã seguinte. Durante todo o jantar trocamos olhares conspiradores. Estava tão nervosa que não comi.


Com a sensação de que borboletas se agitavam em nossos estômagos, subimos cedo para o dormitório a fim de esperar a passagem do tempo.


Eram quase nove horas quando Héstia entrou no quatro, tagarelando como um papagaio sobre um encontro que teria com Frank Longbottom. Nenhuma de nós deu atenção a ela, esperando que fosse embora de uma vez. Tremíamos de expectativa e prendíamos a respiração de tanta ansiedade.


Quando o relógio de Lílian marcou onze horas, trocamos olhares com os corações batendo forte e nos levantamos.


- Já está na hora? - murmurou Andy.


- Sim - respondeu Lílian. - McKinnon, desça e veja se tem alguém na sala comunal.


Marlene acenou e desapareceu pela porta, andando silenciosamente. Começamos a nos vestir.


McKinnon retornou pouco depois com a notícia de um caminho livre. Esperamos que ela se vestisse, conferimos tudo que estávamos levando e saímos do quarto em fila. A escada em caracol era pouco iluminada e, ao chegarmos à sala comunal, o buraco do retrato parecia mais distante do que nunca. Cada passo ecoava no chão de pedra e a abertura da passagem secreta para a sala comunal nunca tinha me parecido tão barulhenta, mas talvez esse fosse apenas um efeito da escuridão e do silêncio que se estabeleciam no castelo praticamente deserto.


Seria difícil explicar o que fazíamos no corredor em horário proibido, vestindo capas de viagem e com cestas de mantimentos. As batidas de nossos corações pareciam sincronizadas para ribombarem como tambores. Foi quando fomos surpreendidas pela última pessoa que queríamos ver.


- O que estão fazendo aqui? - Jones surgiu diante de nós vinda de um corredor lateral.


A cesta de Marlene escorregou para o chão quando ela viu quem Jones trazia seguro pela mão.

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