Armação



::Lily::

- Quase me sinto como uma pessoa de verdade quando fazemos isso - falou Andy, jogando os braços para cima e caindo deitada sobre a toalha de piquenique.

- Somos pessoas de verdade! - protestou Marlene, a voz ainda meio embargada de sono. - Não é nossa culpa se existem pessoas que não notam isso.

Houve um tempo em que eu invejava esses alunos que tinham vindo de famílias puro-sangue. Não que eu achasse isso importante, mas pelo menos dava alguma segurança à pessoa e ela não se pega abrindo a boca para cada pequena mágica que vê quando chega na escola.

Mas, com meus dezessete anos, eu não pensava mais assim. Andy e Marlene tinham problemas muito sérios com suas famílias e tudo havia começado pelo fato de serem grinfinórias. Depois do sexto ano, Andy tinha adquirido o hábito de dizer que se sentia como um espectro dentro de sua própria casa, o que irritava profundamente Marlene. Talvez porque ela se sentisse da mesma forma.

- Detesto quando amanhece antes de eu ter terminado de dormir - reclamou Marlene, se jogando ao lado de Andy, deixando para mim e Aine a tarefa de encontrar um espaço livre na toalha onde o café da manhã que havíamos trazido pudesse ser servido.

- Se tivéssemos que esperar pelo fim da sua dormida, nunca chegaríamos - falei.

Ela se levantou esfregando os olhos e eu aproveite para emburrá-la e me sentar na ponta livre da toalha. Aine se sentou ao meu lado e começou a abrir as cestas e espalhar jarras de suco, pratos de bolo, biscoitos e tortinhas diante de nós.

- Sinceramente, Lily, você às vezes é tão... pouco compreensiva - falou Marlene para mim, pegando um biscoito com gotas de chocolate. - Por que você não é como a Aine e a Andy. Elas sabem quando devem ficar quietas.

- Eu falo quando tenho algo pra dizer - interveio Aine.

Nesse momento, um grupo de garotos surgiu nas imediações da vila e os reconheci como estudantes de Hogwarts pelas capas do uniforme que usavam. Estávamos num descampado onde a grama era baixa, quase que fora da cidade. Ali, haviam montes mais elevados onde a neve não conseguia se acumular, perfeito para estendermos nossa toalha. Era raro que víssemos alguém mais por ali, principalmente cedo como era.

Eles vieram andando para o nosso lado e meu olhar na direção em que eles vinham atraiu a atenção de Marlene. Ao vê-los, ela se levantou, fazendo um gesto que dizia claramente "não se aproximem". Um dos garotos pareceu reconhecê-la e alertou os outros. Em poucos segundos, estavam todos voltando para a vila.

Marlene voltou a se sentar com um longo suspiro resmungando:

- Estou cansada disso. É como se tivéssemos uma placa de liquidação com 90 de desconto na testa - é, Marlene costumava usar umas comparações no mínimo estranhas.

Após o incidente com Tomas Davis da noite anterior (depois do que eu fiz com ele, sabia que ele ia pensar duas vezes antes de avançar um sinal novamente), Marlene vinha se mostrando um tanto quanto arisca à aproximação de garotos. Aparentemente, havia descoberto um que corria na escola um boato de que ela já fora à torre de Astronomia com vários rapazes - e todas saíamos o que "ir à torre de Astronomia" significava. Isso a tinha deixado tão agressiva que resolvemos poupá-la de um café da manhã no salão principal e enchemos as cestas de piquenique com um lanche reforçado ao invés de almoço.

- É - concordou Andy, com uma careta. - Detesto ser examinada como um pedaço de carne num açougue.

- É melhor se acostumar com a idéia de as pessoas ficarem de olho em você - falou Aine para Marlene. - Você é linda, não tem como não chamar a atenção.

- Não peço a atenção de ninguém - Marlene olhava para a comida com uma cara de pouco apetite. - E também não preciso desse tipo de atenção.

- Ela só estava brincando - falei, empurrando um pedaço de bolo na boca de Marlene. - Sabemos que não é de propósito que você atrai todos os garotos pra te seguirem carregando suas coisas como elfos domésticos.

- Pois eu não - ela protestou, assim que conseguiu engolir. - Não estou brincando, não dessa vez. Estou mesmo cansada dessa coisa de ser bonita.

Andy a mirou como se ela estivesse louca, mas eu me solidarizei. Mesmo não sendo nem de longe tão bonita quanto minha amiga, eu sentia na pele o que era esse cansaço a que ela se referia - mas, enquanto ela precisava de toda uma leva de garotos seguindo-a para isso, Tiago Potter conseguia sozinho provocar os mesmos efeitos em mim.

- Quer dizer, eu quero que eles gostem de mim, mas não quero que pensem que eu sou fácil - ela murmurou, depressiva.

- Não dê importância a isso - pediu Andy. - Você sabe quem você é e todos que foram capazes de pensar isso de você simplesmente não merecem sua atenção.

- Isso mesmo - concordei, enfática. - Não importa o que aqueles idiotas pensam, quem realmente gosta de você não vai acreditar.

- Vamos jogar bexigas - sugeriu Aine, puxando Marlene pela mão.

Andy começou a guardar as coisas de volta nas cestas e eu as diminuí para caberem todas dentro da minha mochila.

- Vocês não vão ficar aqui jogando, temos compras a fazer! - exclamou Andy, arrastando Aine e Marlene e interrompendo o jogo das duas.

Andamos juntas em direção à rua principal do povoado e anunciei que ia à livraria, ao que as outras fizeram caretas e me disseram para procurá-las na Trapobelo, por onde começariam as compras de natal.

Resignada, desci a rua apinhada de alunos de Hogwarts e me espremi para dentro da Feitiçaria Encardenada. A loja estava muito mais calma que o lado de fora e eu tive total liberdade para circular por entre as prateleiras procurando títulos interessantes para dar de presente no natal. Afinal, não era porque minhas amigas se recusavam a se aculturar que eu ia desistir de fazê-las aprender pelo menos um pouquinho além do que era ensinado na escola.
Foi quando uma voz familiar me deteve.

- Bagman catatônica? - o murmúrio vinha de um corredor lateral e eu parei para escutar.

- Isso mesmo. Tenho certeza, ela fica parecendo uma estátua, toda encolhida. Daí vem aquela Evans, a MacKinnon e a Black e dizem a ela alguma coisa que a faz voltar. Minha tia disse que isso acontece com pessoas que lidam com magia negra - a voz de Hésta Jones respondeu.

Furiosa, corri para fora da loja e desci correndo o mais que pude, esbarrando em todo mundo em direção à Trapobelo. Entrei na loja completamente esbaforida e apoiei as mãos nos joelhos para retomar o ar, ante um olhar surpreso da vendedora.

Andy veio do interior da loja com um sorriso animado.

- Voltou rápido. A livraria estava fechada? Você veio correndo?

Assim que consegui erguer o corpo, agarrei-a pelo braço e a puxei para fora da loja. Nos sentamos num banco sob o sol, eu ainda tentando tomar ar.

- Héstia sabe - falei.

Andy piscou pra mim sem entender.

- Ela sabe sobre Aine. Sabe sobre as... as crises - expliquei. - Estava contando para alguém, fez Aine parecer uma maluca!

Andy se levantou do banco num pulo e entrou correndo na loja, saindo minutos depois com uma Marlene muito contrariada. A contrariedade mudou para revolta assim que eu expliquei o que tinha acontecido, mas a essa altura Aine já tinha vindo atrás de nós e não queríamos que ela soubesse de nada.Voltamos a entrar e Andy foi com Aine para o provador, o assunto foi simplesmente adiado para depois.

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::McKinnon::

Era um fim de um dos melhores dias de compras que eu, Aine, Lily e Andy já fizéramos juntas e voltávamos para o castelo carregadas com várias sacolas, rindo e conversando animadamente como sempre acontecia após um dia como aquele. Foi então que avistamos que algo diferente estava acontecendo.

Argo Filch estava postado diante das enormes portas de carvalho no alto da escada de pedra do castelo. Eles nos avistou na base da escadaria e correu ao nosso encontro com aquele olhar que dizia claramente "vocês estão encrencadas.

- Aqui estão vocês, onde puseram elas? - perguntou.

Nós quatro trocamos olhares confusos e, naquelas frações de segundo, Lílian foi eleita nossa diplomata. Ela se aprumou e empinou o nariz, colocando no rosto sua melhor expressão de mandona.

- O que o senhor quer dizer com elas, senhor Filch?

Ele estreitou os olhos, faiscando de fúria, e Lílian respondeu na mesma moeda, sustentado os olhos verdes. Dei um passo à frente, escondendo Aine atrás de mim. Andy não parecia nem um pouco preocupada, se balançando sobre os pés de um jeito que parecia estar sacudindo ao sabor das ondas num barco.

- Bombas de bosta - ele falou, cuspindo de ansiedade. - A senhorita monitora-chefe deveria saber que elas são o 80º objeto proibido da lista.

Lílian sorriu inabalável, como se tivessem acabado de anunciar sua vitória.

- Sinto muito, senhor Filch, não temos bombas de bosta aqui. O senhor pode olhar nossas sacolas se quiser.

Eu olhei para ela sem acreditar que tinha ouvido aquilo. Lily estava mesmo sugerindo que Filch nos revistasse? Onde estavam os direitos civis e o "inocentes até que se prove o contrário"?!

- Não temos bombas de bosta nem de nada, nenhuma de nós jamais andou com aquelas coisas! - falei, revoltada.

- Claro que não - Aine falou, com a voz meio tremida. - Lílian põe Tiago em detenção pelo menos uma vez por semana por causa desse tipo de coisa, não ia andar com isso!

Olhei para Aine, que ficava cada vez mais vermelha, parecia prestes a parar de respirar.

- Quem contou que estamos com bombas de bosta? - Andy surgiu, das profundezas de sua distração, para perguntar.

- Isso mesmo, quem disse isso?! - gritei.

- Não interessa. Coloquem as sacolas no chão. As quatro.

Eu ia protestar mais uma vez, mas Lílian me lançou um olhar e acabei obedecendo.

- Não temos nada a esconder - ela me disse, cruzando os braços e crispando os lábios de uma maneira que lembrava um bocado a professora Minerva. - Filch vai descobrir que se enganou e nos deixará em paz.

- É mesmo? - Filch se ergueu das nossas sacolas com um pequeno pacote verde na mão seguro entre o polegar e o indicador.

Era inconfundivelmente uma bomba de bosta da Zonko's, embora nós nem mesmo tivéssemos entrado lá, Lílian simplesmente não nos permitia.

- Não sei como isso veio parar aí - falou Aine, com os olhos arregalados. Foi só então que eu percebi que era da sacola dela que ele tinha tirado o bomba de bosta.

- Talvez tenha flutuado até aqui - ele lançou um olhar furioso a Aine, e os olhos dela se encheram de lágrimas.

- Foi uma armação! - insisti. - Aine nunca andaria com uma coisa dessas.

- Foi a senhorita quem pôs as bombas de bosta aqui, senhorita McKinnon? - ele bufou ameaçador.

- Claro que não - respondi. - Nenhuma de nós faria uma coisa dessas.

- Então eu aconselharia à senhorita que não interferisse no que não lhe diz respeito. - Ele se virou para Aine: - Isso vale uma semana de detenções, senhorita Bagman.

- Isso mesmo - eu me virei para Lílian sem conseguir crer nos meus ouvidos. Ela estava concordando em dar uma semana de detenções para Aine! - Eu cuido disso, senhor Filch.

Ela arrancou a prova do crime da mão de Filch e nos fez pegar as sacolas e seguir para o castelo. Subimos escadas e atravessamos corredores sem proferir uma única palavra, até finalmente adentrarmos a sala comunal da Grinfinória. Foi quando, largando aquele mundo de sacolas numa poltrona, eu explodi, com todo tipo de raiva explodindo dentro de mim:

- Você ficou maluca ou algo do tipo, vai dar detenções pra Aine por causa de uma armação?!

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