Rony




Rony


 


  Era uma típica manhã fria londrina. Rony teve um pouco de preguiça de prosseguir o percurso até o trabalho como fazia todos os dias, mas resolveu afundar mais a touca na cabeça e sair assim mesmo. Montou em sua bicicleta e desceu a leve ladeira de encontro à arteriosa avenida principal.
 


  Suas pernas cumpridas ajustavam-se adequadamente no transporte, impondo velocidade aos aros, girando dezenas de vezes por minuto. Ultrapassou um ônibus que vinha do West King com certa imprudência e teve de jogar a bicicleta para a sarjeta se quisesse viver mais um dia. Não se importou com o modo grosseiro pelo qual o motorista da grande lata ambulante lhe xingou, apenas pedalou mais porque estava com as bochechas congelando de frio. De dentro do ônibus, a garota que comprava mangás o reconheceu. Sentada em um dos assentos apertados com uma expressão de choque por vê-lo num ato neandertal de “quase psedo-sucidio”.
 


  Quando chegou ao shopping, Rony prendeu com cuidado a bicicleta em um dos arcos de alumínio reservadas as mesmas e assegurou sua contínua posse envolvendo correia e cadeado no aro traseiro.
 


  Subiu para banca ainda concentrado naquele pensamento macabro, de como poderia ter abraçado a bandeira de Digmon durante tantos anos. Teclava ferozmente em fóruns e bate-papos virtuais de todos os motivos pelo qual Pokémon perdia feio para sua saga do coração. Seu principal argumento encerrava-se na forte “carga emocional”. Então ontem, enquanto pulava de um site a outro, embolado nos cobertores, resolveu rever alguns episódios aparentemente imortalizados na sua massa cinzenta.
 


  Ficou horrorizado. O traço, o enredo (a falta dele, na verdade), o efeito de repetição retardatário, quase o fez tomar quinhentos comprimidos de Valium numa sentada só.
 


  De imediato excluiu diversas contas pela web e recriou-as com outro Nick e outro argumento. De certo não conseguiria comentar sobre aquele aborto por muito tempo, nem que fosse com sua própria sombra.
 


  Ao chegar ao trabalho, encontrou Hank muito animado, balançando a cabeça vertiginosamente enquanto escutava – muito provavelmente – a doce voz de Cory Taylor no aparelho celular. Hank tinha quase sua idade, um ano a menos, vinte e dois, e era seu companheiro na banca. Os dois se davam muito bem, conversavam trivialidades ao longo das horas, suavam a valer nas datas comemorativas, normalmente período que o shopping enchia mais, e ficavam muito confortáveis nos momentos ociosos. Cada qual em sua cadeira lendo alguma coisa das prateleiras. Rony, mangás. Hank todo resto.
 


  Em dado momento daquele dia, Hank erguera a cabeça do seu exemplar de “Trip” e cometara, abismado.
 


— Caramba! Angelina Jolie se considera bissexual! — Assoviou. — Os atrativos dessa mulher só aumentam, não é?
 


  Rony levantou a sobrancelha e fitou-o através do Rurouni Kenshin, volume 7, como quem não está nem um pouco disposto a reiterar a observação. Para ele, super estrelas americanas como Angelina Jolie não vinham lhe agarrar nos sonhos. Um rosto bonito com caras e bocas glamourosas, dificilmente o faziam suspirar. Como todo homem, notava sim, mas o assédio mental jamais perdurava.
 


  As garotas que faziam o tipo dele costumavam ser humanas. Foi sua vizinha da infância, Leslie, com os cabelos louros palha e um incisivo tortinho, muito charmoso a cada sorriso. Foi Ashley Thompson, sua melhor amiga do secundário, que ficava vermelha e suava nas palmas da mão toda vez em que eram obrigados a apresentar algo diante da classe.
 


— Vai dizer que você não acha ela a maior gata? — irritou-se Hank, com a expressão perplexa.
 


— Digite apenas “Angelina magra” no Google. — ele respondeu voltando para sua leitura, disposto a não dar mais ouvidos para o colega.
 


  No fim da tarde, Rony foi comer algo na praça de alimentação. Ao retornar, tomando o resto do refrigerante, percebeu um cliente saindo com o mangá de Monster. Um adolescente espinhento.
 


— Essa editora tá de brincadeira. Nos mandam quatro exemplares de Monster, vendendo como está! Acabou tudo.
 


Rony correu os olhos para embaixo do balcão.
 


— Cadê o que tinha separado, ao lado do caixa.
 


— O último. Acabou de ir. — comentou Hank, despreocupado.
 


— Quê??? — Rony berrou. — Você não viu que estava reservado?!
 


  Deixou o refrigerante pela metade e saiu em passos rápidos pelo corredor.
 


— Não tinha papel nenhum. — lamuriou-se o colega, vendo afastar-se.
 


  Impensadamente Rony foi ao comprador, o adolescente espinhento, e abordou-o caminhando entre as vitrines.
 


— Oi... — fez um sinal desajeitado com a mão. O garoto olhou-o, impassível. — Er... sabe esse mangá que você acabou de comprar, ele... er... estava reservado. Meu amigo se enganou ao vender para você.
 


— Mas ele já vendeu, não é?! — o garoto deu de ombros — Direitos do consumidor.
 


Alarmado, o rapaz postou-se na frente do adolescente.
 


— Quanto você quer? — sacou cinco libras da carteira.
 


— Eu paguei cinco libras por ele. Não tente me enganar. — o menino disse, aborrecido.
 


Rony pegou mais uma nota.
 


— Dez libra! Que tal? — fez uma expressão de “bons negócios”. — É o dobro. Pode comprar outros dois mangás ali na banca.
 


  O consumidor subordinado começou a gostar da brincadeira. Viu uma espécie de fascinação desesperada nos olhos daquele rapaz sardento.
 


— Cinquenta libras. — deu sua oferta.
 


  A cor saiu um pouco do rosto de Rony. Estava sendo descaradamente “roubado”. Ficou pensando que tipo de coisa aconteceria com aquele projeto de ser humano no mundo pós-apocalíptico de High School of the Dead, mas a história era tão minada de garotas semi nuas em situações para maiores de dezoito anos, que só via um cenário otimista para o pequeno mercenário. Saltou de obra, e pensou que seria muito melhor vê-lo sucumbir ao senso de justiça invertido de Light Yagami em Death Note.
 


— Ok. Cinquenta libras. — entregou o dinheiro ao adolescente.
 


  Ao tentar resgatar a revista o aproveitador larápio continuou retendo em sua posse.
 


— Espere. Eu quero ler esse volume, estou muito curioso.
 


  E assim Rony passou cinquenta minutos nas poltronas próximas à fonte, vigiando o garoto até o término da leitura.


 


— Aonde você foi? — Hank perguntou, após uma hora inteira de ausência de Rony.
 


— Fui consertar sua burrada. — o outro resmungou, guardando o volume reservado dentro da própria bolsa.
 


  Hank sabia ser perspicaz quando não deveria. Semicerrou os olhos, encarou o amigo e comentou numa dedução musical.
 


— Você tá reservando essa revista para a garota das quartas. É isso...
 


— Ela pediu que reservasse. Não posso ficar furando assim com clientes. — começou a ficar ruborizado. Ambos sabiam que não era apenas isso.
 


— Acho que você viu que ela tem uma aliança de compromisso gigante no dedo. Porque foi grande o suficiente para eu notar.
 


  O silêncio era o grande delator de Rony Weasley. E ele calou-se em resposta ao companheiro de trabalho. As afirmações eram verdadeiras: A moça tinha um compromisso amoroso refulgente no dedo, e o gosto dele por garotas comuns, mas cheias de charme, era irremediável.  

                                             *** 


Oi, Neuzi! Que bom estar acompanhando aqui também. Espero que te agrade. Bjão!


 

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Comentários (3)

  • Andye

    Eu teria cobrado as 50 libras do Hank. kkkkkkk Poxa, mas eu ri desse capítulo. Tadinho do Ron, já está apaixonado e é percepitível até pra o colega de trabalho. Amor não correspondido, uma loucura. Adorando. Ri muito porque eu consegui ver a cara da Hermione quando ele passou no ônibus. Muito bom, seguindo ~~~>

    2014-02-16
  • Tati Hufflepuff

    Cacete, 50 libras? Ta de sacabagem né? Tadinho do Rony!!! Realmente, Death Note seria um destino digno pro carinha que extorquiu o ruivo... e Também pro noivo da Hermione é claro! auhauahuhuhaEstou adorando essa abordagem de Romione... Adoro animes (como vc bem sabe!) e já disse que essa história vai encher minha listinha de animes pra baixar! auhauhauahuahauhauahAcompanhando e esperando o próximo!;*** 

    2013-12-02
  • Neuzimar de Faria

    Tem uma abordagem nova, desconhecida para mim. Mas Romione é sempre Romione e eu gosto.Mas, coitado do Rony. Cinquenta libras ?!  Praticamente, um assalto! rsrsrsrs Aguardando o próximo. Até lá!

    2013-11-27
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