CAPÍTULO 3






CAPÍTULO 3


 


    Com o passar dos meses e a chegada do inverno, a ameaça dos guerreiros ocidentais e da traição de nosso próprio imperador foi ficando esquecida. Fuji e seus planaltos ficavam soterrados sobre centenas de quilos de gelo, e nenhum homem a pé ou a cavalo poderia chegar até a aldeia sem morrer de frio.


As crianças brincavam no lago congelado, as mulheres improvisavam refeições com o alimento que se conservava no frio, e os homens tramavam planos e táticas para quando o gelo derretesse com a chegada da primavera.  Eram os únicos que não se esqueciam nunca da guerra.


E todos, sem exceção, rezávamos para que o grande Dragão Cori, do alto da montanha, nos protegesse no momento certo.


Neste tempo todo, nossa prisioneira ficou conosco. E dia após dia não parecia mais uma prisioneira... Apenas uma bela e indomável ocidental misturada entre meu povo. Uma estranha amizade nasceu entre nós, e pouco a pouco fui desmitificando muitas coisas que ela achava incorretas ou absurdas em nossos costumes.  


Às vezes, à tarde, levava ela comigo, enquanto ia lavar roupas no único riacho que se mantinha aquecido aos pés da montanha, devido ao seu caráter vulcânico. Ela apreciava o passeio, respirava com mais liberdade a cada dia, e parecia sempre estar mais feliz. Não demorou para que aquela mulher, inteligente por essência, dominasse o básico de nosso idioma.


— Não consigo entender como os elfos querem ser livres aqui? — comentou certa tarde, enquanto caminhávamos para o riacho.


— Não entende? — fiquei confusa.


— Sim... Na Inglaterra, lá de onde eu vim — percebi certo distanciamento quando mencionou sua terra natal — eles não aceitam ser livres, na verdade seria algo pior do que a morte para eles se tal coisa acontecesse. Mas aqui, convivem com vocês dessa forma tão natural, como se fossem semelhantes.


— E são. — anui.


— Isso vai contra a natureza deles.


Chegamos à beira do riacho, olhei-a com atenção e paciência, gostava de admirar seu rosto contrariado. Sabia que algo dentro dela se debatia contra toda nossa cultura reversa a sua, mas, sabia também, que outra parte daquela formosa guerreira sentia-se bem em conviver com nossa harmonia.


— Isso vai exatamente a favor da natureza deles.


— Não...


Num impulso, acariciei seus cabelos, mas de imediato me retraí e voltei à atenção para as roupas.


— Um cão, o que ele é para nós além de um animal submisso?


— Isso faz parte da característica básica dele.


— Nos primórdios, quando existiam somente Dragões e deuses, a quem o cão era submisso?


Ela ficou muda, sem saber o que dizer quanto aquilo.


— Nós o capturamos, arrancamos eles da natureza, de sua essência. Depois tratamos de massacra-los, reduzi-los, deixar os filhotes órfãos, e então, finalmente doma-los... Pela dor, principalmente. Hoje em dia, há poucos vestígios primitivos dentro deles, porque passaram séculos e milênios sendo condicionados a nos servir. Entretanto, ainda existem cães selvagens por aí.


Minhas palavras ficaram no ar e, sem dizer mais nada, entrei no riacho e comecei a lavar as roupas. Ela continuou encostada numa pedra, talvez refletindo sobre a mensagem que eu estava lhe tentando passar.


Ao terminar de lavar minhas roupas, parti para o banho. A água estava tão quente e convidativa, que era impossível resistir. Olhei por cima do ombro para ver se ela não me olhava, me despi completamente e entrei no riacho, ficando com metade do corpo submerso na água. Molhei o cabelo repetidas vezes e comecei a esfrega-lo suavemente. Então, num repente, senti que ela se aproximava.


Ainda vestida, entrou na água comigo e tomou frente na limpeza de meus cabelos. Nunca tínhamos experimentado contato tão próximo. Fiquei deslocada na situação, quase mergulhei com tudo na água novamente, mas sua força de espírito, esmagadora e enigmática me prendeu ali.


— Vocês acreditam mesmo que esse Dragão Côri está vivo no alto daquela montanha por todos esses anos?


— Podemos sentir a força dele.


— Somente sinto isso em você.


— Não... — entrei em pânico — Os aldeões, todos nós, meu marido... Somos capazes de o ouvir rugindo e vivendo no topo.


— Sempre fui uma ótima observadora em meu ofício. — comentou com desconfiança.


— Por favor... — gostaria que ela mudasse de assunto ou se emudecesse.


Ela pressionou os dedos contra meu couro cabeludo, massageando-os com firmeza.


— O descendente de Côri realmente pode vencer um exército?


— Meu marido, o General, o tem dentro dele. No momento certo fará o que for preciso.


— Quando fui ao templo, li que o descendente pode evocar uma grande força mágica sem precisar da ajuda da varinha... O líder Côri, até onde pude observar, é muito dependente da sua.


Eu a impedi que continuasse me massageando. Recuei.


Ela continuou na água, começou a chover sobre nós. Rapidamente ficamos encharcadas em pingos gelados.


— Porque não diz a todos que é você?


Ainda de costas, controlei minhas lágrimas e escondi as duas mãos na água.


— Uma mulher nunca poderia ser uma líder Côri.


— Mas você é!


— Não sou. — sussurrei.


— Não minta pra mim, Cho. Eu sei.... Conheço uma guerreira verdadeira quando conheço uma.


Uma força estranha e indevida se apossou de mim. Virei, lágrimas nos olhos e os dedos formigando dentro d’água. Nua, e tremendo de frio pela chuva que caía desvairada, encarei-a de frente.


Ela mirou meus seios pequenos de mamilos turgidos, mas continuou onde estava com um brilho espartano nos olhos azuis.


Não senti medo ou vergonha por estar nua perto dela. Na verdade, gostaria que ela me observa-se, me analisa-se em pormenores, e entendesse meu íntimo em cada partícula do meu ser.


 Estava farta de guardar a fera dentro de mim, de esconder meu poder, pois na verdade, se quisesse ver meu mundo intacto daquele modo, mais cedo ou mais tarde, teria de destronar o general.


 Abismei-me pensando que talvez o Dragão Côri fora quem colocara aquela ocidental em meu caminho. Ginny-San era como o Tigre branco protetor, aguçando meu Dragão a sair e se revelar para o combate.


Íntima daquela criatura como nunca fui de mais ninguém em toda a vida, submergi, queimando em magia. Minhas mãos e pernas formigaram, meus olhos arderam, meu coração disparou, e algo novo entrava em ebulição.


Uma dor propagou-se por meus músculos, mas logo se esvaiu. Junto dela veio o desejo ímpeto de abrir-me em luz. Ergui-me da água. O líquido escorreu por meu corpo delgado, as bochechas redondas, o pescoço alongado, o colo alvo, o contorno dos seios firmes, o ventre feminino...


 ...o riacho, as pedras e até mesmo os cabelos de Ginny-San  refletiram a luz azulada intensa que brotava de minha pele.


— Eu sabia...  


Disse Ginny-San, mergulhando até mim. 

 

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Comentários (3)

  • MiSyroff

    Cara, tava tãoooo bom! Isso não é final! Nem vem, nem vem! Mais alguma coisa, please, ficou mesmo bom!Ginny-san *-*² kkk 

    2013-01-09
  • Neuzimar de Faria

    Olá, Van! Fiquei curiosa para saber como você se sairia com um tema novo e difícil como este e vim ler a fic que você escreveu para sua amiga secreta. Há estilos que não estão entre os meus preferidos mas, quando a estória é bem escrita é impossível não elogiar. E assim tenho que dizer que esta é uma das fics mais bem escritas que já li, cheia de sensibilidade e da delicadeza próprias dos temas orientais.Desafio vencido. Bravo, Van !!! 

    2012-12-29
  • Trysh Malfoy Black

    Ginny-san *-*

    2012-12-29
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