CAPÍTULO 2



                                         
                                          CAPÍTULO 2

 


  Eu conhecia pouco dos meus inimigos. No primeiro dia como prisioneira, minha varinha de combate foi arrancada e sofri horas e horas de interrogatório e tortura, ouvindo os selvagens sussurrarem numa língua que não era capaz de decifrar.


   Nos dias seguintes fiquei muito machucada, reclusa dentro de um quarto escuro, onde um tatame de palha de arroz era onde me obrigavam a fazer refeições e dormir. Senti-me como uma besta irracional, embora soubesse que isso não era nenhuma forma de inferiorizar-me. No Japão as pessoas dispensam móveis que a elevem do chão em suas rotinas diárias.


   Aquela mulher veio cuidar de mim mais algumas vezes, depois que tentei ataca-la e trazia sempre uma espécie de varinha ocultada nas costas. Mas, normalmente, era outra mulher, bem mais velha, uma serviçal provavelmente, que vinha me entregar comida e trazer roupas limpas. Tive de dar minha armadura, cheia de ranhuras e rasgos de combate a eles, usando somente suas roupas, os chamados kimonos, dia após dia.


 O líder deles, o General Côri, veio falar-me uma semana após meu cárcere. Iniciou um inglês rudimentar, mas entendível. Disse-me que seria mantida como refém deles durante as próximas estações. Que não me confinaria naquele quarto escuro mais, que tinha liberdade para transitar por aí, porque de nada adiantava eu tentar fugir com o inverno tão iminente. O primeiro acampamento civilizado ficava a vinte e cinco quilômetros da aldeia deles, portanto, realmente não havia nada que pudesse fazer.


 Assenti e me acostumei, estranhamente confiando em sua palavra de que retornaria para casa. Acreditei quando me disse que fora sequestrada apenas para mostrar ao imperador que, mesmo o melhor guerreiro ocidental que ele pudesse trazer, ainda era frágil para a garra dos Côri.


Por semanas, observei aquele povo sem entender suas manias. De início preferia, sempre que possível, continuar reclusa em meu quarto.


Foi quando o desejo ambicioso de estudar meu inimigo surgiu dentro de mim, afinal era uma chance única. Com toda certeza, quando retornasse para meu exército, estaria bem mais preparada para avançar contra eles, conhecendo seus pontos fracos, técnicas e costumes.


 Essa era a principal ferramenta de grandes líderes bélicos.


Certa vez, após um dia muito chuvoso, e o sol, tímido, escapava por entre as montanhas ao norte no fim da tarde, abri a porta que dava para o vilarejo e, sentada no tatame de palha em que comia, dormia e planejava há dias, observei as pessoas aproveitando a melhora do tempo para zanzarem pelas ruelas de terra.


Eram verdadeiros selvagens.


Vi bruxos caminhando lado a lado com elfos e conversando com eles como se falassem à um semelhante. Isso era normal por lá, e eu não entendia como esses seres inferiores não enxergavam seu lugar, ou pior, como aqueles humanos não o escravizavam!


A porta do meu quarto que dava acesso a casa, se abriu, e ela entrou. A bruxa que confrontara pela primeira vez.


Sempre de cabeça baixa, como se temesse que alguém lançasse um raio sobre seus ombros, ajoelhou-se e depositou uma bandeja com meu apetitoso jantar, no chão. Fez uma vênia solene, e disse uma palavra da qual já me habituara a ouvi-los dizer.


— Konnichiwa.


E, ineditamente, eu respondi.


— Konnichiwa.


Aquela pobre criatura me desejava “boa tarde” vez por outra, quando vinha me entregar o desjejum, e eu nunca a agradeci por isso.  Meu gesto a deixou atônita e ganhei uma analise desconfiada.


Ela se ergueu, e fez mais uma vênia, da qual eu apenas respondi com um meneio de cabeça, e fechou a porta novamente. Engatinhei até meu prato e acomodei-o no colo, buscando a habilidade com os pauzinhos para levar o saboroso refogado de arroz aos lábios.


Continuei observando os aldeões passarem na ruela a frente. As mulheres tinham o mesmo semblante retraído da dona da casa onde morava, mas ela era ainda mais submissa que todas as outras juntas. Presenciei poucas vezes, pelas frestas da porta, aquela oriental curvando-se temerosamente toda vez que seu esposo, o líder Côri passava ao seu lado pelos corredores.


Devia ser uma vida triste. As mulheres ali sofriam demais, não podiam mostrar muito de suas personalidades, como animais, e isto era apenas mais um motivo para eu vê-los como selvagens.


Quando a noite caiu, eu deitei no tatame sem nenhum sono. Sonhava acordada com o dia que recuperaria minha varinha de combate, não para sair atacando crianças e idosos pela vila, pelo menos não sozinha e fora de forma. Mas para praticar as magias bélicas e revigorar meu espírito guerrilheiro.


Perdida em meus pensamentos, quase levei um susto por não ter percebido a porta se abrir e a esposa do líder Côri entrar.


Dificilmente vinha a noite, mas trazia uma trouxa de roupas limpas nas mãos. Provavelmente a chuva prejudicou a secagem da vestimenta durante o dia.


— Konbanwa... — disse com a típica vênia, e já se retirando.


— Obrigada. — agradeci, sentando-me.


— Oh...! — exclamou — Arigatô? — ergueu as sobrancelhas para mim.


Sim, tinha me esquecido que “Obrigado” em japonês era Arigatô. Ela, perspicaz, entendeu sobre o que queria me expressar. Sorri um pouco constrangida e disse:


— Arigatô.


A oriental se curvou novamente, e nesse momento me ergui, irritada pelo excesso de formalidade daquela mulher, pegando-a pelo braço. Meu gesto a assustou, ela tentou recuar, porque a única vez que toquei em sua pele quente e arisca foi para ameaça-la. Eu resisti, não soltei seu braço, queria mostrar que ela não tinha o que temer.


— Não precisa se curvar para mim toda vez que entrar aqui ou se retirar. Não há necessidade dessa formalidade estúpida. — disse.


Ela me perscrutou com seus olhos de formato exoticamente afilados, uma das mãos estava nas costas, na varinha com certeza, e isso me fez gostar mais dela. Mostrava que não era tão indefesa assim. Se eu continuasse a tentar ameaça-la, iria sacar o objeto e estuporar-me sem pestanejar.


Por fim, soltei-a tendo a certeza de que não entendera uma só sílaba do meu inglês. Resolvi apelar para a mímica, fazendo uma vênia e em seguida balançando o dedo negativamente, para mostrar o quanto não apreciava este gesto constante nela.


Inusitadamente, talvez para me contrariar, ela fez o movimento mais uma vez e foi saindo de mansinho.


Havia a rebelião dentro dela, sua teimosia era sucinta em seus gestos, apreciei-a ainda mais. Logo, me vi, eu, realizando uma vênia para ela. Ganhei lábios risonhos em troca de meu cumprimento debochado e desajeitado. Neste momento quis saber, finalmente, o nome de minha anfitriã.


— Sou Ginevra... Ginny. — apontei para mim.


Seu sorriso se abriu, era extremante feminino, delicado e franco. Levando uma das mãos aos cabelos, timidamente, ouvi ela se apresentar:


— Watashi wa Cho desu.

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Comentários (1)

  • MiSyroff

    Wow, gostei muito dessa Gina... Diferente, mas instigante como só ela pode ser ;) 

    2013-01-09
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