Capítulo 9



       Isso está se tornando um hábito — Harry  resmungou enquanto a carregava para o apartamento sobre a garagem. — Nunca pensei que alguém pudesse desmaiar tanto!


      — O que esperava? Peguei uma cobra venenosa com um pedaço de pau...!


      —  E conseguiu levá-la até o celeiro sem ser picada, agora devo ter ouvido tudo nesta vida!


      — Ela sibilou um pouco...


      — A cobra havia comido três ovos. Para sua sorte, ela estava mais ocupada com a digestão do que com o que acontecia a sua volta.


      — Conseguiu matá-la?


      — Sim, com um tiro certeiro.


      — Fiquei tão orgulhosa de mim mesma! Como pude confundir uma cascavel com outras espécies inofensivas?


      — Vai aprender a distingui-las. Minha menina corajosa! Não imagina como fiquei apavorado quando Whit entrou no escritório para me contar o que você estava fazendo.


      O olhar era tão novo quanto a ternura. Gina não conseguia desviar os olhos daquela expressão de desejo e afeto. Esqueceu a cobra, o medo, as pessoas do lado de fora do apartamento... tudo. Quando Harry  a beijou, ela só conseguiu corresponder como se nada mais existisse.


      Encorajado pela reação de Gina, ele fechou a porta com um dos pés e deitou-a na cama, mergulhando atrás dela e buscando o mais completo contato entre os corpos. Enquanto a               beijava, os dedos encontraram o fecho do sutiã sob a camiseta. Gina  sobressaltou-se ao sentir os dedos na região nunca antes tocada por um homem.


      Ele a fitou sorrindo.


      — Sei que tudo isso é novidade, mas tente relaxar. A inocência é rara nos dias de hoje, e sei respeitá-la. Se fosse uma mulher experiente, eu trancaria a porta e não pensaria em mais nada.


      As palavras a inflamavam com as mãos acariciando seu corpo e os lábios bebendo  nos dela. Incapaz de conter-se,  inclinou as costas numa oferta silenciosa e buscou o toque dos dedos quentes, ansiando por senti-los nos mamilos. De repente a blusa deixou de ser um obstáculo e, mais que os dedos, Gina sentiu os lábios de Harry em seus seios. Os dedos encontraram os cabelos negros e ela segurou a cabeça de encontro ao peito, temendo perder a fonte de tão intenso prazer. Nunca imaginara ser capaz de uma paixão tão feroz. Harry poderia fazer o que quisesse, porque ela não tinha forças para resistir. Até mesmo um simples "não" estava além de sua capacidade. Queria mais. Queria as mãos dele, a boca, o corpo...


      Gina  contorcia-se sob seu corpo numa súplica desesperada, e cada movimento era um desafio a sua capacidade de controle. Harry  levantou a cabeça para encará-la.


      — Não faça isso — pediu com voz rouca. — Tenho muito mais experiência que você, mas também posso perder a cabeça. Você não quer que eu faça isso. Não realmente.


      — Tem certeza? Quero dizer, se houver uma gravidez, prometo me casar com você.


      Era incrível! Como uma mulher podia ter senso de humor num momento como aquele?


      Harry  explodiu numa gargalhada incontrolável, e toda a paixão desapareceu de seu corpo.


      — Ei, esse foi um golpe baixo!


      — E daí? Você está rindo — ela apontou. — E pensar que fiz uma promessa solene...


      — Droga! Agora vou ter de voltar ao trabalho cheirando perfume! Tem ideia de como os homens vão rir de mim?


      — Podemos tomar um banho, se quiser. Juntos...


      Harry deu mais uma gargalhada. Nunca havia rido tanto em sua vida. Gina  não parecia ter sido marcada por uma tragédia violenta. Ela afirmava não ter tido muitos namorados, mas como os homens conseguiam ignorar uma criatura tão doce e encantadora?


      — Não posso acreditar que passe os finais de semana assistindo à tevê com seu pai.


      — Quem disse isso? Eu passo os finais de semana trabalhando.


      Harry sentou-se na beirada da cama e ajeitou os cabelos, Gina  também sentou-se e fechou o sutiã sob a blusa. Era estranho, mas não se sentia constrangida com a presença dele.


      — Trabalha no domingo?


      — Sete dias por semana há seis meses. Antes disso, trabalhava seis dias por semana e só descansava no domingo. Normalmente, meu expediente tem cerca de dez horas, mais se houver uma emergência.


      — Não tem muito tempo livre, não é?


      — Tenho me dedicado ao trabalho desde que saí da universidade.


      — E não namora...


      — Bem, houve alguém de quem gostei muito. Saímos juntos por quatro meses, e eu já estava me apaixonando por ele, embora nunca houvéssemos nos tocado. Pensei que ele me respeitasse, ou que estivesse se contendo para quando sentisse segurança na nossa relação...       — Ela suspirou. — Até que um dia o vi com outro homem. — Gina  encolheu os ombros. — Ele me considerava uma amiga. Eu o via como um possível namorado. Depois disso, acho que perdi a confiança em mim.


      — Essas coisas acontecem no mundo moderno.


      — Antes dele, tive paixões passageiras por garotos que nunca notavam minha existência, exceto quando precisavam de ajuda com as lições de química ou matemática. É compreensível, especialmente se levar em conta que minha aparência era outra até o ano passado.


      — Era muito diferente?


      Gina  levantou-se para ir pegar a bolsa. Havia uma foto que gostava de levar sempre na carteira, e ela a exibiu com uma mistura de orgulho e bom humor.


      — Céus! — Harry exclamou espantado.


      — Eu era trinta  quilos mais gorda e não conseguia emagrecer. Devo ter experimentado todas as dietas que já inventaram, mas nenhuma deu resultado. Então comecei a estudar nutrição e descobri que havia uma maneira sensata de perder peso. Por isso conheço a culinária de baixas calorias.


      — Você já era bonita, mesmo quando estava gorda. Sabe de uma coisa, Gina? Não é a aparência que atrai as pessoas, mas a personalidade, a maneira como trata as pessoas, a simpatia com que conquista amigos. Arriscou sua vida para salvar meu irmão e ficou com ele até alguém da família chegar. Não fui muito grato ou educado quando a conheci, mas tive tempo para refletir sobre tudo que fez. Você é uma pessoa especial.


— Obrigada. Já que pensa assim, quer se casar na sexta-feira? Ou a segunda seria melhor para você?


      Ele riu.


     — Desculpe, mas vou estar ocupado dando banho nos cachorros.


     — Rejeitada outra vez...


     — Por que não se deita? Podemos discutir o assunto com mais calma.


      — De jeito nenhum! Não sou de ferro. E você não devia se atirar sobre uma mulher dessa maneira, a menos que tenha a intenção de ser seduzido.


      — O conselho também vale para você, mocinha. — Ele se levantou rindo. — Tenho de voltar ao trabalho. Acha que estou com cheiro de perfume?


      — É claro que não! Eu nunca uso perfume, Harry. Sou alérgica.


      — Melhor assim. — Ele se aproximou para tocar seu rosto e viu a sombra pálida do hematoma. — Juro que ele nunca mais voltará a tocá-la.


      — Espero que não.


      — Nunca houve alguém que a defendesse?


      — Só meu irmão, mas ele nunca precisou proteger-me de meu pai. Sei que é difícil de acreditar, mas papai era o mais doce e gentil dos homens até perdermos mamãe e Rony. Ele enlouquece quando bebe e, depois, nunca se lembra do que fez. Sinto tanta falta de meu irmão...


      — Posso imaginar. E de sua mãe também.


      — Bem, nós... nunca fomos muito próximas. Lembra-se do que meu pai disse sobre ela naquela noite, quando esteve em minha casa? Era verdade. Mamãe era uma mulher muito atraente, e ela sempre teve amantes. Odeio reconhecer que meu pai tem razão, mas ela o fez sofrer muito com esses relacionamentos.


      — Sua mãe não deve ter sido um exemplo de esposa.


      — Ela nunca se comportou como uma mulher casada. E como adorava gastar dinheiro, mamãe só se relacionava com homens ricos. Tinha tanta vergonha... Não sou puritana, mas acho que existe uma grande diferença entre dormir com o homem amado e fazer sexo por dinheiro.


      — Ela influenciou sua atitude perante os homens, não é?


      — Acho que sim. Isto é, até você aparecer. Mesmo com esse temperamento horrível, é um homem de muitas qualidades.


      — Por que não diz isso aos meus irmãos? Talvez eles acreditem.


      Gina riu.


      — Obrigada por ter me deixado ficar aqui. Foi muito bom para mim.


      — Por que esse tom de despedida?


      — Eu... não posso ficar por muito mais tempo, mesmo que queira. A enfermeira que está me substituindo na clínica tem dois filhos pequenos, e ela detesta deixá-los na creche. Na verdade, ela desistiu de trabalhar logo depois do nascimento do segundo filho. A mensalidade da creche era quase maior do que seu salário, e quando o marido foi promovido, eles decidiram que seria mais barato se ela ficasse em casa com as crianças.


      — E você, Gina? Gostaria de ficar em casa com seus filhos?


     — Oh, sim! Os primeiros anos são tão preciosos! Eu não hesitaria em abandonar o trabalho pela felicidade de um filho, mesmo que tivesse de abrir mão de alguns luxos.


      — É difícil de acreditar. Uma profissional tão preparada...


      — Tenho uma amiga que é médica. Ela parou de trabalhar para ficar em casa com o filho, e só retomou a carreira quando ele foi para a escola. Mesmo assim, ela arranjou tudo de forma a estar em casa no final da tarde, quando ele volta do jardim da infância.


 


       Harry   mantinha a testa franzida. Queria perguntar se ela seria capaz de habituar-se à vida no rancho e às cobras, mas temia formular a pergunta. O ato de comprometer-se ainda era muito novo para ele. Não podia pressioná-la sem antes ter certeza do que queria para o futuro.


      — Qual é a profissão de seu pai? — ele indagou, tentando mudar de assunto.


      — Ele é professor de veterinária na universidade de Houston. Ou melhor, era...


      Harry  encarou-a com expressão chocada.


      — Seu pai é veterinário?


      — Sim. Por quê?


      — Acha... que ele ainda estará empregado na universidade quando sair do centro de reabilitação?


      — Ele já estava desempregado quando foi para lá. O reitor telefonou antes desse último episódio lamentável para informar que papai havia sido afastado do cargo de professor. Que escola aceitaria manter um alcoólatra violento em seu corpo docente?


      — Nenhuma. Ele bebia antes da morte de sua mãe e de Rony?


      — Nunca! Nem mesmo uma cerveja. Mas quebrou todos os recordes nos últimos seis meses. Tive medo de vê-lo morrer por causa da bebida, mas agora que aceitou o tratamento...


      — Sei pai está melhorando dia após dia, Gina. E ele gostaria de vê-la. Posso levá-la até lá no domingo, se quiser.


      A notícia era surpreendente.


      — Falou com meu pai?


       — Pedi para Leo telefonar para Dino, e ele tem contatos que ajudaram a arranjar uma rápida conversa telefônica com o sr. Weasley. Seu pai está completamente lúcido, agora que passou algum tempo longe da bebida.


      — Graças a Deus! Disse que ele quer me ver?


      — Ele a ama, Gina. E tenho certeza de que você também o ama. Não se pode desistir de uma pessoa por causa de um único erro, mesmo que seja um erro grave. Quando seu pai voltar para casa, pensaremos no que fazer para dar continuidade ao tratamento. Por hora, o máximo que pode fazer é ir visitá-lo em Houston no domingo. Quer ir?


      — Oh, sim! Iria comigo, Harry?


      — Já disse que vou levá-la, não? É o mínimo que posso fazer pela única mulher que me pediu em casamento.


      — Bem... Podemos nos deitar e discutir o assunto com calma.


      — Esqueça! — Ele riu e beijou-a na testa. — Preciso voltar ao trabalho. Estava no meio de uma reunião quando você criou toda aquela confusão com a cascavel, e deixei uma dúzia de empregados esperando por mim numa sala sem café ou cinzeiros. Iremos visitar seu pai no domingo, depois da igreja. — Harry   já estava abrindo a porta quando se virou para encará-la.   — Oh!, e fique longe do galinheiro pelo resto do dia, por favor!


      — Tudo que meu possível noivo desejar.


      Ele balançou a cabeça e saiu, ainda rindo.


 


      Gina  se tornara uma lenda entre os empregados do Rancho Potter.


      — É estranho — ela comentou no sábado à noite, enquanto jantava com Draco e Harry. — Eles me olham como se eu fosse uma criatura de outro planeta!


      — Nenhum deles jamais pegou uma cascavel com um graveto — explicou Harry.


      — E daí? Não fui atacada pela cobra.


      — Isso é o que mais surpreende! — Draco exclamou. — Uma cascavel ataca mesmo sem ser provocada. O que você fez foi quase místico. Sabe se há algum encantador de cobras na família?


      — Nenhum. Meu irmão tinha uma jibóia, mas ela foi levada para longe depois de devorar o coelho do vizinho. Rony   vendeu a cobra para um criador. Ele já estava noivo daquela jovem doce e delicada. A pobrezinha quase ficou maluca quando meu irmão morreu. Os médicos tiveram de mantê-la sedada por dois dias, e ela nem foi ao funeral.


      — Ainda tem contato com essa jovem?


      — Não. Ela se tornou missionária e viajou para a América do Sul. Algumas pessoas parecem ter nascido marcadas pela tragédia. O avião em que ela viajava foi confundido com o de um famoso traficante e abatido a tiros. Creio que ela sobreviveu, mas nunca voltou à América com os outros.


      — Dino também ficou perturbado com essa tragédia — Draco comentou. — Cá entre nós, ele gostava da noiva de Rony, mas era um cavalheiro, e por isso nunca disse nada a nenhum dos dois.


      — Ele ainda trabalha como patrulheiro no Texas? — quis saber Gina.


      — Sim. Foi promovido a tenente há pouco tempo, porque é competente e dedicado.


      Ela terminou de beber o café e se levantou.


      — Se já comeram, vou lavar os pratos e limpar a cozinha. Não quero ir deitar muito tarde. Amanhã Harry  vai me levar para visitar meu pai, sabe?


      — Que sujeito mais doce! — Draco brincou.


      — Oh!, ele tem sido doce comigo, porque fui a única mulher a pedi-lo em casamento. Harry sente-se culpado por ter me rejeitado.


      — Ele a rejeitou? Não tem importância. Eu me caso com você! Marque a data e o lugar, e estarei esperando num terno novo e...


      — Cale a boca! — Harry disparou irritado.


      — Gina, ele está gritando comigo! — Draco fingiu choramingar.


      — Vai querer biscoitos no café da manhã, Harry?


      — Tudo bem, não vou esganá-lo. Mas só pelos biscoitos. — Harry  levantou-se e beijou-a nos lábios diante do irmão.


      — Vá dormir cedo, ouviu bem? Draco  e eu temos de ir checar o gado no curral.


      — Certo. Leve um agasalho — ela recomendou sorrindo.


      — Não estou com frio.


      — Está. Use um agasalho.


      Harry  suspirou e fez uma careta, mas pegou a jaqueta que deixava pendurada ao lado da porta da cozinha.


      Draco seguiu o irmão com um sorriso nos lábios. Durante a brincadeira que envolvera os três na cozinha, testemunhara algo que jamais havia sonhado ver. Talvez Harry ainda não soubesse, mas estava apaixonado pela doce cozinheira. E, a menos que estivesse enganado, o sentimento era mútuo.

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