Três



3.


Do meio do lixo algo se moveu, como se tentasse se levantar dos inúmeros dejetos que uma pessoa humana pode jogar fora, era só o que me faltava ter de enfrentar um mostro de sujeira. Tinha muitas coisas na minha cabeça, a qual eu tentava deixar lúcida, do que me fazer lembrar os feitiços de proteção contra uma criatura das trevas.


Estava numa situação muito terrível, e ainda tive que me segurar, pois o monstro começou a gemer e depois falou.


- Me ajude senhor, - convenhamos, estou com um bando de bruxos furiosos as minhas costas, querendo arrancar meu escalpo, e um monstro me clama por ajuda, eu que devia pedir ele ajuda. Quando dei por mim, a criatura se levantou e dando um salto mal feito se chocando contra a sujeira na minha frente, nem preciso dizer que gritei que nem louco.


A pequena criatura, agora um pouco visível naquela escuridão, era parecida, não, não vou enrolá-lo. Lembrava um morcego, ao levantar o pequeno rostinho eu percebi que se tratava do “MORCEGO”, era Barny. Estava com seu focinho ensangüentado e em sua barriga um corte e um estilhaço que deveria pertencer a sua gaiola.


- Você está bem? – perguntei e recebi um gemido dolorido em resposta, os meus pensamentos ainda corriam apressados subindo a corrente de meu cérebro. Catei Barny, a jogando em meu colo. – Lumus.


A pouca claridade que minha varinha produziu me fez ver que não havia outra porta, respirei fundo, se aquela porta fosse mesmo uma dupla transversal de localidade, ela não estaria trancada. Peguei na maçaneta com cada fibra do meu corpo tensa, se girasse errado eu poderia estar acabado.


Quando ia girar a maçaneta para a esquerda, o bracinho de Barny me cutucou. Que foi, eu disse. E a resposta que tive foi um movimento indicando que deveria puxar a maçaneta para o outro lado. Não sabendo o que pensar, e talvez por ter ouvido algo se remexendo no meio do lixo consenti e rapidamente puxei a maçaneta e sai.


Bati a porta e deixei-me escorregar de costas nela, olhos inquisidores me olhavam e narizes retorcidos pelo cheiro. Estavam todos vestidos com ternos e roupas sociais, cabeças surgiam dos inúmeros cubículos e ao me virar vi a placa de “Apenas Lixo”. Enquanto os trouxas me olhavam curiosos, o guarda gigantesco que me indicou a porta surgiu atrás deles.


Não pensando duas vezes me pus a correr por meio dos cubículos, com Barny machucada em meus braços. È claro que ele não vai me atacar enquanto estamos aqui dentro. Mal acabei a frase e um cubículo ao meu lado explodiu e um rapazinho voou pelos ares batendo dolorosamente contra a parede de outro cubículo.


Ok, eu gritei novamente. E quem não gritaria, um, bruxo de quase dois metros de altura te perseguindo e lhe lançando magias nem se preocupando com os trouxas do lugar. Eles corriam pelo lugar o que atrapalhava o guarda e a histeria reinou. Não podia fazer uma magia sem machucar algum infeliz que cruzava meu caminho a cada segundo. Eu virava cada esquina procurando alguma porta ou atingir a parede do fundo para poder sair.


Ao perceber que estava num maldito labirinto, e dei de cara com um cubículo no caminho, decidi. BOMBARDA, a parede se abriu e comecei a lembrar de uma historia. Que pra se sair de um labirinto a coisa mais fácil de se fazer era seguir uma linha reta. Foi o que fiz, cubículo por cubículo. Lampejos vermelhos e azuis cruzavam atrás de mim, minhas pernas doíam, não sei dizer o que Barny sentia nesse momento e nem poderia perguntá-la, pois acho que desmaiara.


Olhei para trás um minuto, agora eram inúmeros guardas e o que eu achava era verdade, dentro do prédio era impossível aparatar. Tinha de arrumar uma saída. Foi quando eu vislumbrei pelo buraco feito no ultimo cubículo uma sólida parede de concreto, apontei a varinha e já estava com o feitiço pronto, quando uma jovem cai bem na minha frente. Imagine trocar a passada numa corrida de 100 metros, com uma o peso de duas bolas de boliche em seu braço.


Isso mesmo, bati com o pé no buraco e desabei dolorosamente perto da moça. Ela tinha um assombro no rosto, chorava. Pensei que tudo estava perdido. Em questões de segundo eu pensei num único feitiço.


- Incêndio Área – gritei a plenos pulmões, como se todo o chão estivesse coberto por um liquido flamejante, tudo incendiou. Poderia estar machucando pessoas inocentes sim, mas naquele momento ou era elas ou eu. Pude ouvir os gritos dos guardas quando foram pegos de surpresa pela onda de fogo. Levantei a jovem, e encostei na parede com a ponta da varinha.


Os destroços bateram contra os carros parados na calçada, o som dos alarmes soaram altos e deveria ser ainda mais para Barny que por sorte parecia desacordada o suficiente pra ser incomodada. O frescor da noite fria bateu no meu rosto gloriosamente e soltei a mão da moça. Sumi frente aos seus olhos. Há quem diga que ela desmaiou depois disso, eu não sei dizer, pois estava a milhas de distância.


Não sei porque, talvez soubesse, fui parar num córrego de beira de estrada, com as costas na água suja. Só ali consegui respirar, Barny sobre minha barriga, ainda desmaiada ou morta, na hora não tinha forças pra descobrir. Naquele momento não queria pensar em mais nada e não demorou muito e eu apaguei também.


Acordei algumas horas depois, de sobressalto com um barulho perigoso. Descobri onde eu estava por causa dos caminhões que passaram alguns metros acima. Levantei-me tentando segurar Barny firmemente, mas meus músculos começavam a fadigar.


Tentava ver alguma placa, mas não havia nenhuma perto, por sorte há cerca de cem metros de onde eu estava, vi uma luz piscando, que deveria pertencer a algum hotel ou lanchonete de beira de estrada.


Não havia alternativa senão seguir para lá, enquanto eu caminhava tentava achar uma desculpa pra estar segurando um morcego fêmea de cerca de quarenta centímetros, ensangüentada.


Mas por que não? Havia uma sinetinha que anunciou minha entrada para um hall vazio exceto por um homem velho e mal humorado que estava por trás do balcão lendo jornal. Mesmo tendo ouvido o sino, ou eu achava que ele ouviu, não se virou para mim.


Era uma entrada pequena, dividida por um corredor, que levava aos quartos inferiores, e uma escadinha se projetava perigosamente para levar ao andar superior. Do lado esquerdo havia um par de mesinhas de metal enferrujado com cardápios velhos e comidos por traças ou ratos, um balcão semelhante ao do lado direito se projetava com uma sinetinha e um rolamento no teto, provavelmente pra ser colocado os pedidos dos clientes. O papel de parede do lugar estava todo mofado, havia buracos por todos os lados, então não preciso dizer que não era um lugar amigável pra se passar o resto da noite. 


Torcia pra Barny continuar imóvel em meus braços cansados, caminhei até o velho que continuava preso em seu jornal.


- Olá, eu gostaria de um quarto – disse sem receber resposta por parte do velho, olhei por trás dele para a grade de chaves, estavam todas lá o que significava que não havia hospedes nessa noite. Estendi a mão para tocar a sineta, no mesmo instante o homem estendeu a mão rapidamente e a retirou do meu alcance.


- O que você quer? – o tom grosseiro dele ficou evidente desde a primeira letra, pude dar uma olhada melhor no rosto dele, ele era velho, muito velho. Se ventasse era capaz de cair no chão e se despedaçar como uma garrafa. Seus olhos estavam quase fechados e não se via nenhuma cor neles, o nariz parecia de um gavião cansado, fazia uma curva murcha no final. Usava um gorro mal feito no topo da cabeça, era um tanto ridículo, mas fazer o quê.


- Eu disse que quero um quarto – repeti um pouco mais alto, na tentativa de atingir os tímpanos velhos e cheios de sebo daquele velho mal humorado.


- Que troço horrível é isso ai – o nariz balançou por um segundo em direção a Barny, podia se ver a boca seca e murcha como de um cadáver se retorcer de desgosto pela visão de minha amiga.


- É um boneco, deixei cair suco de groselha nele – menti duramente, já estava me cansando desse jogo maldito, estava sendo uma noite terrível e tudo o que eu queria era dormir um pouco antes de pensar nisso tudo que estava acontecendo.


- Ele é muito feio – rebateu rapidamente, fora a gota d’água, bati com o punho livre sobre o maldito balcão cuja madeira devia estar podre, pois minha mão afundou um pouco nela criando um sulco na superfície.


- Vai me dar ou não um quarto? – nervoso era pouco pra dizer como eu estava naquele momento.


O velho levantou os olhos pela primeira vez. Eu não havia percebido, mas eu estava um objeto de tremenda repulsa. Estava sujo de lixo e cheirava a um trasgo montanhês, por sobre a sujeira do lixo, vinha à poeira da parede e sangue de morcego. As costas das minhas roupas trouxas estavam encharcadas e cheirava a urina.


- Tem dinheiro para pagar a estadia, são 70 libras -pude perceber agora o olhar de nojo que o velho me lançou. Achei 70 libras demais para dormir naquela espelunca infestada por ratos e baratas, mas não iria conseguir dobrar esse velho.


Poderia enfeitiçá-lo e ir dormir, mas não era meu estilo. E além do mais Barny estava retorcendo levemente em meus braços, Puxei o dinheiro e coloquei sobre o balcão.


Ele se virou e jogou uma chave de numero 88 em cima do balcão, era claro que não havia oitenta e oito quartos naquele lugar, ele deve ter feito isso só pra chamar a atenção.


- Segunda porta no segundo andar, e veja se não faça barulho, os outros hóspedes estão dormindo – disse na mesma voz rabugenta.


- É, estão sim – respondi displicentemente e caminhei em direção ao corredor, ele resmungou em contrapartida.


O corredor era estreito e escuro, algumas tábuas rangiam ao serem pisadas e outras estavam a ponto de se partirem a qualquer momento. A escada era outra história, muito mais perigosa tanto em questão dos degraus e o corrimão que era tão besuntado com óleo que uma pedra escorregaria por ela facilmente. Descobri isso quando minha mão direita passou por cima dele como uma bala ficando encharcada, rapidamente a limpei na calça, já estava suja mesmo.  


Ao chegar ao topo me deparei com outro corredor menor, os quartos eram todos numerados em dezenas, pulando do 77 para o número 88, e a terceira porta da direita o 99, lá embaixo deveria haver o 11, 22, 33, isso se ele seguisse uma regra, já que do lado oposto ficava o 44, 55, 66.


Todos tinham uma plaqueta descascada e enferrujada com o número no meio da porta, no 66 não havia maçaneta, e no 55, fechadura. Olhei para minha porta e agradeci a deus por haver ambas. Passei a chave e fazendo uma barulheira dos infernos a porta se abriu, na verdade parou na metade do caminho, tive de me jogar de ombros nela para abrir. 


Minha mão procurou por um interruptor, depois de um tempo achei, a luz acendeu, e a lâmpada explodiu no teto logo em seguida. A cama parecia normal, mas logo percebi que estava escorada com tijolos.


Bati a porta, a infeliz parou na metade novamente. A chutei com força e enfim fechou. Agora sabia por que não havia ninguém naquela droga de hotel.


Ajeitei Barny na cama e com alguns feitiços de cura, que minha velha mãe me ensinou antes de ir para o curso de magia a distância, Hogwarts estava fora de cogitação, consegui dar um jeito na morcego. O estilhaço não estava muito fundo, para minha sorte.


Pensei em tomar banho ou lavar o rosto, mas pelo jeito que aquele lugar estava se mostrando uma bomba relógio decidi dormir, Barny aninhada perto de mim feito uma criança com medo de raios numa noite chuvosa. Por fim eu adormeci, não foi por muito tempo, pois descobri que não havia persianas e o sol bateu no meu rosto horas depois. Vida fácil a minha não?


 


CONTINUA...

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