Mantos, olhos violetas e pôr-d



Estava escuro. Muito escuro. Apesar de Draco Malfoy ainda não ter aberto os olhos, essa foi a primeira informação que seu cérebro processou. A segunda foi que ele estava cansado como se tivesse corrido metade da Grã-Bretanha. Não, não iria acordar agora... seus olhos estavam pesados e abri-los seria um esforço tremendo. Queria dormir... a mente do sonserino começou a turvar-se e confundir-se, levando-o novamente para o mundo dos sonhos onde estivera. Estava sonhando algo relacionado com água... água vermelha... pensando bem, parecia mais um pesad...

Ainda meio tonto pelo efeito daquela poção, Draco teve um pensamento louco: e se ele tivesse morrido? Ainda que a metade sã de sua mente tentasse dissuadi-lo daquela idéia idiota, a outra metade que estava tonta deu-lhe um susto dos diabos.

“Ah, não é possível!”

Sobressaltou-se e o corpo ficou tenso, fazendo sentir os lençóis finos que o estavam cobrindo. Abriu os olhos e encarou o teto escuro. Não, não estava morto. A não ser, claro, que o inferno tivesse a aparência de uma enfermaria às escuras, estava muito bem acomodado numa cama. Vivo.

Mas faltava alguma coisa.

Quando tentou sentar-se, algo na sua barriga o impediu. Não era magia, mas incomodava bastante. Draco só precisou dar um puxão para cima nas vestes para ver o que era. Bandagens e mais bandagens. Draco olhou-as confuso por alguns segundos.

Foi quando percebeu que faltava um certo volume ali. A confusão que estava na sua mente se dissipou instantaneamente, dando espaço para a agitação. “Minha filha! Onde ela está? Onde?” Olhou duas vezes para a direita e a esquerda, só para ver duas vezes uma cama perfeitamente arrumada e um berço vazio. Quando já começava a entrar em pânico, sua intuição teve a brilhante idéia de fazê-lo olhar para frente.

A agitação sumiu, o nervosismo desapareceu instantaneamente e a vontade de berrar chamando Madame Pomfrey foi embora sem deixar rastros. Draco não viu a filha, mas foi como se tivesse visto.

Uns três ou quatro metros adiante, uma única janela fora aberta. Uma cortina fora meio aberta, deixando escapar a luminosidade natural da tarde por um pequeno espaço da enfermaria. Mas o que a luminosidade fazia ou deixava de fazer pouco interessava a Draco. Seu real interesse era uma figura que estava sendo iluminada pelos raios de sol que atravessavam os vidros.

Sim, definitivamente aquilo lhe interessava.

Harry, o seu Harry, estava perto da janela, olhando sem muito interesse algo através dos vidros. De vez em quando olhava alguma coisa em seu colo – uma coisa embrulhada em uma manta de tricô rosa. Rosa. Pelo que o que Draco estava vendo, parecia bastante feliz, sorrindo de orelha a orelha enquanto ninava – ninava – o embrulhinho em seus braços, balançado-o de um lado para outro, apertando-o contra si – com cuidado, claro – e cantando em voz baixa alguma coisa que o outro não conseguiu identificar. Era inglês, mas nunca ouvira aquela música antes.

O coração de Draco parecia estar ao mesmo tempo em toda parte. Todos os segundos que já vivera reuniram-se juntos por um momento – e seguiram, parecendo estar com vida renovada para continuar. Nunca... nunca... nunca se sentira antes daquela forma... seu peito parecia que ia explodir de tantas coisas que sentia ao mesmo tempo.

Seu coração deve ter batido bastante forte mesmo, porque Harry levantou a cabeça do embrulhinho e virou-se para ele. Segundos que pareciam minutos. Abandonou a vista de janela e foi até ele.

Subitamente tudo pareceu muito rápido. Draco encostou-se de novo nos travesseiros e fechou os olhos por um instante, para se certificar que de fato tudo aquilo estava acontecendo, que não era mais um daqueles sonhos malucos que ele costumava ter. Abriu de novo os olhos. Harry já estava do lado dele.

Com aquele eterno grande sorriso no rosto.

“--- Draco... Você está bem?” – seus olhos pareciam maiores do que o de costume, as pupilas dilatadas.

“--- Eu... é, mais ou menos” – respondeu, os olhos variando do par verde-vivo para a coisinha embrulhada. – “ Incomoda” – acrescentou, apontando para as bandagens na barriga.

O sorriso do outro diminuiu um pouco.

“--- Não vai ser por muito tempo. Pomfrey disse que amanhã já poderia tirar.”

“--- Bom. Vai ser ótimo poder sentar normalmente.”

Harry deu uma risadinha. A coisinha em seus braços se moveu, deixando uma pequenina mão a mostra. O coração de Draco acelerou até parecer que ia sair pela boca. As mãos pareciam estranhamente trêmulas. Harry sentou-se ao seu lado na cama, o peito na mesma velocidade.

“--- Ela...” – sussurrou – “... está acordando.” – uma pausa de alguns segundos, mas o tempo parecia ter parado – “ Pegue-a no colo” – Draco concordou com a cabeça, mudo. Não confiava no que a sua boca diria se abrisse. Harry começou a passar aquela coisinha – minúscula, frágil – para ele. Suas mãos tremiam tanto que ele temeu a deixar cair depois que ela estava sendo completamente segurada por ele. Hesitou alguns segundos antes de tirar a manta.

Soltou uma exclamação de surpresa.

Draco Malfoy só tinha visto um bebê em toda sua vida – uma prima da parte irlandesa da família. Tinha 7 anos. Na época se impressionou com o tamanho da criança e sua aparência de cristal, parecendo que ia quebrar a qualquer toque. Era prematura de 8 meses. Desde então ele havia guardado essa imagem na cabeça. Nunca imaginara como seria a filha com medo de ter uma baita decepção – como, por exemplo, imaginá-la sua cara e ela nascer a retrato e semelhança de Harry. Mas uma coisa era indiscutível para ele: o fato que ela nasceria com uma aparência frágil, os olhos sonolentos. Mas definitivamente não foi isso que aconteceu.

Apesar de ser pequenina, a menina era surpreendemente gordinha – não aqueles bebês gorduchos, mas aqueles com uma aparência genuinamente saudável – e uma pele rosadinha. Tinha bochecha o suficiente para se apertar – não que Draco fosse permitir, claro -, um nariz pequeno e reto, lábios finos, orelhinhas talvez um pouco grandes demais. Não tinha muito cabelo, mas os fiapos que possuía eram louro-trigo. Tinha traços ancestrais dos Potter, mas também algo em seu rosto não negava que descendia dos Malfoy. Enfim, até ali poderia ser classificada como um bebê “fofo” ou “gracioso”.

Mas, contrastando com seus traços delicados, seus olhos exalavam magia e poder. Eram intensos e vivídos, esmeraldas brilhantes. Mas sem dúvida o mais interessante de tudo era que, envolvendo as pupilas, havia uma parte considerável dos olhos que eram ... violeta. Violeta. Draco sabia o que isso significava.

“Merlin, minha filha tem olhos violetas. Hermione vai pirar!”

Não, não dava para se chamar Clarice. Não com aquela força nos olhos. Precisava de alguma coisa que combinasse com a sua energia, com a sua magia, com...

“--- Bárbara” – o nome saiu de seus lábios automaticamente. De repente pareceu se encaixar perfeitamente.

“--- Draco?” – a voz de Harry tirou-o de seus pensamentos – “ O que você falou?”

“--- Eu... acho que... Clarice não é um bom nome para ela.”

“--- Sério? Eu também achei quando... sabe, vi ela pela primeira vez.”

Draco respirou fundo:

“--- Eu achei que ela combinava com Bárbara. Por causa dos olhos dela...bem, me ocorreu, mas se você não gostar...”

“--- Eu gosto de Bárbara. Parece um nome forte.” – Harry inclinou-se para observar a filha, que agora observava atentamente alguma coisa nas vestes de Draco – “ Ela tem olhos muito bonitos, não? Quer dizer, ela é linda, mas esses olhos se destacam...”

“--- Primeiro ataque de corujice, Harry.” – comentou Draco num tom divertido. Harry virou-se para ele:

“--- É impossível não ter “ataques de corujice” com ela!”

“--- Principalmente com os pais perfeitos que ela tem, não?”

Pausa. Harry corou levemente com o elogio.

“--- Estou rezando para que ela não seja convencida como você, Draco.”

“--- Harry, relaxa, eu estava brin...”

“--- Eu sei, eu sei. Mas de fato ela tem uma genética perfeita...”

“--- Harry! Agora é você que está sendo convencido!” – Harry deu uma risada entre o malicioso e o ingênuo:

“--- Calma, você não deixou eu terminar! Eu dizia que ela tem uma genética perfeita... por sua parte, claro.”

Draco ficou da cor da bandeira da Grifinória. Não conseguiu pensar em algo decente para responder.

“--- Harry, seu palhaço, você tem essa habilidade de me deixar completamente sem palavras.”

“--- Na verdade eu possuo muitas outras habilidades...”

“--- Harry!”

“--- Quê?”

“--- Você não tem vergonha de falar essa coisas na frente da sua filha?”

“--- Opa, eu não falei nada demais! Foi você que pensou besteira, Draco.”

Silêncio. Draco estava pensando em algo bom para responder quando sentiu uma movimentação estranha nos seu mamilo esquerdo. Foi só olhar para baixo que viu que Bárbara estava tentando mamar.

“--- Harry...”

“--- Hum?”

“--- Madame Pomfrey falou algo sobre dar de mamar? É que ela está tentando...”

“--- Ah, ela falou. Calma aí.” – Harry saiu do lado de Draco e começou a mexer numa espécie de armarinho debaixo do berço. Tirou de lá uma espécie de mamadeira e voltou para a cama.

“--- Aqui. Ela falou que é só colocar na boca dela, já está limpa.”

Dito e feito. Mal Draco colocou a mamadeira na boca da menina, ela começou a mamar. De início bem devagar, como se não soubesse direito como fazer. Depois que pareceu ter aprendido, aparentou estar com bastante fome, pela velocidade que a mamadeira começou a se esvaziar. Vendo aquilo, Draco começou a sentir algo estranho. Demorou uns segundos até perceber o que era.

“--- Draco? Você está bem? ”

“--- Estou. Não é nada. É só uma coisa idiota.”

“--- Draco... o que é?

“--- É... é que eu estou me sentindo um incapaz por não amamentar minha filha. “

“--- Draco, você não poderia amamentar, sabia disso.”

“--- Eu sei, só... perde que meio da graça dar mamadeira para ela.”

“--- Porque, você queria ter produzido leite?”

“--- Não sei, talvez sim.”

“--- Sabe de uma coisa, Draco? Acho que você não iria gostar muito de ter mamas.”

Draco pensou um momento. De fato, o pensamento não o agradava muito.

“--- Draco, acabou. Ela dormiu.” – A mamadeira foi posta em cima da mesa. Bárbara estava adormecida. Draco se perguntou com o que estaria sonhando.

Harry passou o braço em torno de suas costas, envolvendo-o numa espécie de abraço. Era saudade antecipada por aquela privacidade, só eles três. Pomfrey avisara que entraria na enfermaria assim que o sol se pusesse. Os últimos raios de sol já passavam pelos vidros. Harry sabia que teria que ir jantar dali a pouco.

Nunca desejou tanto que o tempo se arrastasse. Que os segundos escorressem lentamente.

“---Harry?” – a voz de Draco veio cansada

“--- Sim?”

“--- Je t’ aime.”

“--- Ahn?”

“--- Francês. Não reconhece?”

“--- Não... sou péssimo em línguas. O que você falou?”

“--- Pergunte para a Hermione. Ela sabe.”

“--- Pare de ser cruel! Vamos, o que você disse?”

Draco virou-se para encará-lo, um sorriso fraco brotando de seus lábios finos. Iguais aos da filha.

“--- Eu disse “Eu te amo”. Je t’ aime. “

Alguns segundos de silêncio. Harry pensou em muitas coisas para dizer, mas, naquele momento, poucas palavras eram necessárias. E um gesto.

“--- Eu também, Draco. Eu também. Para sempre.”

E beijou-o. Ou pelo menos tentou beijá-lo, já que naquele exato momento ouviram alguém abrindo a porta. Pomfrey. Harry não pode evitar de xingá-la baixinho. Draco não conseguiu evitar que a amaldiçoasse mentalmente.

O sol se pôs em Hogwarts.

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