Surpresa desagradável



Capítulo 4: Surpresa desagradável


 


 


A chama da vela sobre a escrivaninha iluminava os papéis que se encontravam ali em volta. Hermione estava sentada à mesa, escrevendo uma carta para a prima. Recebera uma carta de Dora naquela manhã, em resposta a que havia mandado, dois dias depois de chegar a Milton. Naquela ocasião, mandara uma carta também para Vítor Krum, falando brevemente sobre a cidade e sobre como estava sendo morar ali.


 


Não estava sendo fácil se adaptar à nova cidade, aos costumes, ao clima e principalmente às pessoas. Milton era uma cidade fria, não só na temperatura, mas pelas pessoas. Todos sempre a olhavam desconfiados seja por onde passasse. Mas estava contende em constatar que isso acontecia com menos frequência.


 


Sua mãe era quem mais estava triste e inconformada de estarem ali em Milton. Ela reclamava muito da nova casa deles e da cidade, deixando claro seu desconforto de estarem ali. Nos últimos a mãe começou a ficar doente, talvez pelo fato de estarem numa cidade muito mais fria do que Helstone. O pai arrumou vários novos alunos e estava muito contente com isso. Ele também estava dando aulas e palestras no Liceu.


 


Hermione e Annie se dividiam nas tarefas da casa, até encontrarem uma empregada para ajudar Annie. Já tinham entrevistado algumas mulheres, mas nenhuma aceitou trabalhar em troca do salário que eles podiam pagar.


 


Ela não se importava em ajudar, pois mesmo que quisesse não tinha mais nada para fazer em Milton. Não havia nenhum amigo, ou sequer, vizinho, com quem  pudesse conversar. Os moradores da casa 11 e 13 do Grimmauld Place, sequer lhe dirigiam a palavra e o mesmo aconteciam com os demais vizinhos das outras casas.


 


Já havia se passado mais de duas semanas, mas ela não tinha se esquecido do que acontecera na fábrica. Ver o comportamento do senhor Weasley, deu-lhe muito o que pensar por dias. A imagem daquele ruivo batendo no empregado, não lhe saia da cabeça.


 


Desde aquele dia, porém, não o vira e ela esperava que assim continuasse.


 


Resolveu reler a carta que escrevia.


 


 


"Querida Dora,


 


Fico feliz em saber que vai tudo bem em seu casamento. Você merece toda a felicidade do mundo e não vejo ninguém melhor do que Remus para lhe proporcionar isso. Acustumou-se em ser chamada de senhora Lupin?


 


Estamos nos adaptando a cada dia com a nova cidade. Apesar de tudo, Milton é uma cidade interessante e moderna.


 


Trocamos os horríveis papéis de parede da casa, por um mais bonito. Mamãe está adoentada e triste em estarmos aqui. Tento ser forte e dar apoio a ela, mas não está sendo fácil. Papai conseguiu novos alunos e está muito feliz em voltar a lecionar. Não conseguimos encontrar uma empregada ainda, por isso estou ajudando Annie nas tarefas. Sinto falta de alguém para conversar, aqui não há muitas pessoas amigáveis com quem possa falar.


 


Nunca mais vi aquele tal senhor que lhe disse na outra carta, o senhor Weasley. Por bem, pois não sei como reagiria ao revê-lo depois de tão horrível cena que presenciei. Como já havia dito, preferi não contar aos meus pais sobre aquele dia e creio que tampouco saberão disso pelo senhor Weasley.


 


Escrever-te-ei em breve com novas notícias e anseio que sejam melhores."


 


 


Resolveu que o que escrevera já era o suficiente e terminou a carta mandando lembranças à madrinha e a Remus. Dobrou o papel e o colocou em um envelope. Iria ao correio postar a carta, pois sabia que a prima já ansiava por uma resposta.


 


Vestiu seu casaco e seu chapéu, ambos de cor vinho. Desceu para a sala, onde encontrou a mãe bordando.


 


- Vai sair filha? - A mãe lhe perguntou quando a viu.


 


- Sim. - Hermione respondeu. - Irei ao correio postar uma carta para Dora.


 


Ela saiu da sala e ao passar pelo escritório, que estava com a porta aberta, o pai a viu e a chamou. Ela parou e se aproximou da porta.


 


- Hermione, entre. Conheça meu novo aluno e amigo.


 


Hermione deu alguns passos e entrou no escritório. O homem estava de costas e se virou, quando ela entrou. Ela mal podia crer no que seus olhos viam. Estava diante de um ruivo, o senhor Weasley.


 


- Este é Ronald Weasley. - Disse apresentando o homem. - Senhor Weasley, esta é minha filha, Hermione.


 


Ela o olhou um pouco espantada. Percebeu que ele parecia um pouco surpreso, mas mantinha o ar de superioridade e ela quase o odiou por isso. O encarou por alguns instantes.


 


- Acho que já nos conhecemos. - Disse o senhor Weasley. Hermione desviou o olhar dele e ficou olhando para um ponto fixo, na estante de livros.


 


“- Ele precisava dizer que já nos conhecemos? Não poderia ter guardado isso para si?” – Ela pensou.


 


- Receio que a senhorita Granger e eu, tenhamos nos conhecido sob circunstâncias desagradáveis. - O senhor Weasley continuou.


 


Ela virou e olhou para o pai, que parecia confuso.


 


- Tive que demitir um trabalhador por fumar na sala de triagem...


 


Hermione sentiu uma inexplicável raiva, o encarou e falou um pouco mais alto do que pretendia:


 


- Você bateu em um homem indefeso, que não era seu igual.


 


- Hermione! - Repreendeu-lhe o pai.


 


- Ela está certa. - Disse o senhor Weasley. - Eu estava nervoso e tenho um bom gênio. O fogo é o pior perigo para a minha fábrica, tenho que ser severo.


 


Ela se afastou um pouco, dando alguns passos para o lado.


 


- Um cavalheiro não usaria seu punho contra uma pessoa que gritava por seus filhos. - Hermione disse, sem desviar os seus olhos do rosto dele.


 


- Eu devo dizer que um cavalheiro nunca deveria ver trezentos corpos estendidos no pátio da fábrica, como eu vi no último mês de maio. - Ele disse e ela continuou o encarando. Não queria demonstrar que entendera o comportamento dele na primeira vez que se encontraram. - Muitos eram crianças e foi um incêndio com fogo acidental. Tudo destruído em menos de vinte minutos.


 


Os três ficam em silêncio por alguns instantes, até o ruivo dizer:


 


- Tenho que ir. Junte-se a nós, senhor Granger, para jantar amanhã, em minha casa.


 


- Oh, sim, agradeço. - Disse o pai. - Começaremos com Platão na próxima aula?


 


- Certamente. - O senhor Weasley respondeu dando alguns passos em direção à porta e depois parou. - E pedirei para minha mãe vir visitar-lhes...


 


- Naturalmente! - Falou o pai indo para a porta também. Hermione continuou parada onde estava de costa para eles. - Estamos sempre aqui, não é mesmo filha?


 


Ela não respondeu.


 


Percebeu que os dois saíram e suspirou.


 


Teve uma ideia clara de que não se daria bem com o ruivo, senhor Weasley.


 


***


 


Minutos mais tarde ela saiu para a rua cinzenta e cheia de gente, que estavam vendendo seus produtos. Depois que chegou ao correio e postou a carta, voltava para casa, quando se perdeu. Tudo para ela era novo e Milton era uma cidade razoavelmente grande. Ela não entendia como as pessoas podiam transitar por ruas tão parecidas. Não tinha coragem de perguntar a ninguém o caminho correto, então tentava encontrar sozinha. Andou por várias ruas até chegar numa parte mais afastada da cidade, onde havia um tipo de praça e ao lado ficava o cemitério. Andou pela praça até ver uma moça loira, parada mais a frente. Usava roupas simples e desbotadas.


 


A moça virou para olhá-la, quando sentiu a aproximação dela.


 


- Você está me seguindo? - Perguntou a loira, parecendo desconfiada.


 


- Oh, não. - Hermione disse um pouco envergonhada. Agora que a vira mais de perto, reconheceu a moça. Era a mesma que vira na fábrica do senhor Weasley. - Conheço você, trabalha na fábrica.


 


- Também me lembro de você. - A moça falou. - Disse ao patrão algumas coisas. Não vemos isso todos os dias.


 


A moça começa a caminhar e Hermione foi atrás dela.


 


- Não quero prendê-la, mas...


 


- E que compromissos importantes eu teria? - Disse a loira displicentemente, parando para olhá-la.


 


As duas se olharam por alguns instantes. Hermione estranhou a atitude da jovem, mas sentiu simpatia pela mesma.


 


- Estava indo me encontrar com meu pai. - Disse a loira, reiniciando a conversa. - Ele trabalha na fábrica do Hamper, fica uma milha da cidade.


 


A moça recomeçou a andar.


 


- Trabalho na fábrica do senhor Weasley porque é mais perto de casa e o trabalho é mais fácil.


 


Hermione percebeu que um homem se aproximava delas.


 


- Ai vem meu pai. - Disse a loira, com um sorriso singelo, indo em direção ao homem.


 


Ele era loiro como a filha e também usava roupas velhas e desbotadas. Ele parecia cansado, após a jornada de trabalho, e não era para menos.


 


- Pai, essa é a moça de quem lhe falei. - Disse a loira agora ao lado do pai. - Do dia em que o senhor Weasley bateu em Diggory.


 


- Ele mereceu. - Disse o pai após abraçar a filha. Hermione compreendeu que o que o tal trabalhador fizera, ao fumar na fábrica, era realmente muito grave, mas ainda não admitia o comportamento do senhor Weasley. - O tolo pôs todos em risco.


 


Ele a estudou por alguns segundos. Hermione ficou um pouco incomodada.


 


- Você não é dessa parte do país... - O homem disse.


 


- Não, eu sou do sul. - Hermione falou. - De Helstone.


 


- Isso é para além de Londres. - Falou o homem, sem tirar os olhos dela. Depois ele e a filha começaram a caminhar em direção a cidade, de braços dados.


 


Hermione estava um pouco ansiosa em finalmente conversar com alguém que não fosse seus pais ou Annie, e resolveu segui-los. Queria saber mais sobre o funcionamento das fábricas ou sobre o que quer que fosse, pois queria apenas conversar.


 


- Onde vocês vivem? - Ela perguntou, quase ao lado da jovem loira.


 


Pai e filha pararam e a olharam parecendo surpresos.


 


- Vivemos na rua Frances, em Princeton, atrás do Dragão Dourado. - Falou o homem.


 


- E seu nome? - Hermione perguntou sorrindo. - Meu nome é Hermione Granger.


 


- Xenofílio Lovegood e essa é minha filha, Luna. - Ele respondeu. - Porque pergunta?


 


Hermione sentiu-se um pouco ofendida, mas tentou não transparecer.


 


- Bem, eu estava pensando em lhes levar uma cesta...


 


Tanto pai, quanto filha olharam para ela parecendo desconfiados.


 


- Uma cesta? - Indagou a loira com curiosidade. - O que faríamos com uma cesta? Nós temos muito pouco para colocar nela.


 


Hermione logo percebeu que eles eram sinceros demais para os padrões sociais de qualquer cidade.


 


- Não gosto muito de ver estranhos na minha casa. - Disse o senhor Lovegood. - Eu ouso dizer, que no sul, uma jovem deve sentir que pode entrar na casa dos outros sempre que desejar. Aqui, esperamos até sermos convidados para entrar na casa das outras pessoas.


 


- Desculpem-me... se eu pareço... bom, não quis ofendê-los de forma alguma...


 


- Por isso digo que pode vir à nossa casa. - Disse o senhor Lovegood cortando o que ela dizia. Hermione sorriu. - Mas não vai lembrar-se de nós. Aposto isso. Até mais.


 


Eles voltaram a caminhar e Hermione ficou onde estava apenas os acompanhando com o olhar.


 


Havia simpatizado com eles. Eram as primeiras pessoas com quem ela conversava em semanas. Ela pretendia, realmente, em ir visitá-los e esperava que eles a recebessem. A moça, Luna, pareceu-lhe curiosa e displicente, mas gostara dela mesmo assim. O pai era mais desconfiado, talvez, por ver só pessoas assim, ali em Milton. As pessoas daquela cidade não eram tão cordiais quanto às de Helstone.


 


Hermione queria e teria que se acostumar com a nova cidade e seus moradores, mas estava sendo mais difícil do que imaginada, quando pensava nisso antes de chegar ali. Sentia-se só, e isso faz com que tudo pareça pior e mais triste. Por isso, ansiava por uma companhia, como Luna, que deveria ter uma idade aproximada à dela.


 


Ela resolver voltar para casa, pois sua mãe estava adoentada e talvez, àquela hora, preocupada com sua demora. Esperava que encontrasse o caminho de casa, rapidamente desta vez.

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