Capitulo 1



CAPÍTULO I





Aquele trabalho era moleza. Harry Potter esticou-se na cama com uma barra de chocolate na mão e três travesseiros de pena atrás da cabeça. O chocolate e os travesseiros haviam sido cortesia do anfitrião.


— Peça o que precisar — Adam Granger lhe dissera.


E Harry tirara vantagem da gentileza. Além do mais, havia uma adorável criada que sempre o atendia cada vez que ele pedia as refeições. Por ser de origem latina, a jovem pouco falava inglês, mas possuía lindos olhos negros e ria toda vez que Harry piscava para ela.


Na verdade, Harry tinha o dom de atrair a atenção das mulheres, embora nunca abusasse de tal poder. Ele as respeitava profundamente, porém jamais se ateve a compromissos duradouros. A vida era estimulante demais; portanto, ainda valia a pena aproveitá-la. Aliás, a possibilidade de casar-se chegava a lhe causar arrepios.


Suas acomodações pertenceram ao antigo motorista da casa. Harry não nascera em Palm Beach, mas sem dúvida preferia aquela região ao submundo do crime de Oakland, Califórnia. Não existiam apartamentos para motoristas onde ele crescera. Nas janelas das casas havia grades, e cacos de vidro eram cimentados ao longo dos muros.


No entanto, a arte de permanecer vivo o mantinha com os pés no chão, ciente da crua realidade. Em seus trinta e três anos de vida, Harry jamais vira pessoas tão enfadonhas como os habitantes de Palm Beach.


E estava certo disso, pois havia cinco monitores instalados no teto, acima de sua cama. Um deles mostrava uma visão panorâmica da entrada da mansão e outro cobria a passagem até a casa de hóspedes. O terceiro focava o lado leste da casa de hóspedes; o quarto, o lado oeste, que incluía a garagem. E a última câmera, sua favorita, filmava a porta de Hermione Granger.


Por duas semanas, ele observara as idas e vindas de Hermione. Em raras ocasiões, quando a jovem saía sozinha, Harry transformava-se em sua sombra. Certa vez, muito tarde da noite, ele a seguira até a praia e a vira brincar nas ondas, com a viva espontaneidade de uma criança. Tratava-se de uma mulher imprevisível, um detalhe que tornava o trabalho ainda mais interessante.


Hermione emanava classe e elegância. Os cabelos longos eram castanhos e, conforme ela caminhava, a postura altiva inspirava pura realeza. Harry nunca tinha visto uma princesa de verdade, mas imaginava que tal nobre devia se parecer com Hermione Granger.



Ela se vestia com a indiferença de quem podia comprar o melhor e, após o uso de uma única vez, esquecia a roupa no armário. Era pequena de aparência frágil, algo que Harry suspeitava ser apenas fachada.


Por alguma razão, Hermione escolhera morar na casa de hóspedes, em vez de usufruir o conforto ostensivo da mansão. Um fato relevante que o impedia de definir a personalidade da jovem.


Harry Potter era famoso em seu meio por prever, com total acuidade, os movimentos de alguém. Contudo, a pequena Hermione Granger sempre o surpreendia. Uma herdeira milionária brincando com as ondas na praia? Uma mulher que preferia viver em uma choupana a regalar-se com a mordomia de um palácio? Uma mulher de olhar expressivo que, de vez em quando, saía com um homem tão atarracado quanto um sargento da marinha? Não existiam beijos ou tentativas de sedução, somente um abraço terno à soleira da porta.


E por falar no diabo...


Harry endireitou o corpo ao divisar a imagem de Hermione no monitor. O vestido branco, muito bem cortado, mas modesto, cintilou quando ela se aproximou da casa de hóspedes. Caminhava devagar, como se não tivesse para onde ir e todo o tempo do mundo lhe estivesse disponível. A cabeça estava baixa e os cabelos escondiam a expressão do rosto. Até a postura parecia diferente, o ar altivo fora substituído por uma certa tristeza. O corpo delicado transparecia vulnerabilidade, tal qual um anjo preso entre os espinhos de rosas em botão. Havia algo errado.


No outro monitor, Hemione parou diante da porta. Digitou o código de segurança e entrou na casa. As luzes do chalé se acenderam, uma após a outra.


Alerta, Harry sentou-se na beirada da cama. Seus olhos verdes fixaram-se no monitor. Não podia prever o próximo passo de Hermione Granger, mas sabia que algo estava por acontecer. Tal talento o mantivera vivo e inteiro durante os oito anos em que trabalhou na polícia de Oakland. Três cicatrizes nas costas, ocasionadas por buracos de bala, testemunhavam seu instinto de sobrevivência. Outra marca em seu abdômen servia como um lembrete de um único ferimento à faca.


Embora fosse um fato triste, todos que viviam nas ruas, os bons e os maus, carregavam armas. Sua terceira visita ao hospital resultará em uma medalha de honra ao mérito e na precoce aposentadoria de sua carreira de policial. Harry não titubeara. Percebera que estava abusando da sorte. Além disso, gostava de trabalhar como segurança particular. Havia pouca chance de levar um tiro enquanto bancava a ama-seca dos ricos e paranóicos.


Por trás das cortinas das janelas, a sombra de Hermione circulava pela casa. De repente, ela começou a se mover mais rápido, como se agora tivesse um propósito. Harry vestiu uma camiseta qualquer e calçou os tênis, sem tirar os olhos dos monitores. O que estaria ela tramando?


Então, a resposta despontou. A porta da garagem se abriu. Harry pegou a carteira, observando o Porsche de Hermione sair cantando os pneus. A dama estava com pressa. Aquela não seria uma visita à praia.


Harry tinha certeza de que seu carro alugado não era páreo para um Porsche, principalmente tendo como piloto uma morena imprevisível. Pegou o telefone celular e precipitou-se porta afora, sem obedecer à primeira regra de segurança de Adam Granger: “ligue-me imediatamente, se algo fora do comum acontecer".


Harry não podia contatar Adam naquele momento porque correria o risco de perdê-la de vista. Algumas decisões preci­savam ser tomadas à revelia.





Para Hermione, aquela noite começara tão maçante quanto todas as outras. Adam havia organizado mais uma de suas festas exclusivas, cujos poucos convidados eram adequados a se as­sociar à irmã. Ele sustentava padrões excessivamente altos e nenhum de seus conhecidos mostrava-se amigável. Todos pos­suíam origem nobre e cada um pertencia à lista dos mais ricos e bem-sucedidos.


Como sempre, a festa se compunha de um grupo restrito e muito comedido. As mulheres sentavam-se no sofá, de pernas cruzadas e mãos sobre o colo. Os homens se reuniam no bar, degustando bebidas importadas em seus trajes esplêndidos. A única exceção era Beauregard James Farquhar III, um milio­nário de Palm Beach que permaneceu ao lado de Hermione durante toda a noite.


Beau era um velho amigo da família, um homem que Adam admirava devido a recursos financeiros, maneiras impecáveis e total persistência. Ele se assemelhava a um tenista profissional devido à pele bronzeada e aos cabelos loiros. Naquele mesmo dia, Beau havia retornado da Europa, onde fizera uma turnê pelas melhores vinhas do continente e adquirira alguns quilos a mais. Ele alegara estar "radiante de felicidade" por rever Hermione.


De fato, o nobre estava sempre radiante de felicidade ao vê-la, desde o dia em que Hermione o conhecera, quando tinha dezoito anos. Era devotado a ela, sem restrições. Com esforço, Hermione conseguira manter distância de Beau até voltar da uni­versidade, meses atrás. Ele impunha sua presença, tal qual um animal de estimação, e, em breve, a pediria em casamento, Hermione tinha certeza disso.


Seu aniversário de vinte e três anos aproximava-se como uma tempestade no horizonte. Beau insinuara que a data seria celebrada de forma monumental. Ele até lhe perguntara o tamanho de anel que ela costumava usar. Hermione vinha se sentindo angustiada desde então.


Embora ainda não fossem dez horas, ela lutara contra uma incrível necessidade de dormir durante a festa de Adam. O pianista que o irmão contratara parecia tocar a mesma canção sem parar. Ela sentou-se ao lado de Beau no sofá e tentou, a todo custo, parecer interessada na complexa descrição de um cabernet que ele descobrira na Itália.


Infelizmente, Beau era um exímio conhecedor de vinhos e poderia passar a eternidade dissertando sobre o assunto. Hermione cochilara duas vezes. Por fim, desculpou-se, alegando dor de cabeça e abandonou as festividades.


A urgente necessidade de dormir desaparecera ao entrar na casa de hóspedes que ela chamava de lar. Longe de Beau, do pianista e da entediante discussão sobre o mercado de ações, ela se viu repentinamente desperta. Decidiu, então, pegar o Porsche e dar um passeio antes de dormir. Nem considerou a possibilidade de tirar o elegante vestido; apenas trocou as san­dálias de salto alto por um par de tênis confortáveis.


A despeito de parecer ridícula, concluiu que usar tênis seria mais adequado para dirigir. Além do mais, ninguém a veria, especialmente Adam, que nem sequer saberia que a irmã deixara a propriedade.


Hermione dirigia a esmo, apreciando o ar fresco da noite roçando-lhe o rosto e ponderando acerca da estranha cultura à qual pertencia. Convivia com as famílias mais finas de Palm Beach, porém sempre se sentira uma forasteira em seu meio. Seis meses antes, graduara-se em uma faculdade particular somente para mulheres, e agora o pobre Adam não sabia o que fazer com ela.


Os dois únicos trabalhos que tivera desde então duraram quatro semanas e quatro dias, respectivamente. Primeiro, Hermione cedera à insistência de Adam e aceitara um cargo nas Indús­trias Granger, onde recebia um salário exorbitante para não fazer quase nada. Havia viajado com Adam, almoçado com Adam e retornado a Palm Beach com Adam. Na quarta semana, caíra em prantos e dissera a Adam que seu destino encontrava-se em outro lugar.


Por si só, encontrou um trabalho como consultora particular em uma butique de alto luxo. Não pretendia constituir uma carreira nessa área, mas achou que o emprego a manteria ocupada até descobrir o que realmente desejava. No entanto, o egocentrismo nato da clientela e a total falta de desafio eram piores que trabalhar nas Indústrias Granger. Tornou-se, portanto, uma "desempregada voluntária" após quatro dias de serviço. Adam ficava cada vez mais preocupado com o futuro da irmã e não escondia o fato. O homem possuía uma alma boa, mas exagerava no excesso de preocupação. Hermione tinha sete anos e Adam, apenas vinte e um, quando seus pais faleceram em um acidente de barco. Lembrava-se deles com freqüência, saudosa quanto à espontaneidade e ao amor evidente do casal. Não fazia idéia de eles serem tão excêntricos quanto ela e Adam puderam ser gerados por duas pessoas tão especiais.


Adam cuidara da irmã com afinco nos últimos dezesseis anos, mas tamanha responsabilidade havia sido um fardo para alguém tão jovem. Ele se tornara obcecado pelo bem-estar de Hermione e pela administração da fortuna da família.


Hermione não percebera quão difícil havia sido a vida do irmão até sair da faculdade. De súbito, ele lhe pareceu bem mais velho que seus trinta e sete anos, com sombrios olhos azuis, pele pálida e ombros caídos,


Apesar de tentar dissuadi-lo a eximir-se da responsabilidade, Adam continuava a morrer de preocupação quanto à segurança da irmã.


A mansão Granger devia possuir uns quarenta cômodos, mas Hermione sofria de uma sufocante claustrofobia. Adam estava em todos os lugares, sempre ansioso e apreensivo. Foram neces­sários meses para convencê-lo de que a casa de hóspedes seria uma ótima moradia para Hermione. Duas semanas atrás, ele a surpreendera ao dar seu consentimento.


Tal anuência proporcionou a ela esperanças de que um dia poderia ser independente... até Beau insinuar que, muito em breve, faria o pedido. Hermione ficara horrorizada, visualizando um enorme balão prestes a explodir.


Na tentativa de obter conselhos quanto à melhor maneira de dispensar Beau, ela comentou o assunto com Adam. A reação do irmão fora veemente. Embora mantivesse o tom de voz inalterado, perguntara a Hermione por quanto tempo ela ainda flanaria pela vida, como uma borboleta paranóica, sem se comprometer com nada ou ninguém. Segundo Adam, Beau representava o melhor partido da região e já provara ser digno de confiança e devotado. Ela tinha de se dedicar a algo. Por que não agora? Por que não com um homem decente e rico como Beau?


De fato, por que não? Beau não era o homem de seus sonhos, mas príncipes encantados não existiam. A cada noite, em sua imaginação, Hermione deparava-se com um misterioso e excitante super-herói, que inspirava muito mais que respeito. Contudo, Beau Farquhar jamais a maltrataria e sempre demonstraria devoção incondicional. O homem era estável, persistente, gentil, persistente, bondoso e persistente. Também era persistente.


Por que não? O pobre Adam já se preocupara com a irmã em demasia. Hermione não estava interessada em se casar, tam­pouco queria permanecer solteira. A bem da verdade, não tinha interesse por nada. A morte dos pais em idade tão prematura a deixara assustada emocionalmente e cautelosa ante relacio­namentos que poderiam gerar vulnerabilidade. Adam fora para ela a única constância no mundo. Amava o irmão e faria qual­quer coisa para recompensá-lo pelo sacrifício. Ele hão mais precisaria carregar tanta responsabilidade nos ombros.


Em suma, havia pouca possibilidade de Hermione apaixonar-se loucamente. Na realidade acreditava que isso seria impossível, já que tinha um medo absurdo... Beau era um bom homem, que a conhecia bem e possuía poucas expectativas. Adam, no mínimo, achava que ambos foram feitos um para o outro. Se ele assim pensava, devia estar correto. Adam merecia ter uma vida; nunca voltaria a atenção à própria felicidade enquanto a de Hermione não estivesse assegurada.


Ela continuou a dirigir por mais de uma hora. Não tinha um rumo específico, queria somente afastar-se da mansão. Por fim, acabou enveredando por uma estreita rodovia de mão du­pla, rodeada de ciprestes. Estava escuro demais para divisar algo além das folhagens que a circundavam. O ar tornou-se pesado e úmido, como se estivesse próxima a um pântano.


Nunca vira um pântano, mas a palavra "jacaré" não lhe saía da mente. Tinha pavor de animais cujos dentes eram maio­res que os dela. Sentiu as palmas suarem em contato com a direção.


Hermione não costumava verificar o nível de gasolina do carro. Aliás, a manutenção do Porsche era função dos "empregados" invisíveis e sempre diligentes de Adam. Em geral, Adam insistia para que ela utilizasse seu automóvel com motorista. Quando pegava o Porsche, o veículo encontrava-se sempre bri­lhando e repleto de gasolina. Claro, ela sabia que eram necessários óleo e combustível, mas tais detalhes jamais foram mo­tivos de preocupação.


Até que o Porsche engasgou, falhou algumas vezes e morreu. O marcador de gasolina indicava total ausência de combustível. Felizmente, Hermione conseguiu manobrar o carro em direção ao acostamento antes que ele parasse de vez. Galhos secos arranharam a janela do passageiro, como se alguém o estivesse arrombando. Em pânico, ela trancou as portas e colocou o cinto de segurança pela primeira vez, imaginando assim que ficaria a salvo.


Além de "jacaré", outras palavras saltaram-lhe à mente: cobras, aranhas, seres pegajosos e viscosos. As luzes dos faróis iluminavam apenas alguns metros à frente. Em um rompante de consciência, Hermione achou melhor apagá-las para não desper­diçar bateria.


Entretanto, não havia nada que a fizesse permanecer sozi­nha naquela escuridão. Acendeu a luz interna do veículo e tentou encontrar o pisca-alerta. Mas nada do que apertava, girava ou puxava no painel surtia o efeito desejado. Pergun­tou-se, enfim, o que uma verdadeira heroína faria naquela situação.


A resposta despontou na hora: ela teria tido o bom senso de encher o tanque de gasolina antes de aventurar-se. Porém, Hermione podia ligar para dam pelo celular... se tivesse lembrado de pegá-lo antes de sair.


As unhas muito bem feitas tamborilavam na direção. O que fazer?


Um carro emergiu do nada e parou ao lado dela. O motorista estava oculto pelas sombras, mas Hermione teve a impressão de que ele era corpulento e barbudo. O homem acenou, pedindo-lhe que abrisse o vidro. Ela meneou a cabeça em negativa.


"Encontrarão meu corpo estirado no meio da estrada", pen­sou, desesperada. Não agora, mas depois de alguns dias quando a umidade e os jacarés a tivessem devorado. Sua aparência estaria péssima para o funeral. O pobre Adam se sentiria responsável por tê-la deixado morar na casa de hóspedes e se culparia pelo resto da vida. E mais, morreria perguntando-se por que Hermione havia dirigido até aquela região.


De súbito, uma batida no vidro interrompeu seus devaneios mórbidos. Hermione pulou de susto e encarou um par de olhos negros. O homem parecia ter uns quarenta anos e possuía mais pêlos nos braços e no rosto que na cabeça. Usava uma camiseta branca toda surrada.


O pânico dobrou e multiplicou-se em um espaço de cinco segundos. Embora não tivesse muita experiência com homens, Hermione sabia que aquela criatura de camiseta surrada não era a resposta a suas preces.


— Precisa de ajuda? — ele perguntou.


Hermione sacudiu a cabeça freneticamente.


— Posso lhe dar uma carona?


Dessa vez, ela declinou a oferta com maior ênfase. Então, o barbudo parou de sorrir e tentou abrir à força a porta do Porsche. Se Hermione conseguisse respirar, teria gritado. O único som que pôde emitir foi um gemido frágil. Por alguma razão, ela pressionou a buzina, causando um estardalhaço.


Um instante depois, ela notou outro carro estacionando atrás do Porsche. Perguntou-se que tipo de barbaridades dois homens mal-intencionados fariam contra ela naquela selva tropical. Ha­via uma convenção de arruaceiros em algum lugar? Esse tipo de gente esperava o anoitecer para achacar idiotas desprevenidas como ela?


Tudo aconteceu rapidamente, tal qual um pesadelo. O mo­torista do segundo carro aproximou-se, deixando o motor ligado e as luzes acesas, Em seguida, disse algo ao de camiseta sur­rada, mas, como continuasse com a mão na buzina, Hermione não conseguiu ouvir. Houve um breve tumulto antes de ela ver uma figura rodopiar. Quase no mesmo instante, o homem bar­budo tombou no asfalto.


Dois braços apoiaram-se na porta do Porsche. Seu salvador, ao menos era o que ela acreditava que o estranho fosse incli­nou-se para olhar pela janela. Tinha cabelos negros que voavam com o vento noturno. Hermione não conseguia distinguir a cor dos olhos, mas reparou no brilho divertido que emanavam.


— Pare de buzinar — ele pareceu gritar, apontando a buzina e os próprios ouvidos.


Por um motivo desconhecido, Hermione obedeceu.


— Obrigado — ele agradeceu e sorriu, mostrando os dentes perfeitos.


Um mero sorriso podia ser tão poderoso quanto os olhos brilhantes e a aura encantadora dos traços masculinos. Hermione sentiu-se segura o suficiente para abrir a janela.


— Pelo jeito, você se meteu em uma enrascada — ele comentou. Hermione esticou o pescoço, na tentativa de avistar o homem barbudo.


— Você o matou? — perguntou, nervosa. Ele pareceu perplexo.


— Por que eu o mataria? Não a conheço. Sem ofensas, mas não quero ser preso por causa de uma mulher que nem sequer conheço.


— Você o deixou inconsciente? — ela insistiu.


— Alguém já lhe disse que é um tanto dramática? Ele me mandou voltar para meu carro. Como não estava disposto a discutir, eu o esmurrei logo de cara. Agora, o infeliz está cochilando no asfalto. Ele ficará bem. — O estranho fez uma pausa, antes de acrescentar: — Exceto pelo olho roxo que irá ganhar. Então, o que você faz aqui a essa hora da madrugada? Se não se importa de eu perguntar.


— Meu carro quebrou.


— Como assim, quebrou?


— Está sem gasolina.


Durante alguns segundos, ele considerou a questão e sorriu.


— Creio que é uma maneira de quebrar. Como posso ajudá-la?


— Bem... — Hermione ponderou as opções. — Por acaso, sabe onde estou?


— Você está a norte da costa. — Ele cerrou os lábios para conter a risada. — A costa da Flórida.


— Sei que estou na Flórida — Hermione replicou, indignada. — Só não sei se há algum vilarejo nessa região, onde poderei comprar gasolina.


— Sou apenas um turista. Logo, não conheço bem a região. Mas gosto de explorar novos lugares. Posso lhe dar uma carona até um posto de gasolina, se quiser.


— Não creio que seja uma boa idéia. Eu deveria me virar sozinha, — No entanto, existia uma grande diferença entre deveria e poderia.


— Tanto faz — ele resmungou. — Não está em uma rodovia movimentada, então, ficará um bom tempo aqui até aparecer ajuda. Mantenha as portas trancadas e não deixe esse infeliz molestá-la quando acordar. Prazer em conhecê-la.


— Espere! — Hermione berrou e abriu mais a janela do carro.


— Eu aceito sua oferta, se não for incômodo.


— Por mim, tudo bem. — Ele enfiou a mão pela estreita abertura da janela. — Meu nome é Harry.


— Sou Hermione. — Hesitante, ela o cumprimentou. — Como vai?


Dessa vez, Harru riu.


— Como você vai? Alguém já lhe disse que é parecida com Grace Kelly? Tem a mesma voz também. E é muito educada.


— Isso é bom?


— Se gosta de Grace Kelly, é. Eu a adorava. — Harry recuou, levando as mãos aos bolsos da calça jeans. — Não quero as­sustá-la, mas precisa sair deste carro para ir buscar gasolina.


— Talvez seja melhor esperá-lo, enquanto você vai pegar a gasolina.


Harry suspirou e pegou a carteira no bolso detrás da calça. Abriu-a para que Hermione visse sua velha insígnia policial. Por ter se aposentado, aquela atitude era ilegal. Mas o fato não o impedia de repetir a façanha quantas vezes fossem necessárias.


— Não podia sentir-se mais segura, senhora. Sou um oficial da lei. Jurei servir e proteger os cidadãos da Califórnia quando em serviço. Não faria nenhuma maldade com os cidadãos da Flórida. Podemos ir? Os mosquitos estão me devorando.


Era a primeira vez que Hermione travava relações com um po­licial de verdade. Os seguranças muito bem alinhados que Adam contratava eram gentis, mas dificilmente assemelhavam-se a veteranos das ruas. No mesmo momento, sua imaginação fértil começou a engendrar as situações perigosas que Harry devia enfrentar no cumprimento do dever. Que emocionante.


— Você atira nas pessoas?


-- Só nas pessoas más que atiram em mim primeiro — ele respondeu, sério.


— Onde guarda sua arma?


Harry quase se entregou. Fitou os tênis antes de responder.


—Estou de férias. Além disso, o cinturão de couro não combina com esta camiseta. Mais alguma pergunta?


— Por enquanto, não. — Hermione apagou luz interna do carro e destrancou a porta. — Muito obrigada pela ajuda.


— Espere um minuto. — Se ela saísse do carro, iria pisar na barriga do barbudo inconsciente. Harry segurou-o pelos bra­ços e o arrastou para longe do Porsche. — Certo, princesa. Sua carruagem a espera.


Princesa, Hermione sorriu consigo mesma. Aquela aventura fi­cava cada vez melhor. Não poderia ter imaginado um herói tão perfeito quanto Harry. Ele emanava a autoridade de um oficial da lei. Havia lutado por ela. Era charmoso e absoluta­mente lindo. A tensão nervosa foi aos poucos sendo substituída por um inesperado excitamento.


Ao sair do carro, Hermione espiou o homem de camiseta surrada, que parecia dormir como um anjo.


— Vai reportar isso? — perguntou a Harry.


— Tão logo seja possível — ele respondeu, pensando no pobre Adam Granger.


Enquanto seguia Hermione até carro, Harry discretamente pegou o celular e descobriu que a bateria havia acabado. Teria de usar um telefone público para comunicar-se com Adam, assim que pudesse.


— É parte do trabalho, princesa — murmurou.




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