The Day Before Yesterday
– Acorda, Harry! É hoje! – Rony começou a pular na cama do amigo como uma criança de cinco anos – É hoje! É hoje! É hoje!
Harry esfregou os olhos e tateou na cômoda a procura dos óculos. Sacudido pelo subir e descer do colchão por conta dos pulos do ruivo Weasley, ele se viu obrigado a sentar-se, o que não significava obrigatoriamente que estivesse acordado.
– Mmmmm... Que que tem hoje, Ron?... – falou em meio a um bocejo.
– Ah, Harry! Não vai dizer que esqueceu! Hoje tem visita a Hogsmeade! Visita a Hogsmeade, lembra?! E tem promoção na Madame Malkins, se a gente chegar a tempo eu posso ajeitar aquela ‘roupa rigorosa’ horrível!...
– Ahn... não quer dizer ‘traje a rigor’?
– Ih, é, tanto faz... Mas eu não vou precisar ir no baile vestido feito uma boneca fricotada! Não vou, u-hu, não vou, u-hu... – ele começou a rebolar e balançar os braços como se estivesse remando a cada “u-hu”.
– Rony, eu acho que você esqueceu seu juízo debaixo do travesseiro.
– Ah, Harry! Deixa de enrolar e vamos logo!
Nem bem Harry se levantou, Rony já alcançara a saída do dormitório.
– Ô Rony, espera...
– Que foi? – disse abrindo a porta.
– É melhor trocar de roupa primeiro.
Harry apontou para o pijama de bolinhas em que Rony estava vestido.
...
A Sala Comunal da Grifinória parecia possuir tons de vermelho e dourado ainda mais vivos que o costume, contrastando com a neve do lado de fora das janelas; os assentos perto da lareira raramente pareceram tão acolhedores. Hermione já estava sentada ali há um tempo considerável, rabiscando num pergaminho. Descendo aos saltos pela escadaria, com a gola do suéter ainda presa na cabeça e lhe cobrindo o nariz e Harry vindo logo atrás, Rony perguntou-se se, mesmo naquela manhã de inverno que prenunciava férias, ela estaria ocupada com alguma tarefa extra. Mudou de idéia quando percebeu que o grupo de alunos nas outras poltronas não estava conversando entre si, mas sim ditando coisas para Hermione escrever.
– E não esquece da cerveja amanteigada, hein?
– Minha avó pediu sapos de chocolate de natal, será que se encontra caixa com mais de um?
– Eu quero uma xícara que morde.
– 3 salamandras de pimenta, 1 pacote de lesmas gelatinosas, groselha efervescente...
– Me trás uma caixa de pirulitos ácidos!
Aproximaram-se de Hermione para ver melhor sua “pequena lista”, que por muito pouco não se arrastava no chão. Ela voltou-se para eles assim que os percebeu fitando-a de detrás da poltrona.
– Bom dia, Harry. Olá, Rony.
– Bom dia, Hermione. – disse Harry, num bocejo sorridente.
– Oi Hermione. Madrugou hoje, hein? Pelo céu ainda são umas cinco da manhã... Tá fazendo o que? Que pergaminho é esse? Escreveu o que aí? – exclamou um Rony saltitante e feliz.
– Bem, respondendo por ordem: Está meio escuro, sim, mas já são nove e meia. Como pode ver estou escrevendo, isso aqui é umas das nossas listas de compras – ela falou “nossas” referindo-se aos outros em redor – e estou enumerando os itens que vamos procurar e os lugares onde achá-los.
– Ah, tá... Pera aí, você disse NOVE E MEIA?!
– Disse. E você, Harry, vai querer o que? – Hermione falou sem parar de escrever.
– Ahn, depende, eu ainda nem sei o que vou...
– Uma caixa de feijõezinhos de todos os sabores pra mim! – Rony sentou-se no braço da poltrona de Hermione com estardalhaço, fazendo com que a garota enfiasse a pena no pergaminho produzindo um furo manchado de tinta.
– RONY!
– Ih, foi mal...
– Tá, deixa pra lá. – Hermione dirigiu a atenção novamente para o papel – Certo, então vamos ter que ir na Dedosdemel, no Caldeirão Furado...
– Só não esquece da Zonkos, todas as nossas coisas são de lá. – Fred apontou para uns quatro itens acima da mancha furada.
– E já que a gente abriu mão de ir pra poder preparar uma “agradável surpresinha” para o Percy – George entregou à Hermione um saquinho cheio de moedas – não deixe nosso irmãozinho tocar nisso, hein? Eu vou querer meu troco de volta.
– Ei! – Exclamou Rony, com uma careta de indignado.
...
O percurso até o Salão Principal para o café-da-manhã foi conturbado. Estudantes, professores e um Filch resmungão passavam ávidos feito formiguinhas de mudança num formigueiro. Todos os alunos das quatro casas pareciam ter decidido acordar exatamente ao mesmo tempo e, junto aos convidados de Beauxbatons e Durmstrang, atrapalhavam o fluxo normal de pessoas pelos corredores. Pirraça divertia-se às gargalhadas flutuando acima das cabeças dos demais e soltando pergaminhos picados como uma chuva de confetes. Perderam Neville de vista quando ele esbarrou numa garota de trança; naquele ritmo provavelmente não o veriam de novo até o Salão, mas ainda foram capazes de ouvir um “D-desculpe” gaguejado depois de um irritadiço “Ôo, olha por onde anda!”. Simas foi arrastado pela multidão nas escadarias e acabou entrando no banheiro feminino. Já Hermione esbarrou em uma garota loira usando brincos de rabanetes (que caminhava por entre os colegas aos pulinhos como se quisesse voar)...
– Ui! Ah, oi...
– Olá. Como vão?
– Hum... bem ...bem atrapalhados. – Rony resmungou – Como a gente sai do meio dessa baderna?
– Ah, claro. Venham por aqui.
Ao final das contas esbarrar em Lovegood foi dos males o menor já que ela os ajudou a encontrar brechas entre as pessoas, por onde puderam passar.
Algum tempo depois, já sentados e melhor acomodados à mesa da Grifinória, o desjejum foi relativamente mais tranqüilo. Harry virou-se para trás bem a tempo de ver uma adolescente de traços orientais adentrar o Salão e dirigir-se a mesa da própria Casa, junto de mais três garotas. Sorriu ao olhar para ela; era a primeira vez que via Cho Chang quase tão descabelada quanto ele próprio. Fred e Jorge chegaram mais ou menos nessa hora e sentaram-se à frente do adorável grupinho que haviam batizado de ‘Trio Ternura’.
– Vfou mandjar tirar aquelhes babfados ridíhculhos e incurtxar a gohla du térnho...
– Rony, sabia que seria bem mais fácil entender o que você diz se você não falasse de boca cheia... aliás, de boca entupida?!
Harry pôs a mão frente à boca para controlar o riso depois de ouvir a frase de Hermione. Já diferente dele, os gêmeos Weasley riram até ficarem sem ar. Rony apenas resmungou um “Haha, muintxo engraçxadu” e continuou comendo feito um porco. Ia ser preciso muito mais do que aquilo para estragar seu bom humor hiperativo.
– Oi gente, bom dia!
*FLASH*
Eles se viraram para identificar o colega que falara, e quase ficaram cegos por conta da luz forte que bateu de encontro às suas retinas.
– Bom dia, Collin...
O garoto do terceiro ano retirou a foto instantânea da máquina fotográfica e a guardou. Hermione agora esfregava freneticamente a manga do uniforme nos olhos, tentando livra-los do efeito do flash, enquanto Fred e George erguiam os braços em posição de morto-vivo e os balançavam aleatoriamente para os lados sorrindo e brincando como se realmente não estivessem enxergando nada.
– Fred, cadê você?
– Em Hogwarts, e você?
– Num lugar cheio de bolinhas roxas flutuando no ar...
– Ih, então você tá do meu lado!
Todos ao redor daquele canto da mesa riram.
– Nossa! – Collin olhou admirado para Rony, que desistira de tomar o restante do mingau de aveia com a colher por causa da vista turva temporária e agora lambia a tigela como se a língua fosse uma pá – Tenho que tirar uma foto disso!
– COLLIN, NÃO! – Harry jogou-se na frente da câmera.
*FLASH*
– Uh, legal! Não sabia que suas amídalas eram tão grandes, Harry! E tem uma obturação gigante no molar!!
Collin pegou a nova foto e passou para os outros verem. Nela aparecia apenas um grande close de uma boca aberta com a língua se movendo. Harry ficou vermelho como um tomate.
– E eu que achava que a Rita Skeeter era insuperável em matéria de foto constrangedora... – ele murmurou para si mesmo, e por sorte mais ninguém ouviu.
Simas enfim os encontrou na mesa, sentando-se à esquerda de Fred e à direita de Gina. Por um instante Harry perguntou-se o porquê de ele aparentemente estar tentando se esconder dentro da camisa do uniforme, mas logo viu o motivo: o colega trazia estampado um imenso hematoma roxo próximo ao olho.
– Cara, o que é isso na sua cara?!
– Vão por mim, nem queiram saber...
– Sfe eu nhão shoubece qui essche anho nhão vai tcher quadrjibol, ia penshar qui um balaçcho tchi achertou. – disse Rony, cuspindo respingos de comida durante a frase.
– Queria saber quem foi o idiota que disse que as mulheres são o sexo frágil...
Hermione e Gina deram risinhos abafados.
...
---15:35hs---
– Bem, acho que já estamos prontos.
– E aí, Harry, você trouxe a sua capa?
– Não, ficou lá no dormitório.
– Por que ele precisa dela, Rony?
– Ah, sei lá... talvez porque tá frio?!
– Ah, a capa de inverno...
– A gente pensou que você tava falando da Capa de Invisibilidade...
– Mas e aí, trouxe? Não to a fim de emprestar a minha e congelar.
– Trouxe, tá aqui. – disse Harry, mostrando a veste negra que tinha dobrada em mãos.
Estava na hora. Os portões de Hogwarts foram abertos e Filch, a contragosto, liberou os alunos.
Hogsmeade não estava muito menos abarrotada de gente que Hogwarts. O cenário branco, agora carregado de alunos trajando capas escuras, lembrou a Harry uma grande taça de sorvete de flocos enquanto, juntamente a Rony e Hermione, ele ia abrindo passagem por entre a multidão. A primeira parada seria o Três Vassouras.
– Harry! Gente! Aqui, ó! Aqui!
Estava quente lá dentro se comparado ao lado de fora, mas apenas Hermione decidiu tirar a capa do uniforme escolar. Vários estudantes aglomeravam-se nas mesas conversando de forma alta e animada, e demorou um pouco até os recém-chegados avistarem Neville Longbotton aos fundos do estabelecimento.
A mesa de Neville não estava vazia; havia quatro pessoas sentadas além dele, e o trio teve de tirar cadeiras de outra mesa para poderem sentar-se também. Um garoto cujo pescoço e o rosto estavam enrolados num cachecol azul e bronze da Corvinal parecia entretido folheando um exemplar de O Profeta Diário, sentado à esquerda de Longbotton e à direita de outros dois estudantes de capa. Lino Jordan bebia calmamente uma caneca tamanho gigante de cerveja amanteigada, balançando as pernas como pêndulos de relógio por baixo da mesa; era até estranho vê-lo sem portar o megafone de quadribol, mesmo sabendo que, por conta do Torneio Tribruxo, não haveria quadribol naquele ano. Harry arrodeou a mesa tentando ver melhor o que dizia o jornal nas mãos do garoto corvinalino; uma pequena tabela na página à vista indicava nomes de bruxos e bruxas recém promovidos a cargos no Ministério da Magia: Robert McNight, Apolo Blite, John Herman Horthren, Violet Shargrath e Dolores Jeanne Umbrigde. Na foto ao lado, um bruxo elegante de traços romanos apertava a mão do ministro Fudge. Harry inclinou-se para ver melhor, um pouco mais, um pouco mais...
– Ai!
Harry desequilibrara-se e batera na cadeira da garota sentada ao lado esquerdo de Neville – aliás, quase caíra sentado no colo dela.
– Hahaha, hoje é o dia de “Esbarre na Selene” e eu não sabia? – riu o garoto ao lado direito dela.
Ela respondeu ao deboche do colega com um olhar fulminante, e puxou o livro que dividiam para junto de si, continuando a ler sozinha.
– Desculpe, eu... erh... foi sem querer. – Harry recompôs-se e sentou na cadeira que Rony indicou a ele.
– Tome cuidado, Potter. – ela respondeu sem tirar os olhos do livro; nesse aspecto era bem parecida com Hermione.
– Como sabe o meu nome?
– Sua cicatriz. – ela fez um gesto apontando o dedo indicador para a própria testa.
Foi só então que ela levantara a cabeça o bastante para que Harry visse seu rosto. Era pálida como leite, de traços finos e graciosos e íris amareladas que lembravam olhos de gato; os cabelos eram de um negro lustroso e estavam presos numa trança-raiz que serpeava pelas costas dela até quase os quadris. Seria bonita, se não fosse pelo ar cheio de si que lhe impregnava a face.
– Oito cervejas amanteigadas e uma garrafa de chocolate quente cremoso pra viagem, por favor.
Harry sacudiu a cabeça discretamente e virou-se desconfortável na cadeira. Era como se a voz de Neville o tivesse despertado de algum transe hipnótico; nem havia visto Madame Rosmerta chegar. Bem, agora a via terminar de anotar o pedido do colega e voltar ao fundo do balcão rebolando os quadris, como sempre.
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