Do Enredo



Do Enredo


Enquanto eu digitava freneticamente, tentando reter na memória as palavras exatas, Draco analisava minha estante de livros. Harry havia tomado a liberdade de se esparramar na minha cama e agora olhava para o teto, pensativo.


-“Terminei!” – anunciei, empolgada.


-“E agora, vamos falar sobre o que?” – perguntou Harry, virando minimamente a cabeça para tentar me enxergar.


-“Como já falamos sobre os casais, eu pensei que seria bom discutirmos as maneiras de uni-los, ou seja, os enredos. E talvez ir além, já que um enredo é mais do que simplesmente um punhado de acontecimentos para fazer duas pessoas se apaixonarem.”


-“Acho que podemos pular essa parte dos casais.” – começou Harry – “Já falamos muito sobre eles.”


-“Eu já comentei que, para juntar Draco tanto à Hermione quanto à Gina, os enredos mais usados ou envolvem Draco ficando bonzinho, ou é um enredo que põem o casal escolhido em uma situação na qual eles não podem se evitar, como uma ilha deserta ou uma casa em comum?”


Os dois garotos concordaram com a cabeça, ao que eu prossegui:


-“Comentei que juntar Harry e Gina não exige tantos roteiro mirabolantes assim? Comentei que Rony e Hermione também não é tão difícil?”


-“Comentou e comentou.” – disse Harry – “A parte dos casais realmente está completa, Tarí. Temos que discutir agora outros elementos, como uma ação maior dos personagens, algo que realmente mova a história.”


Naquele momento, alguém bateu à porta.


-“Depressa, escondam-se no banheiro!” – eu disse aos garotos.


Essa é uma grande vantagem de ter uma suíte: poder esconder personagens imaginários de livros de fantasia com facilidade. No final das contas, era só meu pai anunciando que ele, minha mãe e meu irmão iriam dar um passeio. Ele obviamente me convidou para ir junto, mas, em virtude das circunstâncias, eu tive que recusar.


-“Tudo bem, vocês podem sair agora.”


Os dois voltaram para o quarto e sentaram-se em pontas opostas na cama. Uma vez acomodados, eu comecei:


-“Certo, vamos falar sobre os enredos, ou, como disse o Harry, o ‘algo’ que move a história. Quando pensamos na história original da saga ‘Harry Potter’, e essa vocês conhecem muito bem, o que nos vem à cabeça?”


-“Aventura.” – disse Harry – “Com um pouco de romance, é claro.”


-“Mas muito pouco.” – objetou Draco –“Eu diria que o suspense é uma característica forte.”


-“Vocês dois tem razão. Eu destacaria, contudo, mais a parte do suspense do que da aventura. Eu me lembro muito bem da primeira vez em que li ‘O Cálice de Fogo’, até porque foi o primeiro livro da série que eu li, e ficou muito marcada em mim a impressão daquele final. Com todo o mistério que envolve o livro, eu não pude deixa de pensar que era um enredo muito complexo e bem elaborado.”


-“Como são todos os livros da série.” – completou Harry.


-“Exato. Agora, a questão é: para ser uma fanfic boa, mais do que uma que faça sucesso, é preciso que o enredo seja complexo e bem elaborado?” – eu disse.


-“Depende da principal proposta da fic.” – começou Harry – “Se for uma fic de comédia, acho que o enredo não precisa ser muito complexo.”


-“Mas não pode ser bocó.” – argumentei – “Tem gente que acha que fazer comédia é escrever um monte de bobagens acumuladas, mas simplesmente não é assim.”


-“Um monte de bobagens acumuladas fazem sucesso.” – disse Draco, sério.


-“No fim das contas, os dois extremos fazem sucesso, tanto a comédia de bobagens, quanto os enredos sérios.” – eu tive que concordar.


-“O que você entende por um enredo sério?” – perguntou Harry.


-“Isso é um pouco estranho de definir.” – eu comecei, tentando caçar as palavras dentro da minha cabeça. – “Generalizando, um enredo sério seria aquele que não se trata de comédia nem prioriza a parte do romance.”


-“Então um enredo sério não pode conter algumas piadas? Na série original, havia várias passagens engraçadas.” – disse Harry.


-“De fato, mas ainda assim não são passagens engraçadas por serem compostas de bobagens, entende?” – eu comecei – “Vamos analisar um pouco da história das fanfics de Harry Potter. Pelo menos a parte que eu conheço. No início, os fãs escreviam essas histórias como uma forma de ‘adiantar’ os livros ainda não publicados. Era uma forma de teorizar e, ao mesmo tempo, usar um pouco da própria imaginação para completar a história. Aos poucos, paralelamente à essas fics, surgiram outras, como as de comédia e aquelas que incluem o próprio autor na história.”


-“Além das que criam universos alternativos.” – completou Harry.


-“Não podemos esquecer aquelas histórias criadas para unir os casais que os fãs achavam que deveriam ficar juntos, mas não ficaram.” – observou Draco.


-“Exato! E, à medida que os livros foram acabando, mais criatividade se tornou necessária para escrever uma boa fic.” – eu disse.


-“Eu discordo.” – começou Draco – “Criatividade sempre foi indispensável em uma fanfic. O que vem acontecendo ultimamente é uma queda nessa criatividade.”


-“Como assim? Você dois lêem fanfiction?” – eu me surpreendi.


-“Nós fazemos parte delas.” – explicou Draco. 


-“Exato.” – disse Harry – “Nós somos personagens, então, quando alguém escreve sobre a gente, nós estamos lá.”


-“Tudo o que os autores escrevem nós sabemos.” – completou Draco.


Eu não encontrei o que dizer, apenas fiquei encarando-os de boca aberta. Depois de pensar um pouco sobre o assunto, conclui que fazia muito sentido. O personagem é um só, mesmo que seja multiplamente utilizado, e por ser um só, sabe a respeito de tudo o que “fazem” com ele.


-“Espere um pouco aí! Então, como alguém já escreveu sobre isso, quer dizer que vocês dois já se beijaram?”


Os dois ficaram imediatamente vermelhos. Draco pulou de seu lugar na cama e foi até quase a porta do quarto, enquanto Harry balbuciava tentativas de negação. Naquele momento, contudo, a campainha tocou.


-“Eu vou ver quem é, não saiam daqui!” – ordenei, correndo em direção à sala.


Eu estava um pouco apreensiva quanto a deixá-los a sós no meu quarto, mas era necessário. Então, torcendo para que eles não iniciassem um duelo que potencialmente destruiria o apartamento inteiro, eu abri a porta da frente.


-“Olá! Eu estou procurando o Harry, ele está?” – disse uma garota ruiva.


Espere aí! Uma garota ruiva?


-“Gina Weasley?” – eu perguntei, incrédula.


-“Sim, sou eu. E esta é minha amiga, Hermione Granger.” – disse ela, e só então eu reparei em Hermione ao seu lado.


-“Eu sou Tarí, muito prazer.”


-“Nós sabemos, querida. Podemos entrar?” – disse Gina, com um tom levemente arrogante que me irritou.


-“É claro, entrem. Harry está lá dentro, no meu quarto.” – e eu notei uma veia saltar na têmpora de Gina quando eu disse ‘meu quarto’ – “Eu mostro o caminho.”


Quando chegamos, Harry estava em pé de costas para a porta, olhando através da janela. Draco, por sua vez, estava sentado ao computador, lendo o que eu já havia escrito.


-“Harry, tem alguém aqui que quer vê-lo!” – eu anunciei, entrando com as garotas.


O garoto virou-se e viu que Gina caminhava em sua direção a passos enérgicos. Hermione e eu ficamos paradas próximo ao armário, observando a cena.


-“Vem aqui, Harry!” – disse Gina, autoritária, puxando-o para fora do quarto.


-“Fiquem à vontade, a casa é sua!” – eu gritei, pouco depois que eles passaram pela porta.


-“Não ligue para a Gina, ela está um pouco estressada.” – disse Hermione, em tom de quem pede desculpas.


-“A Granger está aqui também?” – surpreendeu-se Draco.


-“Olá para você também, Malfoy.”


-“Certo, Draco, deixe-me aproveitar esse intervalo para escrever um pouco.” – eu pedi, ao que ele me cedeu o lugar em frente ao computador.


Enquanto escrevia, eu ia contando a Hermione o que nós três estivemos fazendo nas últimas duas horas, mais ou menos. Cerca de dez minutos depois, Harry e Gina voltaram. Gina, com a cara fechada, e Harry parecendo um cachorrinho com o rabo entre as pernas.


-“Muito bem, agora que estamos todos aqui, acho que deveríamos retomar o trabalho.” – eu disse, enquanto os quatro se acomodavam pelo quarto. – “O que vocês acham da utilização de violência nas fics?”


-“Eu acho que funciona.” – disse Draco, sorrindo com o canto da boca.


-“Só se for bem escrita.” - comentou Hermione.


-“É tudo uma questão de senso de oportunidade.” – eu comecei – “Violência gratuita, em todas as páginas da fic, estraga a história. Se forem passagens ocasionais, bem colocadas, fica interessante. Mas vale destacar que não é só de violência que vivem as boas fics, às vezes, um bom mistério vale muito mais do que um punhado de cabeças cortadas.”


-“Concordo. Se bem que, na verdade, é tudo uma questão de opinião. Há pessoas que gostam de histórias violentas, outras que só lêem romances água com açúcar.” – disse Hermione.


-“Mas não há como negar que as fics de violência atrem mais leitores.” – comentou Draco.


-“Bem, baseado no que nós falamos até agora, o que podemos concluir é que as fanfics que fazem mais sucesso são aquelas que misturam os casais mais improváveis à um punhado de violência. Isso generalizando bastante, é claro. O ponto em que eu quero chegar, contudo, é que a maioria dessas fics implica a mudança de características psicológicas das personagens.” – eu disse.


-“De fato.” – começou Harry. – “Mas há algum problema nisso?”


-“Não é exatamente um problema, é mais uma dúvida que me surgiu. Vocês me disseram que as personagens são únicas, mas que podem ser usadas por diferentes autores, correto?”


Os quatro concordaram com a cabeça, ao que eu continuei:


-“Já que é assim, por que os autores têm tanta liberdade em mudar as características psicológicas de vocês?”


Hermione aprumou-se para responder:


-“Essa é uma ótima pergunta. Veja, Tarí, as personagens são como o autor as criou, nesse caso, como a J. K. Rowling nos criou. Você, como autora de fanfictions, não pode mudá-las no físico, senão as descaracterizaria . Características psicológicas podem ser mudadas, desde que sejam justificadas, mas não o físico. Você não pode, por exemplo, mudar os olhos de Harry de verdes para azuis.”


-“A Warner pode.” – eu disse, ao que todos riam, exceto Hermione.


Ops, acho melhor eu virar para o computador e escrever, já que Hermione está me lançando um olhar ameaçador de dar medo.


-“Bom, esta é somente a sua opinião, Mione,” – objetou Gina – “Por que, por exemplo, se a Tarí quiser escrever uma história em que o Harry fica obeso de tanto comer chocolate, ela pode.”


-“Vocês querem parar de me usar como exemplo?” – protestou Harry.


-“Ok, Gina, nesse ponto eu concordo com você.” – admitiu Hermione – “Eu só não entendo como alguém pode escrever uma história imaginando que eu possa me apaixonar por alguém como ele!” – nisso, ela apontou para Draco.


-“Eu sei como você se sente, fazem isso comigo também.” – disse Gina.


-“Experimente passar algumas semanas comigo em uma ilha deserta e você vai entender.” – disse Draco, voltando-se para Hermione e esforçando-se para demonstrar todo o seu charme.


Hermione fuzilou-o com o olhar:


-“Você não sobreviveria um único dia, Malfoy.”


Sentindo a atmosfera ficar tensa, tentei desconversar, mas não consegui fugir do assunto:


-“E você seria capaz de se apaixonar pela Hermione? Logo a nascida trouxa que você sempre desprezou?”


-“E nós não estamos falando sobre mudanças psicológicas?”


Ok, eu admito, dessa vez ele me venceu.


-“Certo, certo, mas não vamos entrar no assunto dos shippers novamente.” – eu disse, querendo concluir o assunto. – “No final das contas, todas as características podem ser mudadas. A questão é que história fica muito melhor se essas mudanças forem bem justificadas, tanto as físicas quanto as psicológicas.”


-“E é claro que histórias em que as características originais das personagens são mantidas também têm seu valor.” – disse Harry.


-“Vocês conhecem aquelas histórias adaptadas de livros ou filmes?” – eu perguntei.


Os quatro confirmaram, ao que eu continuei:


-“Vocês acham que elas são criativas?”


-“Eu acho.” – começou Gina – “Pelo fato de que o autor tem que encontrar o papel certo para encaixar cada personagem, as adaptações são criativas sim.”


-“Eu discordo. Quando um ficwriter adapta as personagens do universo Harry Potter à uma história já criada, ele não está usando nem um décimo de criatividade, já que está tudo pronto mesmo.” – eu argumentei.


-“Mais uma vez, é tudo uma questão de opinião.” – comentou Harry.


-“E quanto às histórias de sexo?” – eu perguntei.


-“Depende do que você está falando. As histórias boas que contém sexo, ou aquelas que nem ao menos possuem um enredo propriamente dito, que não passam de um monte de cenas de sacanagem em seqüência?” – perguntou Draco.


-“Estou falando das duas.”


-“Bom, no primeiro caso, o sexo não passa de um atrativo a mais.” – disse Draco.


-“No segundo caso, a fic fica mais parecida com um folheto pornográfico de quinta categoria.” – completou Hermione.


-“Sem comentários.” – disse Gina.


-“Então, próximo capitulo!” – eu declarei.


 


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Comentários (5)

  • Juh_Lynch

    Adorei, acho que tudo é uma questão de opinião, eu por exemplo, fiz uma fic chamada "Rebelde da Rádio". De igual ao filme produzido pela disney, minha história não tem quase nada, somente o nome e o fato da rebelde estar escondida. Então, as vezes nós podemos somente botar o título de um filme ou livro, mas não fazer uma história igual. Acho que isso é uma quastão de gosto. Se alguém quiser fazer uma fic, praticamente igual a um filme ou livro faz, mesmo achando que não tem muita criatividade. Quando eu boto o nome igual á outra coisa já produzida, eu uso o meu máximo de criatividade. realmente adorei o capítulo e curiosa pro próximo. 

    2013-02-04
  • MiSyroff

    Coitados mesmo, tenho que concordar com a Lai... Se eles vivessem em cada fic, oh god!

    2012-11-17
  • Lana Silva

    kkkkkkkkkkkkkk Nossa falando sobre NC eu já não gosto muito de escrever, e quando escrevo não é algo pesado nem que se encaixe na fic. E também nada tão forte, fico com vergonha kkkkkk. Agora tem muitos enredos por ai que são totalmente sem noção, umas ficas as pessoas se conhecem, no dia seguinte já estão vivendo uma linda historia de amor, é uma mistura bem diferente e não me agrada muito essa mudança desproporcional :/

    2012-04-12
  • Lai Prince Slytherin

    -“Exato.” – disse Harry – “Nós somos personagens, então, quando alguém escreve sobre a gente, nós estamos lá.”  coitado dele se soubesse o que faço com ele na minha fic. pra falar a verdade, coitado porra nenhuma, ele faz é muito sucesso na minha fic EAHUAEUAEHUAEH

    2011-10-25
  • Déia Santos

    Questão de Enredo é complicado. Eu costumo usar de tudo um pouco e apenas citar a relação sexual, não descreve-la descaradamente. Ainda assim, minhas fics não fazem sucesso! buáááá heuheuehueueh

    2011-07-31
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