Da escrita

Da escrita

Congeladas no corredor, Hermione e eu olhamos fixamente para frente. Eu inconscientemente agarrei seu braço esquerdo, enquanto ela puxava a varinha do bolso direito. Embolados, Harry, Draco, Gina e Rony surgiram correndo da porta do quarto às nossas costas.

-“O que foi? Vocês estão bem?” – Harry se adiantou, com a varinha em punho.

-“Estamos bem. Foi alguma coisa na cozinha.” – disse Hermione. – “Ai, Tarí, larga meu braço!”

-“Ops, desculpe!”

-“Vamos logo ver o que há lá.” – disse Draco, dando um passo à frente.

-“Isso, vão indo vocês na frente enquanto eu espero aqui.” – eu comecei, ao que os cinco me lançaram um olhar torto.

 –“Sabe como é, vocês tem varinhas, e magia, e tudo.” – justifiquei.

Harry adiantou-se e foi na frente, caminhando com cautela. Antes que eu pudesse entrar na cozinha para ver o que estava acontecendo, ouvi a risada alegre do garoto.

-“O que foi?” – entramos todos na cozinha e nos deparamos com cacos de pratos e copos por todo o chão. Dobby, o elfo doméstico, havia aterrisado de mau jeito sobre o escorredor e derrubado tudo.

-“Dobby, vocês está vivo?” – eu me espantei.

-“Dobby é um personagem, senhorita. Dobby vive na imaginação de todos, para sempre.” – respondeu a criaturinha, fazendo uma reverência.

-“Ah, mas isso é ótimo! Mas se você está vivo, então quer dizer que Vol...”

-“Tarí, não!” – Gina, Rony e Draco quase me derrubaram ao correrem para me impedir de pronunciar aquele nome.

-“Se você o chamar, pode ser que ele apareça.” – disse Gina, visivelmente assustada.

-“Melhor não arriscar.” – concluiu Rony.

-“Está certo, me desculpem.” – fiquei sem-graça. – “Mas Dobby, por que você veio?”

-“Dobby soube que Harry Potter e seus amigos estavam aqui, senhorita, então Dobby veio ajudar.”

-“Obrigada, Dobby.” – Harry sorriu.

-“Perdoe Dobby pela bagunça, senhorita.” – o elfo lançou um olhar aos cacos que tomavam o chão da cozinha.

-“Ah, tudo bem.” – eu tentei soar convincente, mas acho que não tive muito sucesso. Limpar aquilo tudo ia dar um trabalhão!

-“Eu resolvo isso.” - Hermione ergueu a varinha e habilmente limpou a bagunça, restaurando os pratos e copos quebrados.

-“Uau, Hermione! Valeu!” – eu respirei aliviada. Bom demais ter visitas bruxas em casa.

 Em seguida, enquanto Harry e Rony conversavam animadamente com Dobby, Hermione e Gina e ajudaram a arrumar um bom lanche para todos. Minha mãe havia feito um bolo de chocolate mais cedo.

Então nós voltamos às fanfictions. Como o espaço do meu quarto já estava ficando bastante limitado, levamos o laptop para a mesa da sala e nos instalamos à volta dele, cada um com seu prato de bolo nas mãos.

-“Acho que agora deveríamos falar sobre o que é mais essencial em uma fanfic, a escrita.” – eu comecei. – “Toda história é feita a partir de uma combinação de palavras e símbolos, ou seja, pontuação.”

-“E tudo deve ser bem organizado para que fique sem erros.” – completou Hermione.

-“Só que isso é um pouco complicado. Os autores de fics não são um grupo de professores de português para acertar tudo sempre.” – observou Rony.

-“Realmente não são, e errar algumas coisas é normal, mas tem alguns erros que doem no coração de tão terríveis.” – eu disse.

-“Muitas vezes o que condena uma fanfic são justamente os erros terríveis de português que ela contém. Algumas são impossíveis de ler por causa disso.” – disse Gina.

-“E não é só isso,” – comecei – “Falta de coesão e coerência na história atrapalha muita coisa. Sem contar quando a pessoa escreve de uma forma que o leitor não consegue nem entender qual personagem está dizendo qual fala, ou aquelas narrativas que misturam primeira com terceira pessoa, sem uma clara explicação do por que dessa mudança.”

-“Eu ainda acho que a pessoa não pode fazer muita mais do que se esforçar.” – Rony falou de boca cheia.

- “Sim e não, Rony. Para a maioria dos ficwrites, escrever é um exercício. Quanto mais você pratica, mais você aprende. O importante é se esforçar para fazer o seu melhor, quanto a isso não há dúvidas. Mas você pode fazer mais do que só se esforçar.”

-“Comfo asfim?” – havia tanto bolo na boca de Rony que entender o que ele estava falando tornou-se quase um desafio.

-“Caso você tenha dificuldade com a gramática, peça a um amigo para revisar seus textos. Um segundo olhar sempre ajuda mais do que o somente o corretor do Word.” 

-“Concordo com você, Tarí. Além de que, um segundo olhar pode ajudar a apontar falhas de enredo, entre outros problemas.” – disse Hermione.

-“Aí fica muito mais fácil!” – concordou Rony, finalmente engolindo o bolo e falando como uma pessoa normal.

Enquanto todos estavam de boca cheia comendo o bolo – não sei como vou explicar o fato de ele ter acabado quando meus pais voltarem, mas esse é um problema para depois – eu digitava. Draco esgueirou-se por trás e leu o texto por cima do meu ombro.

-“Pára de me dedurar, Tarí!”

-“Mas é o que você está fazendo, está lendo por cima do meu ombro.”

Draco fechou a cara e decidiu mudar de assunto:

-“Engraçado, você está escrevendo tudo o que acontece aqui no passado. Já vi muitas fanfics em que as pessoas escrevem no presentes.”

-“Ah, isso tem mesmo!” – concordou Gina. – “Morro de agonia dessas histórias. ‘Gina anda até a porta, abre a porta e vê Harry. Então Gina fala...’ É muito chato de ler isso.”

-“Eu não acho.” – disse Harry, mas ao ver o olhar fulminante que a namorada lhe lançava, encolheu os ombros. – “É, pensando bem, é meio chato mesmo...”

-“Eu também não gosto. Se você olhar os livros originais da saga Harry Potter, verá que então todos escritos no passado. Eu não tenho conhecimento suficiente para dizer se é errado ou não escrever no presente, mas o texto fica parecendo um roteiro.”

-“Um roteiro, Tarí?”

-“É, Rony. Roteiros têm uma formatação própria, diferente dos romances e outros textos, e são escritos no presente.”

-“Por exemplo: ‘Rony solta o garfo e fala’.” – disse Hermione, de forma didática.

-“Que tal: ‘Rony vai até a cozinha e se serve de um segundo pedaço de bolo’?” – disse o garoto.

-“Vai lá Rony, fique à vontade.” – eu respondi, já desistindo da idéia de fazer sobrar pelo menos um pedacinho. Rony levantou-se feliz e saiu da sala.

-“Outra coisa que os autores precisam observar ao escrever é o modo de falar de cada personagem.” – disse Hermione.

-“Ih, mas isso é difícil...” – eu comecei. – “A não ser que o personagem tenha um modo de falar bem característico, tipo o Dobby.”

O elfo doméstico ergueu os olhões pra mim e eu me vi refletida neles como se fossem dois grandes espelhos redondos.

-“Dobby pode ajudar com alguma coisa, senhorita?”

-“Já ajudou.” – eu sorri para ele antes de continuar. – “O jeito de falar do Dobby é único, bem mais fácil de seguir fielmente ao escrever.”

-“Mas cada um de nós tem um jeito único de falar.” – objetou Hermione.

-“Isso é verdade, mas é como eu disse, é muito difícil.”

-“Ah não ser que o autor invente que você de repente fala gírias o tempo todo, Mione. Coisas como ‘meu’, ‘cara’, ‘mano’. – argumentou Gina.

-“Isso se enquadra nas mudanças que nós já discutimos.” – interveio Harry.

-“Sim. E se um autor quiser inventar que a Hermione gosta de falar ‘meu’ e essas coisas, tudo bem. Fora isso, não é fácil seguir o jeito dela de falar que está na história original. É até arriscado tentar, porque o jeito dela de ‘sabe-tudo’ pode acabar ficando exagerado. – eu completei.

-“Ok, já entendi, agora vocês poderiam parar de me usar como exemplo.” – disse Hermione, levemente indignada.

-“Está vendo como eu me sinto?” – comentou Harry, com um prazer sarcástico na voz.

-“O que eu perdi?” – Rony chegou com um pedação de bolo de chocolate no prato. – “Já mudaram de assunto?”

-“Ainda não. Acho que precisamos de uma pausa agora.”

-“Opa! Então eu posso dar uma twitada, Tarí?” – pediu Rony.

-“Não era um Orkut que você tinha feito?”

-“Fiz um twitter também. Não conhece? Eu te mostro..”

Enquanto Rony tomava conta do laptop, Harry levantou-se e ligou a televisão. Dobby sentou-se ao lado do garoto no sofá e ficou balançando os pezinhos minúsculos. Gina puxou algum assunto com Hermione e Draco continuou parado, de braços cruzados, observando tudo. 

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