Visão



Ela acordou ouvindo vozes, sua mãe parecia estar ali, mas não tinha certeza, de um estranho modo ela se sentia entorpecida. Também não estava muito certa de onde estava e como tinha chegado ali, a única coisa que sabia era que sua cabeça doía muito e seus olhos ainda mais.
- Não é possível! –ela ouviu sua mãe espernear- Não! Não! Não!
Estranho, a voz de sua mãe parecia desesperada. Sentou-se e o barulho cessou-se imediatamente.
- Gina?
Ela não respondeu, sua voz não saía.
- Ok, meu bebê. Fique tranqüila...
Não entendia porque sua mãe estava lhe tratando como uma criança, já tinha percebido que estava machucada, mas também não era pra tanto.
Enxergava as coisas meio embaçadas, mas conseguiu ver que a enfermeira lhe oferecia uma xícara, pegou e tomou o conteúdo, o gosto não era bom, mas sua cabeça parou de doer quase instantaneamente. Com a cabeça em paz ela pôde entender a situação, lembrou-se da sala em chamas e que algo caíra em sua cabeça.
- Acho que perdi a festa –disse num fiasco de voz, sorrindo fracamente.
Sua mãe estava com os olhos cheios d’água, não sabia se era de alívio ou angústia.
- Como se sente, Srta. Weasley?
- Bem, eu acho. Talvez um pouco cansada, com os músculos numa estranha anestesia.
- É melhor do que o esperado. Ouça, um candelabro de 30 kg caiu em cima de você no incêndio, você podia estar morta. Mas você está aqui... seu rosto está perfeito –completou ele ao ver que ela tateava seu rosto a procura de deformidades- nós já o reconstituímos, e isso foi bem difícil. Mas o que quero dizer é que todo aquele peso e todo aquele fogo lhe afetaram internamente, sabe?
- Como assim?
- Nós fizemos tudo o que foi possível: lhe devolvemos a aparência (não, você não chegou linda aqui), lhe restauramos os ossos, os órgãos e agora a consciência, mas... algo pode ter sido afetado de uma maneira que nós não sabemos... ainda.
- Doutor, o que exatamente vai acontecer comigo?
- Era esse o ponto que eu queria chegar. Nós não sabemos o que pode acontecer ou se até mesmo vai acontecer algo. Só o que quero dizer é que há a possibilidade de haver alguma seqüela no seu organismo, e caso haja nós vamos querer saber, então...
- Então...?
- Nós lhe daremos alta caso a Srta. concorde em voltar aqui uma vez por semana para fazer alguns exames.
Gina concordou com a cabeça e olhou para sua mãe, era por isso que ela fizera tanto protesto?
- Não é tão simples assim, mocinha –esbravejou a rechonchuda, adivinhando os pensamentos da filha. Se você tiver que vir aqui de tempo em tempo você não será aceita...
Ela ficou olhando para a mãe por alguns segundos sem entender o ela queria lhe falar, até que a verdade lhe atingiu como um choque: se tivesse que vir periodicamente até o hospital não poderia ingressar em um determinado setor da Ordem.
Gina olhou para o médico implorando com o olhar que retirasse a condição, mas ele foi impassível.
- Bom, de qualquer modo você não precisa decidir hoje, só ganhará alta amanhã à tarde. Agora vamos Sra. Weasley, a paciente está agitada demais e precisa descansar.
A Sra. Weasley não protestou, só abriu a bolsa e tirou uma carta.
- Chegou pra você na madrugada do dia do incêndio.
A carta ficou parada no colo da garota por muito tempo depois que sua mãe saiu. Uma carta não era importante, sua saída dali sim, isso era. Seus olhos então pousaram no calendário na parede, já estavam em julho! Duas semanas haviam se passado desde o incêndio.
Acomodou-se na cama com os olhos fechados, não conseguia dormir, nem tampouco queria, mas sentia-se feliz apensa por não estar com parte alguma do corpo doendo. Como queria que Harry estivesse ali...
Harry! A carta devia ser dele, afinal, é claro que ele lhe escreveria no dia de sua formatura. Ao abrir a felicidade inicial se dissipou.
“Querida Gina,
Fico feliz por estar se formando hoje (anotei a data no calendário para que não esquecesse). Sei que você deve estar louca para vir para cá, ninguém mais que eu deseja isso, mas, sinceramente, gostaria que você não viesse. Eu sei, pareceu meio contraditório... é difícil explicar, mas já faz algum tempo que eu me sinto cada vez menos ligado a você. Não pense que eu não te amo, por favor, eu nunca diria isso, mas é que tenho me desligado de muitas coisas, entende?
Sinto muito, mas eu não consegui fazer o que você me pediu, não tenho sido muito otimista. Sonho constantemente com uma batalha em que no final eu sempre morro. Não brigue comigo, mas o fato é que a qualquer tempo Voldemort e eu podemos nos encontrar, e não sou tão confiante assim para dizer com certeza que sairei vivo dessa.
Não lhe escrevi antes porque estaria sendo egoísta, sei que você não aproveitaria a sua festa como deve, por isso esperei até hoje para lhe dizer: acabou. Eu sei que você não concorda com o que estou fazendo por vários motivos, mas isso já não está ao seu alcance de contestar. Você provavelmente vai chegar tarde da festa e vai ver a carta, mas por estar cansada só a lerá pela manhã... espero que me perdoe por te dar um péssimo ultimo momento em Hogwarts, mas eu não pude esperar mais. Me sinto culpado toda vez que penso o tanto de tempo que você pode estar desperdiçando comigo em vão. É triste dizer, mas entrei para o bando de gente que não confia muito em mim.
Eu sei que posso estar destruindo um ou mais sonhos seus, mas acredite, isso me machuca muito mais em mim que em você, e isso não é um clichê para se terminar relacionamentos. Eu te amo muito. Lamento por você não acreditar muito nisso agora, e por ter que fazer tudo isso por carta, deixando tudo tão confuso entre nós. Pena que não posso passar para as palavras toda a dor que sinto agora. Com amor, Harry”.
Ela olhava a carta com dificuldade, talvez pelas várias lágrimas que lhe corriam o rosto e não lhe deixavam ver direito. Desgraça pouca é bobagem, dizia o ditado, nada mais certo.
Bom, pelo menos Harry lhe ajudara a decidir, já não tinha problema algum em ter que voltar toda semana ao hospital. Não era uma situação boa, mas pelo menos não tinha que ficar se martirizando. Limpou suas lágrimas e queimou a carta, não precisava de algo para lhe lembrar o quão triste estava. Resolveu acatar a ordem do médico e foi dormir.

- Acorde, Srta. Weasley.
Não abriu os olhos de imediato, mas quando o fez a primeira imagem que teve da enfermeira foi meio embaçada, mas num segundo estava normal.
- Tome.
Tomou os comprimidos que ela lhe passou e em seguida olhou confusa para a mulher que arrumava suas coisas.
- Vamos, garota. Você ganha alta hoje.
Ela se levantou sem muito entusiasmo, sua saída dali não era grande coisa. Ainda não havia comunicado ao médico, mas ontem por várias vezes ficara tonta e, por conseqüência, enjoada. Sua saída era como um tempo com o hospital, sabia que em breve estaria internada novamente, enquanto isso daria um passeio do lado de fora.
O medibruxo entrou animado no quarto e seu humor não desapareceu ao ver o desanimo de Gina.
- Pronta para sair?
Ela só acenou com a cabeça.
- Bem, só lembrando que na próxima sexta-feira às 14 horas você tem que estar aqui e...
- Não tinha um horário pior pra me arranjar?
- Não. Continuando, na próxima sexta você estará aqui e agora a boa notícia: caso nada de anormal seja detectado você só terá que vir aqui mês que vem!
Ela deu o esboço de um sorriso.
- Isso é muito animador, doutor.
Ele fingiu não ver a ironia dela, desejou um bom dia e saiu do quarto. Na recepção seu pai e Gui a esperavam, e ao ver o sorriso de duas pessoas que amava tanto não pôde deixar de se sentir melhor.

Estava mais calma com o passar dos dias. Ela fez os exames na sexta e não detectaram nada, embora constantemente ela se sentisse meio tonta. Já não pensava na carta de Harry, tinha arranjado um trabalho num laboratório para lhe ocupar o tempo e as idéias.
Mas o trabalho era principalmente para ela ter seu próprio dinheiro, não queria depender financeiramente dos pais. Tinha ficado na Toca, mas não queria que tudo continuasse como se ela fosse uma estudante.
Nesse momento Gina quebrava a cabeça com o caso de um homem ferido que estava mudando e cor e seu corpo rejeitava as poções de cura que lhe eram dadas.
- Eles têm misturado feitiços, é a única explicação –comentou ela em voz alta.
Julie Tale, uma colega de trabalho, a ouviu e riu.
- Como? Não têm como se pronunciar dois feitiços ao mesmo tempo.
- Talvez eles tenham conseguido um jeito de adiar o momento que um feitiço é lançado, para só funcionar quando outro for feito. Ou talvez duas pessoas combinam feitiços lançados ao mesmo tempo.
Julie levantou uma sobrancela.
- O que você tem lido, garota? Isso é impossível.
- Grandes bruxos tentaram fazer isso, inclusive Merlim.
- E nenhum deles conseguiu.
- O que não chega a ser uma prova de que não há como.
- Esquece, Weasley.
Gina examinou o paciente mais uma vez e coletou uma amostra de sangue dele, para tentar fazer mais algumas experiências. Ao sair da sala examinatória tirou suas luvas e soltou o cabelo, colocou algumas coisas que julgou úteis na bolsa e foi embora.
Já havia se passado um mês desde que estivera no hospital, e sabia que hj provavelmente seria internada. É claro que quando conseguira o emprego não informou ao seu chefe que talvez a qualquer tempo ela podia ser internada, mas desde o início da semana ela estava preocupada, passara muito mal desde os últimos exames e sabia que dessa vez ela não escapava.
O som que o salto dela produzia era agradável, não tinha muitas manias, mas gostava muito do som de saltos. Mas não era por isso que ela ia a pé para o hospital, queria prolongar ao máximo sua estada do lado de fora.
“O que será que tenho?” era o que se perguntava. Estava pensando nisso quando por um breve minuto tudo sumiu e ela não soube onde estava. No segundo seguinte só sentiu alguém lhe empurrar e ela cair com tudo no chão.
- Você está bem?
Ela não respondeu, olhou para o homem que a salvara sem conseguir dizer nada.
- O que aconteceu ali? Ninguém para de repente no meio do trânsito.
- Eu... acho que não me senti bem.
O homem reparou o tanto que ela estava pálida e como sua respiração estava irregular.
- Tem um hospital por aqui perto, eu posso te levar até lá...
Mas ela nem prestou atenção ao que ele dizia, saiu andando sem agradecer e virou num beco vazio, então aparatou.
- Está atrasada –ouviu a voz do medibruxo.
- Me desculpe. Tive um imprevisto no trabalho.
O médico sorriu.
- Como foi esse mês?
Ela suspirou cansada.
- Muito cansativo. Muitos frascos, feitiços e ah sim, não é isso que você quer saber... –disse ao ver a cara do médico- Passei bem.
- Nenhum mal-estar?
- Não.
- Sendo assim acho que os exames não indicarão nada de errado.
“Sim, eles indicarão” ela pensou. Não ia dizer nada, sabia que de qualquer forma seria descoberta, então não fazia diferença se dissesse ou não como realmente passou. “O que eu tenho?”.
Seus pensamentos foram quebrados pela entrada da enfermeira.
- Ainda assim?
- Ok, já vou trocar de roupa.

Segurava o papel em suas mãos, ao lado o doutor estava com a mão no seu ombro direito. Seus olhos estavam marejados de lágrimas e seu coração batia descompassado.
- É um alívio, não? –perguntou o médico.
- Oh, se é... –disse com as lágrimas rolando pelo seu rosto.
Ela não tinha nada, estava em perfeito estado de saúde, pelo menos era isso o que os exames indicavam, mas... algo estava errado. Ela definitivamente não estava bem. Sua mente estava confusa, devia ou não contar ao médico como realmente passara o mês?
Sentiu seu estômago embrulhar e correu para o banheiro e vomitou. Mais do que nunca se sentia mal. Sua vista embaçou. Ajoelhada no chão do banheiro sentiu a mão do medico lhe tocar o ombro.
- Já vi muitas reações de alívio estranhas, Srta. Weasley, mas até hoje você foi a primeira que vomitou. Tem certeza de que está bem?
Pronto, ela podia contar agora. Tinha que contar.
- Estou bem, só devo ter comido algo que não me fez bem.
O médico ajoelhou ao lado dela, ela prendeu a respiração.
- Tem certeza?
- Absoluta.
Ele a ajudou a se levantar, ainda olhando desconfiado.
- Então nos vemos no mês que vem. Mas não se esqueça que é sobre sua saúde que estamos falando, caso sinta algo venha para cá.
Ela sorriu e saiu da sala. O som do salto era forte, contínuo e de ritmo acelerado. Ela não sabia porque mentira, queria ter contado, mas era como se algo a tivesse impedido. Aparatou em casa, deixou o resultado em cima da mesa da cozinha e subiu para o seu quarto.
Fechava os olhos, mas não conseguia realmente dormir. Quando cochilava ouvia a voz do médico lhe dizendo “é sobre sua saúde que estamos falando” e então coisas horríveis aconteciam. Ela acordava desesperada, suando frio, levantava e ia até a porta, queria ir até o quarto de seus pais e lhes contar que estava mal, mas então se sentava na cama novamente e esperava uma solução brotar em sua cabeça.
Sentia o cheiro da comida de sua mãe, estava comendo um prato enorme, mas sua mãe lhe dizia que ia engordar e que tinha que acordar pra vida...
- Acorde logo, Gina –veio o grito das escadas.
Abriu os olhos, estivera sonhando novamente, embora dessa vez não fosse um pesadelo. Mas a voz de sua mãe também devia ser do sonho, pois ainda estava escuro.
- Gina, se você não descer logo o almoço vai esfriar –a voz brava de sua mãe ecoou.
Almoço? Não estava entendendo, sentia o cheiro da comida, mas não via a claridade do dia. Ela tinha cortinas, mas nenhuma cortina escurecia o quarto assim...
A família Weasley estava toda reunida à mesa quando um grito ecoou.

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