UM





A placa na porta da Shoppers Express dizia: "Não é permitida a entrada de pessoas sem camisa e descalças". Dei uma olhada para minha roupa: eu usava sapatos de salto com tiras que se enrolavam ao redor dos meus tornozelos como cobras cintilantes e um vestido com babados, armado e engomado o suficiente para dançar sozinho. Era a coisa mais horrível que eu já havia visto na vida. Tentei entender por que estava vestindo aquilo e o que estava fazendo na Shoppers Express. Pois quando vi a placa da liquidação: Compre um, leve dois".

Entrei na loja, agarrei uma cesta e fui para o primeiro corredor. Suas prateleiras estavam cheias de rapazes. Assim como as prateleiras ao longo do segundo, do terceiro e do quarto corredor —rapazes de todos os tipos e tamanhos, loiros, negros e morenos, musculosos e magrinhos; expostos como se fossem caixas de cereal, rapazes lindos em smokings, estáticos como se fossem bonecos, todos sorrindo para mim.

—Obrigada por me convidar pra vir com você - disse minha amiga Gina.

Olhei pra ela por cima do ombro. Estava com um vestido vermelho bem curto e sexy, empurrando um enorme carrinho de compras.

—Disponha—respondi. Então, me estiquei e peguei um lindo garoto da prateleira, colocando-o em minha cesta. Rápida como um raio, Gina pegou-o e o pôs em seu carrinho.

Peguei outro rapaz Gina arrancou-o da minha cesta. Peguei mais um. E Gina também o roubou. Então sai em disparada pelos corredores, arrancando rapazes das prateleiras. Gina acompanhava o meu ritmo. Logo, eu estava correndo e nem conseguia mais ver os rostos deles. Eu ainda estava com aquele vestido detestável, mas agora deslizava sobre os meus patins, me esticando e colocando um rapaz após o outro em minha cesta. Mas ela sempre terminava vazia. E o carrinho de Gina não parava de encher. Enfurecida, comecei a patinar cada vez mais rápido, manejando meu antigo bastão de hóquei, esvaziando as prateleiras. Gina continuava atrás de mim.

—Eu não agüento mais isso!—gritei de repente.—Leve todos eles. São todos seus, Gina!

Joguei a cesta e o bastão de hóquei em um canto e corri para a porta. Gina continuava atrás de mim, talvez esperando por mais alguma promoção. Ela não havia pagado. Gina nunca se preocupava com o preço das coisas. Um alarme da loja disparou. Parecia estar tocando para mim, soava como se estivesse a poucos centímetros do meu ouvido.

E estava. Sem abrir os olhos, ergui a cabeça, apertei o botão do despertador e o joguei sobre a lateral da cama. Estava com o corpo todo mole. Que pesadelo horrível!

Senti uma pontada de culpa. Pesadelo? Gina era a minha melhor amiga.

—Quantas vezes você vai deixar essa coisa disparar?—resmungou minha irmã.

Abri um olho e a fitei através do desfiladeiro que existia entre as nossas duas camas iguais. A cabeça de Joelle, a alguns centímetros do travesseiro, tinha o cabelo curto e sedoso todo desgrenhado. Era da mesma cor que o meu, castanho, mas o corte a fazia parecer mais jovem—muito jovem para estar grávida. Só que era essa a situação dela: em casa no seu primeiro ano de faculdade e grávida. Eu tenho 17 anos, dois a menos que ela, mas com mais juízo agora do que minha "grande" irmã terá quando tiver 47.

—Quantas vezes?—resmungou Joelle novamente.

—Quantas vezes isso já disparou?—perguntei.

—Quatro.

—Quatro!

Isso significava que já eram pelo menos oito horas. E a minha reunião era as oito e meia. Sai da cama e pisei com tudo na borda de metal do despertador. Fui gemendo e pulando num pé só ate a cadeira, onde uma pilha de roupas limpas havia sido colocada. Vasculhei entre elas para achar a combinação certa para hoje. Não era bem desse jeito que eu queria começar o meu emprego de verão no acampamento Sunburst.

—Não esqueça de fechar o zíper—gritou minha irmã quando saí apressada do quarto ainda vestindo o short.

Fiquei no banheiro apenas o tempo suficiente para ver que os meus olhos pareciam duas lagoas sujas, e meus longos cabelos castanhos estavam desgrenhados e oleosos. No pé da escada, peguei a mochila, que havia sido arrumada na noite anterior, e tirei o capacete da bicicleta do armário. Enquanto torcia o cabelo no alto da cabeça, pensava se não seria uma boa idéia ficar com o capacete durante toda a reunião.

Eu conhecia cada curva do trajeto para a Faculdade Kirbysmith, onde ficava o acampamento Sunburst, e onde minha mãe lecionava desde que eu tinha 4 anos. Pedalei o mais rápido possível, me desviando de um cachorro, um esquilo e um corredor, o que segundo meus cálculos, dava uma média de apenas um 'quase acidente" a cada dois quilômetros. Estava um dia superquente. O suor escorria pelo meu corpo. Tanto que nem me importei quando homem ligou os irrigadores do jardim ao me ver pedalando sobre o seu gramado. Além do mais, esse era o melhor caminho para se chegar ao buraco na cerca, a minha entrada particular na faculdade.

Mas, mesmo pedalando tão rapidamente, eu não conseguia livrar da lembrança do pesadelo. Cenas dele, assim como momentos memoráveis do passeio a tarde e do encontro duplo da noite anterior—que eu gostaria de esquecer—faiscavam diante dos meus olhos.

Na noite passada, tinha sido Tim e Gina, e no passeio à tarde, Taylor e Gina, e no torneio de basquete, Bo e Gina, e na lanchonete... bem, era sempre a mesma historia, apenas com um garoto diferente. Você já deve ter entendido: qualquer um que saísse comigo, logo saia com Gina.

E como eu podia culpa-los? Gina é delicada, tem olhos castanhos, é ruiva. Tem um lindo sorriso às pernas longas e o pescoço esguio de uma bailarina. De alguma maneira, a minha alegre e tímida amiguinha de colégio havia se transformado num flamingo na faculdade. E eu, bem, eu sempre pareci mais uma simpática andorinha, com meu cabelo castanho.

Estava pensando sobre isso, a injustiça de ser uma andorinha, enquanto quicava com a minha bicicleta pelos infinitos degraus que levava até o centro acadêmico da faculdade. Não pedalava por aqueles degraus desde a minha infância e já havia me esquecido como a velocidade aumentava e a bicicleta sacudia. De repente, me vi mergulhando em direção a uma garota e um rapaz que segurava um violão. Ambos se viraram para mim, então, a garota se jogou contra uma parede e o rapaz pulou nos arbustos agarrando o violão como se fosse um bebê.

Passei por eles, apertando os freios, então virei a cabeça para ter certeza de que estavam bem. Dois rostos furiosos me fitaram.

—Desculpe — disse ofegante.—Desculpe! Eu me esqueci da última curva. Acho que perdi a prática...

—Bem—disse a garota—, talvez você devesse ir pro shopping. Eles também têm escadas rolantes lá.

Ela era negra com bochechas proeminentes e olhos amendoados como os de Cleópatra—um rosto muito exótico e absolutamente lindo. Eu não me importei com o seu tom de voz; até porque se os reflexos deles não tivessem sido tão bons, nos três teríamos nos transformado numa paçoca. Mas eu não gostei do modo como o rapaz me olhou de cima a baixo. Seus olhos eram verdes. E achei estranho quando ele fez uma pausa e deu um sorrisinho de canto de boca.

Timidamente, olhei para meu short. Eu havia me esquecido de fechar o zíper.

—Estou atrasada. Qual é a sua desculpa? — resmunguei, enquanto puxava o meu zíper.

—Eu não preciso de uma — responder ele.

Pedalando, me afastei deles o mais rápido que pude e prendi minha bicicleta com cadeado no poste que ficava em frente ao centro acadêmico. Meu relógio indicava oito e trinta e cinco.

"Pelo menos", tentava me consolar, ”já que eu estou atrasada para a reunião da equipe, nenhum dos outros monitores presenciou a minha chegada." Tirei a carta da minha mochila para checar o numero da sala e pisquei fortemente. Nove e meia! A reunião só iria começar as nove e meia! Desmoronei sobre o assento da minha bicicleta.

Felizmente, um cheiro maravilhoso de pão de queijo, saindo da janela do centro acadêmico, trouxe a vida de volta ao meu corpo. Faminta, com tempo suficiente para tomar um bom café da manha e dar um jeito na minha aparência, entrei na lanchonete. Estava na fila, olhando o cardápio, quando escutei uma voz que me fez esquecer de todas as coisas chatas daquela manha. Era uma voz que eu, Gina e varias outras garotas graváramos em nossa memória como uma das lembranças mais importantes. Era a voz de Draco Malfoy, uma espécie de deus grego que tinha aparecido na nossa escola.

Corriam boatos de que Draco Malfoy estava treinando para as Olimpíadas. Tudo o que eu sabia era que, quando ele fazia exercícios na barra fixa, os corações das meninas davam saltos mortais. Mas ele não estava namorando ninguém: dedicava-se tanto a ginástica olímpica que não percebia todas aquelas garotas babando por ele. Até mesmo Meg Jarvis, que na ultima temporada de jogos estudantis havia sido líder de time em cada modalidade esportiva, esperava ter uma chance com ele. "O gato inatingível", pensei, "o medalha de ouro dos lindos!"

—Já achou alguma coisa que você gosta?—perguntou um garoto que tinha entrado na fila logo atrás de mim.

Imaginei que estava empacando a fila.

—Estou decidindo.

—Enquanto isso—disse ele—, você não acha que a gente poderia ir comendo algo?

Virei. Era o garoto que eu quase havia atropelado—desta vez, sem o violão. Estava sorrindo. Sempre sorrindo.

—Não posso deixar de perguntar, mas para que você estava atrasada, pro café da manha ou pra ele?—disse, indicando Draco com a cabeça.

—Eu tenho uma reunião—respondi irritada—Achei que era as oito e meia, mas só vai começar às nove e meia.

—Mesmo?—disse, como se estivesse realmente interessado.

—Mesmo—falei zombando.—Dois pães de queijo e um suco de laranja, por favor—pedi, tentando escapar do garoto.

—Um queijo quente—ele pediu para o atendente.—Você vai se sentar com ele?

—Por acaso, isso e da sua conta?—perguntei.

—Acho que não—admitiu.—Mas, se for se sentar com ele, e melhor ajeitar a sua camisa primeiro. A menos que você tenha feito isso de propósito.

Olhei para baixo. Os botões estavam nas casas trocadas. Como se não bastasse a aparência da minha camisa, era possível ver através do tecido a sombra de um cetim roxo escuro. Sim, tinha colocado um sutiã berrante da minha irmã. Minhas bochechas começaram a queimar. Enquanto eu arrumava os botões da camisa, o garoto olhou discretamente para o outro lado da fila, mas pude reparar o modo como escondia um sorriso entre os lábios.

Felizmente Draco não me havia notado. Alias, não havia notado nada além da comida que era colocada em seu prato. Reclamava que a lanchonete não servia ovos mexidos com baixo colesterol e suco de laranja espremido na hora. As pessoas na fila começaram a ficar impacientes. Um gerente foi chamado para conversar com ele.

—Parece que ele se preocupa bastante com o corpo—disse o rapaz atrás de mim.

—Você também se preocuparia, se tivesse um como o dele.

—Talvez—disse, pegando umas moedas do bolso.

Coloquei as mãos nos meus bolsos. Fiz isso duas vezes, ainda que logo depois da primeira já tivesse percebido que não havia trazido um centavo comigo.

—Talvez você devesse checar dentro da sua meia—sugeriu ele.—A rosa.

Eu realmente não sei por que eu ainda me importei em olhar para baixo e ver que estava vestindo uma meia rosa e uma branca. Acho que foi para ter certeza de que realmente calçava o sapato esquerdo no pe esquerdo.

—Você tem tempo suficiente pra lavar louca antes da sua reunião?—perguntou.

—Eles vão colocar isso na minha conta—falei, procurando soar confiante. Na verdade, estava tentada a dar uma mordida antes que o meu café da manha fosse confiscado.

Quando chegamos a caixa registradora, abri um sorriso sem graça para a menina.

—Você não vai acreditar, mas...

—Eu pago pra ela—disse o rapaz atrás de mim.

Peguei minha bandeja e andei rapidamente em direção a mesa .

—Quer sentar comigo?

—Eu acho que não tenho outra escolha.

Ele parou.

—Não—disse friamente.—Você não é obrigada. Foi apenas um convite—Então ele se adiantou, achou uma mesa e se sentou de costas para mim

Cheguei por trás e perguntei docemente se poderia me sentar. Ele hesitou, mas fez que sim com a cabeça. E, assim que me acomodei, ele me olhou.

—Meu nome é Harry.

—Hermione—repliquei, ainda de maneira doce

Ele me deu um sorriso. Seus olhos eram tão verdes que me faziam pensar no mar de alguma ilha tropical. Os cílios eram grossos e pretos, como seus cabelos.

Fitei os meus pães de queijo, e olhei para o lado quando Draco passou carregando a bandeja. Harry acompanhou o meu olhar. Comemos em silencio por alguns minutos.

—Você gosta muito de usar o seu capacete, não e?—perguntou finalmente.

Eu acordei atrasada. Não tive tempo de fazer uma trança. E o meu cabelo fica um tanto rebelde quando o tempo está úmido.

—É marrom?—perguntou alto.

Olhei surpresa para ele.

—Suas sobrancelhas são marrons.

—Castanho—eu o corrigi. Não gostava de me imaginar da cor de um chocolate.

—Posso ver?

—O que?

—Posso ver o seu cabelo castanho?—ele perguntou inocentemente.

—Você já viu o sutiã roxo da minha irmã, minha meia rosa e meu zíper aberto!—exclamei.—Não é suficiente?

As conversas nas mesas ao nosso redor pararam.

Draco, que tinha sentado várias mesas a nossa frente, deu uma olhada sobre o ombro, voltando-se em seguida para o seu café. Os cotovelos de Harry estavam sobre a mesa e ele ria segurando o rosto com as duas mãos.

Mas, quando eu abri repentinamente a fivela sob o meu queixo e tirei o capacete, ele parou de gargalhar. Um estranho olhar tomou conta de seu rosto e sua boca ficou entreaberta.

Olhei para ele, então puxei e torci rapidamente o cabelo em um coque frouxo e descuidado, retornando a comer. Não conseguia pensar em nada interessante para falar. Eu mastigava e admirava os ombros largos e as costas fortes de Draco Malfoy, imaginando por que ele deveria estar ali.

—O seu amigo Ovos Mexidos—disse Harry—esta se preparando com o treinador de ginástica olímpica da faculdade neste verão? Ouvi dizer que esse treinador é o melhor da região.

— Ele esta?—perguntei.—Você quer dizer que Draco deve ficar aqui durante o verão?—"Aqui, durante o verão, como eu?", pensei. Draco e eu no mesmo campus—e Gina bem longe, dançando com alguma companhia. Logo que esse pensamento passou pela minha cabeça, a velha culpa apareceu.

—Você esta ficando vermelha—observou Harry.

Esfreguei minhas bochechas.

Ele sorriu, mas não teve muito mais o que falar enquanto comíamos. E eu não me importei nem um pouco. Minha cabeça não parava de funcionar: precisava de algumas informações, fazer um pequeno plano e passar algumas horas sonhando.




Desde quando percebi que várias fics aqui na floreios eram adaptações, sempre quis fazer uma desse livro. Simplesmente adoro esse livro e a sua história, mas nunca tive oportunidade de fazer uma adaptação com ela. Eis que meus pais compram um scanner e eu penso “Vai ser agora!”, mas não foi. Apenas três semanas atrás, sem fazer nada no pc, resolvi procurar um programa que eu precisava para transformar textos digitalizados em arquivo do Word.
Ah, como eu amo a tecnologia!
Enfim, depois de anos, eu repito anos, tentando postar essa história aqui, eu finalmente consegui!
Espero que vocês apreciem a leitura e gostam da história, tanto quanto eu!
Binks











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