SETE



Sete


 


            - Tudo o que eu estou pedindo é uma carona para voltar ao campus - disse para a minha irmã uma hora e meia depois. – O que mais você planejou pra hoje à noite? Ler o capítulo dois de "Como trocar um bebê"?


            - Só estou falando pra você ir dirigindo – argumentou Joelle, largando um prato em cima da mesa da cozinha. - Por que você precisa de um chofer?


            - Nós temos dois carros, gatinha - interferiu meu pai.


            Odiava quando ele me chamava assim. Aquele apelido não combinava comigo nem quando eu tinha 4 anos de idade.


            - Sua mãe vai passar a noite inteira suspirando sobre os relatórios sofríveis dos alunos dela - ele continuou, dando palmadinhas em seu cabelo castanho, um hábito inconsciente que se desenvolveu depois que ele começou a pentear o cabelo em direções estranhas para esconder os focos de calvície - E eu estou preparando a conferência de literatura. Os dois carros estão livres.


            - Ah, não importa - falei com raiva, saindo da cadeira. Como eu poderia explicar?


            Já devia estar no campus. Pela manhã, Draco havia visto que eu estava com minha bicicleta. Depois do filme, já tinha planejado dizer a ele que, mesmo tendo deixado a bicicleta no escritório do acampamento, não queria pedalar de volta para casa no escuro. Então pediria uma carona. Desse modo, se por acaso não trocássemos números de telefone, ao menos ele saberia onde eu morava. Mas, se eu contasse o meu plano para Joelle, e as coisas não dessem certo com Draco, seria mais uma história para ela me alfinetar.


            Subi as escadas e coloquei um pouco de rímel e um batom cor-de-pêssego, ainda que tivesse certeza de que não haveria mais maquiagem alguma quando chegasse no campus. Pelo menos, meu cabelo estava bem ajeitado numa trança e eu não tinha mais as marcas das mãos sujas de Eugene em minha barriga.


            Já estava tirando a minha bicicleta da garagem quando Joelle surgiu do lado de fora, balançando as chaves do carro no ar.


            - Eu levo você, se me contar o motivo.


            Coloquei a bicicleta de lado e fui com ela para Kirbysmith em silêncio.


            - Aqui está ótimo - disse assim que chegamos na entrada da faculdade, então pulei para fora do carro rapidamente.


            - Você não vai me contar o motivo? - minha irmã gritou, quando eu já estava de costas.


            - Vou contar... depois que você me disser por que mudou de idéia de repente e me ofereceu uma carona - retruquei e fechei a porta. - Você não pode ser tão curiosa, Joelle. E você nunca foi tão boazinha comigo. Devem ser os hormônios maternos começando a agir.


            - Sua malcriada - ela rugiu.


            Draco estava esperando por mim do lado de fora do centro acadêmico, sentado em um bloco de concreto que ladeava os degraus da entrada. Uma perna esticada, a outra dobrada, o braço musculoso apoiado sobre o joelho. Ele bem que poderia ser uma estátua, uma espécie de "deus grego protetor do templo estudantil". Seus olhos estavam fechados, de modo que não me viu enquanto eu fitava o seu corpo.


            - Draco... Draco? - chamei um pouco mais alto.


            - Ah, Hermione?


            - Dia cansativo? - perguntei docemente.


            Ele sorriu. Seus olhos me lembraram um dia de verão.


            - Adivinhou. Treinamento dobrado. Quando a gente é o melhor, os instrutores são duros - ele saltou para o meu lado. - Alguns amigos meus estão guardando um lugar pra gente lá dentro.


            O pequeno auditório só tinha metade das cadeiras ocupadas. Acho que Guerreíros do Vulcão não era um grande sucesso. Um professor, que tinha um gosto para moda tão deformado quanto o da minha mãe, dava uma palestra sobre filmes B de ficção científica para uma platéia formada basicamente por alunos de cinema. Ele não parava de falar sobre todas as coisas do inconsciente que nós estávamos prestes a assistir saindo de dentro daquele vulcão.


            Eu me sentei entre Draco e dois rapazes chamados Hank e Josh, ginastas olímpicos que estudavam em Kirbysmith. Ainda que meus olhos estivessem voltados para o professor, estava alerta para qualquer pequeno movimento que Draco fazia. Encostou seu braço no meu. Contraiu o dedão direito. Bocejou.


            - Você gosta de cinema? - perguntou Hank, alto o suficiente para atrapalhar os alunos que tentavam ouvir a palestra.


            - Ou do Draco? - disse Josh, debochando de mim.


            - Na verdade, eu amo esportes - retruquei baixinho. – Mas é divertido ir ao cinema.


            - Você ama "heróis do esporte"? - perguntou Josh, ainda debochando. Sua cabeça enorme me lembrava uma abóbora.


            - Por quê? Você se considera um? - perguntei de volta.


            Hank, que tinha os cabelos pretos e provavelmente se achava bonito, virou-se e riu na cara de Josh.


            - Hermione é praticamente uma atleta - interveio Draco. "Ela é uma atleta", eu me lembrei de Harry falando.


            - Mesmo? - disse Hank. - O que você joga?


            - Hóquei e basquete pela escola. Vôlei em um time de recreação.


            - Seus times são bons? - perguntou Hank.


            "Não, nós fedemos de tão ruim que somos", foi o que me deu vontade de falar, mas ele era amigo do Draco.


            - Pergunte ao Draco - disse orgulhosa. Afinal, as garotas haviam vencido os torneios estudantis no hóquei e no basquete. - Estudamos na mesma escola.


            Draco ficou sem expressão.


            - Eu, eh, realmente não acompanhei os jogos delas. O time de basquete masculino é muito bom.


            "O time masculino, para a sua informação, ganhou apenas quatro jogos nos últimos três anos."


            - Você devia ter visto as meninas da equipe de ginástica da faculdade parando no ginásio hoje - falou o cabeçudo Josh. - Draco fez uma verdadeira performance pra elas. Pensei que as garotas não iriam embora nunca.


            Quem era esse cara? O empresário do Draco?


            - Ah, eu ouvi falar da equipe feminina de ginástica - disse. – Uma pena que vocês, rapazes, não puderam ir pro campeonato estadual com elas.


            Pelo canto do olho, olhei para Draco. Parecia que o meu comentário "balde de água fria" tinha acertado diretamente na cabeça dele. No entanto, não surtiu efeito algum sobre os outros rapazes. Hank me lançou um olhar malicioso. Josh começou a falar de lesões esportivas.


            Os três conversaram sobre as suas lesões e os respectivos tratamentos com o mesmo entusiasmo e detalhe com que minha mãe discute experiências de gravidez com Joelle. De repente, eu me peguei olhando fixamente para partes do corpo de Draco conforme ele descrevia algum problema, e mais outro, e outro. Ele pareceu estar relutante em terminar aquela conversa, mesmo após o início do filme. Depois que várias pessoas no auditório pediram silêncio, nos acalmamos para ver as tais coisas saírem de dentro de um vulcão. Posso dizer que, para mim, elas não se pareciam nem um pouco com "formas obscuras do inconsciente". Lembravam mais um monte de gelatina mole. Para o Draco, elas não se pareciam com nada: ele dormiu durante toda a segunda metade do filme.


            Quando as luzes se acenderam, dei uma pequena chacoalhada nele.


            - Estão a fim de beber alguma coisa? - perguntou Hank, assim que saímos do auditório. - Querem bater um papo lá na sala do alojamento?


            - Ou os dois já estão prontos para ficar sozinhos? – disse Josh, com sua cara de lua brilhando.


            - Eu tomaria um refrigerante - respondi, recusando-me a fisgar a isca.


            Draco concordou com a cabeça. Na verdade, não estou certa se ele chegou a ver a isca pendurada na sua frente.


            A sala ficava no segundo andar de um alojamento misto. Era uma grande sala acarpetada com diversas cadeiras e almofadas agrupadas. As mesas estavam cobertas de pó e farelos de pão, e havia um forno de microondas, onde pareciam ter explodido bombas de molho de tomate. Uma garota estava sentada em um canto, ouvindo um CD e digitando em um laptop. Ela levantou o olhar para nós e depois voltou a trabalhar.


            Acho que eu deveria ter ficado mais feliz por ser uma garota sentada com três gatos em uma sala de alojamento, mas estava cada vez mais entediada de ouvir histórias sobre lesões esportivas e desempenhos espetaculares no cavalo e nas barras paralelas. Quando Josh se levantou e saiu, eu me virei para Draco, esperançosa de que poderíamos sair também.


            Ele sorriu para mim, olhando dentro dos meus olhos, e disse:


            - E teve também o campeonato de juniores, quando eu tinha 8 anos...


            Alguns minutos depois, Josh retomou com uma caixa de isopor. Ele sorriu e a abriu. Cerveja. Muitas latas de cerveja. Não é de admirar que os rapazes de Kirbysmith não tenham ido para o campeonato estadual. Tirou duas latas e nos ofereceu.


            - Não, obrigado. Eu não bebo - Draco disse.


            Mas, mesmo assim, uma lata gelada foi colocada na mão dele. E outra na minha. Como eu não a abri, Hank curvou-se sobre a mesa e o fez para mim. Deixei-a sobre a mesa. Enquanto isso, Draco deu um pequeno e cuidadoso gole na cerveja dele. E, depois, outro.


            Hank e Josh bebiam em grandes goles. Percebi que eles eram do tipo que se orgulhavam dos seus arrotos.


            - Então, você acha que os rapazes do técnico Milani têm alguma chance contra agente? - perguntou Hank, afundando em sua cadeira.


            - Você quer dizer as crianças do Milani? - respondeu Draco, dando um golinho em sua cerveja.


            - Não, as garotas do Milani! - disse Josh.


            Os três urraram de tanto gargalhar. A piada não tinha parecido tão engraçada para mim. Eles falavam sem parar sobre pessoas da ginástica olímpica, fofocando pior que mulheres. E, de golinho em golinho, Luke Draco a sua cerveja. Quando ele terminou, disse:


            - Preciso ir.


            Eu me levantei, achando que aquilo significava que estávamos indo embora. Mas Josh apontou o caminho do banheiro masculino para Draco.


            Quando Draco reapareceu, eu estava parada perto da porta da sala.


            - Desculpe, mas eu preciso trabalhar amanhã - disse a ele.


            Draco assentiu com um movimento de cabeça e dirigiu-se para as cadeiras onde Hank e Josh ainda estavam sentados. "Bem, estou indo embora sozinha", eu pensei. Então, ele pegou a minha cerveja, acenou para os amigos e saiu comigo da sala.


            - Preciso de ar fresco - disse ele, inclinando o corpo sobre mim enquanto íamos para o elevador do alojamento. Andei o mais reto que pude. Era difícil acreditar que Draco Malfoy estava tão próximo de mim, tocando o meu corpo, apoiado em mim.


            Assim que saímos do prédio, o ar frio da noite pareceu reavivá-lo.


            - Você gostaria de andar um pouco, Hermione? - falou com aquela voz rouca e profunda.


            - Sim - quase sussurrei.


            Caminhamos em silêncio por alguns minutos, então comecei a contar-lhe sobre as crianças do acampamento: o endiabrado Eugene; o Tam, que adorava água; e Miguel, o meu atleta. – Ele tem um bocado de talento para uma criança da segunda série, mas precisa de estímulo - disse. - Todos os monitores estão tentando...


            - Eu também precisava de muito estímulo quando estava na segunda série - interrompeu Draco. - E ainda preciso.


            - Mas o problema do Miguel é maior do que ir bem nos esportes - contei a ele. - A gente acha que ele sofre algum tipo de abuso em casa.


            - O meu técnico acha que severidade é estímulo – disse Luke. - Eu nunca tinha sido tão cobrado - ele tomou alguns bons goles da cerveja e voltou a falar sobre o que havia falado a noite inteira: ele.


            Atravessamos um caminho que levava até o riacho com a ponte de madeira. Quando chegamos mais perto das árvores, Draco se calou.


            - Você gosta desse lugar, não é mesmo? - perguntei baixinho.


            - É legal estar com você, Hermione - retrucou com um sorriso. - É bom conversar com você.


            Sentamos na beirada da ponte, deixando nossas pernas dependuradas, os dedos dos pés tocando a água, os braços e os queixos apoiados na tábua inferior do corrimão. O clarão da lua surgia por entre as árvores e criava reflexos prateados no riacho.


            Draco bebeu um pouco mais de cerveja.


            - Então, o acampamento é divertido - falou.


            - É, mas, de certo modo, é triste também - retruquei. Crianças como Miguel e Eugene nunca haviam entrado numa piscina antes. April acha que o gramado verde do campo de golfe é a coisa mais linda que ela já viu na vida.


            Draco escutava tudo silenciosamente. Eu sabia, sabia que se tirasse ele de perto daqueles dois machões tudo ficaria diferente. Contei a ele sobre outras crianças. Ele ouvia tão atentamente que nem se movia.


            Então, percebi que estava dormindo.


            - Draco. Draco? Draco!


            Ele murmurou alguma coisa.


            - Acorda, Draco!


            Ele levantou a cabeça, sorriu angelicamente para mim e, então, largou a cabeça sobre o braço, fechando os olhos.


            Peguei sua latinha de cerveja. Estava vazia. Percebi que ele estava destruído depois de um dia duro no ginásio, desidratado, e provavelmente falando a verdade quando disse que nunca bebe. Não podia fazer nada além de esperar. Espiei o meu relógio. 9:30. Quando olhei novamente era 9:45, 9:55, 10:05. E se ele passasse a noite inteira dormindo naquela ponte?


            - Draco!


            - Mmmm - disse, sorrindo.


            Não podia largá-lo ali. Imaginava-o escorregando por debaixo do corrimão. Já conseguia ver as manchetes dos jornais no dia seguinte: "Deus grego encontrado morto em córrego. Monitora de acampamento é procurada pela polícia."


            - Vamos lá, Draco. Vamos- implorei. –Ovos Mexidos! - gritei em seus ouvidos. Levantei e puxei seus braços para o alto. Seu queixo despencou sobre o corrimão. Puxei, sacudi e arrastei seu corpo. Estava determinada a tirá-lo da ponte. Quando finalmente consegui colocá-lo esparramado na margem do rio, já estava ensopada de suor. Desejando que não houvesse mais ninguém passeando sob o luar perto daquele córrego, virei ele de lado e vasculhei em seus bolsos.


            Carteira, moedas, chicletes - sem chaves. Pensei sobre as minhas opções: os seguranças do campus ou o show de Hank e Josh. E Joelle.


            Não queria colocar Draco em apuros na faculdade. E Hank e Josh não eram confiáveis. Não havia outra alternativa. Corri para o alojamento mais próximo e dei um telefonema do orelhão no primeiro andar.


            Vinte minutos mais tarde, calçando sandálias de borracha e uma camiseta larga do papai, Joelle apareceu. Cabeça erguida, olhando Draco.


            Ele tinha começado a murmurar, o que era um bom sinal; provavelmente conseguiríamos colocá-lo de pé.


            - Com certeza, você sabe como pegá-lo - ela falou, balançando a cabeça.


            - Bem, você tem de admitir que ele é um gato.


            - Devia ter chamado a Gina - disse Joelle. - Deixe que ela fique com ele agora.


            Mordi os lábios.


            - Ela ficou te ligando. Deixou duas mensagens na secretária eletrônica. Está muito, muito feliz por você.


            - Só me ajude a levá-Io para casa, OK?- disse irritada.


            - Tudo bem, Belo Adormecido – ela debochou, levantando um dos braços de Draco. – A grávida está aqui pra ajudar.


            Gritando o tempo todo com ele, conseguimos colocá-lo sentado. Ele piscou para nós, como se tivesse estado sob um encantamento por uma centena de anos. Cada uma de nós agarrou um de seus braços e, grunhindo como dois levantadores de peso, nos levantamos. Então os três despencaram no chão.


            Joelle acabou andando com o carro sobre o gramado do campus para estacioná-Io mais próximo de nós. Se pegassem a gente ali, as duas filhas da diretora do departamento de inglês, teríamos de encontrar uma nova casa. Mas a segurança estava relaxada naquela noite. Empurramos Draco para o banco de trás e fomos embora.




Não é que eu consegui atualizar antes de ir viajar? Pois é... Carnaval está chegando, e eu estou indo para Cabo Frio segunda-feira agora! Legal, né? Mas eu não me esqueci de vocês!


O que vocês acharam desse capítulo? Eu acho muito engraçado! Os foras que a Hermione dá para os amigos do Draco são ótimos e os comentários pertinentes da Joelle sempre me fazem rir...


Desejo a todos um bom Carnaval, aproveitem! Nos encontramos aqui depois, ok? Ah! Bebam com moderação!:D



Milharesdebeijos ♥

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