Capítulo 5



O dia seguinte foi tão agitado que Danielle não teve tempo de se preocupar com coisa alguma. Depois de tomar o delicioso café da manhã, desceu apressada com Zanaide para um enorme pátio onde um Rolls-Royce a esperava com o motor ligado.
Um motorista abriu-lhe a porta de trás. Ela entrou e sentou-se obedientemente ao lado de Jamaile, que a cumprimentou com um sorriso.
- Dormiu bem, filha de Hassan?
Danielle fez que sim com a cabeça e teve vontade de lhe pedir que a chamasse pelo nome. Filha de Hassan lhe trazia lembranças que desejava esquecer. Toda vez que lhe falavam assim, um arrepio lhe corria pelo corpo.
- Os vendedores de seda costumam vir ao palácio quando queremos roupas novas - explicou Jamaile. - Normalmente vêm uma vez por mês, por sinal essa é uma ocasião de grande alegria para minha casa, quando todos os membros se reúnem na câmara de recepção. Minhas noras também comparecem, junto com os parentes passamos um dia inteirinho escolhendo tecidos e tomando café.
- Deve ser muito agradável! - Danielle respondeu com polidez.
Jamaile, porém, percebeu que ela não tinha se interessado realmente e deixou isso bem claro lançando-lhe üm olhar perspicaz.
- Kadir - disse ela ao motorista -, por favor, feche o painel.
Kadir obedeceu-a, isolando-se com o guarda-costas no banco da frente. Em seguida, o carro arrancou.
- Quando nós, mulheres, vivemos desse modo recatado, precisamos encontrar diversões que nos ocupem - disse Jamaile. - E você, Danielle, não deve estranhar-nos tanto... Minhas noras são formadas em universidades. Falam inglês e francês com fluência, e todas cuidam de uma família numerosa. É norma da nossa religião os sexos não se misturarem a esmo, e nós respeitamos esses princípios. Só isso!
Fez uma pausa breve. A seriedade de seu rosto deu lugar a um sorriso de tolerância e compreensão.
- Sei que isso lhe parece rígido demais, mas não é bem assim. Meu marido, embora não seja tão avançado quanto Hassan, permite-nos participar de conferências sobre certos assuntos de interesse geral, e todas estamos a par de acontecimentos e temas internacionais. Promovemos debates bastante estimulantes para exercitar nosso espírito. E se esses pequenos prazeres se restringem ao nosso sexo, não quer dizer que sejam obrigatoriamente desagradáveis do ponto de vista de um europeu. Se o único objetivo de um encontro ou de uma discussão é a reunião de nossas amigas, seria injusto imaginar que a companhia de mulheres não é também muito agradável.
Jamaile sabe argumentar bem, refletiu Danielle. E, na verdade, pensou, estava sendo muito sensata. Mas no fundo não se opunha à falta de companhia masculina, e, sim, à falta de liberdade de opção.
Quando disse isso, Jamaile balançou a cabeça e sorriu.
- Isso é o que você pensa, não a nossa realidade... Pode-se ter a companhia do marido, ou do pai...
- Mas sempre com a prudência que a presença deles impõe.
Jamaile franziu as sobrancelhas.
- Você duvida que uma mulher tenha poderes para fazer com que um homem, principalmente um marido, se sinta bem na companhia dela? Danielle, você me decepciona! Tenho a impressão de que O movimento de libertação das mulheres roubou de vocês, européias, capacidade de atrair um homem e de cultivar um relacionamento, coisas que nossas mullteres aprendem desde crianças! Se alguma de nós quiser, pode transformar a vida do marido num inferno ou num mar-de-rosas. A mulher inteligente, é claro, escolherá o segundo caminho, pois quando reina harmonia num lar a felicidade torna-se evidente. Na minha opinião, você subestima seu próprio sexo. Pense nisso com seriedade.
Interrompeu-se bruscamente, como que para estudar a reação de Danielle.
-Bom - disse, mudando de assunto, depois de alguns minutos de silêncio -, agora Kadir nos levará até a rua Muhammad para você conhecer os edifícios que a família está construindo. Temos uma nova bibliOteca - acrescentou, apontando para nm prédio em estilo oriental-, uma nova escola de medicina e um novo hospital. Hassan sempre fala ao meu marido que Precisamos educar nossos filhos, preparando-os para o dia em que o petróleo acabar e deixar de ser a fonte de riqueza e poder. Por isso estamos criando indústrias e desenvolvendo tecnologias, tudo isso concentrado numa área distante da capital. Mais tarte irá conosco até o outro lado da cidade, junto do litoral. Você verá as praias e uma pequena ilha, que antes era o centro da nossa indústria de pérolas.
- Os homens ainda mergulham em busca delas? - Danielle perguntou, curiosa.
- Alguns, priocipalmente europeus. É uma atividade muito perigosa e passageira. Para se ganhar bem, é preciso encontrar pérolas perfeitas na formato e na cor.
O carro saiu da avenida principal e desceu uma rua com canteiros de flores e postes de iluminação...
- Vejo que está gostando de nossas flores - observou Jamaile.
- Elas fazem muita bem aos olhos, principalmente para quem se lembra de quando toda essa região não passava de um deserto árido. É tudo obra do meu irmão - acrescentou com orgulho. - Com o estimuJo de Hassan, ele construiu uma enorme usina que fornece água para as plantaçõe cOm uma capacidade excedente que permite qUe, aqui na cidade, irriguemos nossos gramados e as flores. De fato, para os árabes é um verdadeiro milagre, pois a vegetação cresce onde existe apenas areia. Isso é o maior testemunho do progresso que alcançamos.
Nos dois, lados da rua, viam-se inúmeras lojas especializadas em vários ramos, principalmente joalherias. O carro tomou uma ruazinha estreita e parou na frente de uma Iloja pequena e discreta.
O guarda-costas, de unifarme e portando uma arma, desceu. Danielle ficau assustada quando viu o revólver na cintura dele.
- Par que ele está armada?
- Mera precaução. - explicou Jamaile, tentando. tranqüilizá-la.
- As coisas não andam nada bem no Oriente Médio. Qu'Har é um pais pequeno, mais muito rico, e não temos condições de vigiar todas as regiões. Se nossos vizinhos quisessem, poderiam nas destruir com facilidade. Mas hoje, Danielle, não é dia de falarmos sobre coisas desagradáveis - acrescentou, sorridente. - A tristeza apagaria as cores vivas das tecidos de seda que eu quero que veja com seuS próprias olhos. É uma beleza!
Para alívio de Danielle, o guarda ficou do lado de fora da loja.
Assim que entraram, uma mulher correu para atendê-las, curvandose para Jamaile e levantando em seguida, rápida e elegantemente.
Danielle engoliu em seco quando observou o rosto dela: era uma das mulheres mais lindas que tinha visto em toda a sua vida.
- Zara - disse Jamaile -, esta é Danielle, filha de Hassan.- Danielle, esta é Zara, minha prima, uma mulher que vive para a carreira profissional... Não é verdade, Zara?
Jamaile parecia se divertir com o espanto de Danielle.
- Minha prima gosta de provocar você, não é? - disse Zara, sorrindo. - E verdade que papai me autoriza a comprar seda e dirigir esta lojinnha, mas atendo apenas as senhoras do palácio... Posso dizer que sou uma mulher feliz por ter uma família tão generosa. Se não fosse assim, já teria enlouquecido. Meu marido morreu numa explosão no campo de petróleo logo depois da primeira semana do nosso casamento.
Os olhos de Zara encheram-se de lágrimas.
- Eu tinha dezoito anos, na época - ela continuou contando. - Como não possuía filhos com quem pudesse me confortar, nem ânimo para viver sem o amor de meu marido, que conhecia desde criança, Jourdan me sugeriu que começasse no ramo dos negócios... Por mais absurda que pareça, sem a sugestão dele não sei o que teria acontecido comigo. Jourdan é um homem bondoso e compreensivo.
- E muito atraente também -acrescentou Jamaile.
Ao ouvir isso, por um momento o coração de Danielle quase parou de bater. Jourdan lhe parecia um animal selvagem e Zara era
uma mulher belíssima. Seria possível que as dois tivessem algum envoltimento afetivo?
Não teve tempo de refletir sobre aquela possibilidade. Zara disse qualquer coisa em árabe e apareceram duas moças trazendo muitas peças de seda, que foram colocadas sobre uma mesinha cercada de almofadas, forradas com tecidos coloridos.
- Por favor, Danielle, sente-se - convidou Zara. - Enquanto escolhemos a seda, tomaremos um delicioso café.
Elas sentaram em seguida, com a solenidade de quem começaria uma cerimônia religiosa.
- Tem alguma preferência, prima? - Zara perguntou a Jamaile, que fez um sinal afirmativo com a cabeça.
Danielle invejava a facilidade com que as duas mulheres podiam cruzar as pernas, sentadas apenas em almofadas, porque seus múscúlos doíam naquela posição. De maneira alguma devia estar tão elegante quanto as companheiras. Uma criada tímida e muito jovem trouxe o café, que foram bebendo enquanto novas mostras de seda eram colocadas sobre a mesinha já abarrotada. Só depois que elas se serviram é que Zara assumiu um ar profissional e começou a descrever os tecidos, indicando os que considerava mais adequados para Danielle.
- Acho que este aqui lhe fica muito bem, querida... e este, todo verde com bordados dourados...
Passou-se muito tempo, os dedos delicados e ágeis das mulheres segurando e largando dezenas de tecidos, cada um mais atraente que o outro.
- Muito bem - Jamaile disse afinal -, vou levar estes cinco padrões diferentes para ela.
- Mas... - Danielle protestou.
- Não queira me contrariar, filha de Hassan - Jamaile cortou-a.
- Jamaile sabe o que quer - brincou Zara -, e quando cisma com alguma coisa é inútil tentar convencê-la do contrário.
As costureiras do palácio vão lhe fazer túnicas maravilhosas, Danielle. Muitas das nossas mulheres preferem comprar suas roupas em Paris ou em Nova York. Eu, pessoalmente, prefiro mandar fazê-las ao nosso modo... Não há nada mais agradável que um cáftã.
- É uma roupa muito exótica - Danielle admitiu, alisando uma seda turquesa com contas de cristal. - Mas não quero nem pensar em abandonar meus jeans.
- Meu Deus! - Jamaile exclamou sem prestar atenção às palavras dela. - Ainda precisamos comprar perfumes e sapatos para você.
- Muito bem! - Zara brincou, sorrindo. - Agora que comprou meu estoque já está pensando em me deixar sozinha de novo...
- Os sapatos - Jamaile continuou, como se Zara não a tivesse interrompido - serão feitos sob medida no palácio. Mas, quanto ao , perfume, é preciso que procuremos com calma um bom especialista no assunto. Afinal, a perfumaria é uma arte e nós, orientais, acreditamos no valor dos perfumes. Quando apropriados, podem ter grande influência sobre os sentidos... muito mais do que você possa imaginar... No nosso país, acredita-se que uma mulher se desnuda por completo e mostra sua verdadeira personalidade pelo perfume que usa. Por isso, mesmo oculta por véus numa noite escura como breu, ela pode ser identificada num instante! Temos toda razão em nos orgulharmos de nossas essências, já que fazem parte de nós, mulheres!
Quando já estava de volta ao palácio, Danielle sentiu curiosidade em conhecer o pátio reservado às mulheres. Depois de passar uma maquilagem e de dispensar a companhia de Zanaide desceu com rapidez.
Andou tranqüila à sombra das palmeiras e examinou as primaveras que cobriam alguns arcos. Depois se aventurou noS vários caminhos de pedra, que formavam um desenho semelhante a um labinto. Sentou-se junto a uma das piscinas ornamentadas e ficou olhando as carpas que, de vez em quando, talvez para se aquecerem, subiam perto das folhas flutuantes dos lírios d'água...
O pátio era um oásis sereno em meio a uma casa movimentada.
Ficava evidente que não tinham poupado nenhum tostão para construí-lo e havia beleza espalhada por toda parte. As aves cantavam e desciam para bicar um inseto indefeso, voltando a voar tão depressa que sumiam no ar num piscar de olhos. Pombas pousavam suavemente para ciscar e de longe se ouvia o som de um pavão, sem quebrar o silêncio e a paz da tarde.
Danielle recostou-se no banco e fechou os olhos. Mas, de repente, imaginou um rosto moreno e sarcástico e, alarmada, voltou a abrir os olhos endireitando o corpo. Jourdan! Não posso mais pensar nele, disse com firmeza para si mesma, e levantou para andar a esmo. Dali a pouco, viu-se diante de um muro de pedras muito alto, que tinha uma porta de madeira pesada. Estimulada pela lembrança de um romance que havia lido uma vez, O Jardim Secreto, pôs a mão na maçaneta, com intenção de abri-la.
Atrás 'do muro havia um outro pátio, com carrOS para o transporte de cavalos e diversos animais, um mais bonito do que outro.
Danielle parou no limiar da porta, hesitante, quando viu que uma figura familiar caminhava na sua direção. Esquecendo os conselhos de Zanaide, correu para ela, sorrindo de contentamento.
- Saud! - exclamou.
Aproximaram-se. Tímido e com o rosto vermelho, Saud segurou as mãos de Danielle, os olhos brilhando de alegria.
- O que está fazendo aqui? - Danielle perguntou.
Não O via desde o dia em que chegou a Qu'Har, mas sentiu que o considerava como um velho amigp.
- 0 xeque quer andar a cavalo e vim pedir aos cavalariços para porem as selas no garanhão - ele explicou, apontando o cavalo árabe preto que levavam para dentro do pátio. A pele do animal brilhavava como seda, as orelhas pequenas estremecendo à medida que avançava pelas pedras. - Ele pertence a uma linhagem criada especialmente para a família real. Ninguém mais pode montar esses animais... Há muito tempo já eram usados para testar a masculinidade de um jovem xeque... Hoje não se faz mais esse tipo de teste, mas o homem que puder controlá-los e montá-los será respeitado.
Danielle compreendeu bem o que Saud dizia ao ver que eram necessários dois cavalariços para segurar o garanhão, que batia o casco contra as pedras e bufava, irritado por estar preso pelas rédeas.
- Está gostando de ficar aqui? - Saud perguntou. - Minha irmã me contou que hoje de manhã você saiu para fazer compras.
- Sua irmã?
- Zoe - ele explicou, sorrindo. De repente, ficou sério e olhou para trás. - Desculpe, senhorita Danielle, mas... não devia estar aqui, e muito menos conversando com você... Digo isto por sua causa, não por mim - acrescentou, os olhos meigos fixos em Danielle.
- Quanto a mim, adoraria poder conhecê-la melhor, passear à noite por um oásis, eu, você, e a lua nova...
- Mas, Saud, você está noivo! - Danielle lembrou, sentindo-se incomodada com a conversa.
Antes que ele respondesse, ouviu-se uma voz autoritária.
- Saud! Onde está meu cavalo de montaria?
O coração de Danielle bateu acelerado quando viu alguém se aproximando; alguém que trazia um falcão pousado na mão, protegido por uma luva grosseira. Era ele, o homem que a amedrontava e perseguia nos pesadelos, cuja presença fazia com que seu sangue subisse para o rosto, despertando-lhe o desejo de desaparecer num passe de mágica.
Saud sentia-se como uma criança culpada de alguma traquinagem, olhando para Danielle com ar de desculpa.
Jourdan, ao contrário, parecia perfeitamente calmo e dono da situação. Enquanto passava o falcão para um, empregado, lançou um olhar frio para Danielle e Saud, como se fossem dois canalhas surpreendidos no momento exato em que cometiam um crime hediondo, Danielle cerrou as pálpebras, recusando-se a ouvir uma voz que falava dentro dela, dizendo-lhe que Jourdan preparava dentro de si uma tempestade avassaladora.
- Saud, mais tarde quero conversar com você - Jourdan disse.
Ele olhava para Saud sem nenhuma compaixão, despertando no rapaz um medo intenso. Saud voltou-se para Danielle, sem saber o que dizer, mostrando-se tímido e abatido.
- A culpa é minha, não de Saud - adiantou-se Danielle, com pena dele. Sua voz ecoou fracamente pelo pátio, chamando a atenção de alguns criados. - Entrei aqui por engano e falávamos sobre isso...
- A filha de Hassan vive cometendo enganos - ironizou Jourdan - Você defende meu sobrinho como a leoa faz com os seus filhotes... Pode me dizer por quê?
As palavras dele estalaram como um chicote, mas ela não cedeu.
- Primeiro porque detesto que as pessoas discutam... E segundo porque gosto de Saud e sou amiga dele.
Fez-se um silêncio tenso. O rosto de Saud iluminou-se de alegria, e Danielle arrependeu-se imediatamente de ter dito aquelas palavras de uma maneira tão violenta. Sem dúvida, Saud as tinha interpretado mal, e Jourdan? Olhou-o de relance e viu o rosto bonito e impassível.
Não expressava nada... apenas a estudava, boca marcada por linhas severas...
- Volte para o seu lugar, filha de Hassan - ordenou Jourdan.- E lembre que Saud é noivo.
Deu as costas a Danielle para montar o cavalo trazido pelo cavalariço e, segurando as rédeas com mãos de ferro, aproximou-se dela.
- Outra coisa... Se quiser alguma aventura, mignonne, escolha um outro homem. Se não mais velho, pelo menos mais... inteligente.
Sem olhá-la, afastou-se rapidamente, o som dos cascos nas pedras ecoando no mesmo ritmo das batidas do coração de Danielle.
Ela ficou ali parada, com a resposta a ser dada presa na garganta.
Afinal reanimou-se, e voltou correndo para a tranqüilidade do jardim de Jamaile.


Descansando no quarto, abatida pelo calor da tarde, Danielle entregou-se a um silêncio angustiante, os pensamentos atormentando-a incessantemente.
Pouco depois, uma criada a procurou para dizer que Jamaile a chamava para tirar medidas para as roupas novas. A idéia não a
intusiasmou muito, mas pelo menos era uma oportunidade de se distrair e esquecer as sensações desagradáveis provocadas por Jourdan.
Desceu logo em seguida e enoontrou J amaile à espera.
- A costureira vai lhe tirar as medidas agora,Danielle.
- Sim, senhora.
- Vai ver como os cáftãs a deixarão ainda mais bela e jovial...
Danielle não soube o que responder, mas esforçou-se para sorrir não deixar transparecer nada.
Enquanto a moça, humilde e obediente, passava-lhe a fita métrica em torno da cintura, Danielle ouviu-a comentar qualquer coisa com Jamaile. . .
- Naomi está dizendo que você é magra como uma figueira antes de dar frutos - Jamaile explicou. - Ela vai fazer também o vestido de noiva de Zoe. Já é uma tradição na famlia de meu marido as mulheres usarem seda vermelha e cento e um botões de pérola no cáftã nupcial. A túnica de Zoe terá o emblema da fertilidade e o futuro marido dará a ela o cinto de prata que só ele terá o direito de tirar depois da cerimônia de casamento.
As mulheres aqui se sujeitam de muitas maneiras, Danielle pensou.
Mas, embora se condenasse por isso, não foi Zoe que imaginou vestida numa túnica vermelha enquanto as mãos morenas e delgadas de um homem desatavam o cinto de prata. Viu-se a si mesma, os olhos inquietos fixos no marido alto e arrogante...
- Você está há muito tempo aqui em casa, sem fazer nada - disse Jamaile, quebrando-lhe o devaneio. - Fará um passeio hoje a
tarde para conhecer o litoral. Além do motorista, Zanaide irá acompanhá-la.
Danielle entendeu que a sessão estava terminada e que poderia se retirar. Agradeceu à costureira e às ajudantes e voltou para o quarto, onde Zanaide a esperava.
Entrou e viu sobre a cama a bela túnica vermelha que Zanaide havia levado. Tinha pensado em usar algo mais informal no passeio mas antes de dizer qualquer coisa Zanaide foi até o banheiro. Não querendo contrariá-la, recusando o cáftã, Danielle tirou a saia e blusa e foi até o quarto de vestir para pegar roupas íntimas novas.
Não pretendia tomar um banho completo, porém, mais uma vez Zanaide, adiantou-se e, quando saiu do quarto de vestir, Danielle viu-se envolvida pelo agradável aroma de sândalo.
- Zanaide...
- Sim, senhorita?
- Quem disse para você, que desejo tomar banho? - protestou.
- Oh, senhorita, perdoe-me.
Arrependida com a indelicadeza, e vendo a tristeza estampada no rosto de Zanaide,não teve outra saída senão entrar na banheira com água perfumada.
Danielle teria morrido de rir se dias antes, alguém lhe dissesse que mergulharia numa banheira de mármore tão grande quanto uma piscina, e que contaria com uma criada para lhe passar um suave óleo perfumado no corpo. Mas agora achava aquilo tão natural e delicioso, que parecia absurdo resistir. Se protestava, era na verdade, porque dentro dela os hábitos europeus ainda predominavam.
Pouco depois, saiu da banheira, enxugou-se e vestiu-se rapidamente com as roupas leves de seda, ideais para um dia quente como aquele. O amarelo dourado do tecido enfatizava os cabelos loiros e o verde cristalino dos seus olhos. Um pouco de sombra esverdeada e um simples toque de batom encarnado transformaram-na repentinamente numa mulher belíssima.
Olhando-se no espelho, parecia uma estranha. Seus lábios não eram assim tão carnudos e sensualmente trêmulos! E nos olhos nunca tinha notado tanto mistério e insinuação!
Desceram em seguida. O carro que as esperava dessa vez não era o Rolls-Royce, mas um discreto BMW. Zanaide entrou com calma na parte da frente e sentou ao lado do motorista. Um criado abriu a porta traseira para Danielle. Ela acomodou-se, o ajudante fechou a porta e o carro arrancou com suavidade. Só então, como que despertando de um sonho profundo e fantástico, Danielle percebeu que não estava sozinha.
- Ficou pálida de repente, filha de Hassan - brincou a voz masculina.
- Jourdan! - ela exclamou, as sílabas do nome se, atropelando nos lábios entreabertos de surpresa. - Que está fazendo por aquj?
- Cumprindo uma tarefa. Jamaile pediu-me para acompanhá-la, e aqui estou.
Apesar da explicação lógica e clara, Danielle ficou intrigada. E profundamente ansiosa. Afinal, Jourdan não era o tipo de homem que aceitava ordens de uma mulher, mesmo que esta fosse esposa do chefe de Qu'Har.
- Talvez preferisse que Saud estivesse no meu lugar... Parece que você exerce má influência sobre rapazes impressionáveis, filha de Hassan...
- Eu e Saud estávamos apenas conversando - ela replicou.- Não tínhamos segundas intenções.
- Ousaria dizer que eram dois inocentes?
- Mas é claro!
- Não existe inocência entre um homem e uma mulher. Alega inocência significa desconhecimento absoluto do mundo. Ou então, uma capacidade incrível de iludir-se.
Daniel1e não respondeu. Desviou o rosto e ficou olhando para fora.
Viu à distância a água azul esverdeada do golfo, além de jardins repletos de palmeiras. Mas, enquanto observava o litoral, sentiu que em vez de se aproximarem dele, estavam se distanciando. Olhou para a frente e constatou que a estrada que tinha tomado não levava para as praias.
Chegando numa bifurcação, o carro não tomou a direção do golfo.
Indo para o lado oposto, com certeza rumava para os subúrbios da cidade, com casas esparsas e grandes extensões de deserto.
Preocupada, Danielle olhou para trás e reacomodou-se com impaciência no banco. Para onde estariam indo?
- Pode me dizer para onde vamos? - perguntou a Jourdan.
- Espere e verá - ele respondeu, seco.
A ansiedade de Danielle se transformou em apreensão. Que intenção teriam eles, fazendo mistério de um passeio que antes lhe parecia tão simples? Pensou em pedir ao motorista que parasse o carro, mas lembrou da presença de Zanaide e acalmou-se um pouco. Jourdan estava pregando uma peça nela, refletiu. Havia feito questão de assustá-la, e, inocente, ela reagiu como ele esperava!
Decidiu relaxar e ficar quieta, enquanto o automóvel continuava adentrando cada vez mais no deserto. Nós dois estamos lutando em silêncio, Danielle disse a si mesma, e eu não quero perder!
O carro rOdava já por mais de uma hora e os únicos sinais de civilização eram pequenos grupos de tendas que apareciam às vezes em tomo dos oásis. Provavelmente estamos andando em círculo, pensou Danielle, procurando~não se deixar amedrontar pela vastidão do deserto que os envolvia. Só conseguia divisar as dunas imensas. O sol começava a descer, feito uma gigantesca bola de fogo, tingindo de vermelho a areia.
Finalmente, não suportando mais aquela demora, ela suspirou e disse:
- Muito bem, Jourdan. Acho que você já se divertiu bastante comigo. Confesso que estou impressionada! Mas a esta altura devemos ter chegado perto do palácio, não? Jamaile estará nos esperando?
- Mais ou menos... Estamos perto do palácio, filha de Hassan, mas não do palácio do meu tio.
Mal ele acabou de falar, Danielle avistou uma construção no horizonte, uma grande muralha com enormes portas de madeira, como tinha visto em filmes de aventura. Quando se aproximaram, a porta se escancarou, devorando-os como uma boca gigantesca. Danielle não compreendia o silêncio de Zanaide, que parecia conivente com aquilo tudo...
O carro avançou sobre as pedras de um pátio, passando por ricas vegetações de flores e palmeiras, e parou na frente da escadaria da entrada, guardada por dois leões esculpidos em mármore.
Daniel1e levou a mão à maçaneta.
- Espere que eu saia primeiro - Jourdan adiantou-se. - O que a minha gente vai pensar de mim? Que não respeito minha esposa?
- Sua esposa!
Não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir. Estava confusa, com um misto de calor e perplexidade. A cabeça girava, girava, e não encontrava uma maneira de responder a Jourdan. Afinal saiu do carro pata se expor aos últimos raios vermelhos do sol que morria lentamente.
Subiram os degraus de mármore e pararam sob a sombra de uma marquise com desenhos em mosaico.
- Mas não sou sua esposa, Jourdan - Danielle conseguiu protestar.
Ele parou, voltou-se e a examinou com o mesmo ar de arrogância que nunca abandonava. Danielle estremeceu.
- Ainda não, filha de Hassan - Jourdan concordou. - Mas a partir de amanhã será.

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