Moçambique



- Eu sei – ela continuou – que vocês estão escondendo alguma coisa sobre a guerra, sobre a participação de vocês nela. Muito bem, eu exijo saber. Neville, você primeiro. Quero saber tudo.

- Minha participação? – Neville hesitou.

- Sim, você obviamente teve uma, já que está praticamente suando frio. Você estava do lado ruim?

- Claro que não!

- Então não tem nada a temer! Conte-nos!

Neville não gostava de falar sobre a guerra. Ele não tinha memórias muito boas dessa época, e como Draco também não falava, eles nunca tinham conversado direito sobre isso. Claro, o loiro sabia por cima qual tinha sido a participação do moreno, mas os dois nunca tinham entrado em detalhes. Naquele momento, ele sabia que não tinha escapatória. Falaria, sim, e falaria a verdade. Neville achava que seu pior defeito era não saber mentir.

- Minha participação, Lizbeth, não foi das mais agradáveis. Eu quase fui preso no final da guerra, mas todos os meus amigos, incluindo Alvo Dumbledore, que é um bruxo muito famoso, intercederam em meu favor, e me safei da prisão.

- Você estava do lado negro? – Dominique horrorizou-se.

- Claro que não! O que você pensa que eu sou?

- É você que está aí dizendo que foi quase preso!

- Foi por causa de outras coisas! Digamos apenas que eu fui um pouco responsável pelo desaparecimento total de Ginny.

Nenhum dos três falou nada por um momento. Draco sabia o que o amigo queria dizer, e as duas garotas estavam imaginando as piores coisas. Neville resolveu continuar.

- Eu não a seqüestrei, não, se é isso o que vocês estão pensando.

- Então o que foi que aconteceu?

- Eu... matei os Lestrange e não perguntei onde Ginny estava antes.

- Como... assim? – Lizbeth não acreditou.

- A batalha final foi na mansão dos Lestrange. Eu entrei lá, junto com Harry, Ron, Hermione e Luna, e enquanto o Harry foi cuidar de Voldemort, nós quatro ficamos encarregados dos Comensais. Acabamos nos separando, e quando vi, estava de cara com Belatriz e Rodolfo Lestrange. Nós lutamos, e eu acabei matando os dois. Só depois lembrei-me de Ginny.

- Você deu conta dos dois sozinho?

- Dei.

- Eu sempre achei que aqueles que estavam do lado do bem nunca matavam.

- É por isso que eu quase fui preso. Eu devia ter apenas estuporado os Lestrange. Mas digamos que eu fui movido por um sentimento mais forte que eu.

Lizbeth estava muito chocada para falar; não conseguia acreditar que Neville havia feito tudo aquilo. Desde o começo, ela o vira como uma pessoa pacifica, e não como um assassino, mesmo que se tratasse de um casal de Comensais da Morte.

- Vingança? – perguntou Dominique.

- Os Lestrange, há vinte e seis anos atrás, torturaram meus pais até a loucura. Até hoje, os dois estão no St Mungus, e nunca mais me reconheceram. Eu quase fiquei louco quando encontrei os Lestrange.

Naquele momento, Lizbeth entendeu os motivos de Neville, e se encheu de compaixão por ele. Estava pensando no que poderia falar quando o diretor do zoológico entrou, berrando a plenos pulmões:

- Malfoy! Longbottom! Os dois na minha sala agora!

Neville e Draco despediram-se rapidamente de Lizbeth e Dominique e saíram do refeitório, cada um com seus pensamentos. O moreno sentia o estômago revirando, por causa das lembranças. Já Draco sentia-se aliviado. Ele não fazia idéia do que poderia falar quando as duas perguntassem sobre a sua participação na guerra, mas tinha certeza que não poderia, de jeito nenhum, falar a verdade.

- Lizbeth, você está bem? – Dominique perguntou assim que os dois saíram.

- Sim, estou bem. Estou apenas pensando em tudo que Neville contou. Não deve ser fácil para ele falar sobre os Lestrange.

- Eu acho que os dois já passaram por muita coisa, principalmente durante a guerra.

- O que nos leva a Draco. Ele não falou sobre a participação dele, mas sei que ele é quem esconde mais.

Dominique suspirou.

- Eu sei, também sinto isso. Mas acho que não devemos perguntar nada por enquanto, você viu o que aconteceu com Neville. Às vezes pode ter sido pior com Draco. Se ele quiser falar, ele vai nos contar.

- Como você quiser. Mas acho que existem coisas sobre você... Ginny... voce... ah, você entendeu, que ele não contou.


O esporro que Draco e Neville levaram do diretor não foi inesperado. Sempre que o chefão estava sem nada pra fazer, ele escolhia alguns funcionários para gritar, e dessa vez não foi diferente. Tudo o que ele dizia, ninguém escutava de verdade.

Os dois saíram da sala um pouco atordoados com tanta gritaria, e cada um foi fazer seu respectivo trabalho, já que fazia um certo tempo que nenhum dos dois fazia direito. Lizbeth acompanhou Neville, e Dominique foi ajudar Draco.

Estavam cuidando da pata de um hipogrifo quando Dominique perguntou:

- Draco, será que você pode começar a me chamar de Ginny?

- Por que?

- Eu preciso me acostumar. Não posso me apresentar aos meus pais como Dominique Vallosh.

- Está bem. Eu te chamo de Ginny.

Para Draco, aquilo tudo era um pouco bizarro. Tudo bem que ele até simpatizava com Dominique, mas chamá-la de Ginny era um pouco estranho. Ele nunca tinha chamado Virginia Weasley pelo primeiro nome, sempre tinha sido Weasley ou pobretona. E ele estava quase convencido de que Dominique era realmente Ginny, apesar de Neville achar que não.
Estavam em silencio por uns cinco minutos quando Dominique voltou a falar.

- Draco, a sua família... é amiga da minha?

Ele não se surpreendeu com a pergunta, para falar a verdade, já estava esperando algo do tipo. Draco não tinha dito nada sobre si mesmo, apenas que conhecera Ginny. Era óbvio que Dominique ficaria curiosa.

- Não exatamente. – ele respondeu, com um sorriso irônico.

- Como assim?

- O ódio entre as duas famílias é mútuo.

Ela levantou uma sobrancelha.

- Então minha família odeia a sua família e vice-versa?

- É.

- Por quê?

- Tem sido assim por anos, os Weasleys e os Malfoys são rivais desde sempre.

- Mas por quê, Draco?

Ele ficou um pouco irritado com o interrogatório.

- Sua família sempre foi boazinha, e a minha família sempre esteve do lado negro, está bem? Respondi sua pergunta?

Ela assentiu, um pouco assustada.

- Ótimo. Então vamos voltar ao trabalho. – ele grunhiu algo mais, mas ela não ouviu.

Draco sinceramente esperava que ela ficasse quieta de vez, mas dez minutos depois, ela o desmontou com uma pergunta totalmente inesperada.

- Quem é Peter Pettigrew?

- Como??

- Peter Pettigrew! Quem é?

- Alguém do mundo bruxo. Como você sabe o nome dele?

- Não sei, acabou de me vir à cabeça esse nome e um homem... Ele tinha uma mão metálica.

- Peter Pettigrew era o braço-direito de Voldemort. Ele tinha a mão metálica porque cortou a sua própria para trazer o Lorde das Trevas de volta à vida.

Ela se arrepiou.

- Por que me lembrei dele?

- Não sei. Isso já aconteceu outras vezes?

- Sim, mas nunca foi tão nítido. Nunca surgiram nomes, apenas imagens um pouco nubladas. Isso deve estar acontecendo por que agora estou perto de pessoas que fizeram parte do meu passado.

- Eu acho que você vai começar a se lembrar de muitas coisas...
vPor mais que Draco tentasse fingir que estava feliz por Dominique estar se lembrando do seu passado, ele não conseguiu não pensar no que aconteceria se ela se recordasse de tudo. Virginia Weasley era a única pessoa no mundo que sabia sobre a real participação de Draco na guerra, a participação que ele escondera de todos, e ele não estava nem um pouco disposto a ter que esclarecer tudo agora.


Uma semana se passou, e Draco e Neville ensinaram alguns truques básicos de magia para Dominique, que aprendia tudo maravilhada. Quando conseguiu executar um Vingardium Leviosa pela primeira vez, ficou feliz por dois dias, e Draco e Neville quase não conseguiram ensinar mais nada.

Mas Lizbeth chegou a conclusão que eles precisavam partir para a Inglaterra imediatamente. Draco se irritava profundamente com aquela mulher metida e enxerida, mas Neville sempre dizia que ela tinha razão. Por fim, acabaram resolvendo ir para a Inglaterra de carona e do jeito que conseguissem. Considerando que eles estavam na Cidade do Cabo, África do Sul, a viagem demoraria muito tempo, mas eles estavam dispostos a tentar. Além do mais, dissera Neville, poderiam ir ensinando cada vez mais à Dominique.

Eles resolveram partir num domingo. Draco e Neville pediram demissão do zoológico, e receberam o salário que era justo pelos dias de trabalho. Dominique e Lizbeth também se desligaram do grupo de senhoras, e juntaram todas as suas economias. Teresa Campbell e Gertrude Fisher, do grupo, ajudaram com um pouco de dinheiro, mas não era muito. E assim, numa segunda-feira de manhã, eles partiram na garupa de um caminhão que estava indo para Moçambique.

De acordo com o motorista, a viagem demoraria dois dias, e eles parariam para descansar durante a noite em um hotelzinho para caminhoneiros. Lizbeth constatou que eles não poderiam ficar gastando dinheiro com hotéis, então pediram autorização ao motorista para dormirem no caminhão.

Ao chegarem no tal hotel, o motorista deixou o caminhão no estacionamento, deixando as chaves do camburão(1) com Draco. Lizbeth, é claro, tinha dois colchonetes pequenos, sendo prevenida como era. Era muito pequeno para dois homens grandes como Neville e Draco dividirem, então o moreno disse:

- Não tem jeito, vai ter que dormir um casal em cada colchão.

Lizbeth não demorou para puxar Neville, e estendeu o outro colchonete para Draco e Dominique. Draco parecia um tanto perplexo com a situação, e Lizbeth achou graça. Comeram um sanduíche que tinham trazido do zoológico antes de se deitarem, e exaustos, acomodaram-se quase sem falar nada.

Neville e Lizbeth dormiram quase que instantaneamente, mas Draco não se sentiu muito confortável com a ruiva ao seu lado. Não que ele não gostasse de dormir com mulheres, mas ele sabia que ela era uma Weasley. Dominique tentou se ajeitar no colchão minúsculo sem tocar em Draco, mas quando viu que isso era impossível, virou-se de frente para ele e colocou a cabeça em seu ombro, passando o braço por cima da sua barriga.

O loiro se mexeu quando ela o abraçou, mas Dominique apenas disse:

- Dorme, Draco. Não tem outro jeito, assim fica mais confortável.

Ele se resignou e aceitou, a abraçando também.

Draco teve a melhor noite de sono de sua vida.


No dia seguinte, continuaram com o mesmo caminhoneiro, e chegaram quase na fronteira de Moçambique com a Tanzânia. Ficaram na cidade de Lichinga, ao lado do Lago Niassa, que era até onde o motorista ia. Agradeceram, e assim que o caminhão partiu de novo, Dominique perguntou:

- Alguém aqui fala português?

- Por que? – indagou Neville.

- A língua oficial aqui é o português.

- Eu falo. – disse Lizbeth.

- Você fala português? – perguntou Draco.

- Morei um tempo em Portugal.

Lizbeth começou a andar, e os outros três a seguiram, sem fazer a menor idéia de onde estavam indo. Não que Lizbeth soubesse, mas como ela era a única que poderia se comunicar com os moçambicanos, assumiu a liderança.

- Estamos em Lichinga, temos que atravessar a fronteira e chegar à Tanzânia. Daqui até a cidade de Mbamba Bay são um pouco mais de duzentos e cinqüenta quilômetros. Nós poderemos pegar um ônibus, a passagem não deve ser cara por que não é muito longe.

Ela parou uma pessoa na rua e perguntou onde era a estação de ônibus mais próxima. Depois, continuou:

- Em Mbamba Bay, provavelmente acharemos carona mais facilmente, a cidade é grande. Vamos, a estação está a dez quarteirões daqui.

Andaram em silêncio por algum tempo, até que Neville se lembrou de perguntar:

- Que língua eles falam na Tanzânia?

- Inglês e swahili. Poderemos nos virar bem. – respondeu Dominique de prontidão.

- Como é que vocês duas sabem todas essas coisas?

- Eu fiz um estudo sobre a África e seus países a um tempo atrás, e Lizbeth comeu o Atlas antes de sairmos de Pretória(2).

Neville sorriu e foi para o lado de Lizbeth, tentando puxar papo. Ela sorriu e os dois começaram a conversar animadamente.

- Lembrou-se de mais alguma coisa? – Draco perguntou a Dominique, em voz baixa.

- Essa noite eu sonhei com uma garota loira. Eu e ela no sonho tínhamos uns dezesseis anos. Lembro-me que a chamei de Loony.

- Deve ser Luna Lovegood. Ela era uma amiga sua de Hogwarts. É repórter hoje, herdou uma revista do pai. Namorou Neville por um tempo, mas eles terminaram quando ele veio para Pretória.

Chegaram na estação e Lizbeth foi comprar as passagens. Voltou com quatro tickets na mão, que Dominique guardou na bolsa.

- Comprei as passagens da noite, assim poderemos dormir um pouco no ônibus. Embarcamos em três horas, vamos comer alguma coisa.

Compraram os sanduíches mais baratos que encontraram, e comeram rápido, esfomeados. Depois, sentaram-se em uma área isolada, para tentar ensinar Dominque a fazer um pouco mais de magia.

Draco emprestou sua varinha, como sempre, e Neville a ensinou a fazer um feitiço simples de transfiguração. Ela aprendeu rápido.
Quando embarcaram, Neville puxou Lizbeth para se sentar com ele, e Draco e Dominique tiraram par ou impar pela janela. Draco ganhou.

Acomodaram-se, e assim que o ônibus partiu, Dominque perguntou:

- Se sua família odeia a minha, por que está me ajudando, Draco?

Continua...

(1) Eu não sei exatamente o nome daquela parte de trás do caminhão, aonde vão as mercadorias. Então usei camburão. Mas eles não estão num carro da polícia.

(2) Pretória é a cidade na África do Sul que eles estavam.
Eu não sei as distâncias exatas entre as cidades, mas pesquisei e essas distâncias que coloquei são todas próximas das reais. As línguas faladas também são verdadeiras, assim como as cidades.

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