Lágrimas



Cap.7 - Lágrimas

Ela sabia que devia ser mais ou menos umas quatro da tarde. Escurecia bem rápido nesta época do ano. Junto com a luz, Hermione sentia a esperança escapar de seus dedos por mais que ela quisesse segurá-la. Era mais ou menos como tentar segurar areia da praia. Ela vai embora, e fica só um restinho na palma da mão.

- Vai dormir, Hermione. Eu fico no seu lugar. Prometo te chamar se ele aparecer.

Hermione tentou não olhar nos olhos cheios de compaixão e pena de Luna. Ela sabia que no que a mulher estava pensando. Estava pensando que aquilo era um desperdício de tempo. Mas ficaria ali, esperando no lugar dela, como prometera. Porque, acima e apesar de tudo, Luna era uma grande amiga.

A morena aparatou em casa. Fazia dois dias que não aparecia por lá. Fazia dois dias que ela esperava na frente do Véu. Esperava ele sair, com um sorriso no rosto, perguntando porque ela estava chorando. Depois de feito o feitiço, depois de utilizado o amuleto para chamá-lo, ela sentara. E esperara. Quando alguém lhe disse que aquilo não ia dar certo, ela não ligou, e continuou esperando. Quando doze horas se passaram e ele não apareceu, ela esperou. Quando ela sentiu que o coração lhe apertava no peito, ela continuou esperando.
Esperando qualquer coisa. Qualquer sinal que estava tudo bem. Afinal, aquilo era magia antiga. Magia antiga demora, mas funciona.
Ou ao menos ela esperava que sim.

Os joelhos da mulher cederam, e ela ficou estirada no sofá. Não estava com energia de subir até o quarto. Uma parte de Hermione percebeu que começara a chover. As gotas de chuva deslizavam pela vidraça.


-Noites de chuvas são tão melancólicas. – Observou a adolescente, encolhida na poltrona da biblioteca. Estava de volta ao Largo Grimmauld para o Natal. – Gotas de chuva são lágrimas do céu. – As mãos dela se torciam de frio.
- Eu gosto de noites chuvosas. Nunca se sabe. Podem ser lágrimas de felicidade. A chuva me lembra coisas boas. Quando eu entrei em Hogwarts, estava chovendo. Quando fugi da casa de meus pais, estava chovendo. Na noite em que beijei pela primeira vez a garota que amava, também. – Sirius sorriu. Mione sorriu também, porém um sorriso nervoso. Sirius às vezes falava coisas como que contando uma piadinha para si mesmo, e nessas horas ela ficava nervosa. O padrinho de Harry era meio estranho.


A lembrança veio num relâmpago. É verdade, aquilo acontecera há muito tempo atrás.
Era dela que ele estava falando, realizou a mulher.

Hermione sentiu que parava de chorar. Sua cabeça estava doendo. A chuva ainda estava batendo na janela. Ela odiava chuva. Ela odiava, odiava, odiava, odiava chuva. Mas ele gostava. Ele amava. Será que neste momento, se ele soubesse que estava chovendo, ele estaria feliz? Será que ele ao menos se lembrara de colocar o amuleto antes de ir para a batalha? Por que ele não estava ali?
Um grito de dor queria escapar pelos lábios vermelhos. Talvez um braço cortado fizesse menos falta. Talvez um pulso cortado fizesse menos diferença.

Era melhor deixar logo de lado todas as esperanças.
Afinal, o desespero já a embraçava, e no momento seus braços pareciam bem convidativos.

Mal tocando no chão, Hermione chegou à cozinha. Mais tarde, ela não se lembraria sequer de ter levantado do sofá. Pensou em abrir a gaveta das facas. Não abriu. Seguiu reto até o peitoril da janela, onde um lindo vaso de flores cuidadosamente organizado. Separou do vaso um lírio e um jasmim. Sirius lhe dissera certa vez que lírio era sua flor favorita. Jasmim era a dela própria.

Com um estalo, Hermione não estava mais em casa, e sim na frente do cemitério. O dia estava se despedindo de suas cores. Quando a guerra acabara, Harry mandara fazer uma lápide com o nome de Sirius.

Debaixo da lápide, não havia nenhum corpo, não havia nenhum cadáver pelo qual a mulher pudesse chorar. Mas mesmo assim ela estivera chorando, por homem sumido, por seu amor que não poderia ser explicado. Ela nunca poderia marcar a época em que se apaixonou por Sirius Black, porque certas coisas não começam nem acabam em tempo determinado.

As brancas flores caíram sobre a lápide.

Ela não sabia nem ao menos se o relacionamento funcionaria se ele aparecesse. Se não funcionasse, ela não se importaria. Ao menos teria uma chance, e seria uma chance áurea, de ver aquele rosto novamente. Um rosto que jamais iria esquecer. Quando todo o mundo tivesse deixado de sofrer por todo o sangue, quando as vozes proclamassem uma nova época, quando aqueles ideais macabros deixados para trás fossem somente fábulas, e todos os seus amigos fossem lembrados somente em manchetes antigas, ela ainda se lembraria dele.
Sobre os ombros, o peso da certeza absoluta a atingiu.

Hermione caiu ajoelhada na grama. Seus joelhos haviam cedido, uma dor pulsante começara em seu coração.

E agora o vestido de Bellatrix Black Lestrange estava molhado e sujo de lama. A chuva deixava a mulher com frio, mas o sol também não seria capaz de aquecê-la. Era um frio mais profundo, um frio que fora tudo que sobrara de todas as esperanças quebradas. De todo o seu coração despedaçado.

Como aquilo acontecera? Será que ela errara em alguma parte do amuleto? Será que não servia para tirar pessoas do véu? Eram tantas as coisas que podiam ter dado errado... Toda a sua espera, todo o seu esperança, todo o desespero fora em vão. Era vão.
Será que ela não deveria ter nem ao menos tentado? Será que deveria ter sido mais forte e não ceder ao olhar, ao coração? Como ela ousara subestimar a perda? Como ela ousara subestimar seu próprio amor?

Aquelas flores iam morrer depois de um tempo. Hermione prometeu a si mesma trazer mais delas quando isso acontecesse. Deixou as flores enroladas uma a outra enquanto aparatou no Ministério. Luna merecia dormir um pouco também.

*****

No dia seguinte, depois do trabalho, Hermione se viu novamente na frente do Véu. Aquele Véu que ela aprendera a odiar com todas as suas forças. Estava ali só para se despedir. Só para dizer adeus a Sirius Black.
Não levava flores, nem sorrisos, nem palavras bonitas. Para ele, Hermione só tinha uma última lágrima.

Ficou ali mais tempo do que o esperado, não muito certa se teria coragem de dizer adeus.

Ela preferia pensar que não era um adeus, era só um até logo.

Antes de fechar a porta atrás de si, decidida finalmente a ir embora, Hermione deu uma última olhada. Não pretendia voltar ali. Por um instante, lembrou-se da batalha que ocorrera ali. Parecia muito tempo, fora a menos de dez anos atrás. A mulher conseguia visualizar com perfeição os Comensais, eles, apenas crianças, e os Membros da Ordem aparecendo para salvá-los.
“Sirius apareceu para me salvar.” - Percebeu a mulher. Ela tentaria seguir em frente. Era possível viver sem ele, mas não queria. Hermione decidiu que, se não fosse viver por si mesma, deveria ao menos viver por ele.
Sim, era isso que ela faria. Viveria por Sirius Black.

Hermione conseguia se lembrar de Harry lhe dizendo que imaginara Sirius saindo do Véu diversas vezes em sua imaginação. Os cabelos balançando, a varinha em guarda, um riso bonito nos lábios. Ele disse que vira a cena se repetindo, em cada sonho, em cada pesadelo. É, agora ela também via.
Espere.
Ela efetivamente via aquilo acontecer.
Piscou para limpar os olhos. Seria aquilo um sonho?

Os saltos da mulher correndo pelo salão era a única coisa possível de ser ouvida. Ela estava com medo de ser um fantasma. Correu toda a extensão do salão, olhos fixos na figura de preto. Não era uma ilusão. Não podia ser uma. Tinha que ser ele. Por favor, tinha que ser ele.
Sua respiração estava acelerada agora. Por um instante achou que fosse torcer o tornozelo dentro do sapato. Não torceu. Faltava pouco agora, e ela já tinha certeza que se tratava de um homem. Ele estava de costas.

- Sirius? – “Seja ele, seja ele...”
O homem se virou. Hermione parou repentinamente. Tentou, ao menos. Escorregou no chão, mas não chegou a cair. Sirius Black a segurou antes que ela se estabacasse.

****

Fazia uma semana que ele chegara.
Ela gostava de pensar no desaparecimento dele como uma longa viagem. Graças a Mérlim que acabara.
Ele estava do mesmo jeito de suas memórias. Não envelhecera um dia. Será que o tempo não existia dentro do Véu? Afinal, porque aquele... Buraco Negro – era isso que aquilo era, certo? – estava no meio do pátio dos Inonimáveis? Tinham tantas perguntas... Mas nenhuma delas realmente importava agora. E isso só por um motivo.
Porque ele estava ali, beijando-a. O amuleto, outrora escondido dentro da camisa, agora brilhava gloriosamente em seu peito nu.

- No que está pensando, amor? – A voz dele saiu rouca, e Hermione diria até sensual. Enquanto ele dava pequenos beijos em seu pescoço, ela sentiu dificuldade em se concentrar em qualquer coisa. Aquilo era tão... Certo.

Claro que o futuro seria difícil. Por mais que ele estivesse ali (e ela ainda não acreditava totalmente que ele estava ali, do lado dela, a distância de um toque), os seis anos de sua ausência ainda eram sentidos por todos que o conheciam, e por ele próprio. Mas ele conseguiria colocar tudo em dia. Ela sabia que sim.

- Eu estava pensando em você. – Ela finalmente respondeu com um suspiro. E lembrou-se de uma coisa – Sirius? Posso te fazer uma pergunta? – Como ele assentisse, ela continuou – Quando eu estava lá no Grimmauld Place, certa vez você me acordou me chamando de Bela Adormecida. Como você conhece esta fábula trouxa?
- Que fábula trouxa?
- A Bela Adormecida. – Ela falou com leve impaciência.
- Fábula trouxa? Bela Adormecida? – Ele repetiu. Do que exatamente ela estava falando?
- Você não conhece a Bela Adormecida? – A mulher levantou uma sobrancelha, duvidando. Será que ele estaria só brincando com ela?
- Conheço você, serve?
- Hum...Serve. - Ela se sentiu satisfeita com a resposta. Ela poderia ler o conto para ele mais tarde. No momento, o que importava era a história deles, prestes a ser escrita.


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