Capítulo IV



CAPÍTULO IV



Na manhã em que Harry retornou de Bruxelas, Hermione sentara-se no jardim dos fundos e observava Theo brincar com o cascalho do pátio, juntando as pedrinhas e fazendo pequenos montes com elas. Procurou aquecer as mãos frias dentro das mangas da jaqueta azul-escuro que formava um conjunto com a saia, a única roupa apresentável que possuía, mais apropriada para o verão do que para o inverno. A temperatura baixara bastante, e, embora o sol brilhasse, a sensação que tinha era de que, em breve, congelaria. A cabeça lhe doía, assim como a garganta, e sua única expectativa era retornar a Godric’s Hollow, pensou, tremendo de frio.
Alan conheceria o bisneto apenas porque Hermione estava estafada e sem coragem para enfrentar a nebulosa ameaça de Harry. Deixara-se rotular como ladra, e por causa disso ainda corria o risco de ser processada. Harry, sem dúvida, não a deixaria esquecer-se dessa sombra que pairava sobre sua cabeça. Não poderia ter deixado mais claro.
Harry havia telefonado duas vezes de Bruxelas, mas Hermione se recusara a atendê-lo. Como não podia deixar de ser, Minerva ficou horrorizada. Harry era seu ídolo, e os ídolos mereciam toda a devoção e consideração.
O rosto tenso de Harry se iluminou ao ver Hermione sentada no banco do jardim, os lindos cabelos cacheados brilhando, o perfeito perfil, os ombros frágeis e tensos, as pernas longas e bem torneadas cruzadas. No entanto, foi Theo quem primeiro o viu chegar. Levantou-se e saiu correndo em sua direção. Ao alcançá-lo, o garotinho abraçou seus joelhos.
— Harry! — gritou, excitado.
Era difícil dizer qual dos dois surpreendeu-se mais com a inesperada saudação. Hermione gelou, porém, Harry ainda mais, e seu corpo enrijeceu. Muito observadora Hermione percebeu o que acontecia com ele. Harry era um homem que adorava crianças, no entanto, nada queria com o filho dela, concluiu amarga.
Harry, de repente, baixou-se para erguer Theo, que, incapaz de diferenciar o fingir da sinceridade, passou os bracinhos em torno dele e enlaçou-o fortemente.
— Solte-o, Harry. - Hermione não suportou o peso da própria mentira. Sentiu-se cheia de culpa vendo pai e filho assim tão próximos um do outro e tão afastados, ignorando os verdadeiros laços que os unia.
— Toda vez que olho para Theo não consigo evitar pensar em você e Rony — admitiu Harry, soturno, ao colocar o garoto no chão.
Rony outra vez..., refletiu Hermione. Harry não tinha a menor dúvida de que seu primo era o pai de Theo.
Hermione pigarreou incapaz de conter a curiosidade. Precisava saber como e de que maneira Harry tomara conhecimento de sua gravidez.
— Diga uma coisa, Harry... Quando foi que Alan lhe disse que eu esperava um bebê?
— Ele não falou... pelo menos até eu tocar no assunto.
Hermione ficou confusa.
— Então, como foi que soube?
— Por Rony, na primeira oportunidade. Meu adorável primo mal podia esperar para fazer isso.
— Então foi Rony?! — Hermione ficou atônita.
Harry absorveu o violento corar em seu rosto, porém interpretou-o mal.
— Com certeza, ele sentiu-se seguro para fazer isso. Na época, você já havia partido fazia semanas. Rony disse que lhe dera dinheiro para o aborto. Sem dúvida, acreditava que com isso colocaria um ponto final no assunto.
Hermione ficou muda de espanto, ultrajada. Não precisaria mais tentar adivinhar por que Harry não tinha dúvidas quanto a Theo ser filho de seu primo. A confissão cruel, a mentira de Rony, tudo muito bem expresso em termos ofensivos, assegurara a convicção dele. Era inacreditável Rony ter assumido a responsabilidade da gravidez e ainda afirmar tê-la induzido ao aborto. Que homem normal, racional como Harry, duvidaria da paternidade de uma criança ainda nem nascida?
— Se lhe servir de consolo, saiba que eu o esmurrei. Estava cansado de ouvi-lo vangloriar-se de ter estado com você, Mione.
— Você bateu nele? — Hermione sentia-se revoltada, traída por alguém que considerava um amigo e incapaz de entender por que Rony fizera uma coisa tão asquerosa. — Se Rony continua vivo, então não o esmurrou como ele merecia!
Harry arregalou os olhos e riu.
Estranhando a atitude dele, Hermione ergueu a cabeça e viu Harry como o vira naquele longínquo fim de semana, livre de qualquer reserva e muitíssimo atraente. O sorriso carismático que lhe suavizou as feições sombrias fez disparar o coração dela.
Harry, então, olhou para o relógio de pulso, impaciente ao registrar as horas.
— Partiremos para Godric’s Hollow assim que estiver pronta Mione.
Arrastada de volta à realidade, Hermione levantou-se, constrangida por ter se deixado levar pelas emoções.
— Saiba que jamais o perdoarei por me forçar a voltar àquele maldito lugar, Harry.
— Relaxe, Mione, você logo estará me agradecendo. Faço isso para o seu bem e de Theo.
Hermione já não o ouvia, imaginando o horror e a humilhação que a esperavam. Alan conheceria o bisneto, mesmo que a paternidade dele não fosse a que se julgava ser.
E quanto a seu pai, Hermione podia jurar que devia estar rezando para que ela não se atrevesse a se mostrar outra vez para embaraçá-lo. A ilegitimidade de Theo era a insígnia da vergonha aos olhos de John Granger, assim como aos olhos de seu velho patrão.
— Mione?
Ela respirou fundo.
— Sabe que me deve um favor, Harry. Quero sua promessa de que, logo que essa visita terminar, arrumará trabalho para mim, em qualquer lugar.
— Você não precisará trabalhar. Seu futuro está garantido. Ou eu ou Alan a manteremos.
— Nem pense numa coisa dessas.
— Saiba que minha oferta estará de pé, a qualquer hora que resolva aceitá-la.
Hermione balançou a cabeça em sinal de puro desânimo.
— Você é irritante, insistente!
Harry a fitou, e em seguida entendeu a mão e entrelaçou os dedos em seus cabelos castanhos, puxando-a de encontro ao peito, um desejo bruto brilhando nas pupilas escurecidas.
Assim tão próximos Hermione sentia um calor gostoso percorrê-la, suas narinas impregnaram-se da suave fragrância que exalava do corpo másculo, tão característica dele, e que para ela era tão perigosa como à droga. Aquela antiga paixão ardente espalhou-se em cada fibra de seu ser, sem que tomasse consciência disso. Não podia mais continuar negando o poder que Harry Potter exercia sobre ela, porque seria o mesmo que negar a própria necessidade de respirar. Sabia que aquela fraqueza física a destroçaria se não se cuidasse. Enterrou as unhas na palma da mão, tentando se defender, porque desejava tocá-lo, e aquilo seria a sua perdição.
Harry estava ainda mais atraente naquele terno escuro que delineava seu porte viril. Estivera fora apenas quatro dias e meio, mas a Hermione pareceu uma eternidade. A vontade de atender àqueles telefonemas, para apenas ouvir sua voz profunda, fora imperiosa e a enchera de vergonha.
Naquele instante, Harry ergueu-lhe o queixo com as pontas dos dedos e encarou-a.
— Parece tão revoltada, tão sofrida, Mione... Qualquer um julgaria que a ofendi. No entanto, tudo o que fiz foi expressar o desejo que sinto por você, com toda a honestidade. Não farei falsas promessas, mas a deixarei em segurança, e a seu filho também. Quer rosas e champanhe, então terá isso. Quanto a mim, tudo o que quero é tê-la na minha cama.
Hermione desviou a cabeça dolorida.
— Afaste-se de mim, Harry.
— Não sei como poderei fazer isso. Não tenho conseguido dormir desde que deixei Londres, embora estivesse furioso com você! Podíamos ter viajado juntos para Bruxelas.
— Claro... Umas poucas vezes bastariam para satisfazê-lo, como bem me recordo...
Com um gemido, Harry estreitou-a num forte abraço. Hermione viu-o baixar a cabeça devagar, e seu coração disparou. Não conseguiu desviar os olhos dos lábios dele, macios e sensuais.
— Se existem feiticeiras de cabelos assim, você seria uma delas — disse ele, com voz rouca, acariciando-lhe as mechas antes de se apossar de sua boca.
O beijo espalhou a volúpia pelo corpo de Hermione, como labaredas ardentes. Perdida no prazer do beijo, com os olhos fechados, ela sentia-se cada vez mais dominada pela excitação.
Contudo, muito amedrontada, reuniu toda a força de vontade que tinha para recompor-se. Suspirou e afastou-se dele.
— Nunca mais faça isso! — pediu Hermione, não confiando em si mesma o suficiente para fitá-lo, pois ainda tremia. — Quero que fique longe de mim.
— Impossível. Eu te quero Mione, e enlouquecerei se não a tiver.
— Não pode ser!
— Lute contra mim, quanto desejar... mas conseguirá prosseguir lutando contra si mesma? — A pergunta causou um efeito devastador nela.
Pálida, Hermione aproximou-se de Theo, que brincava perto dali. Pegou-o no colo e entrou na casa.

Hermione olhou-se no espelho do quarto, analisando os lábios intumescidos e o brilho nos olhos. Você tornou a se deixar levar por ele, Mione, e merece toda a dor, todo o sofrimento por que passou, a imagem parecia lhe dizer. No entanto, a força da paixão de Harry a excitava, encoraja-lhe os pensamentos a voarem em uma perigosa direção. Seria possível que Harry se arrependesse por tê-la rejeitado dois anos e meio atrás? Seis semanas após seu idílio, Harry retornou a Godric’s Hollow para uma rápida visita. Hermione lembrava-se muitíssimo bem, como se tivesse acontecido na véspera.
Harry, então, descera da limusine, observando-a tentar caminhar pelo pátio usando saltos altíssimos e um vestido de seda. A mão que Hermione apenas apoiara no braço de Rony, para equilibrar-se, agarrou-o, possessiva. Como se não bastasse, atirara a cabeça para trás e sorrira.
— Olá, Harry! — saudara-o, passando por perto como se ele fosse um qualquer, e não o homem que despedaçara seu coração, deixando-a mais morta do que viva.
Porém, quando Hermione voltara para casa após a meia-noite, a fachada descontraída a abandonara. Harry surgira do nada, vindo do terraço, e bloqueara-lhe a passagem.
— Você está jogando sua vida no lixo, Mione.
Ele falara igual ao pai dela, e Hermione respondera com um sorriso desdenhoso.
— Estou apenas me divertindo. Alguma coisa contra?
— É isso o que chama de divertimento? Deve ser muito engraçado bancar o motorista noturno de um bêbado.
— Rony não está bêbado! — protestara, defendendo aquele em quem confiava como sendo seu único e verdadeiro amigo. — Ele me leva as festas e ao clube, e, graças a sua gentileza, tenho conhecido pessoas muito interessantes. Na verdade, tenho sido tratada como gente pela primeira vez na vida! Mas o que há com você? O que deseja de mim?
Os olhos de Harry brilharam como esmeraldas ao luar.
— Nada. O que eu poderia desejar que já não tive? — ironizara. — Lamento não poder dizer que gostei do seu “novo visual”, Mione, pois seu vestido é muito cafona.
Hermione permanecera no mesmo lugar até muito tempo após Harry ter se retirado, com lágrimas amargas borrando-lhe a pintura dos olhos, o batom manchado, as alças da roupa provocante caindo-lhe dos ombros.
E foi então que decidira jamais contar a ele sobre o bebê. Não importando o quanto estivesse assustada, o quanto se sentisse desesperada, nunca lhe daria a chance de tornar a olhá-la como se olhasse um objeto desprezível que acabava de pisar.
— Você o deixou furioso — dissera Rony, surgindo atrás dela em uma das raras ocasiões em que se encontrara sóbrio o suficiente para dizer algo racional. — Tentei avisá-la, não foi? Desde adolescente, Harry tem sido perseguido pelas mulheres mais belas do mundo, onde quer que esteja. Elas são capazes de tudo para chamar-lhe a atenção... Você é uma criatura adorável, Mione, mas lá fora existe uma multidão de jovens ainda mais incríveis. Perca a esperança, porque jamais o conquistará.
Rony fora brutalmente honesto com ela na época. Falara a verdade. Harry era destinado a se casar com uma moça rica e mimada, uma dessas que desperdiça a metade do dia lamentando uma unha quebrada. Outra Cho, enfim, egoísta e obcecada por si mesma.
— Posso levar sua bagagem, srta. Granger?
Hermione foi arrancada dos devaneios e voltou ao presente em um piscar de olhos. Fitou o motorista de Harry imaginando que aquele último pensamento estava gravado em seu rosto em letras garrafais.
Assentiu e aproximou-se de Theo para pegá-lo no colo. Pensou outra vez em Rony, e por fim concluiu que fora tolice ter confiado nele como sendo seu confidente.
Rony cresceu sendo a menina dos olhos do avô, mas isso não evitou que estivesse sujeito a constantes comparações com Harry. Como resultado disso, Rony aprendeu a odiar o primo. E, percebendo a atração que Harry sentia pela filha do mordomo, mentiu, afirmando ter tido com ela um relacionamento íntimo, apenas pela necessidade vingativa de competir com Harry. Hermione estava consternada com a atitude de Rony, a quem confiara o segredo de sua gravidez, e que a traíra no minuto em que ela virara as costas. E quanto a ele ter afirmado haver lhe dado dinheiro para o aborto, isso fora uma atitude suja. Hermione jamais havia considerado tal possibilidade, já que a concepção de Theo não fora acidental.
Mas talvez não devesse ficar tão chocada com a revelação de Harry. Devia ter se lembrado de que, embora nada houvesse além de uma amizade unilateral entre ela e Rony, apesar de ter sido franca em relação ao que sentia por seu primo, ele a deixara falando sozinha, furioso, após Hermione ter cometido o erro de revelar que esperava um filho de Harry.

Harry franziu a testa ao vê-la descer a escada com Theo no colo.
— Por Deus, Mione, estamos no meio do inverno, e lá fora está gelado! Não acha melhor vestir algo mais adequado? Na certa irá virar uma pedra de gelo com essas roupas.
— Não tenho mais nada. É isto ou jeans.
— Faremos uma parada no caminho para comprar um casaco para você, Mione.
— Não será necessário. Sei o que acontece quando se recebe um presente de grego.
— Agora está me insultando com esse trocadilho!
— Não é estranho ser tão suscetível quando é totalmente insensível quanto a meus sentimentos? — queixou-se Hermione, irônica.
Harry abriu a porta da frente. Sem se importar com a reverência dos criados diante de Harry, Hermione desceu os degraus e entrou na limusine. Acomodou Theo no assento próprio para crianças preso ao banco do veículo, que fora comprado para seu filho usar.
Quando Harry entrou, Hermione nada comentou. Na verdade, voltou à cabeça para o lado oposto e mirou a rua, sem nada enxergar.

Hermione se deu conta de estar acordando no colo de Harry, com o rosto apoiado contra uma coxa, a mão pousada na outra. Corou ao notar que aquele peso quente em seu ombro era o braço dele.
Ergueu-se num átimo e afastou os cabelos do rosto. Viu que Theo dormia preso ao cinto de segurança.
— Ele me fez companhia até vinte minutos atrás - disse Harry, nos olhos um quê de divertimento ao observar-lhe os fios em desalinho.
— Que horas são? — Hermione olhou para o relógio de pulso e notou que dormira durante duas horas.
Encontravam-se nas cercanias de Godric’s Hollow.
— Por que não me acordou Harry?
— Porque você dormia feito um anjo, e não quis acordá-la.
Hermione observou a estrada lá fora. As árvores ladeando o caminho sombreavam a magnífica tarde ensolarada.
A garganta lhe doía demais, e Hermione espirrou. Procurou na bolsa por um lencinho, sabendo que não o encontraria. Um impecável lenço de linho foi colocado sobre seu colo.
— Obrigada... — Outro espirro. — Desculpe-me. Parece que peguei um resfriado.
— É melhor ir direto para a cama assim que chegarmos.
Hermione desviou o olhar para a janela e, à medida que reconhecia os trechos por onde passavam, a tensão a invadia.
Minutos depois, o automóvel atravessava os portões da propriedade.
— Fique tranqüila, Mione. Você está de volta ao lar.
Lar? Era doloroso e ao mesmo tempo irônico pensar que um dia amara aquele lugar mais do que qualquer outro no mundo. Ali estava a bela paisagem, acres e mais acres de terra adornados por vegetação exuberante.
O motorista contornou a última curva, e a casa surgiu diante de seus olhos, um triunfo arquitetônico em estilo elisabetano. Em seguida, entrou no pátio e parou, mas Hermione só tinha olhos para a imponente porta de entrada.
Theo acordou e, deliciado, logo começou a soltar gritinhos, enquanto Harry o soltava do cinto de segurança e o pegava no colo.
Hermione nem sequer deu-se conta disso. Parecia em transe ao deixar o veículo e caminhar devagar em direção à residência. Avistou seu pai à espera, um homem bastante conservado para seus sessenta anos de idade, como sempre usando um impecável terno escuro.
— Papai? — murmurou, ao se aproximar.
— Boa tarde, senhora... senhor... — John Granger murmurou sem nenhuma emoção. — Espero que tenham feito boa viagem. Que tarde agradável, não acham?
Hermione deprimiu-se diante da fria recepção. Até Harry pareceu abalado.
Harry afastou a mão de Theo, que agarrava seu ombro, e pousou-a nas costas tensas de Hermione.
— Granger...
— O Sr. Evans está à espera, senhor. — O mordomo continuou, preciso. — Deseja que eu mostre os aposentos aos hóspedes?
— Pode deixar mais tarde eu o farei. Mas primeiro iremos ver meu avô. Não é necessário anunciar-nos.
— Como queira, senhor. — Em seguida, John voltou-se e os deixou.

----->Gente desculpa pela demora, mas tava com uns probleminhas de percurso ai e não deu pra postar antes... sorry =/. Brigado a quem ta comentando e quem ta lendo^^ Quinta eu posto o próximo<-----

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