Capítulo I



— Será que ouvi bem? Você está querendo aumento? — Kelly fitou a jovem, chocada. — Creio que já temos sido bastante generosos. Além de um bom salário, você tem um teto para morar, e não se esqueça de que estamos mantendo você e seu filho!
Hermione Granger não cedeu embora à resposta que ouviu a embaraçasse.
— Sei disso, mas na maioria das vezes trabalho sete dias por semana e à noite ainda sirvo de babá para as crianças...
Sua insistência fez a elegante morena corar.
— Não consigo acreditar que estejamos tendo esse tipo de conversa. Você cuida da casa e olha os meninos para mim. Decerto não espera receber algum dinheiro extra por aquilo que de qualquer modo teria de fazer. Não precisa cuidar de Theo? Vocês dois são tratados como se fossem da família. Não entendo como pode ser tão ingrata.
— Está ficando muito difícil, para mim, viver com tão pouco — disse Hermione, humilhada.
— Bem, não sei o que faz com o que ganha já que não tem despesa alguma. Kevin não gostará de saber dessa sua exigência.
— Não é uma exigência. É um pedido. — Hermione estava muito tensa.
— Um pedido recusado, então. — Kelly dirigiu-se à porta. — Não tem do que se queixar do trabalho que faz aqui, Mione. Quem me dera ter alguém que me pagasse apenas para ficar em casa e encher a lavadora de louças. Além disso, a aceitamos, apesar de grávida. Saiba que nossos amigos nem sequer considerariam manter uma moça em suas condições, e solteira, na casa deles!
Hermione nada disse. Não havia mais o que argumentar. Nenhuma “moça em suas condições” trabalharia tantas horas seguidas. Aceitara trabalhar na residência dos Dickson aceitando o equivalente a alguns trocados no lugar do salário. Na época, ficara tão grata por ter um teto sobre a cabeça que não fizera nenhuma objeção. Porém, aos poucos, o expediente foi se esticando, até se ver atarefada o dia inteiro como criada e por tempo integral como babá de três crianças.
Mas ela era muito ingênua na época, e, grávida e sozinha, via o emprego na residência dos Dickson apenas como temporário. Imaginava que seria capaz de conseguir algo mais bem remunerado assim que o bebê nascesse, e então iniciaria nova vida.
No entanto, aos poucos aquela confiança foi fenecendo, à medida que se dava conta do quanto lhe custaria criar uma criança sozinha. Isso, além do preço dos aluguéis numa cidade cara como Londres.
— Vamos esquecer toda essa bobagem — sugeriu Kelly, com graça, aproximando-se da saída, ao notar que o silêncio da criada significava que vencera a parada. — Não quer tratar do banho dos meninos? Já passa das seis, e eles ficam com um humor terrível quando estão cansados.

Já passava das oito quando Hermione colocou as crianças para dormir. Kevin e Kelly haviam saído para jantar. Sophia, de seis anos, e os gêmeos, Benedict e Oscar, de quatro, eram crianças adoráveis. Possuíam tudo o que desejavam, porém eram carentes da atenção dos pais. Kevin era juiz e estava sempre longe de casa. Kelly era uma poderosa mulher de negócios, e raramente deixava o escritório antes das sete da noite.
A casa era espaçosa e bem mobiliada, e o casal vivia bem, porém, Kelly era tão mesquinha que chegara a mandar instalar um registro no aquecedor de gás do quarto de Hermione, situado ao lado da garagem, para controlar o gasto. O cômodo não tinha aquecimento central, pois fora construído para ser um depósito, e no inverno se tornava uma geladeira.
Enquanto Hermione certificava-se de que a única parte do corpo de Theo, seu filho, exposta ao ar frio era a cabeça, a campainha tocou. Antes que tornasse a tocar e despertasse Sophia, que acordava com o menor ruído, ela cobriu depressa o menino e saiu correndo para o corredor. Prendeu os cabelos castanhos, que esvoaçavam em torno das faces ansiosas, e pressionou o botão do interfone.
— Quem é? — perguntou, quase sem fôlego.
— Mione?
De imediato reconheceu a voz profunda e o leve sotaque, e, chocada, por pouco não deixou cair o aparelho. Dois anos e meio haviam se passado desde a última vez em que ela a ouvira, e encheu-se de pânico ao reconhecê-la. A campainha tornou a tocar, impaciente.
— Por favor, pare com isso... Assim acabará acordando as crianças!
— Sou eu, Mione... Pode abrir a porta? — pediu Harry Potter.
— Não posso! Estou proibida de receber quem quer que seja à noite quando estou sozinha. Não sei o que deseja de mim, ou como me encontrou, e não me interessa saber. Vá embora!
Em resposta, Harry tornou a tocar.
Com um gemido frustrado, Hermione saiu para o hall de entrada e, com relutância, abriu a porta.
— Obrigado — disse Harry, frio.
Hermione o fitou, a pulsação acelerada.
— Lamento, mas não posso permitir que entre.
As sobrancelhas escuras arquearam-se, indagadoras.
— Não seja ridícula.
Hermione fitou aqueles olhos verdes agora tão escuros como uma noite tempestuosa, e um arrepio a percorreu. Harry Potter em carne e osso. Um metro e oitenta de sofisticação e intimidante masculinidade. Os ombros largos preenchiam de maneira sedutora o paletó do traje formal que usava. A iluminação do hall delineava suas feições perfeitas e refletia-se nos cabelos escuros e brilhantes. Ainda assim, Hermione não acreditava que Harry estivesse ali, diante dela.
— Ridícula ou não, não posso deixá-lo entrar. —Passou as palmas das mãos úmidas nos lados da calça jeans.
Naquele momento, ouviu um choramingo vindo da escada, voltou-se e deu com Sophia.
— Quero água, Mione. Estou com sede... — pediu a garotinha.
— Volte para a cama. Já vou levar para você.
Harry aproveitou sua distração para entrar. Hermione lançou-lhe um olhar suplicante, preferindo não falar para não alertar a sonolenta Sophia da presença do visitante inesperado. Mordeu o lábio, frustrada, e, deixando-o ali, dirigiu-se à cozinha.
Logo depois subiu a escada levando o que à garota pedira. Os donos, àquela hora, poderiam estar a caminho de casa. Não iriam gostar de encontrá-la entretendo um estranho, dentro da residência deles.
Hermione tinha os pensamentos tumultuados ao tentar adivinhar o motivo que levara Harry a vir à sua procura e como ele descobrira seu paradeiro. Deu a água a Sophia, acomodou-a de volta no leito e tornou a descer.
Harry se encontrava ainda no hall. Não ficaria surpresa se o encontrasse instalado em uma das poltronas de couro da sala de estar. Estava acostumado a ser recebido com tapetes vermelhos quando honrava alguém com sua presença. Jamais fora deixado à soleira de alguém. Harry Potter possuía uma imensa fortuna, poder e influência no mundo dos negócios, tudo isso devido às suas bem-sucedidas empresas. Seu ramo era a eletrônica.
Surpreendida com o olhar ardente percorrendo-lhe o corpo esguio, Hermione quase tropeçou no último degrau da escada. Os espetaculares olhos verde-escuros pareciam em chamas ao deslizarem dos seios fartos para o rosto dela. Confusa e ciente de que outra vez corava, encarou-o, desconcertando-se com o divertimento que havia em sua expressão. Como era possível que tivesse se deixado abalar tanto pela presença dele?
— Serei breve, Mione.
— É bom que seja. Estou arriscando meu emprego recebendo-o. — Hermione sussurrava, Lutando para recuperar a momentânea perda de concentração. De repente, como se algo lhe ocorresse, arregalou os brilhantes olhos castanho-claros. — Você veio por causa de meu pai? Ele está doente?
Harry franziu o cenho.
— Pelo que sei, Granger está esbanjando saúde.
Hermione corou, mortificada. Entendia agora o breve olhar intrigado de Harry. Sem dúvida nenhuma, seria mais fácil o Saara congelar do que Harry Potter ter vindo até ali bancando o mensageiro de um dos serviçais de seu avô.
E, em uma revolta súbita contra as rígidas regras de disciplina de Kelly, abriu a porta da pequena sala de televisão.
— Entre. Poderemos conversar aqui — convidou tensa, tentando soar natural.
Era uma ironia pensar em Theo dormindo lá em cima e Harry agindo como um estranho educado e distante. Talvez ele julgasse que, mostrando-se amigável, correria o risco de ser assediado por ela, concluiu Hermione, horrorizada.
Durante mais tempo do que gostaria de lembrar ela fora obcecada por aquele homem. Foram anos de desvario. Hermione não fora uma adolescente sonhadora que ficava sentada à espera que algum milagre acontecesse. Aos dezenove anos, teria feito qualquer coisa por uma chance com Harry, e quebrara todas as normas para ter sua atenção, esquecendo-se de quem era e a quem perseguia. E... no final, obtivera o que procurara.
Hermione ergueu a cabeça. Harry a observava. Sentiu a pulsação acelerar e a pele tinir. Correu a mão trêmula pelos cabelos que iam até o meio de suas costas. O olhar de Harry acompanhou o movimento, e, em seguida, os cílios espessos velaram seus olhos. A boca, muito bem talhada, tornou a endurecer.
— Como foi que soube de meu paradeiro, Harry? Por que veio me procurar?
— Meu avô pediu para localizá-la.
— Alan? — indagou, referindo-se ao senhor inglês cuja filha se casara com o pai de Harry, um magnata grego.
— Vim para lhe transmitir um convite. Alan quer que passe o Natal em Godric’s Hollow.
— O Natal?
— Ele deseja conhecer o bisneto.
A notícia a fez fitá-lo, muda e com ar chocado. Sentiu os joelhos fraquejarem e sentou-se na poltrona mais próxima. Harry soubera da gravidez? Sabia que tinham um bebê? Jamais lhe ocorrera que Alan Evans pudesse ser capaz de partilhar aquele segredo com o neto. E agora ele queria conhecer Theo, após quase tê-la obrigado a interromper a gravidez. A notícia de que a filha do mordomo engravidara de um de seus netos o deixou furioso. Era um esnobe com horror a escândalo, e com êxito providenciou a partida de Hermione de Godric’s Hollow naquele mesmo dia.
— Vovô começa a se convencer de que não é imortal. E, para ser franco, morre de curiosidade quanto ao bisneto. Em face de sua generosidade, será de seu interesse demonstrar gratidão.
— Gratidão? Como assim? — repetiu Hermione, perplexa.
A expressão de Harry tornou-se sombria.
— Estou ciente do acordo que fez com ele, Hermione. Sei de toda a história.
Hermione arregalou os olhos, espantada.
— Mas sobre o que está falando?
— Sabe muito bem. Refiro ao roubo. Alan a surpreendeu no ato, e você confessou.
Hermione sentiu-se congelar por dentro. Era capaz de escutar o pulsar do próprio coração. Desejou morrer.
— Seu avô prometeu que jamais revelaria o que se passou a ninguém!
Alan jurara que nunca comentaria a respeito, muito menos com Harry. E Hermione não pôde suportar saber que ele considerava uma ladra, responsável pelo desaparecimento de valiosos objetos de arte de Godric’s Hollow, onde seu pai trabalhava e vivia.
— Muitas coisas haviam desaparecido, Mione, e, após a sua partida, Alan teve pouca chance de manter a identidade do culpado em segredo.
— Então meu pai também deve saber...
Harry deu de ombros.
— Jamais discuti o assunto com Granger.
Hermione nunca fora tão humilhada. Olhou para os sapatos de couro italiano de Harry e o odiou por acreditar, por aceitar a idéia de que ela fosse capaz de roubar, e mais ainda por ter atirado aquela convicção em seu rosto. Seria por esse motivo que ele se referira a Theo como se nada tivesse a ver com o garoto? Sua suposta desonestidade seria tão ofensiva a ponto de Harry não ser capaz de aceitar que Hermione poderia ser mãe do filho dele? Perguntou-se, perplexa. E de uma hora para outra, Alan desejava conhecer o bebê. Nada daquilo fazia sentido.
— Quero que vá embora, Harry. Não lhe pedi que viesse.
— Não está sendo racional. Mione. Sugiro que pense melhor no convite. Vovô teria mandado prendê-la, caso não tivesse confessado que estava grávida. Teve muita sorte em escapar da prisão. Aqueles roubos já vinham acontecendo, portanto, não foram resultado de alguém sucumbindo a uma súbita tentação.
Hermione fechou os olhos, arrependida do acordo que fizera com Alan Evans. No calor do momento, acabara admitindo algo que não fizera, levada pela crença de estar protegendo alguém a quem amava. De qualquer modo, nada teria a perder. Afinal, já havia perdido Harry, e também se convencera de que precisava deixar Godric’s Hollow, antes que sua condição se tornasse óbvia. Estava por demais devastada pela rejeição de Harry para confrontá-lo com a conseqüência do fim de semana de paixão que haviam partilhado.
— Pelo bem da criança, Alan está preparado para esquecer o passado, Mione.
— “A criança” tem um nome, e é Theo.
Como se fosse possível, as feições perfeitas de Harry tornaram-se ainda mais duras.
— Na sua posição, seria uma grande tolice não aceitar o que ele tem a propor. Acredito que esteja disposto a oferecer-lhe algum tipo de ajuda financeira.
— Nada quero de vocês. — Muito corada e mortificada pela plena certeza dele, Hermione levantou-se. — Mas gostaria de saber por que Alan sente-se na obrigação de me oferecer dinheiro.
— Porque seu outro neto, Rony, falhou no cumprimento do dever de sustentar vocês dois.
Hermione sentiu-se confusa. Por que Harry achava que Rony tinha o dever de sustentá-la e a Theo? Então, enfim, entendeu: por acreditar que seu primo era o pai do garoto. Mas por que Harry pensaria assim?
Hermione mal conteve a fúria. Naquele instante, não importava saber como alguém poderia pensar em tal absurdo. Estava por demais furiosa com a opinião de Harry a respeito de sua moral para pensar em qualquer outra coisa. Para ele, ela não passava de uma leviana, além de ladra. Afinal, só uma promíscua se tornaria amante de ambos os netos de Alan, e isso, no intervalo de um mês.
Porém, o que mais a machucava era que Harry parecia feliz por crer que Hermione havia dormido com seu primo após ter estado com ele. Sem dúvida, aquilo o satisfazia.
Afinal, podia, sem remorsos, jogar a responsabilidade da criança ilegítima nos ombros de Rony.
— Não vim aqui para discutir com você, Mione, e tampouco para me envolver com seus assuntos pessoais, que nada têm a ver com a minha pessoa. Vim apenas transmitir-lhe o convite de meu avô. Tenho um encontro, e já estou atrasado.
Então, o triste viúvo já voltara a circular? E, pelo visto, os sórdidos problemas pessoais de Hermione não eram dignos de sua atenção. De fato, conhecendo Harry como conhecia na certa devia se congratular por ter escapado de grandes embaraços, com Hermione sendo expulsa de Godric’s Hollow por ter roubado.
— Mione?
Voltou-se, pálida, a amargura crescendo dentro dela, assaltada pela mais forte tentação que já experimentara, um impulso irresistível de acabar com o sangue-frio de Harry, de puni-lo por ter se distanciado dela, de magoá-lo como ele a magoara com a humilhante pretensão de que eles não foram outra coisa além de meros conhecidos.
Harry tinha uma expressão impaciente no rosto.
— Alan a espera na quinta-feira. Suponho que posso assegurar-lhe que irá.
Envolta em conflitantes emoções, Hermione desviou o olhar das sombras e fitou Harry, tão magnífico e ao mesmo tempo tão distante. O ódio por ele diminuiu.
— Você deve estar brincando — disse, com um sorriso brilhante. — Não tenho a menor intenção de passar o Natal com seu avô.
— Julguei que fosse ficar tentada a aceitar, pelo menos, diante da possibilidade de uma reconciliação com sua família.
Hermione riu, sem nenhum humor. Harry não sabia o que estava falando. Hermione sempre tivera um relacionamento difícil com o pai. Após se tornar mãe solteira e ser rotulada de mau-caráter, de que forma Harry esperava que fosse ser recebida pelos parentes?
— Quando deixei Godric’s Hollow foi para sempre, Harry. Lamentei muito ter sido obrigada a partir, mas não pretendo voltar, nem como visita. Aquela fase de minha vida ficou para trás.
Harry observou o tenso perfil de seu rosto.
— Suponho que tenha sido uma tremenda falta de tato eu ter mencionado a história do roubo.
Hermione tentou conter as lágrimas que ameaçavam escorrer, determinada a não chorar diante dele.
— Jamais esperaria consideração de sua parte, e não preciso disso. Deve estar louco se julga que eu seria capaz de ir até seu avô com o chapéu na mão. Estou me saindo bem sem o auxílio de qualquer um de vocês.
— Mas trabalha aqui como criada... quando sempre jurou que jamais faria isso.
Hermione estremeceu. Afastou-se antes que cedesse à tentação de esbofeteá-lo pelo lembrete nada diplomático.
— Pense bem, Mione. Só o mais tolo orgulhoso recusaria um convite dessa natureza. Alan poderá fazer muito por você e por seu filho. Pense na criança. Por que ela precisaria sofrer por seus erros? É seu dever de mãe pensar em seu futuro.
Hermione voltou-se, os olhos castanho-claros brilhando de raiva.
— E quanto aos deveres do pai dele?
A boca larga e sensual torceu-se num sorriso irônico.
— Quando decidiu ir para a cama com alguém tão irresponsável como Rony, devia saber que teria de se virar sozinha, em caso de acidente.
Harry estava zangado, Hermione notou muito surpresa. A tensão transparecia em suas feições, e a condenação era clara. Reconhecendo aquele olhar, ela se deu conta de que Harry não era tão indiferente à própria convicção de que ela fora para a cama com Rony logo após ter sucumbido a ele. Um triunfo amargo a tomou diante da descoberta.
— Acredite ou não, Harry, cheguei a pensar que o pai de Theo tivesse algo de bom. Na época, estava muito apaixonada e acreditava que seria o último homem que me abandonaria quando eu mais precisasse dele.
— Você tinha apenas dezenove anos... O que poderia saber sobre um homem e seus motivos? — A resposta de Harry foi desagradável, como se ele desejasse colocar um ponto final no assunto. Fitou com impaciência o relógio de ouro que trazia no pulso. — Preciso ir.
A inesperada resolução dele pegou-a desprevenida. Hermione apressou-se, mas Harry já alcançava a saída. Quando abria a porta, ela sentiu-o fitando-a, e naquele instante ela se viu de volta ao passado, assaltada por lembranças perturbadoras. Harry respondendo com esmagadora paixão às suas carícias loucas, prendendo-a com o corpo contra o relvado às margens do lago e esmagando seus lábios sob os dele num beijo explosivo, deixando-a louca de desejo. A simples lembrança do corpo dele contra o seu bastava para lançar suas emoções num verdadeiro caos.
Havia obscuridade no rosto de Harry e uma ternura inacreditável quando ergueu a mão e, com os dedos, traçou o contorno trêmulo dos lábios macios de Hermione, fazendo-a estremecer.
— Que pena Mione... Você está se acabando no papel de doméstica.
E em seguida, antes que ela pudesse recuperar o fôlego, girou nos calcanhares e saiu para a noite lá fora. Então, voltou-se.
— Pense no que eu disse Mione. Alan está ansioso para conhecer Theo. Ligarei amanhã para saber o que resolveu.
— Não é necessário. Já está resolvido. De qualquer modo, não posso tirar um só dia de folga. Os Dickson estão com a agenda social lotada para os próximos dias, e a casa estará cheia no Natal.
— Será mesmo verdade que tenha mudado tanto. Eu poderia jurar que não hesitaria em sair daqui sem olhar para trás, como fez quando deixou a residência do meu avô.
Hermione enrubesceu. Era óbvio que Harry estivera esperando que a perspectiva da ajuda financeira oferecida por Alan faria com que ela aceitasse aquele convite sem pestanejar. Mas calculara mal.
Jamais diria a ele que Theo era seu filho, apesar de quase ter confessado isso, levada pela fúria. Mas se calara. No íntimo, sabia por que guardara segredo. Sua mente ocultava a triste lembrança daquilo que dissera a Harry naquele fim de semana: que seria seguro fazerem amor... e mentira, sabendo muito bem o risco que corria.
Da porta, se pôs a observá-lo encaminhar-se para a reluzente Ferrari preta que deixara estacionada no pátio.
Nesse momento, luzes dos faróis de um outro veículo iluminaram o jardim ao entrar na propriedade. Arrancada de sua introspecção, Hermione gemeu ao reconhecer o Range Rover de Kevin.
Kelly saltou para fora do veículo.
— Mas o que está acontecendo aqui?! — gritou ela, lançando a Harry, que permanecia ao lado da Ferrari, um olhar altivo e indagador. Em seguida dirigiu sua ira contra Hermione ao caminhar em sua direção.
— Vim para trazer um recado a Mione — informou Harry, frio.
— Então, permitiu que um estranho entrasse em minha casa enquanto meus filhos dormem lá em cima? Mas que audácia!
— O Sr. Potter não é um estranho, Kelly —disse Kevin.
— Eu o conheço há anos... Meu pai trabalha para a família dele — Hermione tentou explicar.
Kelly parou e olhou indecisa, para o marido, que naquele instante, apertava a mão de Harry. Ciente de ter feito papel de tola, encarou Hermione com fúria assassina.
— Conversaremos mais tarde, em particular.
— Se não se importa, eu vou dormir — disse Hermione, com calma e dignidade. — Lamento muito, mas fui obrigada a recebê-lo. Tive receio de que a campainha acordasse as crianças.
Subiu a escada, sabendo que não escaparia da preleção de Kelly, mas estava perturbada demais com a visita inesperada de Harry para se importar. Afinal de contas, Kelly deveria saber que podia confiar nela, pois Hermione jamais convidaria um ladrão armado ou um molestador de menores para entrar. Não era mais uma adolescente desmiolada. Tinha quase vinte e dois anos.
No entanto, Harry a fizera sentir-se como uma menininha outra vez, admitiu consternada, embaraçada com as recordações que ele trouxera à tona, das quais nenhuma mulher com um pingo de orgulho gostaria de lembrar.
Determinada a esquecer o episódio constrangedor, Hermione foi deitar-se, no quarto que dividia com Theo, travando uma verdadeira batalha contra uma necessidade urgente de abraçá-lo.
Tolerava bem o mau humor de Kelly, sabendo que, apesar de todos os defeitos da patroa, ali Theo podia se alimentar bem, viver com conforto e brincar em um espaçoso jardim e com muitos brinquedos. A bem da verdade, Theo nada possuía que pudesse chamar de seu, e até suas roupas haviam sido herdadas dos gêmeos. Mas ainda era muito pequeno para mostrar-se reconhecido, embora, naquele ano, Hermione estivesse decidida a proporcionar-lhe um Natal adequado. Foi por isso que se arriscara, pedindo a Kelly um pequeno aumento.
Hermione suspirou e moveu-se, inquieta, sob os lençóis. Era quase impossível acreditar que Alan Evans estivesse disposto a receber a filha do mordomo em Godric’s Hollow. Convidara-a para partilhar com ele o Natal, ou esperava empurrá-la de volta ao pequeno, úmido e desolado apartamento no porão, onde seu pai morava com a esposa? E Hermione? Teria firmeza suficiente para recusar a ajuda financeira do avô de Harry?
De qualquer modo, aquilo estava fora de questão. Kelly teria um ataque se Hermione exigisse folga durante as festas. E, até que Theo tivesse idade suficiente para freqüentar uma escola, procuraria não contrariar os Dickson, que eram sua segurança.
Hermione permaneceu acordada, olhando para o teto, lembrando-se da primeira vez em que vira Harry. Tinha treze anos então. Ele costumava passar todas as férias de verão e todos os feriados com o avô em Godric’s Hollow, inclusive o Natal. Embora seu inglês fosse perfeito, Harry permanecia essencialmente grego. Exótico, fascinante e muitíssimo bonito, tornou-se o foco da sua atenção. Claro que, sendo cinco anos mais velho, ele nem sequer sabia de sua existência.
Foi então que, um dia, Harry chegou a Godric’s Hollow trazendo uma namorada a tiracolo. A moça era bonita, no entanto, tinha uma risada antipática e irritante. E toda a vez que ela ria, Harry fazia uma careta de desgosto. Hermione deleitava-se ao vê-lo fazer isso.
Nas férias seguintes, Cho Chang, filha de amigos da família Potter, veio visitá-los, uma perfeita boneca de porcelana, rica herdeira, de longos e brilhantes cabelos pretos, que chegou acompanhada de uma tia idosa. Hermione desesperou-se ao ver Harry aos poucos se apaixonar por ela. Será que não via como Cho era mimada, presunçosa, com suas roupas de seda e seu penteado ridículo?
No ano seguinte, Cho tinha todos os motivos para ficar cheia de si. Usava no dedo o anel de noivado que Harry lhe dera. Hermione ficou inconformada, porém não perdeu as esperanças. Afinal, muitos noivados terminavam antes de o altar ser alcançado, confortava-se.
No entanto, o milagre que esperava não aconteceu. Hermione viu todas as suas esperanças irem por água abaixo quando Alan viajou para a Grécia para assistir ao casamento do neto. Ficou inconsolável. Tinha então dezessete anos, e revoltou-se consigo mesma por ter se permitido sofrer por um homem que nunca estivera a seu alcance, e que agora era marido de outra mulher.
Foi então que começou a sair com rapazes. Com um metro e setenta de altura, corpo perfeito, esguia como uma modelo, com feições simétricas e cabelos castanhos cacheado, Hermione jamais ficava sozinha.
Cho logo engravidou, e no Natal seguinte tornou-se mãe de uma linda garotinha. Harry adorava a filha, a pequena Anya, o coração de Hermione se apertava toda vez que o via olhar com adoração para o bebê. Cho, no entanto, não parecia muito empolgada com a maternidade. Era indiferente, e ressentia-se pelo fato da filha, e não ela, ter se tornado o centro de todas as atenções.
“Oh, Harry, Harry... por que não esperou que eu crescesse?” lamentava-se Hermione, pelos cantos da casa.
Logo, uma tragédia desabou sobre a família. Cho e a filha morreram em um acidente aéreo. Naquele ano, o Natal não seria comemorado em Godric’s Hollow. Alan não teria condições para isso, e Harry permaneceu na Grécia.
Meses depois, no entanto, Harry retornou sozinho e abatido, e instalou-se na cabana perto do lago, recusando qualquer companhia.
Quanto a Hermione, em sua total imaturidade, havia decidido que enfim teria sua chance com ele, e precisaria arriscar-se, antes que ele retornasse à Grécia e lá se apaixonasse por uma outra mulher inadequada. O resultado fora Theo.


Pela manhã, Kelly aproximou-se de Hermione, transpirando simpatia.
— Agora que sei quem é Harry Potter, posso entender que você não poderia manter um homem de sua importância do lado de fora da porta. Mas foi uma exceção, Mione. Não abra a porta para mais ninguém quando não estivermos aqui.
O dinheiro falava mais alto, admitiu Hermione, irônica. Kelly já havia Ligado para todas as amigas, contando a novidade:
— Você não pode adivinhar quem esteve aqui em casa na noite passada. O homem mais charmoso de toda a Inglaterra, e também um dos mais ricos. Sim, o pai da nossa empregada é mordomo dele... E acredite, Mione nem sequer lhe ofereceu uma xícara de café!
“Inacreditável!” Hermione ligou a máquina de lavar, ouvindo o êxtase verbal da patroa. O homem mais charmoso de toda a Inglaterra...
Suspirou. A memória insistindo na noite de loucuras que passara nos braços de Harry. Naquela mesma madrugada, Harry acordara para a terrível realidade de se ver partilhando a cama com a filha do mordomo. Quando ele pulara do leito, Hermione acordara assustada. Sem uma só palavra, Harry a deixara sozinha e não retomara ao chalé antes de ela ter ido embora. Ela não estava preparada para a forma brusca como a breve intimidade deles terminara, privando-a de qualquer esperança... e do amor-próprio.
O som da campainha tocando a fez voltar à realidade, Hermione abandonou o que fazia e foi atender. Parou no hall de entrada, atônita. Através da janela aberta, avistava-se a longa e impressionante capota de uma limusine dirigida por um chofer. Abriu a porta, e viu-se diante da presença gloriosa e ao mesmo tempo atemorizante de Harry. Ele usava um elegante terno cinzento, camisa de seda branca e gravata azul.
— Eu não esperava vê-lo de volta tão cedo, Harry.
Os olhos dele focalizaram Hermione por um momento, antes de ele sorrir para alguém atrás dela.
— Sra. Dickson?
— Kelly, por favor...
Harry cruzou a soleira e passou por Hermione como se ela fosse invisível. Em seguida, apertou a mão que Kelly estendia.
— Harry... — murmurou Hermione, confusa.
— Vim falar com a sua patroa, Mione. Pode nos dar licença?
— Venha comigo, Harry. Conversaremos melhor na sala de estar. — Kelly sorriu, cheia de charme, para o recém-chegado. — Mione, por favor... Traga-nos café.
Cada vez mais confusa, Hermione foi para cozinha e ligou a cafeteira. Curiosa, retornou ao hall.
— Lamento muito, mas não poderei dispensá-la. Receberemos alguns hóspedes no Natal... — dizia Kelly.
Hermione permaneceu distante, sem ser percebida, furiosa por ter sido excluída de uma discussão relacionada à sua pessoa. Como Harry se atrevia a passar por cima dela, como se fosse uma criança indefesa?
— Quando foi à última vez que Mione teve folga? —Harry indagou, parado perto da lareira de mármore,
— Bem, ela...
— Na verdade, Mione não tem um só dia de folga. Acertei Sra. Dickson?
— Mas de onde foi que tirou essa idéia?!
— Harry... — Hermione interveio.
— Suas condições de trabalho são motivos de comentários em toda a vizinhança — informou Harry, contrariado. — Na verdade, “escravidão” seria uma descrição mais exata.
— Como disse?! — Kelly gritou, como se estivesse à beira de um ataque de nervos.
— Por favor, Harry! — Hermione gaguejava, horrorizada.
Harry, porém, não se dignou a lançar um único olhar que fosse a sua direção.
— E pior do que isso: tiraram vantagem de uma adolescente grávida fazendo-a trabalhar como louca em troca de um salário vergonhoso. Os patrões têm deveres para com seus empregados, mas vocês desprezaram esse fato, e não há nenhuma atenuante que possa desculpar uma atitude tão inescrupulosa.
— Como se atreve a dirigir-se a mim nesse tom?! Saia já desta casa! — gritou Kelly, furiosa.
— Arrume suas coisa, Mione! Você vem comigo! —ordenou Harry, sem exaltar-se. — Espero-a no carro.
— Não irei a lugar algum...
— Então, nossa vida doméstica virou motivo de comentários na vizinhança, não é? — Kelly lançou um olhar ultrajado a Hermione. — Quando penso em tudo o que fiz por você sua...
— Você nada fez além de usá-la com propósitos egoístas — interrompeu Harry, firme.
— Quero-a fora daqui, sua mal-agradecida? Agora! Você e aquele seu filho bastardo!


------>Bom... tá ai... comentem, digam o que acham... continua, pára, deleta, qualquer coisa.<------

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.