Não vou mais te deixar

Não vou mais te deixar



Será sempre será
O nosso amor não morrerá
Depois que eu perdi o meu medo
Não vou mais te deixar


Gritos. Feitiços explodindo de um lado para o outro ao longe. Sangue. Mortos e feridos caídos ao chão. O cenário do caos. Apesar de ser uma guerra entre bruxos, aquilo que vejo é quase a mesma coisa que vi no filme dos trouxas há tanto tempo. Constato agora que as guerras são sempre iguais, independente da raça. Por mais que nós, bruxos, tentemos ser superiores aos trouxas, acabamos por nos tornar iguais neste sentido, pois os sentimentos que nos movem são semelhantes. E uma guerra é sempre uma guerra, é instintiva, faz parte da natureza humana.

Estou numa pequena travessa próxima à construção destruída que foi um dia a loja de varinhas Olivaras. Visto rapidamente o capuz da capa de viagem para esconder meus cabelos, que são praticamente um registro de minha identidade. Ao abaixar a cabeça para arrumar o capuz, vejo um homem agonizando no chão aos meus pés. Eu ainda não tenho uma varinha, apesar de ter várias armas nesta mochila que Snape deixou comigo. No entanto, não sei muito bem como utilizá-las e me sentiria mais confortável se pudesse encontrar um exemplar qualquer do instrumento mágico com o qual estou habituado e para o qual fui treinado durante toda a minha vida.

Esquadrinho com os olhos a construção destruída, e fico pasmo ao constatar que não há nenhuma varinha ali, mesmo que a loja as tenha abrigado por anos. Pergunto-me onde elas estariam, mas não tenho tempo para pensar nisso. Seja prático, Draco! Então, volto a encarar o homem no chão, com evidente repugnância. As marcas em seu corpo são de um Sectusempra, feitiço que o cortou quase ao meio, provocando ferimentos profundos que sangram sem parar. Abaixo-me próximo a ele para examinar melhor. Tenho certeza de que vai morrer, independente do que qualquer medibruxo possa fazer por ele. Não consigo reconhecê-lo, mas acredito que ele deva ser um auror, pois o Sectusempra é um feitiço utilizado pelos partidários das trevas. E não me engano ao ver o distintivo em seu peito, com o sobrenome Shacklebolt. Kingsley é seu primeiro nome, se não me engano, e ele é um membro da Ordem da Fênix. No entanto, encontrei-o poucas vezes no Largo Grimmauld. Sei exatamente o que ele sente agora, porque o Potter, aquele que se julga o perfeito herói do mundo, já utilizou o Sectusempra contra mim, embora ele não tenha chegado a me matar. Sem querer, acabo encostando meu joelho no braço do auror e vejo, parcialmente escondida pela manga da capa que ele usa, uma varinha. Hesito por um momento. Não é algo lá muito correto, mas eu sou um sonserino, não é mesmo? E o homem já está praticamente morto, oras! E eu preciso de uma varinha se não quiser acabar como ele, portanto, esqueço a hesitação e tomo-a das mãos do moribundo.

Quando estou pronto para me afastar da cena, ouço o auror dizer alguma coisa. Ele move claramente os lábios, mas não consigo escutá-lo com os barulhos que vem da rua principal do Beco Diagonal, embora estejam um pouco afastados de onde eu aparatei. Abaixo-me novamente e aproximo-me de Kingsley para ouvi-lo sussurrar:

- Ele... está... com... a filha de Arthur...

Gina! O auror de quem acabo de roubar a varinha falou sobre ela! Penso que comecei bem a empreitada, talvez com a sorte dos principiantes. Com a voz baixa, questiono calmamente para não sobressaltá-lo:

- Você sabe onde está Ginevra Weasley?

Num esforço sobre-humano, o auror abre os olhos. São de um negro profundo, sem nenhum traço de outras cores. Parecem atormentados pela dor e assustados pela iminente aproximação da morte. Lembram-me os olhos de Dumbledore no instante em que Snape lançou a Maldição da Morte, um único segundo que me parece tão eterno em minhas lembranças. Mas o auror me encara e deixo rapidamente meus pensamentos para trás. Acho que ele tenta, mas não consegue enxergar direito com a capa encobrindo meu rosto. Por isso, questiona:

- Quem está aí?

Meu pensamento trabalha rápido. Não posso dizer a verdade. Sou um inimigo da Ordem. Tenho que contar com a sorte. Tenho que pensar em alguém para...

- Sou eu, Ronald. O irmão dela.

Estúpido! Poderia ter pensado em qualquer pessoa. Talvez o baba-ovo do Potter Perfeito esteja morto numa hora dessas. Talvez não esteja nem na guerra. O trio maravilha tinha planos de ir procurar as tais horcruxes, talvez sequer tenham retornado ainda. E se morreram no caminho? Muito brilhante de minha parte escolher justamente Ronald Weasley para representar neste momento!

No entanto, no instante em que pronuncio o nome do cabeça vermelha, Kingsley esboça um esgar de sorriso no rosto desfigurado. Ele fecha os olhos, tentando aliviar a dor, e diz:

- Ronald. Eu disse a seu pai que você estava vivo...

Ele pára para tossir e espirra sangue em meu rosto. Limpo com as costas da mão. Sinto-me impaciente demais para me importar. Este homem vai querer conversar? O cara está à beira da morte e fica feliz pelo retorno do babaca do Weasley filho! Tento voltar a conversa ao foco que me interessa, interrompendo-o para questionar:

- Sim, eu voltei. Agora, preciso saber onde está...bem... minha irmã.

Não tentei disfarçar a voz. Acho que em meio a tantos barulhos, confusão, e o evidente atordoamento da morte, o auror seria incapaz de distinguir qualquer coisa. Mas o fato é que a frase soou absolutamente falsa ao meu ver quando proferi as palavras “minha” e “irmã”. É evidente que jamais poderei encarar Gina como uma irmã, pelo contrário. Ela representa para mim a única mulher com quem eu realmente quis estar um dia. Uma traidora do sangue, quem diria. Agora ela está nas mãos de um ser capaz de matar qualquer um para alcançar o poder que ele tanto almeja. O auror abre os olhos novamente e uma sombra de escuridão transparece em seu olhar. Ele consegue dizer poucas palavras antes do suspiro final:

- Tranco... Burgin... Potter...

Abandono Kingsley antes que eu veja a vida se esvair por completo de seu corpo. A morte nunca foi algo que me atraiu, e isso seria um claro motivo para que eu pensasse duas vezes antes de me alistar nas fileiras dos comensais. Os seguidores do Lorde tinham prazer em causar dor, mas a elevação suprema para eles era provocar a morte. Eu nunca quis matar alguém de verdade. E isto fazia de mim, obviamente, um péssimo comensal, como eu havia provado ser no breve período em que permaneci como tal.

Permaneço detrás do que ainda restam das paredes da Olivaras e encaro as possibilidades. A maior parte dos bruxos está afastada daqui, próximo ao Caldeirão Furado. Estou a alguns passos da entrada da Travessa do Tranco, mas não posso simplesmente sair correndo desabaladamente para lá, pois poderia ser notado numa atitude um tanto suspeita. Se a guerra se concentra acima, por que eu estaria fugindo para baixo? Mas ao mesmo tempo eu não consigo entender direito. Se Gina e Potter estão mesmo na Travessa do Tranco como o auror me disse, por que a guerra acontece longe dali? A constatação vem a minha mente quase como uma verdade incontestável: ninguém sabe que o Lorde está aqui em pessoa. Tudo faz parte de seu plano: atrair o Potter para onde Gina está o deixará indefeso de todas as proteções que a Ordem, os aurores e o Ministério tentam dar a ele.

Ouço um barulho ensurdecedor e levo as mãos à cabeça instintivamente, protegendo-me do que possa estar por vir. Quando percebo que nada me atingiu, olho para o alto, para a origem do som, e vejo um dragão sobrevoar o ar e cuspir fogo. A baforada causa um incêndio nas partes de madeira das construções mais próximas ao Caldeirão Furado. Um dragão, no meio do Beco Diagonal! A coisa está mesmo séria. Enquanto o fogo consome tudo que encontra, raios de todas as cores explodem de inúmeras varinhas, e há barulhos de metal contra metal que me fazem supor que alguns bruxos devem ter espadas ou instrumentos parecidos com aqueles selecionados por Snape em Azkaban. Estou praticamente petrificado. A profusão de luzes dos feitiços me impede de enxergar qualquer coisa nitidamente. Ajo como que encantado pela cena, como se tudo aquilo fosse passível de admiração. O espetáculo grotesco da dor e da morte, colorido, surreal, vívido, seria quase belo se não fosse assustador.

Aproveito o fato de que todos estão ocupados tentando apagar o fogo pra correr na direção da Travessa. Mantenho-me abaixado e escondido por alguns escombros enquanto me dirijo para lá. Estranhamente, não consigo sentir medo. Sei que Gina depende de mim e preciso encontrá-la. Não posso e não vou pensar em medo. Deixei-o para trás no momento em que aquele que jurei chamar de Mestre tirou de mim a única coisa pela qual vale a pena morrer. E eu que pensei que jamais chegaria a conhecer este sentimento. É nesse ponto que mais me diferencio do Lorde das Trevas. Enquanto ele julga que o amor é para os fracos, eu agora me fortaleço com esse sentimento. É ele que me faz seguir em frente. Preciso salvá-la!

Não sei o que vou encontrar quando chego à alameda escura e estreita da Travessa do Tranco. É quase como se a escuridão e a opressão de Azkaban tivessem retornado. Apenas continuo a correr sem dar tempo para que meu cérebro registre qualquer tipo de informação. Ouço vozes. Sei que me aproximo de onde eles devem estar. Corro. As vozes estão mais altas agora. Estou chegando, Gina! Vou levar você daqui. Corro. Posso ouvir passos logo atrás dos meus e de repente sou empurrado para o lado. Meus pés se embolam e caio, batendo a cabeça na pedra. O ferimento se abre. Só tenho tempo de ver os cabelos negros e espetados do Potter me tomarem a dianteira. Então, a profusa cabeleira vermelha e despenteada se atira nos braços dele. Penso em fazer algo. A dor é forte demais. Fecho os olhos e desmaio instantaneamente.

Pode ter durado apenas alguns segundos, ou talvez tenha passado mais tempo. O fato é que apenas acordo quando sinto alguém caindo sobre mim. Abro os olhos e pisco diversas vezes até que consigo colocar minha visão novamente em foco. Tudo o que vejo é vermelho. E não é sangue. Gina parece desacordada e, pela primeira vez na vida, torço para que não esteja morta. Posso ouvir gritos, feitiços, há luta, mas ninguém parece prestar atenção em mim. Gina continua desacordada em meus braços. Nunca fiz uma aparatação acompanhada, mas estou certo de que posso fazê-la quando agarro seu pulso e concentro-me para o procedimento. Desaparato para longe dali na primeira tentativa.

Ainda não sei exatamente para onde vou, mas guerras não são para mim. Não quero estar do lado de nada. Não quero ter que lutar por nenhum ideal nem seguir nenhum líder. Não sou um herói. Salvar o mundo é coisa para o Potter. Eu só quero salvar Gina Weasley.

E sorrio ao constatar que já o fiz.

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