Desespero



Por mais que eu durma eu não descanso
Por mais que eu corra eu não te alcanço
Mas não tem jeito eu não sei como esperar
Desesperar também não vou
Não vou deixar você passar
Como água escorrendo nos dedos
Fluindo pra outro lugar


Sinto como se eu estivesse num filme trouxa de ação. Sim, eu já vi um desses uma vez. Eu era criança, e minha mãe me levou à casa de tia Andrômeda antes de... bem, antes de ela ser encontrada e assassinada pelas forças das trevas. Lembro-me de ambas terem brigado naquele dia, e posso até afirmar que foi a última vez que elas se falaram. Andrômeda tinha uma filha, e ela era alguns anos mais velha que eu. Quando chegamos, a menina via este filme estranho naquele aparelho que exibe imagens, uma tevelisão ou coisa que o valha. Provavelmente pertencia ao pai, um trouxa pelo qual minha tia Andrômeda havia caído de amores.

Minha mãe dizia que Nymphadora, a filha do casal, deveria ser um aborto. Mas naquela época eu não me importava, ou não compreendia muito bem o que isso queria dizer. A única coisa pela qual me interessei na casa de tia Andrômeda foram as cenas do filme de guerra. Fiquei chocado com o sangue, as mortes e as atitudes que o ser humano pode tomar durante um situação como a guerra. Depois de assisti-lo, Nymphadora quis brincar comigo. Acabei com um belo corte no supercílio, chorando no colo de minha mãe enquanto ela deixava a casa e jurava que abandonaria tia Andrômeda para sempre. Desde então aprendi a não mencioná-la, pois era definitivo que ela não fazia mais parte da família.

As imagens que presenciei na infância agora retornam à minha mente quando vejo Snape organizando este arsenal. Achei que um bruxo necessitasse apenas de uma varinha para a guerra, mas há outras coisas nesta pequena sala, escondidas nos pisos elevados da prisão: poções divididas em pequenos vidrinhos, provavelmente uma única “dose” letal; estranhas armas de metal com a ponta envenenada, que estão voando pela sala magicamente encantadas enquanto Snape as testa; e montes de algemas como as que eu usei quando cheguei a Azkaban. Há outros objetos de tortura espalhados por aqui, e alguns se assemelham muito aos utilizados pela escória trouxa. São grandes demais para serem carregados numa simples mochila, mesmo que haja nela um feitiço para aumentar o tamanho. Snape escolhe apenas as armas mais leves para a nossa empreitada. O que não significa que sejam menos mortais.

- Sua tia Belatriz gosta disso – Snape quebra o silêncio e aponta o nariz de gancho para uma cadeira cheia de espinhos encostada num canto da sala, enquanto ainda permanece com as mãos ocupadas no ato de organizar as armas. - Diz que deveríamos aproveitar as únicas coisas boas que os trouxas criaram: objetos de tortura. Ela os combina com procedimentos mágicos para causar o máximo de dor possível. É a comensal com mais habilidade para usar o Cruciatus, porque é a que sente mais prazer em fazer as pessoas sofrerem.

Engulo em seco diante da visão da cadeira e das palavras de Snape. Abro a boca para continuar, mas ele faz sinal para que eu me cale e espere. Mas há tantas coisas que preciso saber! Ao que tudo indica, há uma guerra rolando lá fora e Snape quer simplesmente que eu aparate nela, salve Ginevra e suma das vistas do Lorde para qualquer lugar onde não possamos ser encontrados. Fácil, não é mesmo? Excetuando-se, claro, o fato de que provavelmente haverá milhares de comensais e aurores soltos por aí, e em alguns instantes eu serei um fugitivo de ambos os lados. Minha cabeça deve valer uma soma incalculável de galeões neste momento, o que faz eu me sentir subitamente orgulhoso. Mas a sensação dura apenas alguns segundos, pois o desespero volta a tomar conta dos meus pensamentos. E tudo que Snape quer que eu faça é permanecer em silêncio enquanto ele escolhe esta ou aquela arma mais letal, este ou aquele veneno. Será que eu deveria tomar algum deles agora e acabar logo com isso? Então volto a pensar em Gina e logo me esqueço da idéia: sou a única chance que ela tem de escapar de tudo isso.

A voz seca de Snape me sobressalta. Ele está finalmente pronto, ao que parece. E tenho certeza disso quando ele empurra a mochila e uma capa grossa de viagem nos meus braços e começa a falar:

- É a segunda vez que traio a confiança do Lorde por sua causa, Draco. A primeira foi quando deixei você no Largo Grimmauld depois que falhou com a missão de matar Dumbledore. Eu disse ao Lorde que você havia sido capturado, mas fui eu quem te deixou lá porque julguei que estaria protegido. Mas o Lorde queria sua cabeça, e eu retornei para buscá-lo, convencendo o Mestre de que seria melhor mantê-lo vivo, pois poderia fornecer alguma informação do tempo em que passou com o inimigo. Portanto, espero que você saiba aproveitar a segunda chance que eu te dou agora. Suma das vistas do Lorde até que esta guerra acabe, independentemente do lado vencedor.

- E como é que eu vou fazer para desaparecer com a Gina do campo de batalha? – pergunto, enquanto visto a capa rapidamente e ajusto a mochila nas costas. - Já que, pelo que posso imaginar, há comensais e aurores por toda parte, e eu não sou necessariamente bem visto por nenhum dos lados.

- Gina... – Snape sorri de forma sarcástica, e eu percebo que talvez isso tenha soado íntimo demais. – O plano ficará mais fácil se você gostar dela mesmo. O amor é um sentimento que dá coragem, embora seja uma coragem inconseqüente.

- Amor? – começo eu, caminhando ao lado dele para o que imagino que seja a saída da prisão. Acho estranho o fato de não encontrarmos nenhum dementador, mas vamos nos esgueirando pelos corredores fracamente iluminados, que parecem ser pouco utilizados. – Eu jamais poderia amar uma traidora do sangue e...

- Draco, pare – ele me interrompe com as palavras e com o braço esticado diretamente no meu peito. Fareja o ar como se fosse um animal, e depois me encara no fundo dos olhos. Dou-me conta de que meu tom de voz não convenceria nem alguém que não fosse Legilimens. O fato é que a concepção que eu tinha de Gina mudou radicalmente diante de tudo o que nos aconteceu enquanto permanecemos como prisioneiros do Lorde. Snape ainda está falando, mas diminuiu o tom da voz. – Nem sempre aquilo que aprendemos que é certo realmente o é. Pense nisso. E agora faça silêncio, pois não quero que chamemos a atenção quando sairmos daqui.

Continuamos caminhando até que cruzamos uma porta que nos leva aos fundos da prisão. Quando saio para o ar livre, apesar de ser inverno, sinto a luz fraca do sol incidir sobre meus olhos e os fecho, instintivamente, voltando a abri-los no segundo seguinte. Encaro a paisagem ao redor num giro de corpo. Não acreditava que voltaria a ver o dia tão cedo, e, por mais idiota que isso soe, me encho de esperança. Talvez não tenha sido tudo em vão, afinal, eu irei até lá e poderei salvá-la. Tudo depende de mim agora. E parece que há um brilho diferente na vida depois que se passa muito tempo preso em Azkaban. O sol, as árvores retorcidas, o céu claro, o campo aberto, a amplitude da paisagem, tudo faz com que eu me sinta livre e pronto para a missão com a qual tenho que prosseguir. E desta vez não pode haver espaço para falhas.

Respiro fundo e penso que acontecerá aquilo que tiver que acontecer. Mas, de uma maneira ou de outra, posso sentir que estarei com ela no final. Será que é isso que significa gostar de alguém, afinal?

À minha frente, Snape estanca repentinamente e interrompe meus pensamentos. Não estamos muito afastados das negras pedras que constituem os muros de Azkaban, mas acredito que logo poderemos aparatar. Então me dou conta de que eu não tenho uma varinha. E estou indo para uma maldita guerra sem uma! Snape observa ao redor com olhos astutos, talvez procurando o lugar exato onde poderemos realizar a aparatação. Mas eu o interrompo com uma pergunta que percebo soar um tanto quanto desesperada:

- Er... Snape.. eu... eu não terei uma varinha?

Ele se volta para mim e estou de costas para a prisão. Achei que ele fosse responder, mas a boca aberta não pronuncia nenhum som e ele simplesmente arregala os olhos, empunha a varinha e grita por cima de meu ombro:

- Expecto Patronum!

Viro-me rapidamente e acompanho a luz prateada emitida pela varinha. Logo ela se transforma num imponente cervo, que trota veloz pelo descampado. Só tenho tempo de me surpreender por ver um patrono corpóreo semelhante ao do testa rachada incidir contra uma leva de dementadores determinados a nos deter. Snape desvia rapidamente os olhos para mim apenas por tempo suficiente para me orientar:

- Corra até aquela árvore e aparate, Draco! Não precisa me esperar!

Estou tão chocado que simplesmente não consigo mover as pernas. Por mais que a visão do monte de dementadores seja assustadora, esta ainda não me dá o dom da premonição de saber para onde diabos eu devo aparatar! Snape está concentrado em manter seu patrono atacando os dementadores e sou obrigado a puxar-lhe a capa como uma criança antes de dizer apenas duas palavras, que saem estranhamente abafadas:

- Para onde?

- Para o Beco Diagonal! – ele grita sem nem me olhar.

Minhas pernas voltam a funcionar no exato momento em que ele profere o meu destino. Onde as coisas começaram e terminarão, de uma certa forma. Foi lá que vi Gina pela primeira vez, enquanto ela comprava materiais para seu primeiro ano letivo em Hogwarts. Naquela época ela era uma criança, apenas mais uma Weasley cabeça vermelha traidora do sangue. E talvez seja lá que nos vejamos pela última vez, sensação agravada pela proximidade dos dementadores, que já começam a sugar minhas poucas esperanças nascidas com a luz do sol. Mantenho a corrida até a árvore, que parecia tão perto, mas agora que preciso alcançá-la, parece se afastar de mim. É o mesmo que sinto em relação a Gina, pois quanto mais eu corra, mais longe estou de alcançá-la. E de salvá-la.

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