Erros



Até os erros já parecem ter sentido
Não sei se eu traí primeiro ou fui traído
Não te pedi uma conduta exemplar
Mas é que a sua ausência é o que me dói no calcanhar


Minha cabeça está latejando. Abro os olhos sem entender direito o que aconteceu. Minha mente está enevoada, não consigo organizar as idéias. Tudo o que vejo são pedaços de lembranças dos possíveis acontecimentos do dia anterior. Acho que houve luta, posso sentir a dor que invade meu corpo novamente. O mal-estar que Ginevra tinha curado, mas que agora voltava com força total. Levo involuntariamente a mão à cabeça, e meu cabelo outrora sedoso e primorosamente ajeitado, está duro de sangue seco. Mas meu peito consegue doer ainda mais que o machucado. E eu não consigo entender direito o porquê até me dar conta de que ela não está mais aqui. Levanto-me da cama e, com passos vacilantes, aproximo-me da grade. Tudo continua igual. Mas eu estou tremendamente vazio como nunca havia estado em toda a minha vida. E, se é que isso é possível, eu percebi que Azkaban se tornou um lugar ainda pior.

A imagem vai ficando mais clara na minha cabeça. Dementadores. Voldemort. Ginevra. Ela foi levada pelas mãos do próprio Lorde das Trevas. Snape estava junto com ele também. E agora entendo porque minha cabeça está machucada e meu corpo dolorido. Não foi luta. Simplesmente fui azarado pelas mãos da própria Ginevra porque o Lorde ordenou. Vi quando ele lançou a Maldição, quando o feitiço a atingiu no peito e seus olhos assumiram aquele ar perdido, como se não estivessem mais neste mundo. Será que foi tudo em vão, afinal? Falhei novamente? Fui um professor ruim? Ao menos continuarei honrando o nome da família Malfoy, pois tudo o que sei fazer é causar mal aos outros, mesmo quando não quero.

Traído por mim mesmo. É assim que eu me sinto. Um nada. Não consegui ajudar nem a única pessoa que talvez tenha me olhado sem formular pré-conceitos durante um momento que fosse em toda a minha vida. Sei que talvez a aparência do lugar e os dias que passamos juntos tenham influenciado um certo espírito de compaixão no coração da caçula dos Weasley. E que isso tenha motivado, de certa forma, a atitude que ela tomou. Foi um único beijo, e depois ela não tocou mais no assunto. Tão pouco eu o fiz, orgulhoso que sou e sempre serei. Mas julguei que isso poderia me trazer um fio de esperança, se ela talvez conseguisse resistir à Maldição. Julguei que poderia construir uma vida nova fora daqui.

Mas ela me azarou. Eu estava obviamente sem varinha, e ela lançou o feitiço que usava em Hogwarts para os bichos-papões. Era a segunda vez que ela recorria a este artifício contra mim, fazendo com que eu me sentisse um perfeito idiota. Lembro-me daquele mestiço que ousou nos dar aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas em Hogwarts dizer como Ginevra Weasley era capaz de lançar uma azaração perfeita contra bichos-papões. Anos depois, recordo-me do dia em que tentei subjugar os membros da Armada de Dumbledore enquanto estava na Brigada Inquisitorial de Umbridge. Eu mesmo mantive Ginevra presa e humilhei-a diante de seus amigos. Foi a primeira vez que percebi o que ela era capaz de fazer por aqueles que amava. Na hora, senti raiva. Hoje sinto um bolo no estômago ao saber que ela usou esta azaração novamente contra mim, agora instigada pelo Lorde das Trevas em pessoa. Se é que se pode dizer que ele seja realmente uma pessoa, pois há nele apenas uma sombra do que um dia foi um homem.

Quando tive certeza que ela a lançaria, apenas fechei os olhos e assenti, num sinal de concordância com o cruel destino que nos era imposto. Antes de emborcar no chão, no entanto, eu consegui visualizar o brilho nos olhos dela, que mudou ligeiramente. Não posso ter certeza, não durou mais que uma fração de segundo, um mísero momento fugaz, mas acho que ela piscou para mim. E, ao mesmo tempo em que esta atitude pode me trazer um pouco de alento, faz com que eu fique ainda mais aflito por não saber onde ela está.

Estou muito confuso e só agora me dei conta de que caminho de um lado para o outro do cubículo onde estou preso. Passei a mão pelos cabelos várias vezes e agora eles estão molhados de sangue, pois a ferida deve ter se aberto novamente. Um suor gelado escorre pelas minhas costas, embora o frio de Azkaban continue igual. Há tanta adrenalina correndo pelas minhas veias que eu seria capaz de explodir, não restando nenhum pedaço de Draco Malfoy.

Enxugo, na calça, o sangue que manchou minha mão, sem nem me importar com o ferimento aberto. Preciso descobrir o que aconteceu com ela, mas a única conclusão a que consigo chegar é que não posso, a não ser que Snape venha me ver. Ele é a minha única ligação com o mundo externo, e eu nem sequer sei se posso confiar nele. A que lástima miserável minha existência foi reduzida! A única opção que tenho é esperar que um homem que assassinou àquele que serviu por dezesseis anos venha me ajudar.

Quando é que eu me imaginaria nesta situação? Esperando ansiosamente notícias de uma traidora do sangue, de um dos cabeças-vermelhas dos Weasley? Mas neste momento os defeitos não me parecem mais censuráveis. Talvez tenham sido estes mesmos defeitos que me chamaram a atenção, como se ela fosse algo proibido, uma aventura inconseqüente na qual eu não deveria me jogar. Parece que com ela sou capaz de transgredir as regras, redesenhar o mundo, e no entanto estou aqui, algemas imaginárias prendendo meus pulsos e meus tornozelos a este lugar onde há seres capazes de sugar a alegria e esperança de um homem. E, no entanto, ainda luto comigo mesmo para não me deixar afogar num mar de autopiedade que seria desprezível. Não vou deixar que o amor me destrua. Senão provarei que sou fraco e covarde, e eu não quero mais ser julgado assim.

Acho que se passaram poucas horas, mas a mim pareceram dias. No entanto, Snape apareceu, como eu acreditava lá no fundo, embora já estivesse perdendo as esperanças. Ele se aproximou cautelosamente da cela num momento em que eu estava deitado, como vinha passando todos aqueles momentos sem saber de Ginevra. Me enfurnei na cama e fiquei perdido em meus próprios pensamentos até que ouvi o barulho do cadeado da cela se abrindo. Virei o corpo, ainda deitado, para observar. O meu pessimismo só me fazia crer que seria um dementador, enviado para me dar o beijo da morte, sugar minha alma até que não restasse nada dela. Mas, ao olhar para a grade de onde vinha o barulho, me deparo com o homem de cabelos escorridos e oleosos e nariz de gancho. Snape. A visão do ex-professor nunca foi tão bem vinda e assustadora ao mesmo tempo. Meu coração batia contra o pomo de adão na garganta quando ele falou:

- Mexa-se, Draco. Temos pouco tempo. Você vai salvar a Weasley.

Não era preciso dizer mais nada. Saltei da cama, ignorando dor e ferimentos, com a coragem estalando nas veias. Sorri maliciosamente ao pensar o quanto me parecia com um grifinório naquele momento, cheio dos arroubos corajosos que sempre critiquei. A única diferença era que eu jamais poderia ser um deles: aquela coragem repentina era única e exclusivamente para o meu próprio interesse e com o intuito de satisfazer apenas os meus próprios desejos. Típico de um eterno e orgulhoso sonserino. Condizente com um Malfoy.

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