Uma decisão difícil



III
Uma decisão difícil


As emoções que percorriam o salão tinham um único efeito visível: o silêncio sepulcral. Mesmo as três fadas pareciam estar congeladas ou paradas no tempo. O impacto da maldição deixara-as perdidas, sem rumo. Os seus dons foram rosas deitadas ao mar bravo, tinham sido vãos. A não ser que…

A rainha pegou no seu filho e abraçou-o contra o peito, lavada em lágrimas. Pensara que podia ser feliz agora! Há tanto tempo que a sua pessoa e o seu marido desejavam um filho… e agora isto? Como poderia o destino ser tão cruel?

- Não há nenhuma forma de quebrarmos a maldição? – perguntou James Castlevan com o desespero marcado no rosto.

Hermione baixou os olhos pensativamente. Lord Voldemort era o mago mais forte e temido de toda a terra, e havia quem dissesse que um dia tinha sido uma fada, possivelmente também tivera asas cor-de-rosa, daí a sua revolta. A única pessoa que os poderia informar seria o senhor das Fadas, Albus Dumbledore. Há muito tempo que se dizia que era o único que poderia enfrentar e derrotar Voldemort. Entretanto, tinham que fazer algo pelo pobre príncipe.

- Não podemos desfazer a maldição, contudo a fada Draco ainda não deu o seu dom ao príncipe e poderá, talvez, amenizar a maldição – disse Hermione devagar, medindo cada palavra que dizia.

Draco, ao ouvir o seu nome, franziu as sobrancelhas. Ainda não se dera ao trabalho de se levantar do chão e fazia-lo agora com muita cautela. Apesar de ninguém se importar muito, a fada pensava que poderia ter partido alguma parte do corpo com a queda, ou dobrado alguma asa… malditas asas cor-de-rosa!

- Draco? Poderás fazê-lo? – perguntou Hermione, e desta vez fora um pedido franco, do mais profundo do seu ser.

O jovem soltou um suspiro. Apesar de ser um convencido e arrogante veterano e incorrigível, lá bem no fundo era boa pessoa, e o que o Senhor das Trevas fizera à criança tocara-o muito.

- Vou tentar – murmurou, com os olhos cinzentos a brilhar de determinação.

Encaminhou-se para a rainha e cuidadosamente retirou-lhe o filho dos braços, proeza extremamente difícil, tendo em conta que Lilian Castlevan tinha o seu sentido protector materno no máximo.

Voltou a pô-lo no berço e respirou fundo antes de erguer a varinha no alto.

- Harry James Castlevan, príncipe do reino de Castlevan, quando fizeres o teu décimo sétimo aniversário e te ferires no gume de uma espada, não morrerás. Antes, cairás num longo sono, e só o verdadeiro amor te poderá acordar, quando o momento oportuno chegar. Acredito que conseguirás superar essa crise e cumprirás o teu destino, que sem dúvida será glorioso.

Hermione e Ron olhavam Draco completamente estupefactos. Nunca tinham pensado que o seu colega conseguisse ter sentimentos, por isso aquelas palavras foram água benta para as suas poucas esperanças martirizadas.

- Não consigo fazer melhor e espero que seja o que todos precisemos – comentou Draco, cansado.

- Não chega – murmurou a fada Mione para si. – Temos que fazer mais…

*


O salão foi-se esvaziando. Os cortesãos traumatizados iam-se retirando, rezando inúmeras preces de protecção. Os senhores do reino dirigiram-se aos seus aposentos com o rebento real. Assim, as fadas ficaram, por fim, sozinhas, e preferindo uma sala mais pequena e acolhedora, do que um salão repleto de correntes de ar, para um séria conversa, retiraram-se para uma deveras aconchegante em tons de laranja, conferidos pela lareira quente.

Cada uma das fadas acomodou-se numa cadeira almofada e ficaram ainda alguns segundos em silêncio, pensando no que poderiam fazer. Apesar da fada Hermione ter já uma ideia formada, precisaria da confirmação de Ron e Draco.

- Foi incrível o que fizeste – elogiou Hermione, sem olhar para a fada loira. – Confesso que me emocionaste, principalmente com a parte do “verdadeiro amor”. Deveras tocante…

- Mas? – adivinhou Draco.

- Não podemos fazer mais nada! – manifestou-se Ron, com a face vermelha de tanto pensar.

- Podemos – murmurou Hermione. – E faremos. Teremos que o levar do reino. Escondê-lo!

- Mas ele tem um ano, não cuida de si sozinho! – fez ver Ron, tocando no ponto essencial da questão.

Mione fechou os olhos e esfregou-os com a mão, enquanto Draco soltava um gemido contrariado, já percebera onde a amiga queria chegar.

Hermione estava tão cansada daquela vida de fada… por vezes pensava que gostava de nunca ter escolhido ter asas, o fardo era demasiado pesado para si.

- Seremos nós a cuidar dele – declarou baixinho, como se tivesse medo que o Senhor das Trevas ouvisse algum pormenor.

- Não. Não, não e não! Eu não sou baby-sitter! Eu não vou aturar um fedelho ranhoso para o resto da minha vida! Vai estragar-me a reputação! – gritou Draco, saindo de si com aquela informação confirmada que, para ele, pareceu apocalíptica.

- Essas asas já o fazem – riu-se Ron, o que fez a fada loira de asas cor-de-rosa apontar-lhe a varinha à face. – Hei! Tu mesmo o admites!

- Pois bem, vai tornar a minha reputação dez mil vezes pior!

- Mas Draco, não há outra forma! Queres deixá-lo morrer? – perguntou a amiga desesperada. – Ele é o futuro do reino, é o primogénito, é o herdeiro da coroa!

- Mas eu não quero cuidar dele! Eu não gosto de crianças!

- Ah sim, eu lembro-me. Contaram-me há um tempo, que ficaste traumatizado quando pegaste o teu primo ao colo e ele te vomitou para cima – riu-se Ron, mordendo o lábio para não gargalhar.

Draco ainda não percebera o que tornava as pessoas tão coscuvilheiras. Estavam sempre e insistentemente a falar da vida dos outros. Qualquer dia transformaria tudo em sapos a ver se se calavam para sempre, começando pelo metediço Ronald, a fada.

- É só por essa razão que não queres cuidar da criança? – perguntou a mais sábia das fadas incrédula. – Isso é uma idiotisse! Por favor Draco, não custa nada. Garanto-te que ele não te vomitará em cima.

- Não podes garantir isso…

- Oh! Isto é ridículo, Draco! Ele só o fará se te aproximares demasiado, e ninguém te obrigará a fazê-lo – fez ver Hermione. – Eu e o Ron trataremos dele.

- Eu?! – inquiriu o ruivo que se tinha mantido praticamente à parte da conversa. – Porquê?!

- Porque não tens medo de vómitos – respondeu Hermione sarcasticamente. – Ora essa…

- Mas tenho medo de baba!

A fada fulminou-o com o olhar. Conhecia-os há dez anos, desde que entrara para a Escola das Fadas Sagradas, e muitas vezes perdera a paciência com estes dois rapazes tão diferentes. Com Ron perdera a paciência pelas suas graças sem a mínima piada, com Draco pela sua arrogância e manias irritantes. Contudo nunca perdera a paciência com os dois ao mesmo tempo, até ao momento…

- Chega! Vocês vão fazer o que eu mando – ordenou, levantando-se imponentemente com faíscas a saltarem da ponta da varinha. – Esta noite levaremos Harry para a floresta e ficaremos lá a viver como simples camponeses. E ai de algum de vocês que ponha em causa as minhas ordens. Fiz-me entender?!

Os dois seres alados sentiram-se fortemente presos à cadeira, e encolhidos como estavam de trauma, nem o pescoço conseguiram mover para concordar ou discordar. Nunca tinham conhecido esta faceta tão agressiva da sua amiga.

- Fiz-me entender? – repetiu, com os olhos estreitados, enquanto perscrutava Ron e Draco.

- Claro que sim, não podias ter sido mais explicita – respondeu Ron, engolindo a seco.

- Óptimo. Agora dêem-me as vossas varinhas.

Ambos a olharam desconfiados. Já não lhes bastava ter de educar uma criança, teriam de o fazer sem varinha?

- A minha varinha não – declarou o loiro, encostando o pequeno e frágil objecto ao peito. – Como podes sugerir tal coisa? É como uma filha para mim… que não vomita!

- Já estou a ficar enjoada com essa conversa, Draco. É melhor darem-me as vossas varinhas a bem – disse, num tom ameaçador.

Ambos lhe estenderam as suas mais úteis armas, contrariados.

- Porque não podemos ficar com elas? “Ele” pode aparecer…

- Se ficarmos com as varinhas ele detectar-nos-á, não podemos usar magia… nem asas.

Um sorriso alargou-se na face de Draco. Ficar sem aquelas malditas asas era o seu grande sonho desde que saíra da escola das fadas. Mal apanhasse o Chapéu-seleccionador-de-asas queimava-o até às cinzas!

- Podias ter-me dito antes como se ficar sem asas – protestou. – Vá, rápido, tira-me estas anomalias das costas.

Mione revirou os olhos sem paciência.

- Voláre Finit – murmurou a fada, tocando-lhe com a varinha na testa. As asas brilharam luzes desvanecentes e desmaterializaram-se num pó que acabou por desaparecer no ar. Depois, fez o mesmo a Ron e guardou de seguida as varinhas dentro da manga da túnica (Ron e Draco ainda hoje se perguntam como fazia ela estes fenómenos estranhos). – Agora temos de ir falar com o rei e a rainha… A parte mais difícil, o sacrifício mor.

*


- Como… Porquê? O meu menino é tão pequeno, tão frágil… - murmurou Lilian Castlevan, abraçando o bebé adormecido contra o peito. – Não resistirá!

- Senhora, não se preocupe, cuidaremos dele como se fosse nosso filho. Se ficar aqui será muito perigoso. As espadas são armas indispensáveis num reino, mas o vosso filho terá de dispensá-las – declarou Mione, apoquentada com o que teria de fazer: separar uma mãe de um filho.

- Mas…

- Lilian, as senhoras têm razão – murmurou o rei, fitando o chão de pedra branca. O desgosto marcava-se na face com rugas de tristeza. – Será melhor para o Harry, apesar de também me custar muito… mas quanto mais depressa melhor – volveu o rei decididamente, com os olhos a brilhar de lágrimas.

- Deixai-me ao menos despedir – pediu a rainha humildemente, beijando a fronte do pequeno adormecido. – Adoro-te meu anjo, não te esqueças de mim, por favor meu anjinho. Ficarei aqui à tua espera.

As fadas olharam para outro lugar qualquer, deixando, assim, os dois pais muito mais à vontade na última noite em que veriam o seu bebé, durante uns longos dezasseis anos.



N.A.: Espero que tenham gostado!!! O próximo capítulo será "A casa do ogre"! Comentem!!

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