Les Mystères

Les Mystères



Capítulo 9
Les Mystères


“Eu sou o filho
E o herdeiro
De uma timidez que é criminosamente vulgar
Sou filho e herdeiro
De nada em particular”

(The Smiths – How Soon is Now)


Já se conheciam há mais de um ano, e no começo, todas as vezes em que pensara em Ginny, fora raiva infundada o que Harry sentira, isso ou aquela inexplicável atração pelo proibido. Certo, hoje em dia, uma atração não tão inexplicável. E o fato de ser, de certo modo, um tabu, não tinha nada a ver com a coisa. Ela poderia lhe tirar o fôlego só com o modo de olhá-lo, com o modo de se deixar beijar, quase relutante, para depois se entregar sem reservas. Seria muito simples se ele pudesse classificar aquilo como mera atração física, como um joguinho de esconde-esconde, onde a maior fonte de excitação é afrontar as regras e provar vorazmente o fruto proibido. O problema é que não podia. E teve que admitir para si mesmo que estava navegando por mares desconhecidos. Sempre mestre de suas emoções, Harry, naquele aspecto, andava se descobrindo um poço de timidez frustrante e tempestuosa. Ridículo.

Não era mais possível se fingir de cego, de indiferente. Não era mais possível fingir que comandava e entendia a situação. Muito menos era possível... Ah, segredo dos segredos... Não podia mais negar o quanto precisava daquilo que Ginny poderia – ele intuía - lhe oferecer. Num poço fundo, bem num cantinho secreto de sua alma, tudo o que Harry mais queria – e escondia – era sua necessidade de puro e simples amor. Amor desinteressado, amor maternal, amor feminino, amor no seu estado mais espiritual e, em se tratando da ruiva, com certeza amor no seu estado mais físico também.

Encontrava-se num estado suspenso, refletia com seus botões. Ao mesmo tempo em que sentia uma falta horrível de estar com ela – céus... aquilo era assustador -, precisava estar só, protegido de tudo o que Ginny representava, de tudo o que era, e da imensa mudança que poderia ocasionar em sua vida. Devia ser por isso que vinha tratando a prima com a deferência que ela merecia, mas também com a clara reserva e distância que ele mesmo precisava.

Claro que Harry sabia que a situação não poderia se sustentar por muito tempo. Claro que uma hora dessas, ele iria se entregar à fantasia recorrente de arrastá-la de novo para aquele lugar secreto que compartilhavam. E não, ele não estava se referindo ao carvalho. Tinha a sensação de que poderia ser em qualquer lugar, até mesmo sobre uma das carteiras da mesma sala de aula de biologia, que no momento em que a coisa toda fugisse ao controle, seriam atraídos para os lábios um do outro e se perderiam novamente. A sua boca, os braços macios, os cabelos perfumados, estes eram seu lugar secreto.

Mas, mesmo com tudo isso, Harry vinha bravamente mantendo o controle. Vinha sim. E acabava não sendo tão difícil, já que Ginny também andava se mantendo com certa distância. Respondendo com atenção às perguntas ou comentários que ele pudesse fazer, indo com ele para a escola, acompanhando bisa Eugênia – inexplicavelmente sorridente, como se soubesse de alguma coisa - por passeios tranqüilos no jardim. Porém, mesmo quando entabulavam qualquer conversa perfeitamente superficial, coisas como comentar o tempo ou a melhora de Eugênia, ele quase podia jurar que escutava, como uma grave melodia de fundo, o tic-tac constante de uma bomba relógio. Não sabia quando, só sabia que aconteceria.

Assim como Candie, Sirius também havia tido uma conversa séria com Harry. E o rapaz desconfiava de que a ruiva passara pela mesma saia justa com a tia. Sendo o mais vago possível, ele dissera que o beijo tinha apenas acontecido. Sim, o beijo. Como se tivesse sido apenas um, ou apenas algo tão simples. Não esperava que Sirius engolisse aquilo, já que até tia Candie parecera reticente, mas era o melhor que podia fazer no momento. Tinha coisas a decidir. Abdicar de uma boa praia segura para enfrentar o mar insondável e bravio, não era missão das mais fáceis. Mesmo que a praia em questão estivesse constantemente nublada.

Visões de estar andando de mãos dadas com a ruiva o assaltavam de repente, os dois fazendo coisas simples como irem tomar um sorvete ou perambular pelo French Quarter, e isso o confundia quase tanto quanto os beijos narcotizantes que trocaram. O problema é que Harry não se via assim, como um namorado convencional ou coisa que o valha. E é claro que tinha outro zilhão de conflitos em que pensar. Como se colocar numa posição onde uma pessoa pode entrar em seu coração e te ferir num estalo? Como lidar com o problema do parentesco, leia-se Molly Rosings? E o que dizer de suas personalidades diferentes, magia negra interferindo na Casa Morgan e... e... E a boca de Ginny tão macia, o corpo tão quente, que o fazia desejar ser tão certinho e previsível quanto o principezinho Cedric Diggory. Visitar casas de chá, parques de diversão, carregar seus cadernos no colégio. Pelo amor de Deus! Mais um pouco e ia começar a planejar lhe dar um urso de pelúcia!

Portanto, era ainda mais surpreendentemente que o que vinha salvando sua sanidade fosse justamente um destes problemas. No momento o maior. A Velha. Conforme prometido, Harry havia procurado por ajuda. Não no meio familiar, ou não exatamente no meio familiar, mas com alguém de tanto poder quanto sua bisa. E naquela tarde, saindo sorrateiros do colégio, ele conteve o impulso de puxar a ruiva pela mão - pela falta que sentia daquele toque ou pela ansiedade, não sabia dizer -, enquanto uma bela garota negra aguardava entediada, recostada na porta do carro dele.

Não fora necessário grande persuasão para Keisha o ajudar. Na verdade, ela parecera bastante interessada nos motivos que levariam Harry até sua avó, Justine. Ela só não esperava que Virgínia Morgan estivesse junto. Mas o fato apenas aumentou o seu interesse. Ultimamente, tudo o que dizia respeito à ruiva a interessava como a irritava na mesma medida.

Ginny tinha arqueado uma sobrancelha ruiva, mas não dissera nada. Se limitara a cumprimentar a outra e a se acomodar no carro do primo, captando pela conversa dos dois, que Keisha estaria indiretamente envolvida naquela história de procurar proteção. Enquanto tentava controlar o desconforto e o crescente bolo de ansiedade no estômago, ela observou as ruas bonitas daquela região serem gradualmente deixadas para se aprofundarem em bairros de casas mal conservadas, calçadas arrebentadas e pessoas de olhos desconfiados.

Devia estar louca quando concordou em tornar aquela história ainda mais pública. E não importava o que Harry dissera - que seria tudo muito discreto -, ter Keisha envolvida era como envolver todos os outros membros d’O Clã. E como se não bastasse, a própria Keisha emanava algo de... não exatamente ruim, mas algo não muito amigável. Mesmo Keisha estando sentada atrás, pendurada no vão entre os bancos dianteiros e conversando animadamente sobre coisas comuns, Ginny não podia ignorar a estranha sensação. Podia não se aceitar como bruxa, mas aprendera, à duras penas, a confiar em seus instintos. Lançando os olhos brevemente para o rapaz, viu que ele sorria descontraído, assim como a jovem. Será que havia algo entre os dois? Sim, ela sabia que a garota tinha andado com Ron no ano anterior, mas isso não queria dizer muito. Os dois pareciam se dar muito bem, e definitivamente, Keisha, mesmo em seus piores dias, seria uma jovem para quem um homem daria uma segunda ou terceira olhada. Ginny contraiu o cenho. Será que andava tão fascinada por Harry que estava procurando por coisas que não existiam?

Ele não fazia nem idéia da conversa que ela tivera com tia Candie. Nem fazia idéia, graças a Deus, de que a tia, sempre doce e delicada, tivesse convencido a ruiva a marcar uma consulta com a médica que atendia quase todas as mulheres da família. Consulta esta que já se realizara. Não, Harry nem sonhava com aquilo. Não que Ginny estivesse planejando algo mais com ele. Claro que não! Ela nem mesmo tinha certeza do que estava acontecendo, e menos ainda do que aconteceria. Sabia apenas que ficar com Harry tinha sido divino, mais forte que qualquer devaneio maluco, e que depois, ele se comportara de um modo que ela infelizmente já reconhecia: se retraindo completamente. Então, se ele precisava de um tempo, se não tinha certeza do que queria, ou se... se apenas não ligava para ela, Ginny certamente não ficaria em sua cola. Foi mais ou menos o que disse para tia Candice, tudo um tantinho alterado, como se não fosse tão importante. E mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, ela insistira na consulta, usando todos os sábios argumentos sobre adolescência, hormônios, momento ideal, e outras tantas coisas plausíveis. No final, não fora tão ruim. Ginny agora podia dizer que era uma jovem instruída e informada sobre todas as técnicas modernas de cuidados com este aspecto de sua saúde e seu corpo. Tudo o que um namoro mais sério exigia. Tudo muito bom, só que ela nem mesmo tinha um namorado.

Ela só acordou quando o carro parou numa daquelas ruas estranhas e os outros saltaram para a calçada esburacada. Caminharam enquanto Harry dizia ser melhor deixar o carro um pouco afastado do local para onde iriam. Uma precaução a mais para manterem as coisas sigilosas.

- Você não imagina a quantidade de parentes nossos nesta cidade. E tudo, como sempre, é motivo para uma boa fofoca – ele disse olhando ao redor furtivamente, enquanto deixavam o carro cada vez mais para trás.

Ginny até pensou em fazer algum comentário sobre ele deixar o carro naquele lugar sem qualquer proteção, mas as palavras sumiram quando pararam cedo demais, diante de uma grande casa de aspecto descuidado, com a pintura descascada em alguns pontos e algo sombria. A arquitetura era típica de Nova Orleans, com janelas imensas e uma varanda larga com um gradil baixo de ferro forjado. Seria muito bonita, mas faltava o cuidado que as casas do Garden District possuíam, e mesmo que as bananeiras e flores fossem um espetáculo belo e selvagem, o lugar dava a sensação de jamais ter visto um jardineiro. E embora assim fosse... – Ginny inspirou - a energia do lugar era mais irreverente que amedrontadora. Pitoresca. Parecia ser, propositalmente, o clássico estereótipo de casa fantasma.

- Entrem – Keisha indicou um portão de ferro lateral e meio enferrujado. - Grandmère está esperando.

Eles passaram pela moça, e enquanto a mesma fechava o portão, Ginny cochichou para o primo:

- Que lugar é este? E quem é Grandmère?

- É um lugar onde as pessoas procuram desde conselhos e cura de resfriados à ajuda espiritual. Você já vai ver. E Grandmère é, literalmente, a ajuda que eu te prometi.

- E é minha avó também – Keisha surgiu entre os dois, curiosa e sobressaltando a ruiva ligeiramente. A garota parecia se mover sem som. – Qualquer que seja o problema, Virgínia, costuma ser sábio escutar o que uma boa bruxa tem a dizer.

“Bruxa”, a palavra ficou martelando na cabeça de Ginny. Sempre que piscava parecia estar às voltas com bruxas. A cidade de Nova Orleans parecia um coven, uma convenção de feiticeiras. Mas ela permaneceu calada, a presença de Keisha não encorajava nenhuma pergunta.

Eles não tinham entrado pelo portão da frente, mas pegaram um caminho independente, rodeando a casa e, bem no fundo de um grande quintal, chegaram a um galpão circular sem paredes, e depois a uma construção menor, mas igualmente antiga. Esta parte do terreno era separada da casa principal por uma alta cerca viva e, apesar de não ter a típica estrutura física de letreiros ou qualquer outro indício, era evidente se tratar de algum tipo de templo. Foi uma mulher miúda quem os atendeu, bem na porta de entrada. Era a mesma mulher que visitara Eugênia no hospital e que deixara uma impressão tão forte em Virgínia. Era Grandmère, Justine. A bruxa.

- Eles estão aqui, Grandmère. E a Virgínia está precisando de ajuda – Keisha fez um gesto vago, comprovando a suspeita de que a “audiência” com a avó, seria para Ginny.

Mas Justine não precisava de tais explicações enquanto absorvia e perfurava a ruiva com o olhar:

- Estou vendo. Então, vamos entrar.

Justine não deu maior atenção aos jovens até que estavam dentro da pequena casa, composta de um salão e um corredor com dois ou três outros cômodos, de portas fechadas. Havia bancos de madeira, algumas cadeiras descombinadas, e o ar cheirava fortemente a incenso e a perfumes antigos, meio embotados. A mulher então se voltou para seus convidados, levando as mãos na direção da ruiva:

- Mas Keisha... você me trouxe uma fênix! – A senhora tocou os cabelos vermelhos da garota, e olhando de relance para Harry, arrematou – E um jovem lobo. Mas este eu já conheço. Como vai o coração, Harry?

- Batendo.

Ela riu com a voz rouca de fumante:

- É claro que está. E já era tempo.

Harry conteve a vontade de baixar os olhos e lutou contra a sensação de que a qualquer momento iria corar.

- Esta é a Virgínia, senhora Zabini – ele fez as apresentações. – Ela é bisneta...

- Eu sei quem ela é – Justine o interrompeu de um modo que sugeria saber mais, muito mais do que imaginavam. E comumente, ela sabia. - Esta aqui tem o dom – ela entrecerrou os olhos, sentindo o familiar arrepio subindo pela nuca e os braços. - É uma forte bruxa, menina.

Ginny sentiu-se estremecer, ou melhor, estremecer com mais força. Desde que entrara naquela casa, naquele terreno, seu corpo reagia como se estivesse sendo bombardeado por rompantes de energia pura.

- Eu não sou... nada disso – a voz da ruiva custou a soar, como se algo a estivesse impedindo de contrariar a mulher.

Justine se limitou a olhar com mais força, se é que ainda era possível:

- Humm, então não é bruxa... Começo a entender os seus problemas – ela chegou até a esboçar um sorriso diante de tanta juventude e teimosia. - Agora me digam, seja pelo problema que for, porque procuraram a mim e não a Eugênia?

- Ela ainda não está completamente bem, a senhora sabe – foi a vez de Harry interferir, tentando atrair a atenção da mulher para ele. Ginny parecia incomodada. – Achamos melhor dar mais tempo a sua recuperação.

Justine balançou a cabeça fazendo que sim, mas não parecendo convencida:

- Não acho que a Eugênia esteja mal para uma coisa dessas. Mas... – ela deu de ombros. – Como sempre, a decisão é do consulente, no caso, vocês. Vou fazer o que puder, mas fica aqui o meu conselho: os dois precisam falar com Eugênia o quanto antes. Estão enfrentando coisas feias, aqui, posso sentir. Coisas com as quais nem eu vou ser de grande ajuda.

- Como a senhora sabe o que viemos fazer? - Ginny se viu presa de um mau pressentimento.

- É só um palpite – Justine fez um gesto sem importância com a mão. - Só um palpite fácil de adivinhar. Tom Riddle esteve no hospital naquela noite, quando Eugênia foi internada às pressas. E esteve observando você – falou displicentemente para a ruiva. – Além disso, Tom Riddle aparecendo, assim do nada, nunca foi bom sinal. Então, eu suponho que vocês estão aqui por causa de algo ligado a ele. Talvez... – e aqui ela tomou cuidado com as palavras. – Talvez Carmilla.

Ginny lançou um olhar interrogativo a Harry, que lhe respondeu apressado:

- Carmilla foi a mãe do Ridlle.

- E o que tem isso a ver conosco? – insistiu, se vendo mais uma vez perdida em meio a informações demais e pessoas desconhecidas.

Harry respirou fundo, como sempre detestando entrar naquele assunto específico:

- Carmilla é a Velha, Ginny. A mesma sobre quem seu pai preveniu – a fala dele, quase um silvo, foi interrompida ao ver que a garota empalidecia de leve.

Harry teve vontade de segurar a mão dela, de assegurar que estava tudo bem, mas se reteve. Agora que dissera, gostaria de ter tido mais tato com aquela conversa, de ter falado sobre o assunto antes, mas, assim como acontecia quando o assunto era Arthur, sempre evitava discutir sobre o Ridlle. Era quase um ato reflexo.

De sua posição privilegiada, Justine não perdia uma só palavra, assim como sua neta, Keisha.

- Então o problema é mesmo Carmilla – a mulher confirmou mais para si mesma. – Não pensem que me agrada tratar sobre ela ou dizer seu nome maléfico em minha casa – ela meneou a cabeça, resmungando consigo mesma. - Já lidei com coisas ruins. Ah, sim... Vocês não fazem idéia. Mas não gosto disso, particularmente. É um assunto que persegue aos Morgan, aos que tem o seu sangue.

Keisha pareceu inconformada:

- Mas, Grandmère... nós temos...

- Quieta, meu bem - Justine a silenciou. - Nada é mais fraco do que isso: um pouco de sangue nas veias e nenhuma herança de vida. - E se voltando para a curiosa ruiva, explicou displicente - Meu pai era filho ilegítimo de um dos Morgan, ao menos os outros diziam, já que ele nunca abriu a boca a respeito. Mas isso já foi há muito tempo, muito longe da minha mão. Portanto, ainda penso que deveriam consultar a Eugênia. Ela com certeza explicaria a questão genética bem melhor do que eu.

- Nós temos um parentesco com eles, Grandmère, e a senhora sabe disso! – Keisha enfrentou, com as feições franzidas. – Existe uma dívida... – e a própria garota se calou, como se julgasse perigosa a afirmação que tencionava fazer.

Foi quando Ginny pareceu escutar os pensamentos da velha senhora: “Se há uma dívida, não somos nós que iremos cobrá-la”. Neste momento recebeu um olhar escaldante da mulher, um olhar de reconhecimento, de igual para igual. E aquilo foi tão desconcertante que Ginny mudou o rumo dos próprios pensamentos, se atendo a uma pergunta de ordem prática:

- Então a senhora e nós... e a nossa família...

- Não sou uma parente, criança. Minha família são os Daomè, e a família do meu marido os Zabini. A única ligação concreta começou com minha aliança com a Eugênia, e agora a amizade dos meus netos com vocês.

- E um centésimo de genes, ao menos – Keisha ainda continuava rebelada, falando entre os dentes.

Ginny pensou que a avó iria ralhar, mas Justine apenas sorriu como quem se conforma. Harry, por seu lado, havia abrido a boca para convencer Justine da real necessidade de sua intervenção, mas não teve tempo para uma sílaba sequer.

- Parentesco longínquo ainda é parentesco, senhora Zabini – as palavras estavam soltas antes que Ginny pudesse evitar. – Não sei muito sobre isso, mas me parece que precisamos mesmo de sua ajuda. Eu preciso. Se é uma bruxa, uma curandeira pelo que posso ver, a senhora não pode apenas dar as costas a quem precisa. Estou errada?

A mulher avaliou a ruiva, o canto da boca se curvando apreciativamente:

- Agora, se eu já não soubesse, teria certeza de que é neta da Eugênia. Fala como ela. E falou as palavras certas também. Como mambo, meu dever é ouvir a todos os que me procuram. Veja bem, ouvir. Não estou dizendo que vou poder ajudar. E antes que me pergunte, mambo é minha posição como líder espiritual desta casa, uma curandeira, como você espertamente disse. Precisa aprender mais sobre isso, criança. – E como se tivesse quase esquecido, soltou - Mas com um porém: de outras vezes, cuidado quando estiver lendo a alma de uma igual, ela pode não gostar.

- Eu não... – Ginny baixou bem a voz. - Não foi por querer.

- Eu sei - Justine riu baixinho, e então apontou com o nariz para os tênis All Star gastos da ruiva – Vou te dar um exemplo. Aposto como sua tia elegante fica maluca com isto aí. Mas ela não precisa se preocupar. Eu vejo um futuro de faz-de-conta – é assim que eu chamo estas visões, por que nunca se sabe realmente no que uma pessoa vai decidir se tornar. Mas bem... eu vejo sapatos de salto muito caros, batendo elegantes por um soalho de carvalho. Uma coleção de sapatos – e ela aumentou o riso, semi cerrando os olhos negros. – Embora os pés prefiram tocar o solo sem usar nada. Vocês Morgan e seus carvalhos...

Era verdade, Ginny não gostou de ser invadida, mesmo que por uma previsão imprecisa de um futuro nebuloso. Se aquela senhora a considerava uma igual, era bom ser mais cuidadosa.

Então, sem aviso prévio, Justine se dirigiu a um corredor comprido, acenando para os jovens a seguirem e fazendo um gesto proibitivo para sua impulsiva neta:

- Nossa família não tem nada com a sua, criança, e as relações... digamos amistosas, são muito recentes. Por motivos que é bom deixar de lado, ao menos por agora, os Morgan não eram queridos pelos meus – Justine cabeceou. – Histórias, histórias... Vamos ao que interessa.

E ela abriu uma porta para o local mais inusitado que Ginny já vira na vida.

Era meio escuro, janelas fechadas para o dia, e a única iluminação foi se fazendo quando Justine começou a acender, uma a uma, dezenas de velas dentro de copos de vidro cheios d’água, todas espalhadas por uma espécie de mesa entulhada de objetos. Definitivamente um altar. Criada na religião católica, Ginny jamais presenciara nada daquele tipo. E percebeu que mesmo sendo um pouco assustador, o resultado final era fascinante.

Havia imagens de santos sobre a mesa, santos católicos, mas de feições amorenadas, como se prestassem homenagem a deuses africanos. Ela reconheceu São Pedro, a Virgem Maria, mas também havia figuras desconhecidas, tigelas com frutas e outros alimentos, vidrinhos de perfume, contas coloridas, charutos apagados, como que esperando por serem acesos em oferenda. Uma garrafa de rum jazia pela metade, próxima a uma espécie de chocalho, e havia também pequenos tambores ao pé da mesa. Tinha incenso nos quatro cantos do aposento e até mesmo sobre o altar, e embora estivessem apagados, o cheiro característico permanecia impregnado no ar.

Embora não visse flores em lugar algum, um perfume cítrico, como o de flor-de-laranjeira, era pungente. O chão de madeira estava um pouco esbranquiçado em alguns lugares, como uma lousa desenhada por giz branco e depois apagada. Todos aqueles artefatos festivos, odores, sobrecarregavam os sentidos, mas estranhamente, a ruiva sentiu-se mais excitada que receosa. Quase reverente. E a postura de Justine inspirava mesmo este tipo de respeito, assim como o local onde recebia seus consulentes.

Como a um ato combinado, Harry foi até a mesa rapidamente, em posição servil e falando algo baixo, com consideração, mas logo se afastou para um canto, deixando Ginny sozinha com Justine diante do altar. A mulher se postou frente à figura de São Pedro, pronunciando palavras numa língua afrancesada, que a garota reconheceu como creole, idioma derivado do francês, que tantas pessoas falavam naquela cidade. Justine fez uma pequena prece, usando não o nome de São Pedro, mas o de uma entidade do vodu:

- Papa Legba, que não me seja negada a entrada a qualquer reino que me possa abrir, porque minha boa vontade é verdadeira e meu respeito é tão grande quanto o de meus antepassados.

Foi o pouco que Ginny pôde compreender, e se arrepiou profundamente com o nome e o tom usado pela senhora.

Justine havia acendido um charuto e, com o mesmo nos lábios, se postou diante da ruiva, passando as mãos por sua cabeça, seus braços. Usando um tom sereno e intimista, fez Ginny contar o que havia acontecido, como se dera a aparição de Carmilla. Durante o relato, feito com voz baixa e receosa, a ruiva notou o semblante diferente da mulher, os olhos nublados, como se, naquela hora, ela pertencesse mais ao outro mundo do que àquele. No final do relato, Justine assentiu e voltou a conversar com a imagem de São Pedro, Papa Legba:

- Onde está ela? Onde tem se escondido? – sussurrou audivelmente. - Não a traga para mim, Papa Legba. A dívida existe, mas não sou eu quem vai cobrar. Não, não a traga. Mas me diga onde está. O que quer com essa menina. O que seu coração morto e espírito negro têm planejado – e então fez ruídos estranhos com a boca, meio cantarolando, a cabeça balançando como se ouvisse alguma coisa do plano invisível. Somente depois de algum tempo, voltou a falar:

- Sim, Carmilla ainda está perdida em ódio, dor e escuridão constante. Assim como todos os de sua índole. Todos os que, por maldade e falta de merecimento, não conseguem fazer a grande viagem – a mulher suspirou pesadamente, os olhinhos nublados voltando a se tornar vívidos e brilhantes. – Mas disso eu já sabia.

- O que ela quer comigo, senhora Zabini? Ou melhor dizendo, porque apareceu para mim?

- Repita a primeira pergunta, criança. A primeira pergunta – a mulher cabeceou. – A Velha não apenas apareceu, a Velha quer algo de você.

Como se pressentisse seu temor, Harry voltou a se aproximar, ficando tão próximo que a garota podia sentir o seu calor, e embora não pudesse dizer nada a respeito, ficou muito grata por seu apoio.

- O que ela quer de mim? – sentindo-se menos corajosa do que sua voz fazia crer, a ruiva confrontou sua igual, olhos nos olhos.

- Carmilla está atrás de você. Na verdade... está como uma sombra, junto a você. Espreitando. Sempre que você fica frágil, com medo. Ela atacou quem julgava mais fraco. Mas quando o fez... – Justine franziu os olhos fechados. - Deve ter sentido essa sua força. Hum... a velha Carmilla te descobriu, menina, e a velha Carmilla gostou do que viu. Agora, um espírito desgarrado, mesmo um tão poderoso, não poderia fazer sozinho o que quer. Ou melhor, seria mais fácil se tivesse um norte, ajuda de algum vivo. Está entendendo?

- Esta história realmente não é feita só por fantasmas vingativos – Harry acrescentou, parecendo remoer alguma coisa. - Ou muito me engano, ou foi preciso uma pessoa de carne e osso para montar uma oferenda de vodu bem diante da nossa porta. Eu só me pergunto quem teria feito.

- Você sempre foi inteligente, meu filho – Justine sorriu. - Não vá deixar de ser agora.

- Riddle – ele pôs todo o veneno numa única palavra.

- Guarde essa sua raiva. Jogue essa raiva em outro lugar, modifique-a para proteger a moça, não para provocar mais desequilíbrio.

- Então foi aquele homem? De novo aquele homem? – Ginny falou olhando de um para o outro. – E que motivos ele tem para não me querer bem?

- Ridlle nunca quis bem a qualquer pessoa, a não ser a si mesmo – Harry replicou. – E até nisso falhou. Você pergunta o que a Velha quer com você? O mais correto seria saber o que o Ridlle quer. Sua herança, tudo o que a bisa possui, tudo o que ficará para a única herdeira que pode continuar a descendência.

- Mas como...

Harry a interrompeu:

- Ele é o segundo na escala de parentesco. O seu ramo da família. Se não houver descendentes vivos da bisa... de você, a herança será dele.

Mas Justine interferiu, fazendo que não:

- Nem a ambição mais óbvia é tão simples, meu filho. O ódio deste homem é antigo, vindo de outra geração. Ódio passado pela feiticeira que teve por mãe. Contudo, me permita dizer, ele sozinho já não pode fazer os malefícios que fez no passado. Mas se utilizando de Carmilla, as coisas mudam de figura.

- Ele é completamente patético! – Harry estalou. – Se nunca pôde se utilizar dela antes, como pode ter este poder todo agora?

- Porque só agora ele descobriu uma aliada - a mulher respondeu atentamente.

- Quem? – os dois jovens perguntaram sincronizadamente.

- Você, minha filha – ela pousou a mão dura e envelhecida sobre o ombro de Ginny. – Carmilla viu sua força, mas também viu o seu medo. Você, indiretamente, lhe deu forças para fazer todo este mal. É você a ajuda viva que os dois precisavam para vencer.

O silêncio foi sepulcral, entrecortado apenas pelo ruído baixo de Justine fumando seu charuto, de um modo tão diferente do que a elegante prima Bernadette fazia. Mas ela não lhes deu muito tempo para digerir a história. Que eles o fizessem mais tarde, em casa. No momento, o papel de Justine não era consolar ou sanar imaturidades e desconfianças. Por isso, logo continuou:

- Descubra sua história, criança, é um dos dois conselhos que vou te dar. Sua força é seu único escudo, agora.

Virgínia tinha as sobrancelhas franzidas e um frio glacial endurecendo seu corpo. Não podia aceitar esta responsabilidade, aceitar que fosse culpada por aquela aparição. Nem podia acreditar que aquilo iria se repetir. Não, não com ela. Não de novo. Seria sempre a pária, não importa onde estivesse? Sempre aquela a ser apontada e excluída? Foi com a voz algo dura que falou:

- A senhora está enganada. Não sou aliada desta assombração. Não procurei por isso, nem nunca quis...

- Não é o que você quer, criança, mas é o que acontece.

- Então... tira isso de mim – Ginny falou baixinho, não precisando explicar do que se tratava. Tanto Justine como Harry sabiam que ela se referia à sua força, à sua magia. – A senhora é poderosa... Pode fazer alguma coisa.

Justine respirou fundo, tendo a sabedoria simples de quem viveu muito e de quem aceitava bem - e até se alegrava – com suas limitações:

- Sou curandeira, minha filha, mas não faço milagres. Les Mystères lhe deram esta dádiva e só eles podem tirá-la.

- Les Mystères... – Ginny repetiu percebendo, surpresa, que Harry havia segurado sua mão em algum ponto da difícil conversa.

- Tudo aquilo que está no outro plano – Justine explicou por alto. - Tudo o que rege a vida e a morte, e que conhece melhor do que nós qual é nossa sina e nosso bem.

- Santos? Anjos? – Ginny achou que aquilo soava familiar.

- Eles também.

A ruiva suspirou dolorosamente:

- Muito bem. Então vou rezar a eles pela minha cura - Ginny deu um sorriso amargo, parecendo se recuperar bem depressa. - A senhora me disse que tinha um segundo conselho. Qual é?

Percebendo que a moça não aceitaria seus dons - ainda não -, Justine a deixou escolher o seu caminho, porque na vida todos tem que ser responsáveis por seus próprios passos. Então não insistiu, mas apenas respondeu com gravidade:

- Procurem por Eugênia. Os dois. Procurem o quanto antes.

Eles ainda demoraram naquela sala por algum tempo e saíram carregando certos acessórios, algumas velas brancas, água perfumada e a tarefa de realizarem uma espécie de “limpeza” no quarto da ruiva. E Ginny vinha com a sensação de sair mais preocupada do que quando chegara. Não podia dizer com honestidade que acreditava em tais rituais, mas como qualquer pessoa em dificuldades, se apegava a qualquer oportunidade apresentada.

- Já acabaram? – Keisha esperava pendurada no portão externo. Tinha curiosidade espocando nos olhos, mas bom senso o suficiente para não perguntar nada mais.

- Já sim – Harry respondeu notando, aliviado, que a prima não parecia mais tão pálida. Ela era mesmo bem mais forte do que parecia. - Obrigado de novo por ter nos trazido, Keisha.

- Sem problema.

- Fique aqui, Ginny. Vou buscar o carro.

Foi Harry se afastar e a jovem negra se aproximou da ruiva:

- E então? – Keisha pôs uns olhos brilhantes demais sobre a outra.

- Sua avó é uma pessoa fascinante. Realmente – soou evasiva.

- É verdade. Toda a gente costuma dizer que se Grandmère não consegue resolver um problema, é melhor desistir.

Ginny sentiu um mau agouro e, instintivamente, começou a observar a rua deteriorada.

- Este lugar... não é perigoso? – Teve receio de parecer indelicada, mas precisava mudar o rumo da conversa. - Quer dizer...

- Eu sei o que quer dizer. Aqueles sujeitos lá na esquina – Keisha fez um gesto discreto em direção a dois brutamontes mal encarados - não apenas parecem, mas são mesmo traficantes, e cravariam de balas qualquer um que bancasse o engraçadinho. A luz do dia não significa muito por aqui.

- Não fica com medo?

- Eu? – a moça riu gostosamente. – Eles conhecem Grandmère. Todo mundo conhece Grandmère. Quando eu tinha treze anos um deles mexeu comigo. Era novo por essas bandas e não devia saber quem sou, o coitado. Eu estava só passando quando ele usou palavras nada bonitas pra descrever o que gostaria de me fazer. É claro que eu corri para a Grandmère, toda assustada – Keisha balançou a cabeça, achando a lembrança engraçada. – Ninguém pareceu surpreso no dia seguinte, quando ele quebrou as duas pernas numa feia queda de escada.

- Não entendi.

- Não mesmo? O que eu quero dizer é que nós nos cuidamos. Eu podia até andar pelada à noite neste bairro e continuaria tão pura quanto quisesse.

Porque não sabia o que dizer, Ginny se manteve calada. Tomara que Harry viesse logo. Tomara. Descobriu que não era a rua o que a preocupava. Era a hostilidade velada que Keisha emanava.

- Quer ouvir uma coisa engraçada? – a jovem lhe deu um sorriso cúmplice, não parecendo disposta a deixar a ruiva simplesmente em paz.

- Hum? – Ginny procurou acompanhar o sorriso de Keisha por um momento.

- Quando nós éramos pivetes, o Blaise e eu, costumávamos ir pra frente do espelho e repetir o nome dela por cinco vezes.

- Dela quem?

- Ora, dela... a assassina de crianças. Carmilla, Carmilla, Carmilla...

O sorriso de Ginny foi morrendo, seu rosto perdendo a pouca cor recém adquirida.

- Perdia quem não conseguia dizer até o fim – a garota parecia deliciada. – Porque não tenta qualquer dia destes? Ela nunca apareceu pra nenhum de nós. Imagino que pelo pouco sangue Morgan nas veias. Mas no seu caso já existe uma predileção, não é?

Uma buzina tirou a ruiva da conversa surreal.

- Vem, Ginny! – do seu carro milagrosamente intacto, Harry chamou.

- Até logo, Virgínia – Keisha continuava sorrindo. – Tchau, Harry.

- O que foi? – Harry notou seu semblante aéreo quando ela entrou no carro.

- Pode me chamar de louca, mas acho que essa garota não gosta de mim nem um pouco.

- Keisha? – ele lhe lançou uma risada descrente enquanto tomava o rumo de casa. – De onde tirou isso?

- Uma impressão – resolveu ser vaga, afinal a garota era amiga dele.

- Bom, se é impressão, melhor levar a sério. Vocês bruxas não costumam se enganar.

- Dá pra parar com isso? – falou mais desanimada do que irritada.

- Olha, sei que a senhora Zabini pegou pesado com você, mas ela é mambo, uma curandeira, e o seu trabalho não é só falar o que os outros querem ouvir. Além disso, eu não falei por mal, estava só tentando tirar essa nuvenzinha negra de cima da sua cabeça.

- Sei... Pode deixar que eu mesma cuido disso. Mas antes... só mais uma coisa. Essa mulher... – Relutou em dizer o nome e se arrepiou profundamente quando o fez. – Carmilla, que história é essa de que era assassina de crianças?

- Ah, isso... – Harry relanceou os olhos para ela rapidamente. – É uma história comprida, da qual eu sei muito pouco, de modo que...

- Você jura que ainda está tentando me poupar? – ela lhe enviou um olhar sarcástico.

Perito em olhares sarcásticos e coisas do gênero, Harry achou que ela fazia aquilo muito bem. Então sorriu de volta, um tipo sorriso caloroso, deixando as bochechas da prima quase coradas:

- Não acho que seja mais possível te poupar, mas também acho que já tivemos muita emoção por hoje. Que tal se a gente só aproveitar o resto do dia? É sexta-feira... a gente podia, sei lá...

Ela sentiu um leve solavanco no peito, querendo muito acreditar que as palavras dele significavam o que pensava, mas se desapontando quando Harry, depois de um muxoxo, voltou a sua postura quase distante de ultimamente.

Permaneceram calados até o Garden District, mas quando chegaram em casa e viram a fila de carros dos primos na calçada e logo os próprios dentro da sala, Harry não pôde evitar a confusão:

- Mas que diabos é isso?

E Ginny não pôde evitar o sorriso ao ser abraçada por Cedric bem diante de Harry. Bem, ao menos alguém por ali a queria.

- Você não vai acreditar, Titânia – Cedric começou, empolgado -, mas a bisa nos convidou, minha banda e eu, para um sarau. Um sarau! Nos dias de hoje! Você finalmente vai poder me ouvir tocar.

- Um sarau? – Harry falou azedamente. – Primeiro, ainda não é noite, e além disso, ela não pode estar falando sério. É muito cedo pra ficar dando festas enquanto...

- Enquanto a moribunda se recupera? – a própria bisa cutucou, chegando pelas costas do rapaz. – Ora, Harry, vindo de Candice eu imaginava tal traição, mas de você eu esperava maior apoio – ela piscou marota, sentando-se confortavelmente em sua poltrona estofada preferida. – Vamos todos ter conversa e escutar boa música, e vocês, garotos, podem ir dançar.

- Mas... – Ginny tentou falar, achando impagável a cara de Harry, mas se preocupando com a bisa assim mesmo.

- Nada de mas – Eugênia bateu com a bengala no chão, numa paródia de si mesma. Havia notado o rosto pálido da bisneta e um perfume característico em sua pele quando se inclinara para beijá-la. Agora reparava no pacote embrulhado em jornal que procurava esconder. Mas isso ficaria para depois. – Vamos ter um pouco de diversão por aqui. Esta casa anda parecendo um museu e eu um dos seus objetos. E apesar de ainda não ser noite para fazer um sarau – ela mirou Candice, um pouco distante do grupo -, eu imaginei que o “general” não aceitaria nada que terminasse muito tarde. Vocês sabem, a inválida aqui precisa dormir cedo.

Por ser apenas uma das formas que Eugênia usava para mofar de seu próprio estado de saúde, Harry não achou necessário fazer qualquer comentário. E uma vez que a bisa decidia uma coisa, era ela e não tia Candie quem tinha a palavra final. Marechal Eugênia Morgan. Embora o resultado da pequena rebelião fosse engraçado, ele continuou não gostando de ver os músicos esparramados pela sala, os jovens parentes o cumprimentando efusivos, empolgados com o evento. Não gostou nem mesmo da cara meio escandalizada de Sarah Mae e da expressão de indulgente irritação de tia Candie. Nada trouxera um sorriso aos seus lábios naturalmente sarcásticos. Mas o que, de longe, ele menos gostou, foi daquele almofadinha do Diggory arrastando a sua prima pelo braço, com tanta intimidade. Quem o idiota pensava que era?


XXX


Já estavam na segunda ou terceira música, não saberia dizer. A banda era boa, a música empolgante, fazendo o corpo se mover quase que por instinto. O que continuava não sendo bom, era o modo do Diggory olhar para Ginny, como se tocasse apenas para ela. O otário achava mesmo que tinha alguma chance. Harry estava encostado à parede, sem a presença de Ron ou Draco, que ainda não haviam dado as caras, e sua expressão não poderia ser mais zombeteira. Mas seu corpo não acompanhava sua feição de ironia. Estava rígido, de braços cruzados diante do peito, e quando achava que ninguém estava espiando, observava veladamente o rosto ainda pálido de Ginny e todas as nuances de interesse que ela transmitia. Mesmo sabendo que a garota provavelmente estava se esforçando a aparentar uma descontração incompatível com os últimos acontecimentos, a presença de Cedric era algo como uma ameaça, um perigo iminente, a erva daninha no seu jardim.

- Eu juro que não sei se devo te parabenizar ou te consolar – a voz de Hermione o fez lançar os olhos em sua direção, o único movimento que realizou.

- Você sempre pode me parabenizar, mesmo quando eu não sei do que está falando.

- Não sabe mesmo? – ela enganchou o braço no dele, carinhosamente. - Bom, você não tem culpa de ser assim, tão burrinho – ele apenas ergueu uma sobrancelha. - Mas deixa eu me explicar melhor. Você tem tentado afastar a Ginny com tanto afinco, tanto empenho, que eu acho que finalmente conseguiu. E não que ela te desse muita importância, mas você sempre podia ter a esperança, né? Mas agora... – ela suspirou mirando o clarinetista - o Cedric está mais forte ou é impressão minha? De todo modo, continua lindo.

- Mione, você anda convivendo demais com a Lizzie. Está falando absurdos como ela.

- Oh, então ela também percebeu sobre o Cedric? Não me admira, Lizzie sempre teve bom olho para garotos.

- Olha... – Harry soltou o braço livre e esfregou a mão pelos cabelos. – As coisas não são tão simples.

- É claro que não – ela concordou, mas cedo demais. – Eu entendo bem. Você está caidinho por ela. Isto é simples. Mas você fica remoendo tudo nos seus mínimos detalhes para se convencer de que é uma grande tragédia. Isto sim, é complicado – ela o puxou pelo braço que enlaçava, fazendo o rapaz ficar de frente para ela. – Acontece que a época de amores trágicos já era, Lord Byron. E vou te dizer outra coisa. Eu sei que já tem algo rolando entre os dois. Já suspeitava, mas hoje, vendo esses seus olhos de cachorrinho sem dono, tenho finalmente certeza. E não sou a única. A Lizzie também já percebeu, e pelos olhares que sua tia lança de minuto a minuto para os dois, a coisa está ficando meio pública. Eu não vou te cobrar informações, Harry. Pode sossegar. Mas, honestamente, acho que a Ginny merece alguém que tenha certeza de seus sentimentos, que possa fazer o mínimo de assumi-la como namorada.

- E você acha que eu não sei? – ele soltou exasperado, sem mais escrúpulos em esconder da amiga seu estranho quase relacionamento. - Sei tudo o que está me falando. Ela merece exatamente o que aquele... O que o Diggory parece tão ansioso para oferecer.

- Você pode oferecer isso também, Harry! – ela lhe deu um meio chacoalhão. - Se tentar, você pode. Não está percebendo o quanto anda diferente? Mais... mais...

- Confuso?

- Não! Mais humano, mais parecido com o resto dos mortais. Todo mundo se apaixona. Não há nada de errado nisso.

- Eu não estou...

- Escuta – ela o cortou. - Contra tudo o que eu mais acredito, descobri que tem momentos na vida em que pensar demais só atrapalha. Quer fazer o favor de ser mais você mesmo e apenas tomar uma atitude?

Se alguém dissesse que um dia ele iria escutar Hermione Granger dizendo aquilo, Harry teria rido em altas gargalhadas. E em outro momento qualquer, é o que estaria fazendo.

- Você devia falar com ela – Mione sorriu de leve pela surpresa que suas palavras provocaram no amigo. – Nós somos só adolescentes, pelo amor de Deus! Supostamente as coisas deviam ser mais leves nesta época.

- Leves, é? – Harry riu meio torto. – Espero que isso não seja verdade, porque se a tendência for piorar, vou ter muito medo de envelhecer.

Ela olhou para o amigo com uma expressão cômica:

- E não é que você está certo?

Harry franziu a testa:

- Você está muito boazinha, hoje.

- Boazinha não, apenas coerente. A adolescência é um saco!

- Apoiado! – ele enfatizou, finalmente rindo para a amiga. - Você vê, mesmo com todo o apoio do Sirius, minha infância foi uma droga – ele ensaiou uma careta. – E eu ainda estou tentando me recuperar dela. Agora, imagine minha adolescência problemática. Não estou sendo muito bem sucedido, não é?

E como ele começasse a rir de verdade, num daqueles risos meio segurados, ela o acompanhou:

- Sei exatamente o que quer dizer – o corpo da garota sacudiu de riso. - Eu passei metade da vida tentando provar para os idiotas daquela escola que, mesmo sem um sobrenome aristocrático, sou tão boa quanto qualquer um. E passei a outra metade apaixonada pelo mesmo garoto. Um garoto que, não importa o que eu faça, me vê apenas como mais alguém da família. Deus... como isso é patético. Como nós somos patéticos!

- Eu sei – rindo, Harry abraçou-a por um longo tempo, até que a hilaridade dos dois fosse se aquietando. Ao contrário de ficarem deprimidos, o humor negro, de certa forma, os deixara mais leves, reconhecendo entre si, as mesmas emoções que governavam os que passavam por aquela difícil fase da vida.

A música agora, soava barulhenta pelo salão. Um jazz primitivo e contagiante, fazendo os outros dançarem passos improvisados, misturando os movimentos característicos do charleston com o tipo de dança desconexa dos tempos atuais. Foi quando, ainda com um sorriso nos lábios, Hermione soltou o que vinha planejando:

- Estive pensando nessa coisa – ela soou vaga. - Pra mim, sabe. Mas acho que deve funcionar pra você também. O que acha de apenas por hoje... Apenas por esta noite... – ela fitou os olhos curiosos de Harry e mordeu o canto da boca. – Fazermos exatamente o que estamos querendo? Dar férias aos pensamentos e apenas agir?

- Bom, normalmente é o meu jeito de funcionar – ele pareceu meio dividido. - Fazer primeiro, pensar depois. O problema é que estou tentando quebrar velhos padrões de comportamento. – Mas vendo que a amiga se desanimava, emendou apressado. – Entretanto, isso seria verdadeiramente ótimo pra você. Desde que esteja planejando fazer o que eu estou pensando.

- E o que está pensando?

- Algo relacionado ao meu digno, ilustre, mas um tanto lento melhor amigo. E correndo o risco de ser um mau companheiro, tenho que te dizer que tenho percebido umas olhadas diferentes do Ron para você.

- Diferentes, é? – ela assuntou. - De que tipo?

- Isso já seria traição – Harry se esquivou com uma piscadela.

Ela riu de novo, ficando com as bochechas bem coradas.

- Tudo bem, não precisa dizer nada. Eu também acho que percebi. Em certos momentos. Só que, infelizmente, o Ron ainda não.

- Então o ajude.

- Talvez – os olhos dela brilharam de marotice. – Talvez.

- O que está planejando, senhorita Granger? – Harry abriu a boca com diversão. Estava adorando aquela nova Hermione, mais leve, mais livre das próprias censuras.

- Isso eu ainda não sei. Vamos ver para onde os ventos vão soprar.

Agora sim, Harry estava pasmo:

- Você? Sem um plano milimetricamente elaborado?

- Pra você ver.

- Tem certeza que a tia Candie só serviu chá e suco, naquelas jarras? – ele apontou para a mesa do buffet.

- Absoluta – ela riu com gosto. – Mas agora deixe eu me encontrar com minhas escudeiras. Estou precisando de apoio feminino.

Com um olhar mais agudo, Harry percebeu Lizzie se afastando com Ginny do centro da desordem.

- Mione... – ele chamou antes que a garota se afastasse muito.

Como o conhecesse quase tão bem quanto Ron e soubesse ler muitas coisas naqueles olhos, Hermione o tranqüilizou:

- Não se preocupe, seu segredo está a salvo comigo.

Ele sorriu torto, fazendo um gesto rápido e típico de levar o dedo indicador à altura do coração e depois apontá-lo para ela. Era sua forma tradicional de dizer sem palavras o quanto a amizade dela significava, e também um meio de se desculpar por manter tantos segredos guardados. Harry sabia que não era uma pessoa fácil.

- Eu sei, eu sei – a amiga abanou a mão, revirando os olhos. - E como não amaria?

A conversa com as garotas fora um tanto mais animada e variada quanto a estratégias, sendo que depois do choque, Lizzie ficara esfuziante:

- Eu positivamente não acredito! As trombetas do paraíso devem estar tocando, porque eu não posso ter escutado isso.

- Mas escutou – se recuperando mais depressa, Ginny sorriu abertamente, tentando se mostrar mais alegre do que os acontecimentos de sua tarde permitiam. – Então, isso quer dizer que... hoje...

Hermione fez um gesto divertido de derrota, querendo afastar o nervosismo que ficava mais forte de minuto a minuto:

- Não sei pra que tanto susto – ela se virou para a pequena. – Quer saber, Lizzie? Resolvi seguir o seu sábio conselho.

- De novo: Meu o quê? – Liz repetiu atônita. Mione não usava a expressão “sábio conselho” numa frase referente a ela. Nem de brincadeira.

- Não é você quem vive me dizendo para ser mais... hum, agressiva com os rapazes?

- Não. Eu venho te dizendo pra ser mais agressiva com o meu primo cenoura. Há uma enorme diferença entre o Ronald e o resto da humanidade.

Depressa, Hermione juntou as sobrancelhas:

- Hei, não fale dele desse jeito.

- E ela ainda o defende... – Lizzie olhou de canto para a ruiva.

- Não é uma gracinha? – Ginny suspirou em resposta.

- Vocês estão ficando impossíveis juntas – Mione pontuou sem deixar de sorrir. - O fato é que enciumá-lo foi uma coisa bem agradável e tudo, mas não andou surtindo maiores resultados do que olhares especulativos. De modo que...

- De modo que... – as duas incentivaram.

- Assim que me chamaram para o sarau, eu telefonei para o Ron. Não fui muito clara, mas dei a entender que nós precisávamos conversar sobre alguma coisa mais séria.

- Espera aí – Lizzie apertou os olhinhos espertos. - Quais foram as palavras exatas que você usou?

- Hum... – Mione capitulou. - “Você vai até a casa Morgan? É que eu tenho uma coisa importante pra te dizer”. É, acho que foi mais ou menos assim.

- Eu realmente espero que você melhore o seu vocabulário – Lizzie balançou a cabeça, duvidosa. - Porque no momento, o Ron deve estar acreditando que vocês vão discutir sobre o último dever de matemática.

Elas ainda discutiram o assunto por mais um tempo, olhando esperançosas para a porta, de quando em quando. Hermione esperando por Ron, Lizzie – secretamente – por Draco, e Ginny simplesmente desejando ver as duas amigas felizes. Já estavam ficando impacientes quando a farta cabeleira vermelha assomou pelo portal. Mas elas mal tiveram tempo de ensaiar seus sorrisos de encorajamento. Ronald chegara sim, mas acompanhado por uma de suas colegas de classe, a loura e bonitinha Lavender Brown.

O rapaz foi brevemente até Harry, parecendo não perceber o olhar descrente e até irritado do amigo. E depois, como se não bastasse, rumou diretamente para as garotas:

- Oi, meninas – Ron falou todo sorrisos, puxando a garota desajeitadamente pelo braço. - Já conhecem a Lavender, né?

Ginny e Lizzie gaguejaram algo similar a cumprimentos, enquanto Hermione - que até então permanecera estática - cruzou os braços, parecendo emanar vibrações de morte dolorosa ao casal. Se ela tivesse fugido, empalidecido, tremido ou coisa que o valha, as amigas não teriam ficado tão preocupadas. Parecia haver algo trincado dentro da garota, restando saber se este algo quebraria ou entraria em erupção.

Mas Ron ignorou o alerta mudo, puxando conversa com as três enquanto Lavender permanecia enlevada com tudo o que saía de sua boca. Tentando aliviar o clima tenso, Ginny demonstrava uma desenvoltura até então sua desconhecida, disfarçando e, ao mesmo tempo, tentando chamar a atenção do casal para outras direções e pessoas, enquanto uma alarmada Lizzie não fazia outra coisa senão fitar Hermione e o casal como que esperando a hecatombe. Mesmo sem ajuda, a ruiva estava conseguindo seu intento, afastar o par dali. Teria dado tudo certo se Ron não resolvesse – justamente naquele momento - ser perspicaz:

- Err... Tudo bem com você, Mione? Parece que está passando mal.

Em conjunto, Lizzie inspirou vivamente e Ginny puxou a acompanhante do primo subitamente, usando a desculpa de querer apresentá-la a Eugênia. Com alguma relutância por parte de Lavender, que evidentemente não pretendia desgrudar do rapaz, Ginny e Lizzie a levaram num segundo, enquanto o único movimento de Hermione foi erguer o queixo com mais dureza.

- Aposto que não comeu nada e passou o resto do dia estudando, não foi? Não bastaram as aulas – ele fez uma careta condescendente. - Eu sempre digo que esse stress ainda vai te matar.

Tomando a expressão da garota da maneira mais errada, Ron não tinha idéia de onde estava se metendo:

- E então? O gato comeu sua língua? – perguntou descuidado enquanto passava os olhos pela sala, acenando alegremente para alguns parentes e não notando o colorido vivo que subia pelo rosto da garota. – Hei, e o que você queria me dizer? – voltou a atenção para a amiga de súbito. - Lembra? No telefone você...

- Não acho que seja boa idéia conversar agora – a voz de Hermione mal saiu através dos dentes. – Você não ia gostar do que iria ouvir.

- E porque não? – E então ele cometeu o erro final ao lhe lançar uma cara de profundo enfado. - Não é nada sobre a escola, certo? Seria tão típico de você...

- Típico? – ela sibilou, erguendo as sobrancelhas ao limite máximo. – Típico?! – seu controle estourou e ela falou tão fino que terminara por perder a fala momentaneamente. Finalmente, apontando com um dedo duro para uma certa direção, disse sem som: – Biblioteca. Agora.

Ao seguir a amiga, um tanto intrigado, Ron refletiu se havia feito algo de errado. Foi seu primeiro acerto naquela noite.

- O que está acontecendo? – ele falou, agora mais cuidadoso, quando chegaram ao portal da biblioteca.

- Não vai tentar adivinhar? – a voz dela soava alterada, mesmo com o barulho que ainda chegava forte, vindo da sala. – Adivinhe, Ronald! Afinal, sou um modelo típico de garota! Transparente, fácil de ser lida!

Ele entrou finalmente, com os olhos ficando mais e mais abertos.

- Eu e meu comportamento típico! – Mione cuspiu as palavras assim que a porta se fechou, abafando o som de risadas e música. – E como você insistiu, vamos ter essa conversa típica! Porque eu sou uma pessoa típica! Sem surpresas, não é isso?!

- Eu... acho que... – ele olhou rapidamente ao redor, tendo um pressentimento de alarme. – Por acaso eu fiz algo errado?

- Ohh... não me pergunte isso – ela deu uma rápida risada seca. - Você vai preferir não escutar.

Ele se quedou mudo. Certo, tinha copiado boa parte do último trabalho sobre a guerra civil, mas ela já sabia disso. Devia ser outra coisa. Então, como um condenado, ele esperou que Mione continuasse até ouvir sua sentença. Mas os minutos passavam e a única coisa que a amiga parecia ser capaz de fazer era encará-lo com um ódio glacial. Hermione queimava, mas era gelo.

- Ah... – ele deu um discreto passo para trás. - Acho que a Lavender está me esperando.

- É?!! – ela falou tão alto, tão irônica, que Ron se viu devolvendo o passo para o mesmo lugar. - Sua namorada está esperando?! Então é melhor correr.

- Namorada? – não gostara do tom da garota, mas por hábito, resolvera contemporizar. - Eu não diria bem isso. É só... Nós dois não estamos vendo ninguém, você sabe. Então, eu pensei que poderíamos passar alguns momentos legais. Só isso.

- Só isso. Só alguns momentos legais – foi estranho o modo como ela repetiu as coisas que ele falou. Soava, de algum modo nada velado, como um prenúncio de tempestade.

- Suponho que sim – ele confirmou um tanto friamente.

- Você supõe – ela pôs as mãos na cintura, o fuzilando com o olhar. – É claro que você supõe.

- Hermione... Vai me dizer o que está acontecendo com você? Porque está começando a me deixar irritado.

- Sabe o que eu gostaria de saber, Ronald? – ela ignorou a pergunta do rapaz. – Por que diabos, vocês homens tem essa necessidade de se atracarem com qualquer coisa que use saias. Por que você – ela apontou um dedo longo - pula de galho em galho, ou melhor dizendo, de garota em garota, sem nunca parar pra pensar no que está fazendo. Se é que algum dia na vida você já pensou. É algum tipo de doença? De super produção hormonal? Se for o caso, porque não começar a se medicar? Só pra parecer que você é normal.

- Agora chega! – ele ergueu as mãos, exigindo silêncio. Seu rosto adquirira um conhecido tom avermelhado. – Que... Que droga é essa que está acontecendo aqui?

- Eu também gostaria de sab...

- Eu não terminei! Só por agora, fique com essa boca fechada! – ele a cortou ainda mais irritado, cansado de ser a pessoa em quem ela descontava suas raivas. – Você está me acusando exatamente do quê, Hermione? – E então apertou bem os olhos. - Promiscuidade? Porque eu saía com a Keisha no ano passado e agora, meses depois, estou com a Lavender?

A garota começou a rir, primeiro devagar, depois quase histericamente:

- E é claro que você ficou apenas com as duas, não é Ronald? Claro que o nobre Ronald Morgan não andou se esfregando por aí com alguma outra desocupada. Eu posso me fazer de distraída algumas vezes, porque tem coisas que realmente prefiro não saber, mas acontece que tenho ouvidos, sabia? Pessoas, garotas... falam. Vai ter a coragem de negar?

Finalmente, ele atingira o mesmo nível de raiva que ela. Por isso foi com um tom venenoso que descarregou:

- Negando ou não, acredito que isso não é da sua conta. Quem talvez esteja precisando de promiscuidade é você. – A garota empalideceu, mas ele não parou. – Ou, da mesma forma que me acusou, esteja precisando de medicação.

Parecendo que saía do próprio corpo, ela sentiu-se aprumar e escutou sua voz dizendo:

- Você está absolutamente certo. Talvez quanto à promiscuidade, com certeza quanto à medicação. O problema, o grande problema do século, é que aparentemente não há remédio nenhum para o mal que eu estou sentindo. O mal que eu venho sentindo há anos. Anos e anos. E você nunca foi capaz de perceber. Nunca teve a menor sensibilidade.

Ele cruzou os braços, impaciente:

- Será que dá pra ser mais clara? Porque estou cansado de meias palavras, de você explodindo comigo por motivo nenhum e depois parecendo ser a vítima, toda magoada.

- Não é possível que você ainda não faça idéia – ela sacudiu a cabeça de leve,o rosto de contorcendo de angústia. – Não é possível que não entenda.

- Não! – foi a vez dele explodir, gritando sem controle. - Eu não faço idéia! Porque eu? Porque sempre essa implicância? Esse sarcasmo? Essa raiva? Talvez eu não tenha o seu grande cérebro privilegiado, mas estou pouco me fodendo! Eu. Não. Entendo. Hermione!

- Eu amo você Ronald – ela não mais gritou, nem se contorceu em agonia, suas palavras saíram frouxas, como quem se liberta de um grande segredo. Um segredo agora audível e inequívoco. - É claro o suficiente? Eu amo você. Não como amiga, mas como mulher. Sem meias palavras. Eu amo você.

Ron a encarou por um momento, pego desprevenido, totalmente atordoado, e como o rosto dela confirmasse exatamente o que acabara de ouvir, seu corpo pareceu perder toda a energia e raiva, se esvaziando como um balão furado. Ele viu-se caindo sobre o sofá, tirando a atenção de cima dela e chacoalhando a cabeça em negativa enquanto esfregava as mãos pelo rosto, sentindo os ouvidos zumbirem e a cabeça girar.

- Mione... você... – ele nem sabia o que dizer. - Está falando bobagem. Está confundindo... Só pode estar. Você não disse...

- Eu te amo – ela repetiu com a voz trêmula.

- Mas... não – ele a fitou incrédulo, tendo certeza de que ela falava em outro idioma. - Nós praticamente crescemos juntos. O Harry, você e eu.

- E eu não me apaixonei pelo Harry. Não há confusão nenhuma, Ron. Eu sei muito bem como me sinto.

- Não – ele balançou a cabeça. – Não. Você é... É como... minha irmãzinha.

Hermione sempre soube que poderia escutar aquilo, mas contrariamente ao que esperava de si mesma, não sentiu os olhos arderem por lágrimas, mas por raiva. Uma ira esmagadora crescia dentro de si, mescla de frustração e dor. Um vulcão adormecido que finalmente tinha os motivos corretos para entrar em erupção e se contentava imensamente por isso.

- Irmãzinha? – a voz da garota silvou, seus olhos se apertando em fúria. – Você tem a coragem de me dizer que sou sua... Olha pra mim! – ela berrou, fazendo com que Ron voltasse a fitá-la, atordoado demais para fazer qualquer outra coisa senão obedecer. – Sim! Pelo menos uma vez na vida, Ronald Weasley Morgan, olha pra mim! Olhe de verdade e agora!

Ele a fitava diretamente e assistiu, entre horrorizado e deslumbrado, Hermione agarrar a barra de sua blusa e, com dedos furiosos, arrancá-la pela cabeça, deixando à mostra uma magnífica peça de lingerie branca.

Só aquele olhar foi o suficiente para aplacar um pouco da ira que ela sentia:

- Você pode, honestamente, me olhar do jeito que está fazendo agora e dizer que sou sua irmãzinha?

- Hermi... Ponha de volta – ele engoliu em seco. – Você está fora de si. Ponha a blusa de volta. Agora.

- Por quê? Isso está te perturbando? – ela baixou a voz. - Sua irmãzinha sem blusa? Não deveria mexer com a sua cabeça, não é?

- O quanto você bebeu? – ele tinha a voz sumida, sem contudo conseguir parar de olhá-la, sua pele clara e delicada.

- Isso não é bebida, Ron – ela chacoalhou a cabeça, inspirando forte, fazendo os seios arfarem pesadamente. – Isso é minha última chance. A última antes de desistir. Você é tão estúpido, que não entenderia de outra forma.

Ela era uma diva de lábios vermelhos, olhos brilhantes e rosto afogueado. E ele estava realmente assustado, realmente apavorado, mas agora mais por si mesmo do que por ela. Havia um nítido formigamento que começara a tomar os seus sentidos, arrepiando seus pêlos, subindo por suas pernas, braços e mente. Agora o seu pavor era dirigido ao impulso inimaginável que sentia, que sussurrava palavras impensáveis às quais ele rebatia gritando não, não e não! Impulso surdo que o seduzia, o incitando a tocá-la, a descobrir a textura, o gosto, o toque. Era bizarro, mas subitamente teve a iluminação de que não era algo novo, mas que aquela vontade, aquele desejo, pairava há muitos anos em seu subconsciente, morava em sonhos meio esquecidos, vislumbres repentinos que agora tomavam corpo e forma. E a forma era Hermione.

- Porque não faz o que está com vontade? – com uma voz que era um cicio, ela incitou, seus olhos quase implorando. - Acha que eu não posso ver? Acha que seu rosto consegue esconder alguma coisa de mim? Você nunca conseguiu. Nunca. Eu conheço cada expressão, cada jeito de olhar, e você está me querendo. Eu não posso estar enganada quanto a isso. Você está. E eu também quero você – ela deu um passo em sua direção.

- Não faça isso – ele falou, ou antes sussurrou. – Não... Você não é assim. Nós não somos. Vai se arrepender disso num segundo.

- Mas eu já estou arrependida – ela foi se aproximando mais e mais, e ele descobriu que estava paralisado sobre o estofado macio do sofá. – Arrependida de não ter sido mais corajosa, mais verdadeira, de não ter feito isso há mais tempo.

Ela não podia desviar os olhos dele, mas também mal podia encará-lo. Uma parte de seu cérebro metódico estava estático de choque, horrorizado com sua conduta, mas uma outra parte, esta bem menos utilizada, menos civilizada, gritava que sim, que apostasse todas as fichas e fosse até o final.

- Ron, você tem alguma noção do quanto está me custando fazer isso? Do quanto vai me custar? – falou com a voz estrangulada, mas, ainda assim, foi se achegando, como se ficar mais perto aliviasse a sensação horrível de estar fazendo toda aquela cena em vão.

- Mione... – com as costas coladas no encosto do sofá, o suor descendo frio, a expressão de Ron era um misto de choque e negação. – Você não... eu...

- Vamos – ela falou sem firmeza. – É o momento de você fazer alguma coisa. Se decidir se vai dar este passo ou não. Chega de brincar de irmãozinhos, Ron. Chega de meias palavras. Você queria a verdade e essa é a maior que posso dar. Eu estou me expondo tão completamente... – ela travou os dentes por um momento, engolindo lágrimas, orgulho e auto-preservação. – Estou praticamente me entregando em suas mãos. Só que vai ser a única vez, tenha certeza. Não pretendo mais me humilhar por você, correr atrás de você ou te causar qualquer outro embaraço. Mas eu... – Ela gemeu – Ron... eu preciso saber.

Quando Hermione, com sua pele reluzente, sua voz de sereia, quase o alcançava, Ron pulou, se levantando de supetão, tropegamente, afastando-a com um esbarrão descuidado, tomando o rumo direto para a porta. Transtornado, ele não disse nada, parecendo disposto a correr para o mais longe dela que pudesse. E apesar de, na mente do rapaz, a questão ser tão mais complexa, a rejeição foi exatamente a impressão que passou.

- Ron... - Hermione chamou, engolindo o gemido, ouvindo perfeitamente seu coração se partir. E mesmo fechando os olhos com força, não pôde reprimir duas lágrimas quentes, que desceram queimando por seu rosto vermelho de vergonha e dor.

Então... era isso. Era mesmo o fim. Apostara alto e perdera tudo. E depois de tudo o que acabara de fazer, seria praticamente impossível manter sequer um arremedo de amizade. Fora longe demais. Hermione só abriu os olhos quando ouviu um estrondo seco na porta. Instintivamente, ela focou a vista e observou que Ron... Ron ainda estava ali! De costas, músculos tensos. E com a mão em punho, ele socava a porta com força, repetidamente, fazendo o mesmo barulho seco que ela escutara antes. Por um momento delirante, ela não compreendeu o que acontecia, se Ron estaria com tanta raiva dela que gostaria de lhe bater. Hermione estava perto da verdade, tirando o fato de que o rapaz gostaria de estar esmurrando a si mesmo, a suas necessidades recém descobertas, seus hormônios malucos, coração disparado. Aquela reação não era mais do que uma última rebelião antes da inevitável entrega.

Finalmente, ele parou, ofegando, parecendo tremer. E tendo somente as costas dele como visão, a garota escutou o ruído da chave sendo rodada na fechadura e, parecendo em câmera lenta, viu o rosto dele se virando para o seu, intenso, quase com raiva. De algum modo, ela percebeu que Ronald decidira seu caminho. E fosse qual fosse, soube que não perdera aquela partida de todo. Ainda não.

Ele a alcançou pouco depois, rápido, sem hesitação ou incerteza, fazendo com que ela quase desse passos para trás, tal a intensidade e brusquidão de seus movimentos. Mas não teria sido possível escapar. Para onde iria? E por quê? Ele a puxou com um braço só, envolvendo seus cabelos com a mão livre, logo depois. Foi neste momento, quando ele a tocou, que Hermione percebeu que o rubor que a pele dele emitia não era como o seu, por vergonha. Ron parecia ter febre.

- É o que você queria, não é? Você é louca – ele falou com a voz baixa, a boca encostada na dela, os dentes trincados. - Louca... E eu também. Ou vou ficar em um segundo... se não fizer isso – e foi com estas palavras que ele a agarrou completamente e a beijou.

Não, certamente ela não planejara nada do tipo quando decidiu dar ouvidos a seus impulsos. Planejara algo como uma conversa calma, reveladora, quem sabe um terno beijo, se tudo desse certo. Mas sentindo a boca ser consumida pela dele, Hermione percebeu que, curiosamente, suas atitudes intempestivas, mais que o destino ou o raciocínio, eram responsáveis por estar sentindo uma das maiores euforias de sua vida. Foi a deixa para suas mãos se embrenharem famintas na massa espessa de cabelos vermelhos. Tinha tanto tempo que queria... O cabelo dele tinha a espessura e maciez que ela adivinhava, o cheiro. E o beijo cresceu, explodiu, se tornou plural. Beijos e mais beijos enlouquecidos. Sentiria gosto de sangue se fossem além.

- Você não foi – ela repetiu afogada. – Eu achei... achei...

- Não... eu não fui. De que jeito? – a voz dele era um rosnado angustiado. - Só me deixe fazer... – ele não conseguia falar com ela, olhá-la. Era essencial continuar beijando, devorando aquela que nunca mais seria Hermione, sua irmãzinha, sua melhor amiga, mas a que, de hoje em diante, para o bem ou para o mal, seria a garota linda pela qual ele sentia-se absurdamente atraído, absurdamente disposto a toda aquela loucura. Sabia que se xingaria por isso. Muito. Mas ainda não.

Conforme as mãos de Ron deslizavam por suas costas, conforme ele ensinava a ela o seu jeito de beijar, Hermione se afundava em pura emoção. Estava sonhando? A sensação de irrealidade era tamanha que não conseguia se situar no tempo. Seria mesmo verdade que estava sentindo o gosto dele? Tendo a boca tomada pela dele? Apertada nos braços fortes e levantada do chão? Agora não importava mais nada. Nem que sua pele estivesse semi-exposta, nem que houvesse outro mundo fora daquela porta. Ele a levara para o sofá, soube disso em algum momento nebuloso, e lá eles se entrelaçaram, anos de atração sublimada sendo compensados em carinhos que seriam impensáveis se estivessem com as mentes serenas. Ela não queria mais. Nem menos. Queria exatamente aquilo que tinha em seus braços, que sentia em sua pele. Ouviu Ron resmungar, algo que soava igualmente como frustração e paixão, e sentiu quando ele a imitou, puxando a própria camiseta e a atirando longe. Foi esmagada pelo peso dele no instante seguinte. “Aahh...”, paixão e frustração, ela iria enlouquecer. Não... Já estava louca. E ele, pelo visto, estava ainda mais.


XXX


A noite tinha caído, mas apesar de ser ainda muito cedo, Ginny se despedia dos últimos remanescentes do sarau, inclusive de Lavender, bastante aborrecida:

- Tenho certeza de que houve um motivo muito plausível para o Ron ter saído sem dizer onde ia – a ruiva contemporizou.

- Claro – Harry ao lado da prima, continha um sorriso de canto. – Um motivo muito forte – no que Lavender apenas fez que sim, parecendo pouco convencida, e logo se foi.

Harry tinha permanecido junto a Ginny nas despedidas, obviamente de propósito. O rosto dele condenava. O rapaz parecia ter achado muito agradável não dar a menor oportunidade a Cedric de falar a sós com ela. Fora a banda parar de tocar e tia Candie declarar encerrada a reunião, para Harry se portar como se ele e a ruiva fossem anfitriões atenciosos, se despedindo, em conjunto, de todos os que partiam. Cedric não parecera feliz.

E agora tinham restado só os dois, e Harry não perdeu tempo em cutucar:

- Festinha legal – tinha um sorriso presunçoso, de quem costumava conseguir os seus intentos.

- Também achei – ela concordou pensando por que motivo ele ainda não tinha se retirado para o seu próprio apartamento. Afinal – mesmo que ela não ligasse – Harry só estivera implicando um pouco com o Cedric, tentando afastá-lo dela. Portanto, já tinha conseguido o que queria e podia se retirar mais que satisfeito. – Foi uma reunião deliciosa. Eu nunca tinha assistido um conjunto de jazz tocar. É muito, muito melhor do que ficar só escutando.

- Então gosta de jazz? Poderia ter me falado. Eu podia ter te levado ao French Quarter e mostrado centenas de bandas. – E acrescentou maldoso - As melhores.

- Ah, mas a banda do Cedric esteve muito boa – ela riu internamente, entendendo a indireta dele. - Além disso, eles estão meio que começando e somos... parentes, por assim dizer. E parentes devem ser unidos, não é? Se apoiar.

- O Diggory não veio aqui apenas pra tocar. Veio se exibir. Ele está interessado em você, Virgínia – Harry soltou sem pestanejar, mas ela não falou absolutamente nada a respeito, se limitando a arquear muito de leve as sobrancelhas daqueles olhos absurdamente grandes e luminosos.

- Você entendeu o que eu disse? – Harry insistiu, observando abismado um indício de sorriso surgir nos lábios dela.

- Entendi sim.

Incomodado pela reação dela, que não parecia surpresa, mas um tanto divertida, como se já tivesse considerado certas possibilidades, Harry se viu menos amistoso:

- E seria este o apoio que você gostaria de dar a ele?

- Ainda não tinha me ocorrido, mas até que é uma idéia. – Onde mesmo foi que aprendera a fazer aquilo? Ginny estava um pouco abismada consigo mesma, com a facilidade de estar puramente provocando o primo. Mas tudo bem, aquilo estava bom demais.

Quando Harry arqueou uma sobrancelha e seu corpo apresentou todos os indícios – que ela já conhecia bem – de que iria se aproximar, Ginny sentiu um arrepio veloz ouriçar todos os fios rubros de seus cabelos.

Foi o súbito ruído de uma porta e cochichos apressados que os interrompeu, tirando toda atenção dos jovens de si mesmos. Não que fosse particularmente chocante ou engraçado, mas a visão de Ron e Hermione tentando passar despercebidos, provocou em Ginny e Harry as mesmas expressões de pasmado divertido e uma forte vontade de rir.

Fora flagrante demais. Não era preciso ser um gênio para entender o que andara acontecendo. As expressões dos dois condenavam, e como se não bastasse, Ron tinha os cabelos completamente desalinhados e Hermione – aqui Harry foi quem mais se surpreendeu – tinha a blusa posta do avesso. E numa incrível sucessão de eventos, antes que qualquer dos quatro pudesse abrir a boca para se explicar, despistar ou gracejar, a voz de Eugênia soou muito tranqüila, bem perto dali.

- Virgínia?

- Estou indo, bisa! – a garota se alarmou, percebendo pelo rosto de Hermione, que a amiga explodiria de vergonha se Eugênia a visse.

Pela prática em se esquivar nos mais diversos acontecimentos bizzaros, Harry tentou açambarcar aos dois assustados amigos para trás da parede, no que foi completamente mal sucedido.

- Não há necessidade, meu bem – Eugênia respondeu ao lado da bisneta. – Já estou aqui.

Aparentemente estivera bem mais perto do que os garotos previram ou então andava muito mais rápido e silenciosamente do que fazia crer sua bengala. Hermione continuava em sua posição semi-catatônica, Ron, com o corpo metade para fora da parede, tinha o olhar de uma criança pega fazendo arte. O único escondido era Harry, que na prática nem precisaria de tal subterfúgio. E ele mal se controlava, começando uma crise de riso silencioso bem ali, recostado à parede. Ron o socou com a mão fora de vista.

- Ah... – foi o único som que a bisa emitiu antes de recuperar seu jeito blasé. – Então ainda estão aí, meninos? Acho que mal vi vocês dois durante o sarau. Devo ter estado distraída, certamente.

Ambos murmuraram qualquer coisa, concordando e se despedindo ao mesmo tempo. Tentando, sem sucesso, aparentar uma inocência bem distante. Ginny agora sabia que nenhum dos dois tinha o menor talento para artes dramáticas. Não quando pegos de surpresa. Ela literalmente viu as engrenagens do cérebro da bisa funcionarem, captando as roupas dos dois, o modo como estavam afobados e corados. Quando eles se foram, a ruiva, tentando ser leal a todas as partes, tentou explicar:

- Eles... Eles provavelmente estavam... na biblioteca. Lendo.

- Hum – Eugênia suspirou bem humorada. – Não se preocupe, querida, eu não vi absolutamente nada. – E por ser verdade, ela fitou o teto, complacente, parecendo admirar os afrescos de gesso e pintura. - Na minha idade é comum a percepção começar a falhar. Ao menos... – ela relanceou os olhos espertamente para a bisneta. - Ao menos para o que nos é conveniente.

- Certo... – Ginny se remexeu, subitamente desconfortável. - Então, eu acho que...

- Meu bem – a bisa a interrompeu -, eu voltei até aqui, em má hora, reconheço, apenas para lhe pedir um favor. Será que poderia ir ao meu quarto, digamos... dentro de meia hora? Penso que é tempo o suficiente para os remédios e eu me trocar.

- Seu quarto? – falou meio surpresa, sentindo algo se adensar no ar.

- Sim, meu bem. Meu quarto. Pelo cheiro de flores e fumaça que você ainda tem, e pelo embrulho característico que chegou carregando, acho que devemos conversar. – Ignorando o rosto assustado da jovem, Eugênia virou-se em direção ao elevador antigo, de uso quase que exclusivo para si e sua enfermidade. Então soltou de costas: - E claro... você também estará sendo esperado, Harry.

Ela nem se dera ao trabalho de olhar em direção à entrada, onde o bisneto se mantinha fora de vista, até então, acreditando estar bem escondido.

Apenas por uma questão de oportunidade, Harry esperou até que Eugênia subisse para aparecer. E se recostando à mesma parede que o escondera tão ineficazmente, ele controlou a nova onda de risos e só observou a prima se alarmar:

- Como ela descobriu? – Ginny tinha os olhos arregalados. - O que diabos foi isso? – repetindo as palavras que Harry usara mais cedo, a garota, corada como uma rosa, praguejou sem pesar.

- Isso? Foi só uma bruxa em seu covil, Ginny. Você não achava mesmo que íamos enganá-la por muito tempo, achava?

A moça olhava alternadamente para o local onde o primo estivera escondido e para a direção do elevador:

- Mas... Como ela te viu?

- O quê ela não vê? – Harry sorriu. A expressão desafortunada da garota estava muito engraçada

- Ela vai querer saber de tudo, não vai?

Ele lhe lançou apenas um sorriso torto, e aquela não fora a resposta que ela esperava.

- Mas eu não quero contar... – ela choramingou. – E agora? Harry... Nós estamos numa encrenca?

- Não, Ginny. Nós estamos é ferrados – então ele recomeçou a rir gostosamente. – Se não quer dizer a verdade, comece a pensar numa história, ruiva. E bem depressa. Isso vai ser ainda mais interessante.

Só tinham meia hora e Ginny não conseguia pensar em qualquer história minimamente plausível além da verdadeira. Afinal, – descobriu - ela também não tinha talento algum para artes dramáticas.


XXXXXXXXXX


N/A: Capítulo dedicado à Kelly, que ama Ron e Hermione, por todo o seu carinho e atenção. Obrigada, amiga.
E também um beijo super especial para a Duda-Aluada, que me emocionou com o carinho e a capa mega linda.
Demorado, sofrido, em alguns pontos até travado. E ei-lo! Só posso repetir que estava com muita saudade de todos (demais!) e com muita saudade de terminar um capítulo e ter aquela excitação meio medrosa, meio gostosa, esperando as reações de vocês.
Fics são interessantes, em um dado momento se escrevem por si mesmas, tomam a rédea e coitado do escritor, só serve mesmo pra digitar, e tem horas que elas simplesmente empacam e nem adianta chorar. Como diz minha irmã e beta, Sally Owens, o bom mesmo seria fazer um download direto do cérebro para o pc, porque, diga-se a verdade, é muito mais fácil imaginar e criar do que transcrever. Dei esta volta para dizer que a fic deveria estar bem mais avançada. Era minha vontade ter poucos capítulos, fazer algo mais rápido e leve. Háháhá, estou rindo de mim mesma. A coisa cresceu demais. É por isso que a história pede mais cuidado e maior aprofundamento, para que quando vocês lerem “fim”, levem algo com vocês ou tenham a sensação de que valeu a pena.
E quanto à demora, não insisto na compreensão de todos. Sei que os que ainda esperam, torcem, pedem e mandam beijos e boas vibrações, entendem o quanto a luta pelo pão e a vida real exigem (embora a vida de escrever, muitas vezes, é para mim mais real que a outra). Meu carinho tão, tão, forte e sincero a vocês.

Observações:
1 – A sessão com Justine foi obra de pesquisa e leitura de Madame Rice, mas se alguém for adepto ou conhecer a religião e achar que cometi algum erro, sugestões serão muito apreciadas e bem vindas.

2 - Há uma quantidade significativa de leitores que pergunta se me baseei em um filme chamado “A Chave Mestra”. Não, queridos. A fic é baseada em Anne Rice. E mesmo assim, não taaanto. Ainda não tive a oportunidade de ver este filme inteiro, mas atentem, quando assistirem a qualquer filme ou lerem algum livro que se passe em Nova Orleans, dificilmente não haverá alusões ao vodu, pântanos, ambiente sensual e sombrio. Coisas da Louisiana. Mas, pelo pouco que vi, o cenário é o ideal para ver um pouco da cidade, o estilo que eu tento mostrar algumas vezes. Entendidos? ^^


Agradecimentos especiais:

Mary Black: Obrigada, linda! A Velha é ruim mesmo. Bju

Aline: Ah, querida, as coisas nem sempre são fáceis nos romances, mas prometo sempre escrever com propósito e com carinho. Bjão

Dudinha: Obrigada pelo carinho, querida. Beijos.

Bruna: Ah, que fofa! Adoraria escrever 100. XD Valeu muito seu recadinho, querida. Bjux

Sú: Ahhhh!!! *Geo dança de contentamento. Eu sei que o reduto em que lê a fic é bastante D/G. E o que vc me disse me deixou pra lá de feliz. Obrigada, querida!

Sally Owens: Irmã amada, obrigada por você. Estou aprendendo muito contigo, a escrita é só uma das coisas. Pode deixar que vou desenvolver sim, Candie e Sirius! Tenho planos e planos pra eles. ^^ Beijo estalado.

Hannah Burnnet: \o/ *dança. Brigada de verdade, querida. Bjo

Sophia DiLua: Valeu o carinho, querida. E gato e rato estão se aproximando. ^^ bjuuu

Livinha: Minha romântica maninha. ^^ Sou bem derretida pra escrever. Fazer o quê? Hihi. Gostou de Ron/Mione? *_* Pensei em vc, na Kelly e na Pri. Ficava imaginando vcs no lugar da Mi. Ahuahuahuhaua! Beijo bitelo!

Miaka: Obrigada pelo apoio, linda! Ainda tem bem mais de Draco/Lizzie. Bjim.

Ceci Potter: E eles ainda estão confusos! Hehe. Mas coisas acontecerão. Momentos H/G em breve. Aguarde. Bj

Lanni Lu: Ai que saudade da sua fic! Que feio, ao invés de agradecer, fico cobrando. Hehe. Ron/Mione, não é que vc estava certa, sua danada? o/ E vc me deixa chocada com o tanto que é amorosa. Brigada mesmo, querida.

Remaria: Ai... que saudade... que fofura de comentário... Os casais estão se acertando, né? Aparece na comû!!! Bjo enorme.

Lis.Strange: Maninha, é vero. A Velha será algo de bem maligno. Espero fazê-la a contento. Estive querendo te procurar para... hum... uma consultoria, por assim dizer. Mas e o tempo? Rsrsrsrs. Agora me diga se achou a sessão com Justine verossímil. Precisei de pesquisa, mas minha experiência pessoal é limitada e as duas religiões se parecem em muitos aspectos. *cruza os dedos.

Michelle Granger: Gente... há quanto tempo a gente não se fala? T.T Vc e a Arinha partem o meu coração de sôdade. Esperando sua fic, sua sapeca! Bjão e tomara que tenha tempo de ler este. :-********

Leka Potter: Brigada, linda. *suspirando. Seu coment é que me deixou sorrindo pra todo lado. Beijãozão.

Yasmin Prado: Neste não teve Draco e Lizzie, mas eles voltam. ^^ Beijos

Mari: Ahuahauhauhaua! Adorei seu coment e o chamego. Brigada mesmo, querida! Bjux

Dany: Querida, eu espero que tenha se saído bem na prova de matemática! Não quero me sentir culpada. T.T Mas valeu o carinho. :-***

Diana P.Black: Miga, adoro seus comentários, e eles NUNCA são “mais um”. Fico muito contente de estar gostando do Harry, mas lembre-se de que ele é ainda cheio de contradições e maduro demais numas coisas e imaturo demais em outras. *fecha o bico, Geo! Ahuahauhauahuahua! Eu adorei (!!!) o que falou sobre o medo. TU-DO!! Vc leu minha mente ou minhas anotações? Hihi. Bjo imenso.

Nimue25: Ah... que delícia! Coment mais carinhoso, este. *_* Sério, se eu pudesse escrevia de uma vez! E a Rice é muito boa, e beeem mais prolixa do que eu. Hehe. Bjuuu.

Lilly: É, As Escritoras são minhas maninhas alfabéticas. Amo todas! Pode deixar que eu me cuido, querida. Bjo grande e brigada pelo chamego.

Ari Duarte: Ahuahuahuahauhaua! Realmente, precisamos colocar o Harry como travesseiro ambulante. Íamos faturar uma nota preta! Listas quilométricas de espera. Bjão, miga.

Ninguém: Vc me deixou muito lisonjeada. Mesmo. Acho que o negócio foi exercitar a escrita, que estava beeem enferrujada. Daí o negócio deslanchou. ^^ Obrigada a vc e as suas múltiplas personalidades. Até a do Voldie. Rsrsrsrs. Bjão. :-*****

Letícia Gothic: Brigada, flor! Este Harry é bem especial pra mim. Cheio de nuances. Adoro fazê-lo assim. XD Bjins.

Patilion: Ai... a porta batendo. Ahauhauhauahua! Menina, e eu que escrevi sozinha e com um espelho bem às minhas costas? Ui! ^^ Brigada e beijão.

Carine CG: Que bom, querida! Fico contente de ter me achado aqui tbém. Pode deixar que O Clã não será esquecido. bjoooooo

Camy Tonks Potter: Vamos produzir e vender Harrys em escala industrial! Ahuahuahuahuahua! Bejo.

Lica Martins: Viciou, querida? Foi um feiticinho que eu lancei na fic. Hihihi. Beijo.

Isa Kolyniac: Obrigada pela espera, querida. E desculpe o sofrimento. Eu tbém me envolvo tanto com algumas leituras que dou uma pirada se fico sem. ^^ Bjo maior ainda.

Monalisa Mayfair: Ai, meu Deus, Mona! Assim vc me mata de vergonha! ^^ Mesmo. E obrigada pela comparação imerecida mas tão fofa. A gente é brasileiro e não desiste nunca. Rsrsrsrs. E sim, a Sil é uma amiga muito querida e muito fofa. Generosa demais. E não se preocupe com os quadrinhos, tá? Já passou tempo demais que foram feitos e quase ninguém deve ter. Beijo estalado.

Amanda Regina Magatti: Espero que não tenha se prejudicado nos trabalhos, querida. Mas foi muito lisonjeiro. ^^ Bjão.

Tonks Butterfly: Ahh, que bom que acho isso! E pode deixar com o Sirius, ele não é de desistir fácil. XD Bjim.

Kelly: Está aí, Ron e Mione. Faça de conta que ela é vc, querida. Hihi. Bjo bem grande.

And GW: Obrigada mesmo, querida. Escrever sem exagero e meio difícil pra mim. Rsrsrsrsrs. Adoro uma forte emoção. Valeu o carinho. Bjux.

Pandora Potter: Ai, querida, valeu mesmo! Bjo carinhoso.

Sônia Sag: Vc ainda me mata de rir, Sô. Versão Lula gigante foi o máximo! XD E nem fica com medo de achar o Draco sexy. Tenho planos para ele. Hehe. Bjo gigante, amiga.

Pâmela Black: Ui! Rsrsrsrs Se vc se vê no lugar da Lizzie, então vc é sortuda. Ahuahauhauahuahua! Eles pegam fogo juntos, agora só falta incendiar. ^^ bjos

Mayana Sodré: Eu entendo e concordo. Mistério demais fica um porre. ^^ Neste e no próximo haverá mais. Brigada por tanto carinho, querida. Beijos.

Jéssica: Pôxa, querida... muito obrigada pelo elogio e por todo o carinho. Desculpe a demora, mas... é a vida. T.T Me chame de Geo, tá? E a Arinha tem mais responsabilidades ainda que eu. Mas tbém tô com saudades dela. Um beijo imenso.

Marcelle: Que bom que acho o beijo tão real! A fic é romântica mas não precisa ser melosa demais, né? ^^ Pode deixar que não paro, não. Bjoooooooooo

Gina W. Potter: Sentiu o gosto? \o/ Fico feliz que vc nem imagina. Por mim e por vc. Hehe. Bjins, querida.

Charlotte Ravenclaw: Nem me fale em atribulações. Rsrsrsrs *minhas olheiras falam oi pra minha nuca. O Tom e sua língua venenosa. Vc disse tudo! No próximo haverá mais esclarecimentos sobre ele. Beijos estalados, amiga.

Alessandra Silva: Ahuahuahua! Brigada demais, linda. Mega beijo.

Lola Potter: Menina, este travesseiro fez um sucesso... *pensando em exportar. Ahuahuahauahuahaua! Eu tbém quero um Harry pra mim! Beijo, bjo

Gê Gerhke: Obrigada sempre, querida. Bjux

Liege: Que bom, querida! Tomara que continue gostando. Bjo, bjo, bjo.

Cissy Evans: Obrigada pelo carinho, linda. XD Bjão.

Tati Skywalker: Brigada, mesmo, querida. Demorada, mas att. ^^ bju

Paty Black: Ah, maninha, Sirius e Candie podem até demorar um pouquinho, mas virão com força total, pode esperar. Meu beijo mais que especial, florzinha.

Andréia Carine Santos: Querida, cheguei! Rsrsrsrs Espero que tenha gostado. Bjus.

Srtª Black: Obrigada, linda. Até a próxima. Bjuuuu

Aluada: Muito obrigada pela capa linda, querida. Ficou muito especial e bem a cara da fic. Foi uma surpresa e uma delícia sem fim. Meu beijo de coração. :-**********

Jeh: Nem me fale, querida. Aproveita enquanto é só a escola. Rsrsrsrs Campanha: queremos um travesseiro Potter! É excelente para a coluna, a boca, os braços... tudinho. XD. Bjão.

Juliete Weasley Potter: Estou bem. A vida é que é muito corrida, mas o capítulo está quentinho. Bjão, querida.

Mica Caulfield: Ah, que comentário bom... Que sorriso me deixou no rosto cansado. ^^ Carinho gostoso demais, querida. E palavras lindas, lindas. Valeu mesmo. Beijo especial.


Meu beijo de coração,
Geo


Comunidade:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=40603795


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