A Casa Morgan

A Casa Morgan



Capítulo 2
A Casa Morgan

“Três passarinhos sentados em minha janela
E eles me disseram que não preciso me preocupar
O verão chegou feito canela
Tão doce
Pequenas meninas pulam corda no concreto

Você se encontrará em algum lugar, de alguma maneira”


Quando Virgínia desceu do avião, um ar quente e tropical a envolveu de imediato, e foi só então que ela acreditou que realmente estava ali. Nas últimas semanas, Molly evitava discutir a viagem e a garota tinha sempre a sensação de que ela poderia mudar de idéia a qualquer minuto. Suas férias estavam quase no final quando partiram de Nova York, mas quando ela pisou naquela terra, nada mais importava, agora estavam na Louisiana, em Nova Orleans, que ela tinha pesquisado com tanto afinco pela internet.

Ao rodarem pelo subúrbio, ela viu que nada em suas pesquisas a preparara para o sabor daquela terra. Tinha algo de doce no ar e ela descobriu que apesar do rosto apreensivo da mãe, não conseguia parar de sorrir.

Tudo a agradava, desde as acomodações confortáveis do hotel, à gentileza das pessoas. Pessoas de todos os tipos físicos, ela reparou. A arquitetura variada, prédios históricos e construções modernas, ruas cheias de música. Foi amor à primeira vista. Ela mal podia esperar para abocanhar aquela cidade e mastiga-la com voracidade.

Tia Candice apareceu logo depois que a sobrinha telefonou. Vinha aborrecida por não ter sido avisada sobre o horário do vôo. Secretamente tinha esperanças de convencer a ex-cunhada a se hospedar na Casa Morgan, o que, evidentemente a outra previra.

Conversaram na área aberta do restaurante do hotel, onde Virgínia se deliciou com a mistura de culinária francesa, espanhola e latino-americana. Até mesmo Molly desfez o ar sorumbático e elogiou a comida, dizendo que tinha se esquecido de como gostava, desde seus primeiros dias de recém moradora. Contou como tinha chegado à cidade, uma tímida jovem britânica, para um estágio na Universidade de Tulane, e que se apaixonara pelo lugar e por Arthur, naturalmente.

Virgínia surpreendeu-se pelo inusitado das reminiscências da mãe e ficou muito grata à Candice, que com seu esforço e simpatia, fora a responsável indireta por tudo aquilo. O almoço decididamente fora um sucesso e se as coisas continuassem a caminhar daquela forma, a viagem prometia surpresas agradáveis.

- Nós temos que levá-la para conhecer o French Quarter ¹, o Bairro Francês, Ginny. – Candice se empolgava – Cheio de bares, restaurantes e casas noturnas. Cassinos estão fora de cogitação, na sua idade, mas vamos arranjar muita coisa para ocupar o seu tempo. Você precisa escutar os músicos de jazz, lembra das bandas de Dixieland ², como dançávamos até cair, Molly? E claro que nós devíamos fazer compras no Riverwalk Mall.
E assim, ininterruptamente, a tia fazia planos, incluindo Molly e prometendo a elas que seria uma estadia maravilhosa. Mas como não podia deixar de ser, a lua-de-mel terminou quando chegou a hora de irem ao Garden District ³, o bairro onde ficava a casa de Eugênia Morgan. Molly se recusara a ir. Não gostava do lugar e ficaria muito constrangida, explicou.

- Não vamos ser hipócritas, Candie. Eugênia não espera mesmo que eu vá.

- Tanto espera que virá se você não for, Molly. Você não vai forçar uma senhora de quase noventa anos a essa caminhada, vai?

A chantagem continuou até Molly concordar, muito a contra gosto, em fazer uma visita breve no final da viagem.

Quando entrou no carro, a ruiva não pôde reprimir uma risadinha para a tia. Que bela estrategista era ela.

- Você pode tirar a garota do sul, mas não pode tirar o sul da garota. - Candice disse com um sorrisinho e a sobrinha entendeu que por mais inverossímil que fosse, a seu próprio modo, Molly também tinha sentido falta.

As duas se calaram sob esta impressão, mesmo porque pareciam se entender sem palavras.

Ao rodar pelas ruas largas e bonitas de casas antigas, que prometiam segredos atrás de cortinas bem comportadas, Virgínia sentiu os primeiros vestígios de nervosismo. Pedras de gelo em seu estômago, em suas mãos. Era muito excitante e muito assustador acordar com uma família inteira do dia para a noite, e com tantos mistérios a serem desvendados. Ela sempre tinha sido a garota estranha, que era deixada de lado, nunca a pessoa para quem aconteciam coisas maravilhosas e empolgantes. Era uma mudança de perspectiva muito agradável, mas ao mesmo tempo assustadora.

E aquelas ruas? Um pedaço de outro universo transplantado com perfeição para o século XXI. Havia turistas perambulando por elas e não em busca de celebridades. A grande vedete era a própria cidade de céu muito azul e cheiro doce, que penetrava as narinas e viciava o sangue.

Quando estacionaram defronte a uma antiga e majestosa casa, a garota sentiu o corpo todo formigar. Não imaginava o que encontraria lá dentro, apenas soube, como se tivesse nascido com aquele conhecimento, que não havia como voltar atrás. Ela percebia suas idéias se modificando, sensações inquietantes que toda adolescente tem, mas que nunca percebera em si mesma. Virgínia entendeu que sairia dali mais crescida, amadurecida, mesmo que um pouco antes do tempo, e percebeu que nunca mais seria a menina solitária que se contentava em viver trancada numa torre de vidro.

- É linda, não é? – A tia lhe sussurrou, apontando para a residência enquanto desciam do carro.

Era forte, antiga, viva, mil sensações que se espalhavam pela garota.

- É linda, sim. – ela sorriu e deu a mão à tia.

As duas entraram pelo pesado portão de ferro.

A primeira impressão de Virgínia, ainda no jardim frontal, foi de que a casa parecia “aumentar” conforme adentravam. O excesso de vegetação, uma exuberância quase caótica de flores, árvores, trepadeiras e arbustos, escondia boa parte da majestosa construção. Um estratagema muito esperto para se conseguir privacidade e que, ao mesmo tempo, embelezava ainda mais a propriedade.

Foram recebidas à porta por uma moça morena de aspecto agradável, um pouco mais nova que a tia.

- Dona Candie, essa é a menina? A filhinha do Seu Arthur?

Ao receber a confirmação, a mulher acariciou a face da garota, murmurando carinhosamente:

- Mas é tão crescida... Eu estava esperando uma menininha. Seja bem vinda senhorita. Meu nome é Sarah Mae, pode me chamar para o que precisar.

- Obrigada, mas prefiro que me chame de Virgínia.

A mulher alargou o sorriso e atendeu prontamente ao pedido.

“Que pessoas diferentes, calorosas.” Tão opostas aos funcionários do apartamento de Nova York... Virgínia convivia com os mesmo há quase um ano e meio e eles nunca consentiram sequer em lhe chamar pelo primeiro nome.

- Onde está a vovó, Sarah?

- No jardim, esperando. Sabe como Dona Eugênia é cheia de energia, nem deu seu cochilo da tarde. Estava muito impaciente para dormir ou até para esperar aqui dentro, por isso decidiu dar uma volta.

- Ela levou a bengala dessa vez? – Candie se tranqüilizou quando foi informada que sim. – Pelo menos isso.

- Ela não está bem de saúde? – a ruiva perguntou.

- Na medida do possível está, mas não é mais uma garotinha. No ano passado ela teimou em não usar a bengala e caiu. Foi uma sorte não ter quebrado nada. Mas vamos até ela, antes que resolva aparecer aos saltos atrás da gente.

Virgínia riu, seguindo a tia pelos aposentos espaçosos. Móveis antiquados muito bonitos adornavam os cômodos e uma profusão de flores e plantas também se faziam presentes no interior, como uma continuação do jardim, lá fora. Já tinha visto residências com o mesmo tipo de decoração, mas nunca uma que conseguisse parecer tão leve ao mesmo tempo. Nada era muito escuro e entulhado. Janelas imensas, obras de arte, lustres espetaculares. E os retratos pintados à óleo? Seriam de familiares?

Enquanto andavam, Candice procurava explicar o que podia sobre a casa, dizendo que depois teriam todo o tempo para percorrê-la sem pressa.

Elas chegaram a uma grande varanda lateral, com uma piscina de bom tamanho ao alcance dos olhos e um pequeno caminho que circundava a casa. Ao rodearem a vegetação, a garota se deparou com uma pequena mesa de jardim, toda em mosaico, e ali, sentada em uma das cadeiras, uma velha senhora de aspecto venerável e calmo, que mais parecia ter saído do início do século passado.

Eugênia Morgan se levantou, nada mais que uma mulher de altura mediana, muito magra e delicada, apoiada, com visível contrariedade, numa elegante bengala. Conforme se aproximava, Virgínia notou que apesar da aparente fragilidade, aquela senhora bem vestida emitia uma aura de força difícil de ser ignorada. A ruiva foi analisada com um sorriso suave e olhos que “viam tudo”. Interessante como, mesmo assim, a jovem se sentiu à vontade. Ela que nunca gostava de ser avaliada por ninguém.

- Se aproxime, Virgínia. Tenho esperado por você. – ela abriu os braços num convite.

As duas se abraçaram, uma um broto tímido e emocionado, a outra uma árvore antiga que reconhecia sua própria espécie. Raiz e fruto, dois extremos de uma mesma história.

Trocaram algumas palavras cerimoniosas, como duas pessoas que possuem um forte vínculo, e mesmo assim não se conhecem, são obrigadas a fazer. Palavras breves que seriam esquecidas no instante em que começassem a conversar de verdade.

- Você é exatamente como eu imaginava. – a mulher acariciou o rosto da bisneta do mesmo modo que Sarah Mae tinha feito agora a pouco.

Virgínia soube que ela não se referia às mencionadas fotos que algum detetive tinha tirado, mas a algo interno e infinitamente mais importante.

- A senhora também... é como eu pensava. – ela se assombrou por ter falado antes de passar aquelas palavras pela censura. Mas era verdade, a conexão se estabeleceu nas primeiras palavras, no primeiro contato.

Um perfume conhecido emanava das roupas de Eugênia e a garota o aspirou, reconhecendo de imediato. Chanel n°5, o mesmo perfume que uma das amigas de sua mãe usava.

- Não é muito original, mas é um velho costume. – a bisavó esclareceu com uma risadinha. – E como eu também sou velha, uma coisa acaba combinando com a outra.

A ruiva se afastou intrigada, ou muito se enganava ou seu pensamento acabara de ser lido.

- Eu não pretendia ser rude, meu bem. – Eugênia sentou-se, indicando para que fizesse o mesmo. – Mas suas emoções são um canal muito fácil para se saber o que vai por essa cabecinha.

Sim, era certeza. Eugênia Morgan podia ler seus pensamentos.

- Vovó... – Candie falou com um suave tom de censura. – Não vá assustar a Virgínia.

- Não estou fazendo nada disso. – disse com rispidez e humor. - Essa menina é mais dura do que parece e pelo visto cresceu sem saber coisa alguma sobre as próprias habilidades.

- Bem, - Candice tentou ser diplomática. – isso pode ficar para um outro momento. Para ser franca, simplesmente não gostaria que a Molly se assustasse e tomasse o primeiro vôo de volta à Nova York.

- Não se preocupe com isso. – Virgínia falou para a tia, ansiosa em que a bisa continuasse. – Mamãe não precisa saber... e eu realmente gostaria de ouvir mais.

Será que havia uma explicação para os fenômenos que a acompanhavam desde o berço?

Candice mordeu o lábio inferior apreensivamente, mas ficou quieta, deixando a conversa fluir.

- O que gostaria de saber? – Eugênia se endireitou no espaldar reto da cadeira.

- A senhora... conseguiu enxergar o que eu estava pensando. Isso também já me aconteceu. – falou vagamente, não tendo o hábito de especular sobre aquilo ou mesmo de conversar à respeito. - É algum tipo de telepatia?

- Essa é uma linguagem muito rebuscada para aquilo que nós somos, Candie, eu e você.

Candice soltou um som de reprovação abafada, estalando a língua logo depois.

- Não sei se entendo... – a garota falou de forma muito cuidadosa. Finalmente poderia ter as respostas que ansiava, mas ainda sentia estar pisando sobre ovos. – O que seríamos nós?

- Bruxas. Somos bruxas, meu bem. – falou com a naturalidade de quem comenta o tempo.

Virgínia sorriu de lado, não conseguindo evitar a incredulidade evidente em sua expressão.

- Eu sempre me senti diferente, mas... Me perdoe, mas essa é uma idéia bastante extravagante.

- Será? As vezes em que você sabia o que os outros sentiam, que adivinhava o que ia acontecer... As vezes em que se isolou por achar que ninguém a podia entender.

Ela percebeu que a mulher retirava aquelas informações de sua mente, então sentiu-se fechar como uma ostra.

Eugênia apertou os olhos ligeiramente, com aprovação.

- Muito bom, então já sabe como bloquear minha indelicada intromissão.

- Não sabia que podia, até hoje. – ela tinha os olhos franzidos. – E não se preocupe, não achei indelicadeza.

- Mas foi, querida. Coisas que os velhos podem fazer com alguma condescendência. A idade dá a vantagem de uma franqueza mais rude. Se tiver sorte um dia saberá como é.

- Então... as pessoas dessa família podem... Todas elas “lêem” as mentes umas das outras?

- Eu não sei, – Eugênia sorriu compreensiva. – mas acho altamente improvável. Alguns decididamente sim, outros não me parecem ser capazes de compreender nem uma frase de bom dia. Somos todos Morgan, mas não necessariamente da mesma árvore.

- Na verdade, - Candie concordou com a avó pela primeira vez. – somos tão diferentes uns dos outros que ás vezes me pergunto se não somos fruto de alguma experiência maluca, uma salada de genes com todo tipo físico e todo tipo de força e fraquezas.

Virgínia assentiu, percebendo que a família era mais complexa do que podia ter imaginado. Na verdade, por nunca ter tido uma, ela não podia calcular o quão complicadas as famílias podiam ser.

Foi o que Eugênia adivinhou por si mesma ao notar o semblante circunspeto da menina.

- Estamos indo muito depressa para você?

- Não. – ela abanou a cabeça com segurança. – É que a senhora se refere a isso com tanta tranqüilidade...

- E porque não? Não vale a pena sofrer por algo que não pode ser alterado. E muito menos, não vale a pena sofrer por algo que por si só não é ruim.

- E quando você é excluído por este motivo? Como se fosse de um outro planeta?

- Mas para sua sorte este outro planeta está bem próximo. Você se surpreenderia com a quantidade de pessoas abençoadas com dons como os seus, pessoas que optam por uma vida medíocre de negação, simplesmente porque preferem ser iguais a todo mundo. Falta de força... Acham que o desconhecido é perigoso, mas eu te digo, o desconhecido é apenas o que é novo, o que ainda não foi descoberto. Uma deliciosa aventura.

Eugênia se inclinou para a garota, olhando em seus olhos.

- Há outros como você, Virgínia. – ela disse, tirando uma carga de peso das costas da garota, que a própria nem sabia que carregava. – É uma bruxa e não está só. O inferno de sua mãe não passa por estes portões.

- Não existe inferno. – ela repetiu para si mesma, com a tranqüilidade de quem sabia disso desde o instante em que abrira os olhos pela primeira vez.

- Ah, existe sim. – Eugênia a contestou com um sorriso. – Ele sempre vai existir de alguma forma, em algum lugar. Na ignorância, na incompreensão. E acontece de algumas vezes ser aqui mesmo, - ela tocou o tórax da neta. – em seu coração. E então, minha pequena? Vai deixar isso acontecer com você?

Ela desviou o olhar brevemente.

- Essas coisas... não acredito nessa coisa de bruxaria.

- Se eu dissesse que é uma paranormal seria mais delicado? Pois eu acho uma imensa falta de imaginação essa palavra. Nossos dons são tão normais e naturais quanto a chuva, que responde a uma série de situações climáticas. É só juntar certos fatores que acontece...

- E que fatores seriam?

- Não sei. Um gene diferente, uma área do cérebro mais desenvolvida, espiritualidade, forças desconhecidas, você pode estudar isso a vida inteira e não chegar a uma conclusão. Apenas sei que somos bruxas, e que isso não é o mal.

- A senhora não contradisse meu pensamento. Não se trata de achar que é maligno ou pecado, apenas acho que um simples nome não vai alterar essas... habilidades. Por isso não faz diferença nos chamar de bruxas ou outra coisa qualquer.

- Não, - a velha senhora piscou de um modo que a rejuvenesceu vários anos. - mas entre um termo e outro, acho que bruxa tem muito mais classe.

Virgínia sorriu incerta. Não gostava muito daquela idéia, mas foi mais que interessante notar o espírito jovem por trás dos olhos espertos de Eugênia Morgan.
Bruxas em pleno século XXI. Em que família ela fora nascer...


xxxxx


Alternando assuntos complicados e estórias deliciosas sobre seu pai e antepassados, a tarde correu veloz e antes que a noite caísse, Eugênia se retirou para um breve descanso, antes do jantar.

Virgínia continuou com a tia e puderam andar um pouco pela casa, quando ela pôde confirmar que os Morgan eram grandes colecionadores de arte. Muita coisa, dissera Candie, estava mesmo emprestada para grandes museus do mundo.

Elas tinham voltado para o jardim, para a mesma mesinha redonda, a fim de assistir ao fim do dia, e Candice voltou a se tornar aquela pessoa incansável, que planejava mostrar à sobrinha todo o universo dos Morgan e daquela cidade.

Ficou sabendo que aquela casa era considerada a casa matriz de toda a família, e embora todos fossem meros parentes, primos de segundo ou terceiro grau, Eugênia era a grande matriarca, a que todos chamavam de avó ou bisa, e isso levava os mais jovens a tratarem Candice como tia.

“Uma colméia real”, Virgínia ria internamente da comparação.

- Nós precisamos fazer uma recepção para te apresentar à família. – Candie falou, vendo imediatamente a expressão de recusa da garota – Sim, querida, seria o jeito mais rápido, confie em mim. E você vai adorar todos eles. Vou ligar para a prima Elsa, ela pode ajudar com os convites, e claro que Elizabeth pode se encarregar de chamar os mais jovens.

- Espere, pelo menos vai ser uma coisa pequena, não é? – ela se preocupou. - Não estou acostumada com isso, tia.

- Claro, entre parentes e amigos mais chegados... duzentas pessoas no máximo.

- Duzentas???

- Você e Lizzie vão se dar muito bem, tenho certeza. – ela ignorou o olhar de espanto da menina. – Têm a mesma idade...

- Quem é Lizzie? – nas últimas horas tinha escutado dezenas e dezenas de nomes terminados em Morgan e, honestamente, começava a ficar tonta.

O repentino som de risadas fez as duas voltarem as cabeças para o caminho lateral do jardim. Pela passagem semi encoberta por árvores e trepadeiras, um jovem casal passava ruidosamente.

- Harry! Venha aqui. – a tia gritou animada. - Quero te apresentar a uma pessoa.

Virgínia sentiu um ligeiro e incompreensível choque ao observar o rapaz. Era alto, cabelos negros e rebeldes e olhou para as duas sem muito interesse, dando de ombros com uma risadinha, como que dizendo, “se é o que quer...”. A garota veio junto, uma bonita garota asiática, cabelos escuros e muito lisos, cortados à altura dos ombros.

- Tia Doce, - o rapaz falou, dando um beijo estalado em Candice. – não tinha te visto. Vim apenas dar um beijo na bisa, mas já soube que ela está descansando.

- Porque não fica para jantar conosco?

- Não posso demorar, Draco e os outros estão esperando e estamos mais do que atrasados.

A jovem asiática dançou os olhos divertidamente sobre Virgínia, suas roupas meio largas, cabelos presos de qualquer jeito. Então se desgrudou do garoto, cruzando os braços entre o enfado e um sorrisinho de escárnio.

- Draco e os outros? – Candice levantou uma sobrancelha. - Nem quero saber do que se trata, mas seja lá o que forem aprontar dessa vez, espero que Elizabeth não esteja junto.

O rapaz riu gostosamente:

- Naah... os pais dela podem ficar sossegados, Draco e Lizzie não vão dar nenhum trabalho dessa vez. – ele só fez sorrir mais largo com a expressão aborrecida da tia. - Mas ainda estou atrasado...

- Atrasado, é? Não para isso.

Candie deu um sorriso caloroso para Vírgínia e continuou:

- Esta é sua prima, Harry. Filha de Arthur. Virgínia Morgan.

O sorriso do rapaz pareceu morrer no ato, foi se desmanchando enquanto uma sombra de curiosa estranheza se mostrava no apertar de olhos. Olhos intensamente verdes, Virgínia notou.

- Não vai dizer nada, querido?

Ele olhou bem para a garota, como se não tivesse ouvido a tia, mas rapidamente se recuperou, dizendo friamente:

- Claro. Bem vinda.

A ruiva estendeu a mão para o cumprimento, sem ter certeza de que seria o correto a fazer. Sabia que estava corando e a consciência do motivo não melhorava as coisas. Provavelmente nunca tinha visto um rapaz tão bonito na vida. E mesmo se tivesse, não saberia como agir numa situação como aquela. Anos de confinamento em casa, em escolas femininas... Não saberia como agir nem com um roteiro na mão. E como se não bastasse, também estava intimidada pela forma como a outra garota a encarava e pelo modo seco como ele retribuiu seu cumprimento.

- Então vocês conseguiram. – ele apertou brevemente a mão estendida. – Trouxeram a “filhinha do Arthur” pra casa.

A forma como ele disse a frase final, o nome do pai dela, tão diferente do carinho de Sarah Mae, de Eugênia, fez uma fisgada de antipatia despertar imediatamente na ruiva.

- Ginny vai passar as férias conosco, querido.

Ela lançou um rápido olhar à tia, sentindo vontade de corrigi-la. “É Virgínia.” E de algum modo o rapaz demonstrou ter notado sua irritação, ou foi o que lhe pareceu, pois logo estava se referindo a ela da mesma forma.

- Então, Ginny... – Harry mal disfarçou o sarcasmo na voz. - já teve a oportunidade de conhecer a todos?

- Não ainda. – ela o olhou com firmeza, se esforçando a continuar sendo polida ao mesmo tempo. – Só os agradáveis e atenciosos... até agora, pelo menos. E me chame de Virgínia, por favor.

Bom, ser polida não era assim tão fácil.

Tia Candie, que não pareceu ter prestado atenção àquilo, ou apenas fingiu muito bem, atentou pela primeira vez na presença da outra garota.

- Ah, Ginny, que cabeça a minha. Esta é Cho Chang, a... – e se atrapalhou na definição do que seria a garota.

Mas Cho se adiantou bem humorada e, imitando a ruiva, estendeu a mão dizendo maliciosamente:

- Irmã do Harry. – disse, logo se abraçando à cintura do rapaz. – “Irmãzinha”, não é, meu bem?

- Pelo amor de Deus. Com o tanto que vivem pendurados... Não é nada disso, Ginny. – Candice se apressou a corrigir. – Cho e Harry conviveram na mesma casa durante alguns anos, em vista do casamento... de Sirius com a mãe dela. E mesmo com o casamento desfeito...

- Nosso amor foi mais forte. – satirizou a oriental, passando as unhas pelo peito do rapaz.

- Seu pai... é este Sirius? – a ruiva perguntou a Harry, tentando entender a teia de parentesco absurda.

- Meu padrinho. – ele respondeu voltando a uma frieza agressiva. – Meus pais morreram quando eu era muito pequeno.

- Sinto muito. – ela disse cordialmente.

Ele não pareceu escutar, falando logo em seguida:

- Eram muito amigos, nossos pais. – ele deu uma risadinha. - Nas versões oficiais, pelo menos. Morreram juntos, não é mesmo?

Virgínia sentiu o sangue fugir do rosto, não entendendo sobre o que ele falava.

Candice abriu a boca, mas antes que pudesse falar, outra voz se interpôs:

- Harry, estamos atrasados. – a garota, Cho, fez bico e bateu os pés impaciente, o puxando pela mão no final.

- Vamos então... Boa estadia em Nova Orleans, priminha, não deixe os fantasmas te incomodarem muito. – foi a única coisa que ele disse antes de se afastar com a garota, sem nem mesmo se despedir da tia.

O casal caminhou apressado pelo caminho de saída, risadas femininas muito altas, não deixando dúvidas que a garota Chang estava se divertindo muito com alguma coisa. Virgínia captou ligeiramente que seria ela a causa de tanta hilaridade.

- Sobre o que ele estava falando, tia Candie? – ela voltou ao assunto que a fizera empalidecer.

- Fantasmas? Ah, não deixe o Harry implicar com você.

- Estou falando do meu pai.

A tinha a examinou com cuidado.

- Algumas vezes eu esqueço como você sabe tão pouco. Vivemos aqui a vida toda, nos acostumamos com todo mundo conhecendo a vida dos outros, xeretando... Faz parte da família.

- Ele não estava sozinho? – ela insistiu. - Quando morreu?

- De todo modo vai acabar sabendo... – ela disse com seus botões. - Não, querida, Arthur não estava sozinho. James e Lily estavam no mesmo carro.

- Lily? Quer dizer que tinha uma terceira pessoa? – a ruiva contraiu o cenho. Quantas coisas mais ela não sabia?

Candice balançou a cabeça afirmativamente:

- James e Lily, os pais de Harry. – a tia afagou sua mão protetoramente. – Lily era minha prima em segundo grau. Filha de Verena. Annabeth, sua avó, e Verena eram primas em primeiro grau e grandes amigas.

A ruiva sacudiu a cabeça, se confundindo. Parentes, parentes... Não era aquilo que queria saber.

- Como isso aconteceu? O acidente? – ela viu a expressão de indecisão da tia e se impacientou. – Tia Candie, agora que estou aqui, não acha que tenho o direito de saber de tudo? De outro modo, se não me contar, vou precisar descobrir de outra forma. – ela tentou não parecer chantagista ou indelicada. Apenas disse dando seu melhor olhar de garotinha inocente.

- Igual ao Arthur... – Candice sorriu. – Seu pai sempre dava um jeito de ter as coisas a seu modo. – a tia segurou o queixo da menina com carinho. – Esse olharzinho não cola comigo, ouviu? Também sou uma Morgan. Agora, escute, o que precisa entender é que foi um acidente. Ponto. Não importa de que modo ocorreu ou... – ela titubeou - ou quem dirigia o veículo.

- Foi esse James. O pai do... meu primo. – ela recebeu o pensamento como se a tia lhe tivesse jogado uma bola.

- Foi, meu bem. Ele perdeu a direção, ou dormiu, ou algum animal atravessou a frente do carro, nunca vamos saber realmente. O fato é que saíram da estrada e o carro caiu dentro do rio Mississipi, numa parte muito deserta do caminho. Por sorte sua mãe não estava com eles. Estavam indo para Oak’s Heaven.

- ?

- A fazenda. Ela data da época do plantio de algodão, quando ainda existiam escravos. Na época do acidente já estava improdutiva há longos anos e era usada apenas como diversão. Vivia sempre cheia de parentes. Fins de semana calmos, festas maravilhosas, tudo era motivo para as reuniões... – ela suspirou. - Era como a segunda casa de todo mundo. Depois daqui, é claro. Naturalmente que, depois disso... Todos esperando na fazenda e eles... Estava muito tarde, achamos que tinham desistido de ir, só soubemos no outro dia. Foi uma grande tragédia. Não só para a família, todo mundo amava de verdade aqueles três. Eram inseparáveis. E Sirius estava sempre com eles, é claro. Naquele dia tínhamos vindo mais cedo com o Harry e Remus, outro velho amigo. Eu não fazia bem parte do grupo, mas também saíamos juntos algumas vezes. É estranho, mas foi como se o Sirius tivesse ficado mais sozinho que eu. – ela falava com um sorriso triste nos lábios. – Então tudo mudou... Não sei bem se foi o único motivo, mas todos se afastaram da fazenda, atualmente só os mais jovens a freqüentam. Um lugar como aquele, e hoje serve apenas para as bagunças, ou o que quer que eles fazem quando o French Quarter fica pequeno demais. Mas, Ginny, você precisa entender que foi uma fatalidade, poderia ter sido com qualquer pessoa e, infelizmente, foi com eles.

- Não estou culpando ninguém. Só não entendo o motivo de tanto segredo, tanta preocupação... – a garota juntou as sobrancelhas. – Se é tão simples... porque aquele garoto me tratou daquele jeito? Quer dizer, é evidente que não gostou de me ver.

- Mas que bobagem. – Candice abanou a mão com uma risada. – Vocês nem mesmo se conhecem. O Harry é sempre reservado com quem não tem intimidade.

- Tia Candie, eu não sou feita de vidro. Aquele garoto... me detesta, como se sempre tivesse me detestado sem nem mesmo me conhecer, e ele não fez a menor questão de esconder isso. É por causa do acidente?

- Você vai ver, - ela ignorou – dentro de poucos dias e vão ser os melhores amigos.

A garota viu que, como diz o ditado, daquele mato não sairia mais nenhum coelho, e resolveu se calar. Mas estava acostumada demais a ser hostilizada para se enganar. O brilho no olhar do “primo” fora de desprezo, estava certa. “Primo”... Ia precisar se acostumar com aquilo.

Ela mudou de tática.

- Aquela garota, Cho, e ele...

- Harry.

- Sim. Eles cresceram juntos, como irmão e irmã?

- O padrinho dele e Mei Ling, mãe de Cho, foram casados por um tempo, três anos, e foram uma família, - ela abanou a cabeça com tristeza - ou pelo menos tentaram.

- E eles são...? Pareciam namorados.

Candice suspirou.

- Ah, querida, eu jurei a sua mãe que não aconteceria nada que te deixasse chocada... Quer dizer, até para nossa família, sempre tão flexível neste ponto, casamentos consangüíneos, por assim dizer... Isso entre os dois dá uma estranha impressão de incesto, não é?

- Eu não estou chocada. – Ela falou com sinceridade. – Só estou querendo entender.

- Eu não sei bem o que eles são. – Candie sorriu. – Nos dias de hoje é um pouco difícil saber essas coisas. O fato é que são jovens... E os jovens gostam de se beijar, se não me falha a memória.

- Beijar e fazer outras coisas. – a ruiva riu da expressão incerta da tia. – Segundo eu ouvi dizer, pelo menos.

- Sei... Uma garota bonita como você e apenas ouviu dizer...

A ruiva sentiu as bochechas rivalizarem com os cabelos em rubor e constrangimento.
- Acho que o sexo oposto não se interessa muito pela sua sobrinha. – ela girou os olhos, tentando fazer graça.

- Pra mim é a sobrinha que tenta se esconder do sexo oposto. – Candie olhou significativamente para as roupas da garota. – Não é porque você estuda num colégio de freiras e usa roupas largas que os outros vão deixar de reparar...

Virgínia deu um sorrisinho de cumplicidade.

- Bom, até hoje tem dado certo.

- Aposto que nem tanto. – ela piscou. - Ah, querida, mas tudo bem. Hoje as pessoas fazem tudo tão depressa... Acho bom que queira ir devagar. Cada coisa a seu tempo, não é?

A ruiva sorriu e não respondeu. De repente não entendeu como tinham chegado àquela conversa sobre ela e garotos. Definitivamente, tinha muito que aprender com a tia. Tinha tentado conduzir a conversa e acabara sendo conduzida.


xxxxxxx


Três dias escorreram pelos seus dedos como areia e Virgínia sentia-se totalmente ambientada, como se sempre tivesse vivido em Nova Orleans. Suas horas eram divididas entre passeios com a tia e a mãe, descobertas curiosas sobre parentescos complicados, que geralmente a faziam rir, e conversas sempre intrigantes e deliciosas com a bisavó, conversas que usualmente se espichavam até o jantar, servido sempre mais cedo por causa da idade de Eugênia. À noite, ela se deitava em sua cama, insone e elétrica demais para poder dormir. Era a hora de repassar mentalmente tudo o que aprendera durante o dia e analisar de que forma aquilo a afetava. Reconhecia uma natureza apaixonada em si mesma, deixada de lado por anos e agora florescendo num ambiente propício, que a escutava e compreendia. O clima era favorável, a incitava a desabrochar como uma flor, e era o que sentia estar acontecendo. Uma primavera de chuvas quentes, varrendo para longe a aridez e solidão de sua antiga vida.

Ficaria perita em Nova Orleans em pouco tempo e se tivesse sorte, também ficaria perita nessa nova Ginny Morgan que via nascendo. Ela ria sozinha. Mais uma mudança. Estava começando a aceitar o apelido que costumava detestar.

A “pequena recepção”, que Candice organizava com a ajuda de mais meia dúzia de parentes igualmente animadas, aconteceria no outro dia, e entre os preparativos frenéticos na casa do Garden District, ela havia saído com a tia e uma das primas mais jovens. Tinha que fazer compras.

Candie deixara escapar que precisavam arrumar alguma coisa mais... adulta para a garota usar. E a ruiva notou que seus tênis e camisetas não seriam nada apropriados. Poderia ter falado que trouxera outras roupas de Nova York, mas os vestidos que possuía estavam absolutamente fora de cogitação, tudo fora comprado pela mãe, quando Virgínia nem se importava com nada disso, mas agora que tomava consciência de si mesma como uma garota, nada que tivesse parecia lhe agradar. Candie dissera que ela estava se tornando mulher, o que fizera a ruiva rir, embaraçada. Seus antigos vestidos de menina não eram mesmo roupas adequadas para alguém que faria quinze anos dentro de três meses.

Molly tinha preferido ficar no hotel, fazia calor demais, tinha dito. Mas a filha suspeitou que a mãe iria visitar o túmulo de Arthur. A própria Virgínia já havia visitado o mausoléu, se impressionando com o cemitério Lafayette e seus túmulos altos. Então ela aproveitou a oportunidade de se soltar, acompanhada apenas pela tia e uma divertida prima que tinha conhecido no dia anterior.

Ela olhou de rabo de olho para a garota. Elizabeth Dixon Morgan tinha grandes olhos cor de amêndoa, como os seus, a pele clara e cabelos castanhos bem lisos, cortados muito curtos, com as pontas laterais tocando as bochechas e uma franjinha que a deixava com jeito de boneca. O tamanho da garota só contribuía para essa ilusão. Pequenina, Elizabeth devia medir menos de 1,60 m. Tinham sido apresentadas há menos de vinte e quatro horas e a primeira coisa que ouvira da pequena boca, fora:

- Oi, me chame de Lizzie, e garota... você precisa mesmo de roupas novas.

Tudo o que a prima dizia era espontâneo, tudo o que falava tinha um toque de bom humor que era absolutamente natural. Virgínia entendia Lizzie, uma adolescente que em um segundo passava de menina espoleta à moça charmosa, flertando com o garçom do restaurante e fazendo Candice a beliscar por baixo da mesa. Uma pessoa passional, com o lema “ame-a ou deixe-a”, escrito na testa. Sem lugar para falsidades. A ruiva estava gostando muito da nova amizade.

Candice estava em seu décimo telefonema relativo à recepção, e as duas primas aproveitaram a sua ausência para brincar, experimentando toda sorte de roupas extravagantes que podiam encontrar.

Lizzie estava diante do grande espelho externo do provador, “desfilando” uma combinação absurda de seda azul, poás e longas luvas vermelhas, quando um movimento na entrada do provador interrompeu suas gargalhadas.

Virgínia não pensou que veria aquela garota desagradável antes da festa e, pela cara da mesma, o pensamento era recíproco.

- As priminhas do Harry... – Cho Chang deu um sorrisinho superior. – Brincando com as roupas da mamãe, meninas?

- Não, praticando tiro. – Lizzie retribuiu o sorriso e se virou de costas, dispensando a chinesa. – Quer saber de quem é a cara estampada no alvo?
Cho deu um sorrisinho mau.

- Ora, Lizzie, pelo que fiquei sabendo você deve estar mesmo precisando de roupas novas... Draco Malfoy teve que te emprestar as dele dia desses... – Cho sorriu candidamente – No aniversário do Harry, ou foi o que pensei escutar por aí.

Elizabeth fechou o cenho, fazendo crer que em breve uma tempestade desabaria por ali.

- Hum garotinhas, - Cho frizou a última palavra - acho que vocês se enganaram, o departamento infantil fica dois andares abaixo.

- E o das vagabundas fica em Storyville(4). – Liz arrancou as luvas e pareceu pronta para a briga. – É onde as rameiras do French Quarter costumam comprar suas roupas de guerra.

- Liz, não fale com a moça desse jeito... – Virgínia interrompeu a contenda, recebendo um olhar horrorizado da prima. – É evidente que ela não precisa de roupas de guerra... – moveu os olhos pela saia minúscula da outra – Pelo menos de nenhuma mais. Já está muito bem vestida para o métier(5). Vai trabalhar quando sair daqui, querida?

Cho empalideceu, não esperava esta reação daquela menina parada e absurdamente sem graça. Ela avançou alguns passos quando Candice irrompeu pelo provador.
- Garotas, já encontraram alguma coisa? – ela estacou ao ver a oriental – Olá Cho, que coincidência...

- É verdade, - ela respondeu dando um olhar feroz para a ruiva – Nova Orleans às vezes é pequena demais...

- No dia em decidir se mudar nos avise, - uma Lizzie vermelha, segurava com custo as risadas – faremos a melhor festa que já viu na vida. Nós e suas colegas de trabalho. – disse e se arrastou junto com Virgínia para dentro do box. As duas escorregaram até chão de tanto rir.

Elas escutaram os passos enfurecidos da garota indo embora e o telefone de Candie começar a tocar.

- Andem depressa, meninas, ainda temos muitas coisas a resolver. – a tia gritou antes de sair falando ao celular.

Virgínia não sabia se ria da situação ou de choque. Jamais tinha dito nada remotamente parecido para qualquer pessoa. Nem sabia que conseguia. Tinha se irritado com as coisas que a chinesa tinha dito, em especial à Lizzie, por quem já sentia uma grande afeição.

- Adoro seu sotaque britânico. – Liz enxugou as lágrimas de riso – Foi a esculhambada mais elegante que eu já vi.

- Insultar aquela garota foi elegante? – a ruiva perguntou com a voz ainda embargada pelas risadas.

- Você está brincando? Foi lindo, jazz para os meus ouvidos. Você viu a cara dela? – Liz tentou segurar uma nova onda de hilaridade. – Queria nos esganar e tia Candie chegou bem na hora... – ela recomeçou a rir – A vaca asquerosa teve que ficar caladinha... Nenhum mugido...

- Você não gosta mesmo dela.

- Não. – ela balançou a cabeça, muito corada pelo esforço em parar de rir. – E pelo visto você também. É quase um dom que ela tem, coitadinha. Afasta as pessoas como um repolho estragado.

A ruiva riu do tom macio que a prima usou. Um sotaque sulino que se alguma pessoa que não entendesse inglês escutasse, acharia que Lizzie estaria falando de coisas doces e meigas.

- Infelizmente tenho que concordar. – Ginny balançou a cabeça, devaneando - Já fui apresentada àquela garota e acho bem possível que seja ódio à primeira vista.

- Você foi apresentada à aquelazinha?

Virgínia contou como tinha acontecido, além de poder desabafar com alguém, descobriu que Elizabeth era muito bem informada e julgou que talvez soubesse alguma coisa sobre a morte do pai, ou até o motivo da grosseria que tinha recebido do primo.

- Aquela vigarista... Te tratar desse jeito bem debaixo do seu teto.

- Meu teto? – a ruiva interrompeu, confusa.

- Claro, pois se você é a única descendente direta... – ela continuou chovendo impropérios para a oriental, enquanto Ginny começava a se despir maquinalmente.

Não tinha atentado para esse fato. Mas no futuro poderia herdar aquela casa. Não gostou de pensar naquilo. Pensar naqueles termos era imaginar a morte de pessoas que já passara a amar.

- Mas seu primo Harry também não foi exatamente gentil.

- Huumm... – ela franziu a testa. – Isso foi mesmo estranho, o normal teria sido ele dar em cima de você.

- Dar em cima da prima?

Lizzie deu uma risadinha maliciosa.

- Você não espera que um rapaz já te trate como parente sem nunca ter te visto. E você não conhece o Harry. Geralmente basta ser do sexo feminino e atraente, e “bang”... ele cai matando. – ela suspirou. – Uma pena...

- O que é uma pena?

- Que ele realmente seja respeitador com as primas. Eu não reclamaria nem um pouquinho... Juro que não.

A ruiva riu da prima se abanando.

- Então posso me considerar à salvo. Graças à Deus. Nunca conheci um garoto tão antipático... igual à namorada.

- Namorada? Cho? – Liz voltou às gargalhadas, com gosto. – Miss Saigon bem queria...
- Saigon fica no Vietnam.

- E o que tem isso? – ela limpou novas lágrimas de riso.

- Cho Chang. O nome é chinês.

- Tia Candie já tinha dito que você era bonita, só não tinha falado que também era inteligente.

- Huumm, Lizzie... – a ruiva pareceu incerta ao atentar para uma coisa, não era a primeira vez que escutava o nome de Elizabeth associado ao de um certo rapaz.

- Sim?

- Quem é Draco Malfoy?

Lizzie abaixou a cabeça, parecendo muito ocupada em tirar o vestido.

- Nosso primo. Draco Malfoy Morgan, você vai conhecer.

- Aconteceu algo entre vocês dois? – Virgínia arriscou.

A garota enrubesceu até ficar com a mesma cor dos cabelos de Ginny.

- Bom, digamos que aconteceu mais ou menos o que disse a vaca chinesa.

- Tudo bem... – a ruiva apartou – Não precisa me contar mais nada se não quiser.

Elizabeth levantou os olhos e a encarou pelo espelho:

- Vamos fazer assim, você vai conhecê-lo amanhã, vai dar uma boa olhada na cara safada dele e depois eu te conto. Deus sabe que estou te devendo essa.

- Por ter aparado os chifres da... vaca chinesa? – Ginny sorriu. – O prazer foi meu, Lizzie.

- Sabe prima, - Elizabeth disse, dando uma piscada – acho que a gente vai se dar mesmo muito bem.


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Naquela mesma noite, Molly recebeu um telefonema de Nova York, informando que seu marido havia sofrido um acidente enquanto jogava squash no clube. Michael estava passando bem, mas em decorrência da queda tinha distendido a perna. Nada muito grave, mas Molly sempre via as coisas piores do que eram. Foram momentos tensos, a mãe reservando o próximo vôo, empacotando roupas e se dando conta da filha, parada a seu lado e sem fazer o menor movimento que indicasse a intenção de acompanhá-la.

Elas se encararam sem dizer nada. Até Virgínia começar a defender antecipadamente seu ponto de vista.

- Tem uma família inteira me esperando amanhã. Não posso ir com você.

- E acha que eu vou te deixar sozinha nessa cidade? – Molly deu um sorriso pouco encorajador.

- Não, porque eu não vou estar sozinha. Mãe, você nunca me contou nada sobre essas pessoas, se recusa a conversar direito sobre o que te levou a agir assim, mas acontece que eles também são minha família. Eu quero conhecer essas pessoas. Tenho direito a isso. E também preciso. Minha tia não deixaria nada de mau me acontecer.

- Você não os conhece como eu.

- Claro que não. Você quis assim, se lembra?

A mágoa na filha fez Molly morder os lábios, sentindo a fisgada de culpa que se tornara sua companheira nos últimos tempos.

- Ginny, o problema não é Candie. Foram coisas demais... foi mais sofrimento do que podia agüentar. Sofrimento pelo qual eu não quero que passe, querida.

- Não pode me tirar daqui assim, mãe. Michael está bem. Eu entendo que queira ficar perto dele, mas eu não. O que eu preciso agora é dessa família, seja como ela for.

- Eles já te conquistaram, não é? Posso ver pelo seu olhar. Nem tudo são flores, Ginny.

- Mas até hoje eu só tive os espinhos, mãe. Me deixa ter essa família. São poucos dias até eu ter que voltar. Por favor.

Molly a olhou longamente, tentando se fixar nos motivos que tivera para afastar Ginny daquele lugar. E a verdade é que eles ainda estavam muito perto, não foram apagados pelo tempo. Ela não pertencia aos Morgan, mesmo quando casada, nunca pertenceu. Mas sua filha sim. Era visível o quanto se encontrara naquele lugar, o quanto parecia feliz. Será que tinha o direito de tirar aquilo dela mais uma vez? Será que o risco justificava a luz que via naquele olhar? É o que enxergava, mais luz em sua menina do que se recordava em muitos anos.

- Faltam poucos dias... – Molly se ouviu num suspiro.

- Poucos, mamãe. Poucos dias. – ela encorajou. – Logo vou estar em Nova York com você.

- Quero falar com Candie, Ginny. – Molly voltou a fazer sua mala, rapidamente, fingindo não ver o sorriso que se abria, rasgado, na garota. – Agora e pessoalmente.



O vôo de Molly saiu no dia seguinte, bem cedo, e depois de milhões de recomendações, Virgínia olhava o avião se afastar, pensando que não era verdade, não podia ser. Em quase quinze anos de vida, era a primeira vez que se via fora de sua gaiola dourada. Estava em Nova Orleans, com Candice a levando para casa, com os Morgan que conheceria à noite. Estava com sua gente.

A agitação na casa Morgan era bem menor do que fariam crer os numerosos telefonemas da tia. Já tinha conversado longamente com a bisa, conhecido o antigo quarto do pai, se instalado num aposento delicioso, num dos espaçosos quartos laterais de sacada aberta. E depois de perambular sozinha por toda a propriedade, acompanhada apenas por seu mp3, escolheu se aquietar no alto de um belo carvalho, bem distante da movimentação organizadora da festa.

Evitando se aboletar no grande balanço de um dos galhos, ela tinha escolhido o alto da árvore para pensar, para ver a beleza daquele lugar sem que ela mesma fosse vista. Ficar sozinha enquanto ainda era tempo. Estava incomodada com a tal festa, se expor diante de centenas de olhares ávidos. Era tão contra sua natureza... Ou seria apenas contra seus costumes? Se quisesse se adequar, muita coisa teria que ser mudada. Festas eram apenas uma das muitas particularidades daquela gente agradável e extrovertida. E afinal, uma festa não era algo tão ruim assim... Melhor que mofar no apartamento vazio de Park Avenue. Virgínia sorriu pelo pensamento, fechou os olhos e se deixou levar pela música e pela brisa doce.

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Harry entrou apressado pelos portões de ferro da casa do Garden District. Outra briga com Sirius. “Quando vai começar a agir como um adulto?”, a voz do padrinho soava repetidamente em sua cabeça. “Quando eu for um?”, ele tinha respondido ironicamente. O fato é que sempre brigava para que Sirius o tratasse como adulto, mas na hora de retribuir e assumir as responsabilidades que este tratamento exigia, Harry costumava se esquecer de muitas coisas.

“A responsabilidade deve acompanhar o prazer.” Era uma das frases favoritas do padrinho. Bom, no seu caso a única coisa que acompanhava o prazer era uma garrafa de Bourbon 12 anos ou a garota com quem estivesse no momento. Há muito tempo tinha decidido não se preocupar com nada, nem se prender a mais alguém.

Harry não era indiferente àqueles que o cercavam, apenas tinha decidido se portar assim como forma de auto-preservação. Julgava as pessoas indignas de confiança e se não fosse por Sirius, a bisa e tia Candie, já teria saído daquela cidade há muito tempo. Ah, mas isso não era realmente verdade, era? Para sua infelicidade também amava Nova Orleans, mesmo com todos os boatos, todas as coisas maldosas que escutava especularem sobre seus pais, que era obrigado a engolir dia-a-dia. Coisas em que, secretamente, ele passara a acreditar.

Era muito duro ter dezesseis anos e saber que quase ninguém valia nada. Fora mais duro ainda aos onze, quando se dera conta do fato. Será que Sirius não podia entender que ele precisava ser assim? Precisava ser desligado, boêmio e um filho da mãe de coração vazio? Ser indiferente era a garantia de não se machucar, mas ser alguém que se preocupava minimamente com alguma coisa... isto era se tornar vulnerável. Era deixar que alguém estragasse sua vida como... como “ela” tinha feito com seu pai.

Harry não se deu ao trabalho de anunciar sua presença, nem de procurar por alguém dentro de casa. Desde os treze anos tinha as chaves que davam acesso ao lugar, e se não bastassem, todos os guardas da rua o conheciam. Devia ser por amor piedoso, pensava ele, que Candice o tratasse como o filho que não tinha. O “sobrinho” que crescera sem conhecer os pais, o garoto que crescera escutando coisas ruins demais.

Ele rodeou a casa e se largou no seu lugar favorito, o lugar para onde ia quando queria pensar. O balanço que existia debaixo do carvalho mais velho daquela propriedade. Seus pensamentos iam à mil, se continuasse a se desentender com Sirius com a mesma freqüência, se mudaria para aquele lugar. A casa Morgan possuía uma construção mais ao fundo, totalmente independente da casa, um pavilhão de piscina com um segundo andar que continha dois espaçosos apartamentos. Na época da construção, nos idos de 1900, aquele pavilhão não existia, fora planejado durante a construção da piscina, vinte anos depois, formando um local exclusivo para diversão, que recebesse bem e ao mesmo tempo não incomodasse quem estivesse na casa. O andar de cima acabara sendo destinado a abrigar parentes que tivessem bebido em excesso e não pudessem voltar para suas casas, o que não era nada raro, diga-se de passagem, ou àqueles Morgan que por acaso precisassem se alojar por uns tempos. Ele girou os olhos, soltando sua raiva. Sabia tudo sobre o pavilhão desde que se entendia por gente, pois fora ali mesmo que Sirius morara quando namorava com...

Foi com surpresa inaudita que seus olhos deram com a figura de uma garota, sentada num grosso galho do carvalho. Sua prima ruiva, recostada no alto da árvore, com os olhos fechados. Era só o que faltava. Aquele perfeito fantasma o assombrando no seu local favorito. Estava ficando louca? Ele sempre trepava naquela árvore quando era moleque, mas uma garota fazendo isso? Era perigoso, ela podia cair e quebrar um braço. Podia quebrar o pescoço, pelo amor de Deus!

Com uma perna de cada lado, balançando o pé devagar e cadenciadamente, ela mais parecia um anjo que tivesse por acaso se cansado do céu e resolvido descansar as asas. Sua mente o xingou imediatamente pelo pensamento. Anjo? Cabelos vermelhos eram o primeiro passo para um conchavo com o diabo, isso sim. Ele demorou vários segundos até compreender que ela tinha dois pequenos fones de ouvido e um mp3 pendurado no pescoço. Parecia absolutamente integrada ao local, como se tivesse vivido desde sempre ali, como se fizesse parte da própria árvore. Uma rara flor escarlate, quieta e vibrante ao mesmo tempo. E por algum motivo ele não conseguia tirar os olhos dela.



Ela estava muito longe, viajando num mundo de Billie Holliday, Cole Porter e Louis Armstrong. Num mundo muito parecido com aquele lugar, parado no tempo. Estava em paz, absolutamente tranqüila, quando uma sensação estranha a perturbou. Uma presença.

Virgínia abriu os olhos se deparando imediatamente com a figura do primo, sentado bem abaixo e olhando diretamente para ela.

Ela ficou olhando sem se perturbar, escondendo muito bem seu desagrado em estar sendo observada, e por alguém francamente hostil.

- O que está fazendo aí? – ele se irritou mais ainda pelo jeito indiferente como ela o olhou.

- Arrumando um jeito de voltar pro céu. – ela sem saber, reforçou a imagem de um anjo travesso, prestes a voar. - O que te parece que esteja fazendo?

- Arrumando um jeito de quebrar um braço.

- Não sei... quatorze anos subindo em árvores bem mais altas que essa me dão a sensação de que sua preocupação é sem sentido. Se é que é uma preocupação... e não um desejo.

- E porque eu ia desejar que caísse?

- Eu não sei. Você é quem tem que me dizer.

Ele a fitou com incredulidade no olhar.

- Você é bastante arrogante, não é?

- Acha isso? – ela o assistiu inclinar a cabeça em concordância. – Vindo de você deve ser um grande elogio.

Harry apertou os olhos. Aquela fedelha estava testando sua paciência?

Apenas para irritá-lo ainda mais, ela ficou de pé sobre o galho, descansando as costas no tronco.

- Se não descer logo, vai comparecer à própria festa com o nariz amassado. Mas, honestamente, ia ser muito engraçado, um toque cômico.

- Primo... – ela o chamou, o deixando intrigado - É o que você é, não? Primo. Alguém que o escutasse acharia que está me ameaçando.

Ele retorceu o rosto num sorriso maldoso, sem dizer palavra alguma. Ela que pensasse o que quisesse.

Por algum motivo o lugar perdeu todo o sossego, por isso Virgínia começou a se mover com espantosa agilidade, passando pelos galhos curvos do carvalho como quem fizesse isso todos os dias. Em poucos segundos ela pulava no chão bem em frente a Harry.

- Desistiu de voltar para o céu?

- Não, vou fazer isso mais tarde. Nós anjos não gostamos de platéias indesejadas. – ela deu as costas, procurando voltar para casa.

- E vocês anjos também costumam comprar brigas em shopping centers?

A voz de Harry fez Virgínia se voltar com um sorriso sarcástico no rosto.

- Eu a assustei? Sua namoradinha? Desculpe... não tenho sido um bom anjinho. É uma coisa chamada lei do retorno, tenho certeza. Você sabe... não se pode esperar flores quando se atira pedras.

- Está me dando uma indireta? – ele andou até ficar bem perto dela.

A ruiva se forçou a não recuar.

- Não costumo dar indiretas. Quando quero dizer uma coisa, apenas digo.

- E o que gostaria de me dizer?

- Eu não gosto de você. – ela se surpreendeu em como estava ficando boa naquilo.

- Muito direto.

- É. E também recíproco. No dia em que conseguir fazer o mesmo, pode me dizer o seu motivo.

Harry sentiu o sangue ferver ao mesmo tempo em que se admirava de ter escutado aquelas palavras da boca de uma menina. Por Deus, uma menina com shorts sujos e camiseta, como ele quando era garoto. Embora ele tivesse que admitir, um garoto não tinha aquelas pernas.

- Quantos anos tem? – ele não pôde frear a pergunta.

- Todos do meu universo, desorganizados, enlouquecidos, necessários e à espera. – ela disse uma das frases que criara para definir sua adolescência. – Tenho certeza que discutir minha idade deve ser um assunto fascinante, mas, e espero não estar sendo excessivamente rude, tenho mais o que fazer.

Ele estava pasmo. De que planeta tinha surgido aquela ruiva? Como podia ser tão menina e tão mulher?

- Alguém devia te ensinar bons modos.

- É... pode ser, mas espero que esse alguém não seja o mesmo que ensinou a você.

Era impressão sua ou estava desafiando o primo? Um rapaz alto, com o dobro da sua força, que pairava ameaçador acima dela. O que ele tinha que a fazia perder o juízo?

Harry estava prestes a fazer uma séria bobagem, só não sabia qual. Nunca fora conhecido por sua sensatez em momentos de fúria e aquela ruiva estava pedindo por aquilo. Fosse o que fosse.

- Atrapalho alguma coisa?

A voz de Elizabeth trouxe de volta sua razão.

- Lizzie... – ele falou num tom quase que aliviado.

A garota os fitava intensamente, seus olhos inteligentes pulando de uma para o outro.

- Posso voltar depois ou chamar o corpo de bombeiros... – ela recuou de leve, falando com evidente ambigüidade, coisa que só Harry pareceu alcançar. – O que preferem?

- Não, prima, bombeiros não vão ser necessários. – ele falou olhando para Ginny. - O incêndio é apenas um palito de fósforo, faz algum barulho, mas no fundo não é nada.

Antes que ela retrucasse, e ele sabia que ela o faria, Harry girou nos calcanhares, passando por Lizzie e desarrumando os cabelos da garota com um afago.

- Te vejo à noite? – ela gritou para as costas largas do rapaz.

- Claro. – ele gritou sem se voltar. - Não perderia a grande ocasião por nada desse mundo.

Quando Harry já era visto à distância, apenas um borrão furioso sumindo entre as plantas, Liz achou seguro perguntar:

- Vai me dizer o que aconteceu ou vou ter que adivinhar?

- Tente adivinhar e depois me diga. – Virgínia passou a mão pelo rosto estupefata consigo mesma. – Porque eu não faço a menor idéia.

- Ãahm, de longe não parecia tão ruim... Quer dizer, chispas como num show pirotécnico. Você está bem, garota? – Elizabeth notou que a prima parecia um pouco perdida.

- Claro! – a ruiva exclamou com forçada energia. - Claro que estou! Porque não estaria?

- Ok.

Lizzie assistiu Virgínia andar de um lado para o outro, chacoalhando a cabeça de vez em quando numa visível confusão de sentimentos.

- Engraçado, na hora em que vi os dois juntos...

- Não estávamos juntos! – Ginny a cortou energicamente.

- Certo. – Liz sorriu maliciosa. - Quando vi os dois há um passo de distância um do outro, com os narizes quase se tocando, me lembrei de uma foto que temos lá em casa. É do casamento dos meus pais, e na foto também estão a prima Lily e o pai do Harry. Engraçado...

- Não vi a graça.

O sorriso de Lizzie só aumentou ao perceber que a prima estava mal humorada.

- Sabe, você se parece com ela. Olhando os dois juntos, desculpa, - ela se apressou – os dois há um passo de distância, me lembraram muito o casal. Já viu alguma foto deles?

Ginny balançou a cabeça com uma careta, fazendo Liz continuar:

- Mas talvez seja só impressão. Por você também ser ruiva e tudo...

- Qual é a doença desse garoto?! – Ginny explodiu, sem fazer caso da comparação da prima. – Parece que está de mal com o mundo. Qual o problema?

- Nenhum, muitos... depende do ponto de vista em que olhar.

- Bom, do meu ponto de vista não existe bem um problema, é quase uma catástrofe.

Lizzie tomou assento no balanço, enquanto assistia a prima bufar inquietamente.

- Talvez seja porque o Harry sempre teve tudo o que quis, menos o que queria de verdade. – arriscou.

- Fala dos pais dele? – Ginny parou de se remexer e ficou muito atenta. Tudo o que pudesse se referir à morte de seu pai a despertava imediatamente.

- É. Morreram muito cedo e o Harry tem verdadeira fascinação por tudo que diz respeito ao pai, mas quando se trata da prima Lily...

- O que há?

- Acho tudo muito triste, mas, sei lá, parece que o primo Harry meio que tem ódio dela. Nunca toca no nome, muda de assunto quando alguém tenta tocar... – Lizzie baixou a voz com uma cara confidencial. - Falam que a mãe dele tinha outro homem. Casos, você sabe. Acontece que não deve ser muito fácil escutar isso tudo, ainda mais para um garoto. Sabe como eles são machistas.

- E tinha, Lizzie?

- ?

- Amantes?

- Não sei, Gin. – ela levantou os ombros. – Pelo que conheço dessa família, tanto pode ser que sim, como não. Faz tempo demais... Eu nem era nascida. Só sei o que ouvi falar.
- E meu pai? Também ouviu estórias sobre como ele era?

- Que eu saiba ele era bem danado quando solteiro. Não é pra menos, andava com o Sirius e o primo James, pai do Harry. Minha mãe contou que, junto com outros rapazes, formavam um clube ou coisa assim... – aqui ela fez uma expressão misteriosa, como se avaliasse o que podia contar. – Mas te falo sobre isso outra hora. – ela passou pelo assunto como um raio. - OK, sobre seu pai... Era uma turma danada, botavam fogo no French Quarter, mas depois do casamento eu não sei de estória nenhuma sobre o primo Arthur, a não ser que ele gostava muito da sua mãe.

- Os dois eram Morgan? Os pais do louco?

- Não, só a prima Lily, mas é hábito, se você se casa com um Morgan, é da família.

- E os pais do Harry eram muito amigos do meu pai? A mãe dele era próxima? – ela perguntou ansiosamente.

- Arrã, acho que eram amigos desde a adolescência.

- E você acha que ela podia ter um caso... que ela... Ah, deixa pra lá. – ela se arrependeu de ter tocado no assunto. – Não me interessa saber sobre a mãe daquele... idiota.

Liz sorriu com o canto da boca.

- É, ele é muito bonito.

- Quem é que falou sobre isso?

- Não precisa, Gin. É um fato.

Virgínia corou e Lizzie resolveu abrandar um pouco.

- Mas anda, garota, não vim aqui pra falar do Harry, por mais gostoso que seja o assunto. Tem uma festa te esperando e você tem que arrasar.

Aquilo devolveu a ruiva com violência à realidade. Festa, pessoas, ela como o centro das atenções.

- Ah, Lizzie, será que não posso passar a noite quietinha nessa árvore?

- Até pode, Gin, mas sempre ia correr o risco do Harry aparecer.

Ela riu do tom avermelhado das bochechas de Ginny, enquanto praticamente a arrastava para dentro da casa.

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N/A: Oi queridos! Espero que estejam gostando, confesso que está sendo delicioso fazer. Caso não estejam compreendendo alguma coisa sobre o universo de Nova Orleans ou sobre a complicada ramificação da família Morgan, me avisem pelos reviews que será um prazer esclarecer qualquer dúvida.

Agora algumas explicações. Alguns podem achar muito chatas e sem novidade, mas não são todos que têm essas informações. Então adiante:

1- French Quarter: Bairro Francês, todo formado por construções antigas, tombadas, e, por incrível que pareça, de estilo mais espanhol que francês. É a zona boêmia da cidade e local de intenso turismo. Procurem por algumas fotos. Lindo!
2- Dixieland: o primeiro formato da música que se tornaria o conhecido jazz. Uma delícia. Se quiserem escutar este é o endereço do Swiss College, uma Dixie Band paulista, muito gostosa. http://www.swissdixie.com/swissdixie/
3- Garden District: bairro nobre de Nova Orleans, possui mais de cem construções históricas, todas reformadas e a maioria tombada pelo patrimônio histórico nacional.
4- Storyville: foi uma zona de prostituição muito famosa de Nova Orleans. Para terem noção foi lá que Louis Armstrong começou sua brilhante carreira. Foi fechada em 1917, mas fica como um dado pitoresco da cidade. Lizzie usa o nome como figura de expressão.
5- Métier: do francês; quer dizer função, neste caso se referindo à profissão mais antiga do mundo. Rssssssss


Meus agradecimentos especiais:

Arinha: Muito obrigada por ser meu apoio, mana. Seu incentivo e entusiasmo valem mais do que pode crer. Melhoras com a garganta, sim? (E posta logo CTTM, pelo amor de Deus!)

Remaria: Ah, minha irmã postiça! Valeu a força. Espero que continue gostando, e sobre ser diferente, não foi planejado, mas também percebi que é mesmo incomum em fics de Harry Potter. Bjo.

Márcia: Sempre nos apoiando, em conjunto ou em particular. Obrigada pelo carinho poderosa! Super beijo.

Sally Owens: Seu review me deixou em estado de graça. Não é a primeira vez que eu digo, e nem será a última, vindo de alguém que escreve como você, qualquer palavra positiva é uma dádiva. Estas então... Sobre a maturidade da Gi, \o/ \o/ \o/ que delícia que compreendeu, foi o que quis passar. Ela é mesmo mais madura que outras garotas da mesma idade, principalmente pela consciência que tem de si mesma. Obrigada pela força e pelas idéias “socratianas” e inspiradoras. :*

Livinha: Isso mesmo. Imaginação com força total. Vem muita coisa Morgan por aí. E pode pôr os miolos pra funcionar, quero ver sua fic atualizada o quanto antes, mocinha! (Bate o pezinho, impaciente).

Dianna.Luna: Acertou em cheio nos “achômetros”. E como a fic é UA, algumas coisas serão mesmo diferentes nas personalidades de alguns personagens. É um mal necessário. Contente demais por estar gostando, super beijo.

Priscila: Pri!!! Cadê meu e-Boock, mulher?! Rssssssssss. Irmãzinha, obrigada pela força, pelos elogios, pelo carinho... e quer saber? Quem é demais é você! (e claro, a Gina power de sua fic). Bjo, bjo, bjo.

Miaka: Uhhhhhhh, mistério... Mas tem uma coisa importante, o clã não é só uma referência aos Morgan, também pode ser uma coisa além da família (ih, falei demais). Aguarde e confie. Que bom que está gostando, querida.

Blueberry's: Sobre Gi conhecer o Harry, pergunta respondida? \o/ E sobre os motivos da Molly, eles serão descobertos passo à passo, ok? E lembre-se, ela é bastante impressionável e às vezes imatura em seu temor exagerado pela filha. Mil beijos.

Sil: Ah, querida, que responsabilidade a minha... Uma expectativa como a sua me envaidece e me deixa preocupada, ao mesmo tempo, mas pode contar com meu esforço para que seja uma boa estória. Que a luz da inspiração te abrace também no término de suas lindas fics, e que seu começo nas próximas seja igualmente brilhante. Beijos sinceros e carinhosos, amiga.

Morgana Black: Esbarra mais que eu gosto! Rsssssssssss. E a personalidade da Gi deve ser um pouco mais madura, devido à vida que teve, solitária e incompreendida. Mas cá entre nós, um certo moreno deve deixar os nervos da ruivinha à flor da pele. Tadinha... Um beijão e te vejo no fórum.

Harian: Obrigada, querida, pode deixar que continuarei me esforçando. Bjokas

Paty Black: Rsssssssssssss. Mana, te assustei? Bom, a intenção é fazer um romance com momentos de medo, sim. E muito medo. Felicíssima que tenha gostado da descrição das emoções dos personagens. Dá trabalho, mas adoro fazer, dá maior profundidade à trama. Te adoro, florzinha.

Sônia Sag: Sô, já te considero uma amiga, é o que pessoas acolhedoras como você, fazem. Nunca tive a oportunidade de te dizer que adorei cada detalhe de sua fic (parabéns pelo reconhecimento), e plagiando minha mana, Paty Black, se tia Jo não der um final decente pro bruxinho, minha versão final para a saga é Harry Potter e o Último Horcrux. E tenho dito! Muito, muito obrigada pelos elogios (vou “pular” em você cada vez que atualizar). Beijos.

Espero vê-los em breve.
Com amor,
Georgea.







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