Aquele com o poder...



Capítulo 4 – Aquele com o poder...

“E dizem
Que um herói viria nos salvar
Não vou ficar aqui parado esperando
Me agarrarei nas asas de uma águia
Observe enquanto voaremos para longe”
(Hero – Nickelback)




Godric’s Hollow, Halloween de 1998.


Harry cambaleou levemente quando seus pés tocaram o chão. Olhou ao redor e o ar de desolação que pairava em Godric’s Hollow parecia sufocá-lo. A casa permanecia no mesmo estado de destruição que ele encontrara no ano anterior, quando fora ali com Lupin. No entanto, havia algo a mais naquele lugar, que o deixava diferente. Talvez fossem as lembranças, que ali eram intensas e quase perturbadoras.

Recordava-se perfeitamente do quanto aquilo o afetara, o quanto aquilo mexera no seu emocional... o lugar onde seus pais foram assassinados, o lugar onde ele fora marcado pelo Lorde das Trevas, o lugar onde o seu destino fora traçado....

Mas não, aquele não era o momento para isso. Embrenhar-se em memórias não o ajudaria em nada. Ele precisava manter-se lúcido, senhor de sua razão.

Agir friamente nunca fora a sua característica marcante. Querendo ou não, Snape tinha certa razão em dizer que grifinórios eram emotivos demais e sempre deixavam que o heroísmo falasse mais alto. Mas agora era diferente, ele precisava ser o mais frio possível, calcular com precisão o que deveria fazer, porque não era uma prova cabeluda de poções que ele tinha pela frente, mas o momento decisivo da guerra que pesava em seus ombros.

O motivo que o levara até aquele lugar fora o fato de que era o lugar mais distante e seguro que conhecia. Uma estranha intuição lhe dizia que não era prudente que o duelo com Voldemort fosse ser em Hogwarts, tão perto das pessoas que amava. Devia ser algo só entre os dois, e Harry não queria correr o risco de se distrair com a possibilidade de Rony e Hermione, ou até mesmo Gina, se intrometerem naquilo.

Tudo começara na madrugada daquele dia. Harry, Rony e Hermione estavam hospedados em Grimmauld Place – mesmo que Harry não tivesse o menor desejo de voltar àquela casa - estudando as possibilidades de conseguirem destruir Nagini, a única horcrux restante além do fragmento que ainda habitava o corpo de Voldemort. Se perguntassem a Harry como ele conseguira encontrar e destruir todas as outras horcruxes, ele nem iria saber definir. Havia um misto de sorte e estranhas coincidências, além da colaboração dos poucos membros da Ordem da Fênix que sabia a respeito da imortalidade do Lorde Negro – entre esses Severus Snape, que para surpresa de Harry, tinha pistas sobre o enigmático RAB, que souberam ser o irmão de Sirius, Regulus Arcturus Black.

Uma história longa e estranha demais, que no momento não vale a pena ser contada, sendo que o que realmente interessa é que o comensal da morte havia destruído o medalhão de Slytherin e morrido nessa empreitada.

Uma a uma, as pistas que levavam às demais horcruxes foram surgindo, levando-os aos lugares mais sinistros da Grã-Bretanha e também mais impregnados de magia negra. Não fosse o auxílio de Rony e Hermione, que sempre acompanhavam Harry quando ele ia em busca de algum vestígio da alma do Lorde Negro, talvez o eleito tivesse perecido nessa aventura, como quando fora destruir a taça de Helga Hufflepuff e uma estranha maldição começara a percorrer o seu corpo, lhe roubando a força. Não fosse o raciocínio rápido de Hermione, que identificara a maldição e descobrira um modo de neutralizá-la, a morte teria sido certa.

-Se a gente deixasse você morrer, a Gina nos esfolaria vivos e nos daria de comer pras galinhas da minha mãe. – Rony justificou, abraçado à Hermione, que tentava conter as lágrimas, quando Harry se recuperara, após ter sido tratado por Madame Pomfrey.

A amizade daqueles dois e a força de Gina foram o que o impediram de cair por diversas vezes. Mas ele também não se deixaria abater tão facilmente, não enquanto não mandasse Tom Riddle para o quinto dos infernos.

E na madrugada daquele Halloween, Harry acordara num rompante, com a certeza de que sua vida seria decidida naquele dia. Não fora nenhum tipo de visão com Voldemort ou algum sonho estranho. Fora simplesmente uma certeza forte e que parecia decididamente clara à seus olhos: Voldemort iria atacar Hogwarts.

A princípio fora só aquela sensação de que as coisas iriam se decidir logo que o envolvera, mas depois veio um súbito pavor: Gina estava lá e também tantas outras pessoas que lhe eram queridas.

O restante do dia foi de expectativa e preparo. Os membros da Ordem da Fênix haviam sido contatados para que se mantivessem em alerta e Tonks juntamente com Kingsley Shacklebolt ficaram responsáveis por deixar o quartel de aurores sob alerta.

Mas o dia seguira sem que nada de anormal tivesse acontecido e mesmo sob o olhar um tanto quanto cético de Rony, eles partiram para Hogwarts. E daí em diante, Harry tinha se dedicado unicamente a tentar abrir sua mente propositadamente para Voldemort e deixá-lo ver onde estaria. Nunca pensou que fosse fazer isso um dia, mas quanto mais ele ficava próximo da destruição de Voldemort, mais forte ele se sentia. E com o tempo, ele conseguira uma certa capacidade em abrir e fechar sua mente, mesmo que essa aptidão nunca fosse se tornar tão poderosa quanto a do próprio Lorde.

Enquanto Hogwarts estava sendo atacada, o único pensamento que Harry deixava que flutuasse em sua mente é que estava pronto, que só estava esperando que Voldemort aparecesse. Deixava aquilo fluir e se espalhar por ele, esperando que em algum momento o Lorde das Trevas recebesse aquela mensagem.

O ataque se tornara mais intenso; lobisomens, dementadores e comensais pareciam movidos por uma força obsessiva. A batalha era feroz, como Harry nunca presenciara antes. E quando sentira que Voldemort finalmente recebera o seu “recado mental”, ele acionara a chave de portal e fora transportado para aquele lugar. Porque dizem que o princípio e o fim das coisas estão no mesmo lugar. E aquela história teria fim, no mesmo lugar onde começara: Godric’s Hollow!

Harry arquejou levemente, quando sentiu um estranho arrepio lhe percorrer a espinha e agitar o seu corpo. Todos os pêlos de seu corpo se arrepiaram, enquanto caminhava pelos escombros de seu antigo lar. Não era a magia antiga que restara de seus pais que estava ali, mas era algo mais forte e estranho.

“Magia Negra”, concluiu, segurando a varinha com mais firmeza em sua mão direita. Começou a deslizar pelos escombros destruídos com mais cuidado, tentando seguir o rastro que aquele poder deixava no ar.

-O mestre tinha razão em dizer que o pivete é um sentimentalóide! – Um sibilo sussurrante chegou aos ouvidos de Harry, que nem precisou se esforçar para saber o que era.

-E o seu mestre sabe que vai ser destruído nessa noite? – Harry respondeu na língua das cobras.

Mesmo sem ter visto o “animalzinho de estimação" de Voldemort, ele sabia que Nagini estava ali, sibilando de maneira zombeteira.

-O mestre nunca vai ser destruído!

E quando Harry chegou ao que antigamente era a cozinha da casa dos Potter, deparou-se com a enorme serpente, que deslizava com elegância por entre tijolos quebrados e móveis destroçados, erguendo sua enorme cabeça, como se tivesse a intenção de receber um afago de seu tão adorado mestre.

Lord Voldemort.

O bruxo das Trevas estava ali, parado no meio dos escombros, intensificando o ar lúgubre e mortiço que assombrava o antigo lar dos Potter. Não havia sorrisos de escárnio e nem gargalhadas zombeteiras. Na pouca iluminação da casa, só os olhos de íris vermelhas brilhavam, denotando todo o desejo maníaco e obsessivo que movia as suas ações.

-Você me chamou e eis que estou aqui, Harry Potter! – Voldemort sibilou friamente, acompanhando todos os movimentos de seu oponente. – Teve medo de morrer em frente aos seus amigos e por isso quis um duelo afastado?

-Você tentou me matar outras vezes e não conseguiu. Porque tem tanta certeza que irá conseguir agora?

-Moleque insolente, acha que pode resistir muito tempo ao poder que eu adquiri durante anos de estudo e preparo? Acha que consegue resistir a mim, que fui mais longe do que todos os bruxos de nosso tempo? Mais longe até do que o nobre Dumbledore, que lutara tanto contra as Artes das Trevas, para morrer pelas mãos do seu próprio aliado? – E pela primeira vez o Lorde das Trevas se permitiu soltar um riso debochado. – A nobreza o levou a morrer da forma mais covarde e fútil possível.

Harry inspirou o ar profundamente, tentando se acalmar. Tocar no nome de Dumbledore sempre fazia que algo dentro do seu interior se contorcesse de ódio, ainda mais nele que presenciara toda aquela cena e não pudera fazer nada.

-Dumbledore se sacrificou para que eu pudesse derrotá-lo! – Harry rugiu, erguendo a varinha. – E há muito tempo você deveria saber que os sacrifícios nunca são em vão.

-Belas palavras, Potter! Realmente belas! - O Lorde também ergueu a sua varinha e uma expressão de satisfação se espalhava em sua face viperina. – Vamos ver se com a minha nova varinha conseguiremos ter um duelo de verdade.

Com um movimento elegante Voldemort inclinara as costas em uma debochada reverência, sem despregar os olhos de Harry.

Assim que o Lorde endireitara a sua postura, Harry iniciou o duelo, lançando um feitiço que foi facilmente rechaçado por este e que logo em seguida lançara outro. Harry se protegeu atrás de uma viga de madeira, que fora atingida em seu lugar e começara a pegar fogo.

-Saia e encare a morte, Harry Potter!

Com um grito gutural, Harry saíra e lançara outro feitiço. Jorros coloridos disparavam em todas as direções, ricocheteando nos escombros da casa destruída e transformando tudo em um inferno de fogo e fumaça. O duelo avançava e era difícil dizer quem estava em vantagem. Voldemort poderia ser um exímio duelista, ter anos e anos de experiência, mas os feitiços de Harry eram igualmente poderosos e igualmente precisos.

Desde o seu último encontro com o rapaz, nas proximidades da passagem para Avalon, que o Lorde Negro compreendera que era estupidez subestimar o seu inimigo. Fizera isso outras tantas vezes e isso não lhe trouxera a vitória definitiva. Ah, o espírito Sonserino tinha de ser preservado, tinha de fazer tudo fria e racionalmente. Potter tinha uma fraqueza e tudo o que Voldemort precisava era explorá-la. E afinal de contas, ele era imortal, tinha os seus preciosos tesouros que lhe garantiriam a vida eterna, não tinha com o que se preocupar realmente.

-Crucio! – O Lorde proferiu, após desobstruir o seu caminho até Harry. A fumaça se tornava cada vez mais sufocante, mas Voldemort parecia não se importar com esse detalhe, enquanto que o Eleito buscava uma forma de se esgueirar para fora da casa.

-Protego! – Harry conjurou o escudo, sem nem saber como conseguira devido a fuligem que penetrara em seus pulmões. Ele cambaleou um pouco e teve de se apoiar em uma coluna que ainda permanecera de pé. Olhou ao redor e viu que Voldemort afastava tudo o que dificultava o seu caminho até ele. Mas não fora isso o que chamara a sua atenção.

-Você não tem chances contra o Mestre, garoto arrogante!Curve-se ante as trevas do desespero!

-Cale-se Nagini! – Voldemort sibilou de volta.

Sem nem pensar no que estava fazendo Harry erguera sua varinha contra a cobra, sem nem se preocupar com a presença de Voldemort ali.

-Avada Kedavra!

O urro medonho que escapara de Voldemort só não foi mais horripilante do que a constatação de que a maldição da morte proferida por Harry não tivera o efeito desejado. A cobra Nagini apenas recuara alguns metros, para logo em seguida abrir sua enorme boca e estirar sua língua bifurcada. Se ela possuísse um rosto humano, poder-se-ia dizer que havia uma expressão de ódio mortal em sua face.

-Então você sabe... – A constatação de que Harry estava de posse do seu tão valioso segredo desabou sobre o Lorde Negro, que arregalara os olhos de fúria e choque. -Mas ainda assim sua maldição da morte é tão medíocre que não fez mal algum à minha Nagini.

-Sim, eu sei sobre o seu segredinho, Riddle! – O rapaz respondeu, tomando uma postura defensiva. – Segredos foram feitos para serem descobertos, não é? Eu destruí todas as outras e vou terminar o que comecei!

-Mestre, deixe-me mostrar o que sou capaz de fazer a esse atrevido!– Nagini se aproximou, arreganhando a boca ameaçadoramente.

Voldemort observava com puro ódio o rapaz a sua frente, sem conseguir entender como aquele moleque magricela, que não sabia nem lançar uma maldição imperdoável, pudera descobrir o seu segredo e destruir algumas de suas horcruxes. E mais do que isso, o que verdadeiramente o espantava era que Harry não tivesse sofrido nenhum dano aparente, muito pelo contrário, parecia saudável como se o que tivesse enfrentado fosse apenas uma partida amistosa de quadribol.

“Maldito Dumbledore”

Obviamente o velho mestre se encarregara de investigar os pontos fracos do Lorde das Trevas e entregar todos os segredos ao seu adorado pupilo. Malditos fossem os dois! Mas Voldemort ainda possuía Nagini e ele lutaria com todas as suas forças para preservar o resquício de alma que habitava o corpo daquele ser rastejante.

-Venha Nagini, venha! – Harry sussurrou, encarando os olhos da serpente. Nagini começou a deslizar seu enorme corpo pelo corpo do rapaz, com a intenção de envolvê-lo em seu abraço mortal, e ergueu sua cabeça, até que estivesse na mesma altura da dele. – Olhe para mim!

-Eu posso mordê-lo e meu veneno iria correr lentamente por suas veias, até que você fosse mais inútil que um trouxa miserável! E você iria sofrer aos pouquinhos, para que tentasse lutar contra meu mestre e descobrir que não conseguiria!

-Olhe para mim, Nagini! – Harry sussurrou novamente e cravou os seus olhos de um verde profundo nos olhos de Nagini.

-Nagini saia daí, cobra estúpida!– Voldemort sibilou com fúria. Uma viga de madeira quase totalmente consumida pelas chamas caiu na sua frente e ele teve de removê-la antes que se aproximasse de Harry e sua preciosa cobra.

Harry estava se esforçando ao máximo para não desviar os olhos de Nagini. Lágrimas se formavam em seus olhos, devido a fumaça que irritava sua visão, mas ele se forçava a não piscar. Notou que a cada segundo a cobra parecia cada vez mais imóvel, como se algo em seus olhos verdes aprisionasse a atenção dela.

Antes que Voldemort pudesse se aproximar mais, ele viu algo brilhando nas mãos de Harry. Talvez fosse o efeito das chamas que crepitavam ao seu redor, mas o Lorde teve a impressão que algo faiscava em mil cores nas mãos do jovem grifinório.

Um último grito de ira escapara de sua garganta, antes que visse Harry erguer a mão esquerda contra Nagini e ver que havia uma magnífica adaga de prata ali.

Era Govannon, a insígnia sagrada de Avalon. Feita de matéria e magia, concebida no seio do lar ancestral da feitiçaria e do conhecimento; remodelada para que Harry pudesse destruir Voldemort e assim pudesse assegurar o equilíbrio no mundo mágico.

Harry cravou a arma na boca da cobra, que mal conseguira esboçar uma reação, e fez a sua lâmina afiada deslizar pelo seu corpo, até que ela desabasse a seus pés, completamente morta. Do corpo mutilado jorrara aos borbotões o seu sangue escuro que rapidamente manchou as mãos e a roupa de Harry.

Voldemort se tornara completamente mortal.

O rapaz respirava rapidamente, ainda atônito com o que fizera e vira que com um movimento desajeitado a cobra desabara à sua frente. Seu corpo malhado ainda estremeceu por uns segundos, até que se consumisse em seu próprio veneno.

-Como você fez isso?

-Não é só você que tem os seus segredinhos, Riddle!

-Pare de me chamar dessa forma, Potter! – Voldemort esbravejou e uma parte do teto desabou onde antes ficava o quarto dos pais de Harry.

Harry segurou Govannon com mais firmeza em sua mão esquerda, enquanto que com a outra mão erguia sua varinha.

Anos e anos se passaram, tantas coisas aconteceram; mas, finalmente, o momento do duelo final chegara. O momento em que a profecia se cumpriria.

Assim como Harry pressentira esse momento, o Lorde Negro também o pressentira. Os dois bruxos se encaravam firmemente, raiva e desprezo estampados nos olhos verdes e vermelhos. Não havia nada e nem ninguém entre eles. Ninguém que pudesse salvar Harry e nem horcrux para garantir a vida eterna de Voldemort.

Jorros chispando em todas as direções, maldições sendo lançadas e rebatidas, palavras de ódio sendo trocadas... era um duelo de vida ou morte.

A fúria que emanava dos olhos e dos gestos do Lorde das Trevas era o suficiente para apavorar qualquer criatura. Ele odiava o garoto à sua frente, odiava a insuportável Ordem da Fênix, odiava a irritante memória de Dumbledore, odiava saber que todos os seus esforços, todos os anos de estudo em magia negra foram frustrados por aqueles imundos amigos dos trouxas.

Ódio.

Aquele sentimento emanava de Voldemort em grandes e sucessivas ondas. Tão poderosas quanto qualquer um de seus feitiços e ainda mais mortais do que suas maldições. O seu ódio o levara a ser quem era, a se tornar um amante da magia negra. Fora o seu ódio que o fizera assassinar seu pai e seus avós, a aniquilar qualquer vestígio de humanidade que existisse nele.

Tudo bem, Harry Potter conseguira destruir suas horcruxes. Nada pode ser mantido em total sigilo. Mas ele não iria sair vivo de Godric’s Hollow, mas não iria mesmo.

-Avada Kedavra!

O ódio pontuava suas palavras, reforçando o efeito da maldição da morte. Harry arrastara uma coluna para lhe servir de escudo, absorvendo assim o feitiço, mas mesmo protegido, ele conseguira sentir o quanto conseguira deixar Voldemort irritado.

E aquilo não era e nunca seria boa coisa.

Em seguida Voldemort desintegrara o escudo de Harry, transformando-o em poeira. Com um feitiço mudo lançou o rapaz contra uma parede, fazendo-o bater as costas dolorosamente e deixá-lo atordoado.

-Você vai morrer como os seus pais, que pagaram por sua ousadia! – Voldemort fizera outro movimento com a varinha e Harry sentira o seu corpo paralisar e erguer-se alguns centímetros acima do chão, como se fosse um títere. – Vai morrer como Dumbledore, que deu a vida pela sua estúpida e fracassada causa.

E se aproximando de Harry, de modo que os dois ficassem frente a frente, o Lorde completou:

-E eu vou ter o prazer de acabar com a sua vida patética com as minhas próprias mãos, como se fosse uma mosca irritante, que deve ser esmagada. – Os olhos de íris escarlates estavam vidrados, enquanto ele sussurrava toda a sua vilania contra o rapaz. – E você vai morrer tendo a certeza de que não foi capaz de proteger os seus amiguinhos e que depois eu vou matar um de cada vez, fazendo-os sofrer tudo o que você temeu. Ou quem sabe eu os transforme em meus escravos, para que a cada dia desejem o momento onde eu serei misericordioso e lhes dê a dádiva de morrer.

-Você... não vai! – Harry disse, a voz falhando. Seu cérebro estava ficando embotado, devido ao excesso de fumaça inspirada e agora pela pressão que Voldemort fazia para mantê-lo imóvel, mantendo-o comprimido como se estivesse preso por cordas invisíveis.

-Vou sim e você vai morrer carregando a culpa de saber que não foi capaz de protegê-los – E riu baixinho, com toda a sordidez que existia em seu ser – Vai ser como se você próprio os tivesse matado, uma vez que sei o quanto o seu espírito nobre e valente jurou que iria mantê-los a salvo. Você é egoísta, Potter, porque eu sei que você não está ligando para “salvar o mundo mágico”, mas se importando unicamente em salvar a sua pele e a dos seus amigos.

Voldemort esticou sua mão e seus dedos longos e pálidos se fecharam ao redor do pescoço de Harry, sentindo a vida que pulsava nele; sentindo que estava ali, totalmente ao seu alcance, a chance de conquistar a sua soberania. Potter era apenas um ícone, um símbolo que dava forças e esperança àqueles que lhe ofereciam resistência. E uma vez que ele estivesse derrotado, nada mais seria capaz de deter o seu poder.

-Você não é nada!

Fogo e escuridão. As trevas dominavam os pensamentos de Harry, sendo que tudo o que ele conseguia ver era o olhar de serpente de Voldemort, destilando o seu veneno por seu corpo e lhe arrancando a vida. Sentiu sua cicatriz explodindo em dor, fazendo com que um filete de sangue quente e pegajoso escorresse por seu rosto. Todo o ódio que emanava de Voldemort atravessava Harry como punhais de fogo e nem a sua recente habilidade de bloquear ataques mentais externos fora capaz de deter aquilo.

-Curve-se à morte, Potter!

Ao longe, uma voz sussurrava em seu ouvido, fazendo-o fraquejar, fazendo-o perder a consciência. A voz gélida do Lorde das Trevas sussurrava todos os horrores do futuro que aguardava Gina, Rony e Hermione, e a pressão dos dedos dele ao redor de seu pescoço se tornava ainda mais intensa.

Harry prometera a si mesmo que não importasse o que ocorresse, não deixaria nada acontecer a eles, sua família. Tanto esforço para destruir todas as horcruxes, para lidar com as dificuldades da guerra, e ele iria morrer assim, sem conseguir se mover. As pessoas confiaram nele diversas vezes, lhe deram apoio, lhe deram armas.

“Eu acredito e confio em você”– A voz suave e melodiosa de Eriu flutuou em sua memória, assim como as costumeiras afirmações de Rony e Hermione, que foram com ele até o fim do mundo em busca dos fragmentos da alma de Voldemort. “Eu vou lutar como sempre fiz e como sempre vou fazer.” – A declaração de Gina naquela mesma noite lhe deu a certeza de que ela nunca se entregaria facilmente e que ele não deveria proceder da mesma forma.

Gárgulas vorazes, quantas vezes ele não jurara que nada de mal iria acontecer a Gina? Tantas e tantas vezes, que aquilo se tornara um mantra em sua rotina. E se ele fraquejasse justamente agora, o futuro dela estaria em risco.

“Deixe a magia fluir por seu corpo”

Harry sentia os seus membros amolecendo aos poucos, a vida se esvaindo, a morte lhe sussurrando sua cantiga lúgubre. A varinha escapou de seus dedos e caiu no chão poeirento. As chamas ao seu redor lambiam o que restava das paredes de seu antigo lar e Harry achou que conseguira vislumbrar uma parte do inferno naquele momento.

“Libere o poder que existe dentro de você

Se existia algum poder superior naquele mundo, Harry não soube dizer. Talvez fosse a sua determinação ou a perspectiva de saber que era sua obrigação cuidar daqueles que amava, que lhe desse um novo ânimo. Como se uma chama percorresse o seu corpo, sentiu as ondas de poder lhe aquecendo e dando sensibilidade aos seus membros. Corpo alma e magia fundindo-se com a essência maléfica do Lorde Negro, numa batalha pessoal.

Nada de feitiços e nada de maldições, apenas o cerne de seus poderes.

O poder concentrou-se em sua mão esquerda e com um movimento preciso, Harry ergueu o braço e cravou Govannon no peito de Voldemort. Os olhos de seu oponente se arregalaram de surpresa e Harry sentiu os dedos deste tentando desesperadamente terminar de estrangulá-lo, sem obter sucesso.

A sua mão permanecia firme, como se estivesse congelada, pois sabia que presa entre seus dedos estava a vida que lhe pertencia, aquela vida condenada à maldição da morte. Observava tudo, como se estivesse fora de seu próprio corpo, como se aquela firmeza não fosse dele, mas de outrem que lhe dava forças, algo que vinha das profundezas de seu ser.

Harry jamais iria ser capaz de descrever o horror de sentir-se preso dentro daquele olhar. Era como se aquilo o tragasse, sugasse o que havia de melhor nele. Como se a consciência da morte lhe revelasse tudo o que de mais aterrorizante existia.

E então aquele brilho maníaco cessara, assim como a escuridão começou a envolver Harry em uma confortável e doce entrega... Não era nobre, mas Harry experimentara um certo e maníaco prazer preenchê-lo por dentro quando sentira a vida do Lorde das Trevas se esvaindo. Ele conseguira. De vítima se tornara algoz, e a maldita profecia se cumprira.

Surpreendentemente, suas mãos não ficaram manchadas com o sangue daquele ser abjeto, não carregaria essa marca em sua vida. Mas Harry não conseguia se sentir aliviado. Ele vira, bem lá no fundo dos olhos do Lorde Negro, todo o fascínio que havia nas trevas. E aquilo o perturbara, como se uma voz lasciva lhe sussurrasse as maravilhas que havia na escuridão.

Algo às suas costas estalou e uma das vigas que ainda sustentava o precário telhado desabou. A fumaça se intensificara de tal forma, que era impossível enxergar algo que estivesse a apenas um metro de distância. Harry tossiu, e tapou parte do rosto com as mãos, na tentativa de se manter lúcido. Conseguiu alcançar a sua varinha que caíra no chão e antes que a exaustão sugasse o resto de suas forças, com um último olhar de asco - ainda meio descrente de que conseguira matar Voldemort –, Harry vira uma mão prateada refulgir diante de seus olhos. E ele mergulhou na inconsciência.


****



Ele caminhara no escuro por muito tempo. Poderiam ser dias, meses ou até mesmo intermináveis eras. Não importava, era horripilante da mesma forma. Ele fizera o que tinha de ser feito, mas ainda assim a consciência de que ele fora responsável por uma morte o aterrorizava.

Isso não o tornava semelhante à Voldemort? Ou fora o destino que o colocara naquela posição?

Não importava.

Agora ele se sentia sozinho como nunca, como se houvesse algo de muito ruim dentro dele. Como se um monstro maligno rastejasse dentro de seu ser, devorando a sua integridade. Será que ele teria coragem de encarar os outros sabendo que tinha acabado com uma vida, mesmo que essa vida tenha amaldiçoado a paz de tantas outras pessoas?

“Harry!” - Uma voz o chamou, uma voz que ele seria capaz de reconhecer na balbúrdia de uma multidão. - “Harry, volte para nós!”

Harry se sentia impuro, indigno. Sentia que era melhor se trancar dentro de si mesmo e evitar que a sua presença contaminasse os outros.

“Harry, porque você não acorda?” – A voz indagara, e havia um misto de dor e mágoa em seu tom. - “Harry, volte para nós!”

Voltar? Ali, dentro de sua mente, ele se sentia mais tranqüilo. Não iria ferir ninguém. Era absurdo, mas era assim que ele se sentia. Não havia glória nenhuma em ter vencido o seu oponente, apenas o horror de sentir o hálito putrefeito da morte.

“Eu tenho medo” – Ele finalmente respondeu, sentindo apenas aquela gélida escuridão o envolver.

“Medo do que, Harry? Está tudo bem!”

“Eu não quero ferir vocês” – Sussurrou, sentindo suas mãos pegajosas. Era sangue em suas mãos, sangue que o contaminava. - “Eu não quero”

“Você nunca faria isso” – Harry sentira uma mão de toque quente acariciar o seu rosto, e o perfume de flores invadiu suas narinas, lhe dando aquela sensação de bem estar que há muito tempo estivera perdida. “Volte para nós, volte para mim”.

Aquilo era autêntico, a coisa mais verdadeira que existia em sua vida. O toque das mãos de Gina sempre traria essa sensação para ele, de que tudo o que eles viviam era real. Tudo o que ele fizera, todo o sacrifício era para não acabar com aquela frágil esperança de futuro que eles tinham.

“Harry, volte!"

Gina precisava e queria ter ele por perto. Ela conseguira encontrá-lo na escuridão de seus medos e o chamara de volta. Ele tinha prometido, não tinha? Não tinha prometido para si mesmo que voltaria para ela? Agora era a hora de cumprir a sua promessa.

Harry abriu os olhos lentamente, acostumando-se com a luz suave do sol que entrava pelos vitrais da Ala Hospitalar. Olhos castanhos o encararam em expectativa, enquanto ele tentava processar todas aquelas informações: ele estava a salvo e conseguira acabar com Voldemort.

Então ele vira o sorriso transformar o rosto de Gina.

Onde antes havia medo e incerteza, agora só existia uma expressão de puro alívio. A garota se inclinou sobre ele e envolveu o seu corpo em seus braços. O abraço era quente, reconfortante. O abraço com aroma de flores e calor de verão. O abraço que alguém recebe quando finalmente retorna ao seu lar. Porque agora ela era o seu lar, a certeza de que tudo aquilo tivera um propósito nobre.

Sentiu o seu rosto ser lavado pelas lágrimas dela e era como se aquilo o purificasse, fizesse deslizar e escoar tudo aquilo de negativo que ele sentira.

-Acabou Harry! - Gina sussurrou próximo ao seu ouvido, como se o embalasse. - Acabou!

-Gina... – Harry murmurou, a voz fraca e rouca.

-Shh, ‘tá tudo bem! – Ela garantiu, intensificando o abraço e Harry se permitiu apenas sentir o conforto de saber que aquela história realmente tivera um fim.

-Gina, ele foi embora, eu consegui! – Ele disse baixinho e somente agora uma onda de alívio o envolvera. – Eu consegui! Eu estou livre! – Ele balbuciava repetidamente, como se só assim fosse capaz de assimilar aquela verdade.

Gina se afastou um pouco e sorriu. Um riso meio choroso, como se aquela sensação de alívio que dominara Harry também fosse sentida por ela.

-Cadê o Rony e a Hermione? – Harry perguntou, notando a ausência dos amigos.

-Descansando na torre da grifinória...

E Gina contou tudo o que acontecera na batalha de Hogwarts, após Harry ter ido para Godric’s Hollow: como o ataque prosseguira, quem estava ferido, quem fora preso, quem tinha perecido. O rapaz não conseguiu conter a surpresa de saber que os centauros haviam se envolvido de certa forma na batalha, quando perseguiram os lobisomens na Floresta Proibida.

Ainda tendo os braços de Gina ao redor de seu corpo, era como se toda aquela história fosse apenas a recordação remota de uma história de terror ouvida muito tempo antes. Ou então um pesadelo que fora quase esquecido.

Então Gina se afastara do abraço de Harry, a expressão em seu rosto se tornando um tanto séria, enquanto ela mordia o lábio inferior.

-Eu ainda não acredito que você tenha praticamente obrigado o meu irmão e a Hermione a terem feito um Voto Perpétuo! – A garota disse, os olhos levemente arregalados. – Você pensou nos riscos disso?

-Eu não parei de pensar nisso, Gina! – Harry se apoiou nos travesseiros e ergueu o corpo, reclamando um pouco por ter ficado tanto tempo deitado e sentir suas costas doloridas. – Mas era necessário fazer isso. Eu sabia que vocês iriam cuidar uns dos outros, e com o Voto Perpétuo eu iria ter essa certeza! Eu precisava saber que vocês não iriam atrás de mim quando eu fosse procurar Voldemort!

Gina abriu a boca para retrucar, dizer que fora estupidez da parte dele ter agido daquela forma, mas um gesto do rapaz a calou.

-Eu arriscaria tudo pra deixar você em segurança. Tudo!

Havia muito que ser dito, havia muito que ser ouvido. Em breve a Ala Hospitalar seria invadida pelas pessoas que iriam querer saber o que tinha acontecido no duelo entre Harry e Voldemort, mas Gina Weasley não se importou com aquilo no momento. Tudo o que ela conseguiu fazer foi beijar Harry e garantir que todo o esforço dele nunca iria ser em vão.


****


Notas:

1-Espero que a prévia não tenha deixado vocês com muita raiva de mim. Eu só tinha a intenção de mostrar que estava viva e que não havia abandonado vocês (ahá, não vou me aposentar das fics tão cedo).

2-Até agora foi o capítulo mais difícil da fic, afinal de contas, foi a destruição do malvado Lorde das Trevas (Não descanse em paz, milorde). E a dificuldade estava em mostrar tudo o que eu tinha em mente, sem ficar forçado ou clichê. Sem contar que a proximidade do lançamento do último livro me deixou tensa. (e lembrem-se que isso é uma fanfic, que eu nunca tive a intenção de tentar superar a mestra JK Rowling e que sem dúvidas o duelo final dela será brilhante)

3-Qualquer semelhança não é mera coincidência. Eu me inspirei na fic “Harry Potter e o Último Horcrux” da minha mestra Sônia Sag para compor algumas cenas desse capítulo, inclusive sobre a destruição da taça de Helga Hufflepuff.

4-Acho que daqui pra frente vou conseguir postar com mais freqüência. Tudo bem que não vão ser capítulos semanais como no “o país das fadas”, mas também não vou ficar meses sem postar. E também aqui encerro os flashbacks da guerra. Não eram estritamente necessárias pro andamento da fic, mas eu achei que tinham pontas soltas que precisavam ser ajeitadas. Então daqui pra frente entraremos no mistério da fic, que eu estou ansiosa para desenvolver *risada malvada*.

5-E o mais importante de tudo: obrigadíssima pela paciência e carinho de vocês comigo. Sintam-se abraçados, beijados e afofados.

Até o próximo capítulo. o/

See ya!

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