Prólogo



Prólogo


“Visualize seu sonho
Grave-o no tempo presente
Coloque-o dentro de uma forma permanente
Se você persistir em seus esforços
Você pode conseguir o controle do sonho”
(Silent Lucidity - Queensryche)




Morrigan fala...


Aconteceu numa noite quente e abafada de verão. Como sempre ocorre nessa época, eu sentia sérias dificuldades em adormecer. O calor parecia penetrar em meu corpo com uma impetuosidade assustadora, enquanto eu me remexia insone em meio aos lençóis.

Tentava a todo custo conciliar o sono, sentia-me fatigada física e emocionalmente, mas parecia uma tarefa cada vez mais difícil. Desisti de insistir e apenas deixei minha mente vaguear livremente por entre meus pensamentos e, quem sabe assim, eu fosse capaz de me acalmar. Fechei os olhos e concentrei-me nas antigas lições que eu aprendera quando era apenas uma noviça na Casa das Moças e sonhava com o dia em que teria minha fronte marcada pelo beijo frio de Cerridwen, tornando-me a Sua Sacerdotisa.

Sentia falta daquela época, das experiências vividas, dos conhecimentos adquiridos. Mas era apenas um sentimento bom de algo que deixara para trás, de uma etapa que havia sido ultrapassada em minha vida.

Uma a uma, imagens de minha antiga vida foram surgindo em minha mente. No fundo, uma ponta de expectativa começou a iluminar o meu ser, tinha esperanças de rever Eriu. Sentia tanta falta de minha irmã, desejava tanto vê-la, abraçá-la e dizer o quanto a sua ausência era dolorida. Mas em nenhum momento fui capaz de vê-la nas imagens que atravessavam minha mente.

Mas o curioso era que não se tratava de lembranças ou memórias de coisas passadas. Eram apenas imagens dos ritos de Avalon, das belas paisagens de minha terra natal. Via os druidas e minhas irmãs Sacerdotisas em seus afazeres diários, parecendo livres e intocáveis das máculas do mundo onde hoje vivo. E então comecei a ter certeza de que não eram apenas imagens criadas pela minha mente saudosa, mas uma Visão enviada pelos deuses.

Gradativamente, fui perdendo a sensibilidade do meu corpo. Sentia os meus membros relaxando aos poucos, cedendo ao poder irresistível daquelas sensações únicas. Entreguei-me de vez, eu que achava que nunca mais seria capaz de ter a Visão, que não acreditava ser digna de tal dom. Mas a Deusa não é somente a Justiceira, mas é também Mãe, e sei que ela voltaria a me acolher em seu seio, dando-me novamente a dádiva de prosseguir com meu trabalho no mundo exterior.

Deixei todo e qualquer tipo de pensamento que pudesse me desconcentrar de lado, apenas permitindo que aquele poder me guiasse.

O meu espírito incorpóreo deslizava suavemente pela extensa trilha em espiral que levava ao Tor. Era a noite de Midsummer, o solstício de verão. A lua cheia brilhava envolvente sobre a ilha Sagrada, lançando raios luminosos sobre as trilhas e bosques como prata liquefeita. Ansiedade tomou conta de mim, estava de volta ao meu lar, mesmo que fosse apenas em espírito.

Ao longo da trilha, algumas Sacerdotisas desciam o caminho, altas e solenes, provavelmente teriam terminado de celebrar os ritos daquele sabbat. Mas o meu destino, para o meu pesar, não era as pedras circulares do Tor. Ah, como gostaria de poder sentir o poder ancestral daquele marco outra vez. Às vezes me pergunto se algum dia retornarei à Avalon. Mas isso... isso é um outro assunto, um assunto que devo deixar de lado por um tempo. Novamente afastei os pensamentos de minha mente. Não sabia quando voltaria a ter uma Visão tão forte e intensa quanto aquela, tinha que aproveitar e usufruir ao máximo aquele momento.

No momento seguinte eu prosseguia em minha “excursão” e cheguei a um dos locais que eu costumava temer enquanto criança: o poço sagrado. Eriu sorriu com indulgência, quando eu lhe disse isso pela primeira vez. Não sei ao certo, talvez fosse o mistério que rondava aquelas águas o que tanto me apavorava e fascinava. E agora eu estava ali novamente, serena e resignada, apenas desejando saber o que Cerridwen queria de mim.

Finalmente pude ver um rosto que me era familiar. Coroada como a Senhora de Avalon, Andrasta caminhava com o seu modo seguro, o queixo erguido numa posição orgulhosa que lhe dava uma aparência austera. Ela nunca me parecera tão velha como naquela noite. Talvez eu tenha estranhado vê-la daquela forma por ter visto Eriu desempenhar aquele mesmo cargo por mais da metade de minha vida. Entretanto, sei que Andrasta era uma das poucas que possuía poder e força suficientes para governar Avalon.

Atrás dela, guiada por Danna e mais outra Sacerdotisa que não fui capaz de reconhecer as feições, vinha uma jovem, que não pude precisar a idade. Mas tenho certeza de que não possuía mais do que doze anos. Caminhava insegura, o olhar assustadiço ao encarar as Sacerdotisas mais velhas. Não a culpo por isso, não tenho esse poder. Provavelmente se tratava de uma das noviças da Casa das Moças, que serviria de oráculo dos deuses naquela noite.

Aproximei-me do Poço, observando suas águas límpidas e imóveis. Vi que adiante uma leve fumaça azulada subia em espiral no ar, produzida pelo incenso de alguma erva sagrada que era queimada, certamente para abrir as portas à visão da noviça.

Como se eu fosse feita de ar, a jovem atravessou o meu corpo e também se aproximou do Poço, apoiando as suas mãos pequenas e bem feitas em sua borda. Por um momento achei que ela tivesse notado a minha presença de alguma forma, talvez ela fosse sensível demais para isso; mas foi apenas uma impressão minha. Logo ela voltava a encarar as águas mágicas e límpidas, lado a lado com o meu espírito.

-Olhe para a água fixamente e diga-me o que vês! – Espantei-me ao notar o quanto a voz de Andrasta soara cansada, nem parecia a mesma mulher de maneiras ríspidas que eu conhecera.

A noviça aquiescera ante a ordem da Senhora. Enquanto ela observava fixamente as águas do Poço, imitei o seu gesto, mas fui incapaz de enxergar algo além do reflexo distorcido da lua cheia.

E então, a jovem noviça parecia ter sido tomada pela irresistível força que rege o universo, pelos desígnios da Grande-Mãe que desde a criação deste mundo detém a sabedoria de todas as coisas. Da boca dela começaram a aflorar palavras proferidas cheias de posse, como se fosse ela a prever aquelas coisas:

-Em meio às estrelas, encontra-se a estrada que pode levar ao caminho perfeito dos deuses ou à perdição de seus pecados...

As outras Sacerdotisas trocaram um olhar rápido e incerto que não durou mais do que alguns poucos segundos, temendo uma represália de sua Senhora. Silêncio. Apenas o ruído suave do vento sobre a relva era ouvido.

-Criança, seja mais clara. Olhe para a água e apenas diga o que vês! – Novamente Andrasta ordenou.

E novamente a noviça começou a falar e um calafrio estranho atravessou-me.

-Já começou... – A jovem sussurrou. – Para cada sinal, uma morte marcará a sua passagem. Dor, medo, desespero... as trevas podem se misturar às brumas que nos protegem... – E agora sua voz parecia levemente apavorada. – Brumas e trevas... escuridão... Oh, Mãe, sinto tanto medo! O que será de nós?

E se houve algo mais na profecia da jovem noviça, eu não fui capaz de escutar. No momento seguinte estava em minha cama, suando frio como nunca e enroscada em meus lençóis. Sentia um verdadeiro pavor. O que queria dizer aquela Visão? Não só a minha, mas a que eu presenciara também. Mas estando afastada do poder que foi investido a mim quando entregara minha vida à Cerridwen, me achei incapaz de deduzir. Suspirei resignada, apesar de sentir uma pontinha de frustração.

Entretanto, apesar de saber que a possibilidade daquilo ser real era incerta, comecei a ter a certeza de que alguma coisa não estava indo bem...





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n/a: Bem, esse prólogo tava escrito há mais de dois meses e surgiu num momento de súbita inspiração. E por incrível que pareça eu gosto dele. (é, eu costumo ser bem chata com os meus escritos). Já deu pra notar que o ritmo dessa história vai ser um pouco diferente d’O país das fadas, vou levar mais pro lado do mistério. =D

*olhos arregalados* Só o preview dessa fic recebeu isso tudo de comentários? Por Merlin, eu não sei se agradeço ou se fico ainda mais ansiosa! Nem achei que tanta gente fosse passar por aqui. Obrigada mesmo pelos comentários, votos, emails, pelos desejos de boa sorte! É meio “emo”, mas isso significa MUITO para um autor.

Até o primeiro capítulo.
See ya!

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