Apenas um sonho ruim



Capítulo 2 – Apenas um sonho ruim

“No amanhecer do nosso tempo de vida
A esperança pode cobrir todos os gritos
A verdade se esconde de tocaia nas sombras
Os sonhos podiam estar repletos de mentiras
Breve haverá luz
A dor permanece por dentro”
(Harvest of sorrow – Blind Guardian)




O Astro-Rei ascendia magnificamente no céu, iluminando com sua luz dourada o místico bosque de carvalhos. Ele ainda era capaz de sentir o poder ancestral emanar daquelas pedras cinzentas, mas, de alguma forma, surgira em seu interior a estranha impressão de que algo estava total e completamente diferente.

Definir o que era estava longe de seu alcance, estava longe de sua capacidade de compreensão. Talvez fosse a nostalgia e a melancolia das lembranças daquele lugar que lhe trouxessem aquela estranha sensação de vazio.

Quantas vezes ele não a encontrara ali, serena e distante, a observar com sua postura grave e imperiosa os contornos daquele lugar livrarem-se das trevas da noite, enquanto a luz da aurora tingia com suas cores as belas paisagens de Avalon?

Sentia como se fosse um punhal de fogo a lhe dilacerar o coração a ausência de sua irmã da alma. Era a dor da saudade, a dor da impotência e da dúvida, por não saber que poder o privara da companhia de sua tão querida amiga.

Eriu se fora e com ela levara toda a paz de espírito que ele conseguira alcançar quando chegara na Ilha Sagrada. Ali, onde encontrara a serenidade que seu coração tanto ansiava, ali onde sentira o poder divino o embalar e curar as feridas de sua alma.

Mas agora tudo parecia estranhamente embaçado e sem cores. Morto e frígido como os campos estéreis no inverno.

Dagda, chefe dos Sacerdotes de Avalon, afastou os pensamentos de si com um suspiro pesado. A morte de Eriu lhe perturbava, mas ele sabia que a morte não era o fim de tudo. Seria desesperador pensar que alguns homens estavam fadados à uma existência infeliz, sendo que outros poderiam gozar de alegrias e prazeres plenos. Não, não era isso o que lhe incomodava no momento. Sabia que além dos domínios da morte, haveria algo reservado para os mortais.

O que o incomodava era a estranha agitação que parecia reverberar em cada canto daquele lugar, mesmo que a rotina de Avalon parecesse inalterada. O que quer que estivesse acontecendo, em breve acabaria por se manifestar. Não adiantaria nada sofrer por algo que ainda não acontecera e que ele nem sabia se iria acontecer.

Lançou um último olhar para as pedras acinzentadas do Tor e desceu o caminho processional. A luz do sol de verão parecia mais intensa naquela manhã, enquanto ele se encaminhava para a sua casa nas encostas do lago.

-Bom dia, meu pai! – Danna o saudou com um sorriso cansado no rosto, quando Dagda a encontrara sentada em frente à casa, trabalhando distraidamente na confecção de fio.

Alguns poucos anos em que ingressara nos Mistérios e Danna já não parecia a mesma jovem curiosa de antes. Estava mais séria, mais compenetrada em suas tarefas; carregando em seus gestos a gravidade que era digna de uma Sacerdotisa. Orgulhava-se de ver que sua única filha tinha tido um crescimento tão grande nos últimos anos, mas também não gostaria que ela fosse tão austera naquela idade. Ela era jovem demais ainda, tinha muito que viver e aprender antes de se portar daquela forma.

-Minha querida, pareces tão abatida! – O Sacerdote erguera uma das mãos e acariciara os longos cabelos castanhos da jovem, parecendo preocupado.

-Tenho dormido pouco nas últimas noites. – Danna explicou com suavidade, na tentativa de ocultar boa parte de sua fadiga.

-Você deveria falar com Andrasta para que ela não a deixasse tão sobrecarregada!

-Não estou me queixando, papai... – Danna tocou o braço do pai com carinho. – Tenho dormido pouco, porque fico até tarde acordada. A noviça que desempenhara o papel de oráculo na última lua cheia tem tido dificuldades para dormir e eu lhe faço companhia até que adormeça.

-Insônia? – Dagda arqueou as sobrancelhas, parecendo levemente descrente, mas resolveu não perguntar mais nada. Tendo criado Danna desde que ela era apenas um bebê, ele conhecia a filha melhor do que ninguém e sabia que ela estava lhe ocultando alguma coisa. – Talvez um chá de ervas ajude a trazer o sono.

-Talvez ajude! – Danna sorriu, como se quisesse encerrar aquela questão.

Pela Deusa, o que estava acontecendo, afinal de contas? O Sacerdote sentia-se cada vez mais confuso e perdido. Tudo lhe parecia tão diferente e estranho...

Fosse em outros tempos, não hesitaria em procurar pela Grã-Sacerdotisa e lhe confidenciar suas dúvidas. Mas Eriu não estaria lá. Nunca mais...

E novamente aquele sentimento de perda lhe apertou o coração. Teria que aprender a conviver com as mudanças. A vida era assim, mutável como a paisagem que se modificava lentamente a cada dia, mesmo que parecesse a mesma coisa.

Com a expressão apreensiva e distante, mal notou quando Danna se afastara em direção à Casa das Moças, para tratar de suas tarefas como Sacerdotisa. O seu olhar pousou numa figura solitária sentada à margem do lago, que trazia nas mãos uma pequena harpa feita em madeira tosca.

Sem saber o real motivo, aproximou-se com passos lentos de onde o vulto estava. O Som de notas soltas e tristes ecoava no ar, mal chegando a formar um acorde. A melodia lembrava os suspiros melancólicos de alguém que sente o coração sufocado em busca de alívio. Como lágrimas cristalinas que deslizam sem curso, sem nunca encontrar o seu destino.

-Agatha! – O Sacerdote sorriu com brandura para a garota. – Como vai?

O rostinho magro estava quase escondido pelas mechas do longo cabelo castanho. Para uma criança de doze anos, ela crescera muito pouco nos últimos meses, ainda conservava traços infantis, apesar da maneira precocemente séria de falar e agir. Com um sorriso que tencionava ser simpático, ela respondeu a saudação como convinha, voltando a sua atenção para as cordas da harpa e suas notas harmônicas.

Algo vinha perturbando as Sacerdotisas nos últimos dias, Dagda notara isso somente em observar o comportamento introspectivo de Danna. Andrasta não confiava o suficiente nele para dividir alguma possível insegurança. E só de ver o ar desamparado da jovem noviça...

-Você tem tido dificuldades para dormir, não tem, Agatha?

A garota arregalou os olhos levemente, fechando o cenho em seguida. Os dedos curtos dedilhavam as cordas da harpa com mais força, enquanto ela tentava evitar o olhar sagaz do Sacerdote.

-Não é comum uma criança da sua idade ter insônia. – Dagda ponderou, sério. – O que tem perturbado o seu sono, pequenina?

Agatha era a mais jovem das noviças na Casa das Moças. Começara no início daquele ano os estudos que a tornariam Sacerdotisa e já na celebração do solstício de verão fora levada até o Poço Sagrado para encontrar alguma mensagem ou resposta em suas águas mágicas. Sendo tão jovem ainda, julgou-se incapaz de atender com eficiência as ordens da Senhora de Avalon. Lembrava-se do ar místico daquela noite, da expressão grave e solene das Sacerdotisas mais velhas, do olhar sisudo da Grã-Sacerdotisa...

E mais nada.

Névoas e sombras flutuavam em sua memória, quando tentava se recordar do que acontecera quando estava na borda do Poço Sagrado. Mas não sabia realmente se ou o que vira. Estava inquieta e frustrada, fechando-se mais ainda em seu próprio mundinho particular.

-Pesadelos! – Respondeu com um sussurro. – Danna diz que não devo me preocupar com eles por enquanto, que são apenas sonhos ruins...

-E desde quando os pesadelos acontecem?

Notando que talvez fosse obter alguma resposta de Agatha, o Sacerdote sentara-se ao lado da garotinha, procurando manter os olhos na mesma altura dos dela. Olhadas do alto, crianças costumam se deixar intimidar. E tudo o que aquela garota não precisava era aquilo.

-Desde a noite de Midsummer! – Ela respondeu, sua voz ficando um pouco mais forte e segura. – Não me lembro exatamente o que aconteceu naquela noite, mas depois disso tenho tido sonhos ruins. Muito ruins.

-Que tipo de sonhos?

-Eu não sei direito... – Variando entre frustrada e irritada, ela afastou a franja dos olhos. Dagda se surpreendeu ao notar o quanto a garota parecia pálida e que olheiras arroxeadas marcavam os seus olhos castanhos. – Eu apenas me lembro de ter visto um vulto no meio das brumas e... as coisas começaram a escurecer...

-Um vulto... – Dagda murmurou. – um vulto no meio das brumas...?

Falando assim, à luz do dia, isso não parece ser tão impressionante. Mas Dagda pensava que para uma criança que estava sofrendo exigências demais no preparo de Sacerdotisa, um sonho obscuro como esse pode ser terrificante.

-Um vulto! – Ela confirmou, parecendo mais aliviada em dividir isso com Dagda. Por mais que ele fosse o chefe dos Sacerdotes e um dos druidas mais respeitados de Avalon, gostava e confiava naquele homem, porque ele era um dos poucos que lhe dedicava alguma atenção e não a tratava como se fosse apenas uma criancinha tola ou um objeto que pode ser usado e descartado com a mesma rapidez. – Eu tenho medo de olhar para o vulto, ele me assusta. Me dá arrepios. E eu não quero encarar ele, porque não quero que ele me veja.

E achando que tinha falado demais, Agatha voltou a calar-se, direcionando sua atenção à harpa que jazia em seu colo.

Um vulto no meio das brumas... Talvez não fosse nada demais. Agatha poderia estar ansiosa e temerosa com a perspectiva de saber que em alguns anos estaria ingressando nos Mistérios mais profundos da Magia e direcionasse as suas inseguranças em pesadelos. Poderia ser isso. Ou talvez não.

E aquela breve suspeita de que as coisas poderiam estar interligadas, sumiu da mente de Dagda com certa relutância, mas sem deixar que ele se preocupasse com o que andava inquietando as Sacerdotisas da Ilha Sagrada.


****



Os estudantes que estavam em Hogwarts não eram muitos. Mesmo sabendo que Lord Voldemort não havia investido novamente contra a escola, muitos pais não permitiram que seus filhos voltassem a estudar, principalmente os que tinham filhos mais jovens. Não havia como mantê-los seguros dentro de sua própria casa, mas ao menos estariam juntos. Aquele era um pensamento um tanto pessimista, mas qual mãe teria coragem de se afastar de seus filhos naquele momento, longe de seu olhar e abraço protetor?

Poucos pais confiaram no poder e segurança daqueles centenários muros.

Aqueles poucos alunos que permaneciam sob a guarda de Hogwarts, estavam seguros nas masmorras, onde seria mais difícil encontrá-los. Os coordenadores das Casas permaneciam com eles, para lhes garantir segurança. Membros da Ordem da Fênix patrulhavam os corredores, atentos, tentando captar qualquer sinal de perigo, enquanto alguns alunos insistentes, ex-integrantes da extinta Armada de Dumbledore, postavam-se nas torres do castelo para manter vigilância.

A possibilidade de não só enfrentar Voldemort naquela noite, mas também de destruir Nagini – a única horcrux que faltava, além do fragmento de alma que ainda habitava o corpo do Lorde Negro – preocupava Harry. Mas a apreensão de saber que as pessoas que amava também enfrentariam perigos e que ele não sabia se elas sobreviveriam, de que ele talvez não fosse estar presente para protegê-las, era quase sufocante.

Ele e Rony estavam na torre de Astronomia, de onde eram capazes de ter uma boa observação dos terrenos de Hogwarts. Aquele lugar causava arrepios em Harry e lembranças perturbadoras lhe voltavam à memória. Não gostava de estar ali, não queria estar ali; mas a visão privilegiada que tinha daquele lugar era muito útil e poderia fazer a diferença naquela noite.

O silêncio era angustiante para Harry. Exceto pelo ruído de sua própria respiração e ocasionalmente algum resmungo de Rony, não havia nenhum outro tipo de som. E aquela inquietação por saber que algo estava para acontecer era de enlouquecer.

-Harry?! – Rony se voltou para o amigo. Cada músculo de seu rosto estava tenso, enquanto ele estreitava os olhos, tentando enxergar alguma coisa na escuridão aveludada daquela noite de outono. – Será que eles vão atacar nessa noite mesmo?

Era pavoroso aquele estado de sítio, sem saber onde, quando e como começaria o ataque. Expectativa, ansiedade e insegurança. Tudo isso unido, dava uma vantagem poderosa à Voldemort.

“Aterrorize os seus inimigos e depois ataque”

Sempre funcionava.

Harry suspirou, parecendo cansado. Até então ninguém o havia contestado, mas será que todos acreditavam que a sua suposição estava correta e que Voldemort juntamente com seus comensais iriam atacar naquela noite? Nunca tivera tanta certeza de nada em sua vida, como tinha naquela noite.

Estava perto, muito perto...

Em resposta à dúvida de Rony, um uivo medonho quebrou o silêncio daquela noite gélida. Harry sentiu os pêlos de sua nuca se arrepiar e teve certeza de que Rony também ouvira aquilo. Como um eco sinistro, outros uivos atenderam àquele chamado rouco e gutural.

-Lobisomens! – Harry concluiu, segurando a varinha com mais firmeza em sua mão direita.

A possibilidade de enfrentar um lobisomem transformado era inquietante, mas saber que havia uma matilha inteira à espreita, aguardando o momento onde tudo o que poderiam obedecer eram os seus instintos de morder, arranhar, ferir e matar, não era nada animador.

Rony arregalou levemente os olhos e engoliu em seco:

-Nunca mais eu duvido de você, cara!

-Bem que eu gostaria de estar enganado! – Harry respondeu sombriamente, direcionando o seu olhar para a Floresta Proibida, de onde os uivos vinham.

Todos sabem que lobisomens transformados não têm controle algum sobre o seu lado racional. Hogwarts era uma fortaleza mágica protegida por encantamentos antigos e poderosos, que simplesmente não iria sucumbir aos uivos daquelas feras bestiais. Era necessário muito mais do que isso para fazer a escola de magia cair. Lord Voldemort sabia isso. E se prevenira, certamente.

Os uivos somente antecederam o frio do desespero. Enfraquecer o inimigo com suas piores lembranças, mergulhá-los num mar de infinita tristeza e desolação. Não era à toa que Azkaban fora uma fortaleza segura e inexpugnável por tanto tempo. Estar em poder daquelas criaturas minava qualquer sentimento positivo que pudesse existir, deixando apenas a loucura, a desesperança e uma eterna fraqueza, afetando diretamente a clareza do raciocínio e poder mágico.

E foi através dos dementadores que o ataque à Hogwarts começou.

Voldemort era um excelente estrategista. Os seus comensais não iriam gastar a sua energia à toa tentando desfazer os encantamentos de proteção do castelo, enquanto os seus oponentes estivessem fortes e lúcidos o suficiente para rechaçar a esse tipo de ataque.

Harry nunca vira tantos dementadores juntos em sua vida. Numerosos, malignos e impiedosos, mantê-los longe do castelo seria difícil. Imediatamente ele e o amigo saíram da torre de astronomia e encaminharam-se para o saguão do castelo, onde a necessidade de ajuda se fazia mais urgente.

Enquanto descia as escadas que davam para o saguão do castelo, Harry observou com clara admiração McGonagall reforçar um escudo mágico nos jardins e que impediria o avanço imediato dos lobisomens. Tonks e Moody exibiam expressões compenetradas e determinadas, enquanto tentavam conjurar novas barreiras para trancar as portas de carvalho do castelo.

A dor excruciante que perseguia Harry nas últimas horas cresceu em intensidade. Sua vista turvou e as luzes bruxuleantes dos archotes pareciam dançar à sua frente, enquanto se apoiava no corrimão da escadaria. Instantaneamente elevou a mão até sua fronte, exatamente no lugar onde carregava sua tão famosa cicatriz.

Estava perto, muito perto...

Notando que Harry parara no meio das escadarias, Rony subiu alguns degraus, o olhar preocupado e ansioso estudando atentamente o amigo:

-Está doendo? “Ele” está por perto, não é?

Harry aquiesceu, segurando a cabeça entre as mãos com tanta força, como se assim fosse ser capaz de aliviar aquela agonia.

-A Mione e a Gina, onde estão? – Forçando sua voz, Harry perguntou.

-Elas ficaram de observar da torre da grifinória, mas do jeito que aquelas duas são teimosas, devem estar vindo pra cá!

-Pela primeira vez na vida você acertou alguma coisa, irmãozinho! – Gina respondeu com vivacidade, descendo os degraus da escadaria tão rápido, que seus pés mal tocavam o piso.

Hermione vinha logo atrás, a expressão variando entre determinação e zelo ao ver Harry aparentemente atordoado e exibindo uma palidez doentia.

Por mais que o “eleito” tivesse poderes excepcionais - alguns destes adquiridos durante sua busca pelas horcruxes - e habilidades natas de alguém que tinha responsabilidades demais, não estava em suas mãos impedir que as pessoas que lhe eram mais caras na vida se resguardassem. Ele não tinha o poder de interferir nas escolhas deles. Se pudesse, estuporaria Gina, Rony e Hermione, e os deixaria num lugar seguro e à salvo.

Mas ele simplesmente não podia.

-Eu não vou conseguir sustentar o escudo por mais tempo! – McGonagall anunciou, parecendo cansada, mas sem perder a postura enérgica.

Um coro de vozes proferiu o mesmo feitiço em perfeita sincronia (“bombarda”) do lado de fora e as portas do saguão, assim como o escudo de McGonagall vacilaram.

Os bruxos em desvantagem no interior da construção tentavam afastá-los e por um tempo conseguiram, mas a influência doentia dos dementadores agia sobre todos, mesmo que não quisessem dar mostras de cansaço e abatimento. Logo os patronos conjurados para afastar os dementadores começaram a perder força tornando-se cada vez mais translúcidos.

E enquanto os membros da Ordem da Fênix se mantiveram ocupados em afastar os dementadores, deram tempo suficiente para que alguns comensais conseguissem abrir uma brecha na proteção mágica que fora erguida.

Investidas foram se sucedendo até que as pesadas portas do castelo cederam e abriram de chofre. As feras se aproximaram, aspirando o ar, salivando com a perspectiva de encontrar sangue fresco em breve. Os lobisomens rosnavam entre si, ansiosos com a expectativa de se deliciarem...

Deixando que as feras sanguinárias avançassem primeiro, os Comensais da Morte não pareciam ter pressa em atacar. Pareciam deleitar-se com a situação, ao ver que a resistência que lhes era feita logo sucumbiria. Apenas observavam, com suas risadas debochadas por detrás de suas máscaras, aguardando a chegada de seu mestre. O senhor dos fantoches, que com seus títeres comandava tudo. Em suas mãos, Voldemort detinha o controle daquele exército das trevas e era como se através de sua vontade e obsessão, fosse capaz de incitá-los mais ainda à violência.

Mas até aquele momento, não havia sinal de Voldemort.

-Precisamos tirá-los do castelo! – Hermione disse com urgência, juntando-se aos bruxos que tentavam proteger Hogwarts.

Hogwarts em sítio, aparentemente dominada e indefesa. Não havia mais Dumbledore. O exército das trevas fora cuidadosamente montado e organizado.

Analisando a situação friamente, era praticamente impossível acreditar numa milagrosa solução.

Por alguma razão, o reforço dos aurores que deveria estar chegando não veio. Alunos e ex-alunos, professores e membros da Ordem da Fênix... todos que tinham preparação suficiente para se envolver num duelo se prontificaram a ajudar.

Mas nada disso parecia ser suficiente.

Tendo vários anos de experiência como Auror e membro da Ordem da Fênix, Alastor Moody assumiu o comando. Instruiu os bruxos “do bem” a manter a batalha nos jardins da escola e impedir que esta invadisse o castelo. Uma vez dentro da construção, seria mais difícil combatê-los.

E as coisas aconteciam para Harry como se ele estivesse em um sonho. Ou num pesadelo. Não conseguia pensar com clareza, apenas deixava os seus instintos o guiarem. Era por sua própria sobrevivência que lutava. Sabia que estava em suas mãos o destino de todas aquelas pessoas, que estava em suas mãos a liberdade de todos eles.

Os dementadores se aproximaram novamente e ao longe, Harry viu com certo horror uma daquelas criaturas segurar quase gentilmente o rosto de Luna Lovegood para lhe aplicar o beijo fatal que lhe sugaria a alma. Quando ia conjurar o seu patrono para proteger a colega, viu um enorme e imponente leão prateado derrapar na frente da loirinha e patear ameaçadoramente o chão, impedindo que os dementadores se aproximassem dela.

Com surpresa, viu que o patrono pertencia à Gina, que sem se abalar, duelava com uma fúria exaltada com um comensal encapuzado.

No entanto, nenhum dos aliados de Voldemort, fossem lobisomens, comensais ou dementadores, ousavam se aproximar de Harry. Era curioso, mas fazia sentido. Claro que o Lorde das Trevas iria querer cuidar pessoalmente do “eleito”.

O momento estava chegando, mas Harry não iria esperar mais. Tirando um velho tinteiro que encontrara numa sala de aula vazia enquanto vigiava a escola, de dentro das vestes, apontou a sua varinha para este. O objeto tremeu levemente em sua mão, enquanto era envolvido por uma luz azul. Antes de acionar a chave de portal que conjurara, deu uma última espiada ao redor: em Rony e Mione, incansáveis, usando sua determinação, perspicácia e inteligência para ajudá-lo; nos membros da Ordem da Fênix, que de forma alguma tentavam perder as esperanças. E antes que a sensação desagradável de ser puxado pelo umbigo o arrastasse dali, seus olhos pousaram em Gina Weasley.

Coisas demais congestionavam o seu cérebro, mas ele já tinha traçado o que fazer exatamente naquela noite. Sabia o que deveria acontecer. Sabia o que queria que acontecesse. Era tudo uma questão de confiar naquilo que ele sabia ser o seu único trunfo.

E, também, contar com a sorte.



****



Sentimentos costumam ser inexplicáveis. Podem surgir de maneira arrebatadora, num simples olhar trocado, ou então após anos de pacífica convivência. Se alguém perguntasse a Harry Potter a razão para que amasse Gina Weasley, ele não saberia explicar com precisão. Mas, de alguma forma, ele tinha a impressão de que aquele fascinante sentimento fora plantado em seu coração desde a primeira vez que a vira e foi se enraizando tão profundamente, até que todo aquele desejo, fogo e paixão surgissem de maneira tão inesperada.

Repentino, sim, mas também absolutamente certo.

Observando ela agora, parecendo tão tranqüila e despreocupada enquanto conversava com Hermione, era difícil acreditar o quanto era incrível que tudo estivesse tão bem, que agora eles estavam juntos sem ter aquela angústia de saber que não seriam capazes de pousar a cabeça no travesseiro com tranqüilidade diante da incerteza da guerra.

Harry sorriu e desencostou-se do umbral da porta da sala. Desde que voltara ao país, estava hospedado na Toca, porque Molly Weasley simplesmente não consentia em ver o rapaz longe de suas vistas enquanto ele não tivesse mobiliado uma casa decentemente para morar. E ele sinceramente gostava de toda aquela preocupação excessiva com ele, além de que não era nada desagradável estar de volta à casa do melhor amigo e da namorada.

Era quase como reviver os verões passados onde ele disputava longas partidas de xadrez de bruxo com Rony ou então jogando quadribol com os irmãos Weasley, no pequeno prado que ficava na propriedade da família.

Harry entrou na apertada cozinha da casa e encontrou uma atarefada Molly terminando de preparar o jantar. Mas era visível o seu estado de satisfação em ter quase todos os seus filhos por perto, todos estando vivos e saudáveis. Exceto Percy - que por mais que não estivesse brigado com os pais, preferia se manter mais afastado deles, talvez por causa da divergência de opiniões entre ele e os demais Weasley - e Gui, que estava na França com a esposa Fleur e sua filhinha de apenas seis meses de idade para visitar a família Delacour, todos os Weasley’s estavam na Toca.

-Precisa de alguma coisa, querido? – Molly perguntou gentilmente, colocando uma travessa de ensopado sobre a mesa. – Eu já vou servir o jantar...

-Não, eu estou bem!

Molly secou as mãos úmidas no avental florido que usava e olhou atentamente para o rapaz que se sentava à mesa da cozinha.

-Você não faz idéia do quanto me sinto aliviada em ter você aqui, Harry! – A Sra. Weasley sorriu com carinho, os olhos um pouco brilhantes. – Durante aquele tempo em que você esteve ausente eu senti a mesma angustia da minha Gina, sabe... e não era só por causa daquela história de “eleito”, mas porque eu me lembrava do garotinho solitário em King’s Cross... e eu me preocupava em saber se ele estava bem, se estava saudável...

Harry sentiu um comichão engraçado na garganta, lembrando-se que aquela mulher lhe dedicara o mesmo carinho que dava para os filhos, sempre se importando com o seu bem estar. E às vezes parecendo até mesmo um pouco excessiva no seu zelo, a ponto de travar acaloradas discussões com seu padrinho, Sirius Black, a respeito da segurança dele e do quanto ele deveria se envolver nos assuntos da Ordem da Fênix.

-É bom ter você de volta, querido!

-E é bom estar de volta, Sra. Weasley! – Sem saber como reagir àquela demonstração tão sincera de afeto, Harry ficou feliz quando ouviu passos se aproximarem da cozinha e Hermione entrando com os demais Weasley.

-Ahhh, mas é só eu me distrair um pouquinho para o Harry sumir das minhas vistas? – Gina colocou as mãos nos quadris, tentando parecer ameaçadora. – Sinto muito, dona Molly, mas o Harry é dessa ruiva que vos fala.

Harry corou de leve quando a cozinha da Toca se encheu com as gargalhadas dos gêmeos e Rony.

-O Harry nem ousaria fazer uma coisa dessas, afinal, ele já roubou a nossa irmãzinha! – Fred disse.

-A Gina, tudo bem, mas roubar a nossa mãe é inconcebível! – George concluiu, dando um tapinha no bolso da jaqueta, onde provavelmente a sua varinha estaria guardada. – A não ser que ele queira enfrentar todos os Weasley juntos.

-E eu já vou avisando, companheiro, que derrubar o Carlinhos não vai ser nenhuma moleza. – Rony disse, sentando-se à mesa e servindo-se de uma porção generosa da maravilhosa comida da Sra. Weasley.

-Meninos, por favor... – A Sra. Weasley sorriu sem jeito.

-Eu ouvi alguém falar de mim? – Carlinhos entrou na cozinha, acompanhado do Sr. Weasley.

-Não é nada, querido, sente-se para jantar!

O clima na Toca parecia ainda mais caloroso do que Harry se lembrava. Era como se após a queda de Voldemort, todos estivessem dispostos a apagar a sombra daqueles tempos funestos e recomeçar uma vida. Claro que a guerra havia deixado suas marcas, cicatrizes mais profundas e ocultas do que aquela que Harry iria trazer em sua fronte até o último de seus dias... Mas a vontade de reconstruir e melhorar o mundo mágico superava tudo. E por ora, isso bastava.

-O Rony comentou de como foram os dias que vocês passaram na casa dos Granger – O Sr. Weasley se voltou para Hermione, trazendo aquele velho brilho de empolgação no olhar de quando se tratava de algum costume ou artefato trouxa. – e ele falou de um objeto bem fascinante... como é mesmo o nome, Ronald? Tevelisão... ou algo assim...

-É televisão, Sr. Weasley! – Hermione explicou, sem conseguir conter uma risadinha. – O Rony achou que as pessoas ficavam presas dentro do aparelho como se fosse magia...

-Como é que eu ia saber que tinha cabos e antenas e mais um monte de coisas estranhas pra fazer aquele treco funcionar? – Rony resmungou para Harry. – Sem falar no tal “combutador”...

-Computador, Rony! – Harry riu da expressão quase cômica do amigo. – O meu primo trouxa tinha um, mas eu nem podia sonhar em chegar perto daquilo.

-E eu nem acho que a televisão seja tão fascinante assim. – Hermione ponderou. – Quer dizer, você pode conhecer o mundo todo assim, sem sair de casa... e dependendo do canal dá pra aprender bastante coisa, se manter informado... Mas tem gente que fica mais burra por causa disso. Parece até que tem preguiça de pensar, só absorvendo informação e sem dar uso a isso...

-Mas eu ainda acho que deve ter alguma coisa de magia naqueles aparelhos! – Rony cortou Hermione, prevendo que ela iria se empolgar e defender apaixonadamente o hábito da leitura. Era a mesma coisa quando se tratava do direito de liberdade dos elfos domésticos. – Uma caixa mágica só para trouxas.

-E não é? – Carlinho perguntou, parecendo muito interessado na “caixa mágica” dos trouxas. – Como é que eles conseguem deixar todas aquelas pessoas trancadas lá dentro? Só pode ser magia, ora.

-Caixa mágica, hã? – George deu um cutucão no seu irmão gêmeo, os olhos brilhando de tal forma que só poderia indicar que ele estava para ter uma idéia. – É uma idéia a ser considerada, não é, Fred?

-Pelas barbas de Merlin, será que vocês não podem esquecer aquela loja por uma única noite? – Molly exasperou-se, parecendo incrédula que o assunto do jantar fosse aquelas “trouxices”.

-Fica calma, mamãe, que nem todas as nossas idéias são pra loja! – Fred comentou, dando um sorrisinho maroto.

-Mas eles também têm radio, não tem? – Arthur indagou. - E nós também temos e eles funcionam com magia!

-Gente, trouxas não podem fazer magia! – Hermione explicou, buscando apoio em Harry, que parecia se divertir com a empolgação dos ruivos.

Hermione estava no meio da sua explicação sobre a tecnologia moderna (“Não, Sr. Weasley, esse aparelho não é uma espécie de penseira”), quando uma pisada no seu pé desviou a atenção de Harry para o sorriso de Gina, como se lhe dissesse “eles não tem jeito”.

Animados em sua discussão sobre o tal “combutador” e divertindo-se com o ar indignado de Molly, os demais Weasley’s não se deram conta dos olhares trocados entre Harry e Gina. Era uma muda conversa particular, que não precisava de mais nada para lhes trazer segurança e entendimento.

E se em algum momento a sombra das antigas batalhas sufocava o seu peito com aquela sensação de imundície, nublando o seu olhar; Harry tratava de tentar afastar esses pensamentos de si, como se fosse apenas a lembrança de um sonho ruim que seria apagado com os primeiros raios de sol do dia.



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N/A: bem, em primeiro lugar um feliz ano novo atrasado para todos. Devido a diversos “contratempos”, eu tive dificuldades em atualizar. Desculpe mesmo. Como já tenho um trecho do próximo capítulo escrito, espero não demorar tanto. ;-)

1-Sobre o patrono da Gina: eu não vi em lugar nenhum se ela tinha um patrono e se tivesse, qual seria a forma que ele assumiria. Rondam teorias internet afora de que os Weasley seriam descendentes de Gryffindor. Eu gosto bastante dessa teoria, mas não seria capaz de trabalhá-la na minha fic. Portanto, o patrono dela em forma de leão foi um modo de fazer essa referência.

2-Bom, a noviça que teve a tal visão que aparece no prólogo da fic é a Agatha, que apareceu muito pouco n’O País das Fadas. (aliás, aguardo as supostas teorias a respeito dessa tal “visão”)

3-hm, eu não fiquei totalmente satisfeita com o meu flashback sobre a guerra, não sou tão competente em cenas de ação quanto à Sônia Sag e a Sally Owens, mas eu nem podia dar detalhes demais e nem podia deixar certas coisas sem explicação.

4-A comunidade do orkut está entregue as moscas. Pleeease, dêem uma passadinha por lá de vez em quando, ok?

5-E como é muito provável que eu não poste o próximo capítulo ainda nessa semana, dedico ele ao meu beta André Ariévilo, que fará aniversário nessa semana. =D
Aliás, foi ele que fez essa capa linda pra fic. Obrigada!


E obrigada a todos pelos comentários, votos e afins. =D

See ya!

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