A descoberta



Capítulo VIII

Ninguém, nem mesmo o próprio Tom Riddle poderia descrever detalhadamente o sentimento que o apossara quando descobriu, ainda em seu primeiro ano, que era o Herdeiro de Slytherin.
Sendo estudioso e leitor voraz de qualquer livro que lhe caísse nas mãos, o garoto Riddle soube imediatamente o que aquilo significava. Sabia que apesar de ser mestiço, e conseqüentemente julgado e resumido a “sangue-ruim” por alguns colegas, vinha de uma antiga e nobre linhagem bruxa por parte de mãe. Na verdade, não conseguiu achar mais nada a respeito dos Gaunt, mas apesar de não leva-lo no nome, podia usar seu “título” como forma de compensar suas origens mestiças. Como se ser descendente de um Gaunt o tornasse membro de uma raça tão superior que compensasse qualquer tipo de “sujeira” no seu sangue. E de certa forma, Tom Riddle podia ser grato às suas origens pobres e mestiças. O garoto descobriu que isso causava uma imediata empatia nas pessoas à sua volta. Ou melhor, nas pessoas em volta que realmente importavam. Porque ele também rapidamente descobriu que só o que sentia pelos seus colegas era completo desprezo e que Hogwarts estava recheada de pretensos “bruxos da luz” que chamavam de magia seus ridículos movimentos e palavras em latim e suas ridículas poções.
Mas Tom também sabia que tais bruxos “da luz” eram, por enquanto, os que comandavam. A menos, é claro, que Grindewald, o famoso bruxo das trevas, conseguisse concretizar seus planos.
Mas é certo que as intenções de Grindewald não eram más. Havia um trouxa também, que pretendia purificar a raça, Tom sabia. E era esse o ideal da Câmara Secreta, como “Hogwarts – Uma história” bem havia dito. E segundo o livro, sua missão como Herdeiro de Slytherin seria purificar Hogwarts daqueles que fossem indignos de estudar Magia.
Uma vez constatado esse fato, Tom Riddle dedicou-se totalmente a achar a entrada da Câmara Secreta, decidido a expurgar Hogwarts de toda a escória trouxa.
Obviamente escondeu esse fato de todos, até mesmo de seus colegas.
Mas apenas três anos depois, ainda em seu quarto ano, Tom Riddle era como o Sol, e seu sistema solar de admiradores girando ao redor.
Ele progredira imensamente como aluno e como bruxo, usando todo seu tempo livre para estudar tudo que pudesse sobre qualquer assunto referente à Magia.
Também aproveitava suas aulas aos sábados no clube do Slug (como assim os alunos o chamavam, embora Slughorn preferisse a continuar chamando-o de clube de duelos) para aprender tudo que não estava nos livros da biblioteca.
E também continuou, secretamente, seu treino em Legilimancia, ainda que o professor só tivesse lhes dado uma noção básica da coisa.
Ao mesmo tempo, os professores o idolatravam. Tom chamava atenção pela sua inteligência, maturidade, bom comportamento, popularidade, e até mesmo por sua notória beleza física. Era querido e invejado por muitos.

As garotas também caíam aos seus pés, e Tom só tinha o trabalho de escolher a que mais lhe agradasse, para depois descarta-las.
Contava ainda com um fiel grupo de “amigos”, que fariam qualquer coisa por um naco da atenção de Tom, como se se agrupando ao redor do rapaz pudessem absorver um pouco de todo aquela inteligência e poder que pudesse transbordar.
Mas Tom não era feliz.


Não sabia exatamente o porquê.



[...]


Setembro chegava mais uma vez e com ele o fim do verão e das férias. Tom Riddle observava o pôr do sol do último dia de agosto pela vidraça suja da pequena janela de seu quarto solitário no Orfanato Santa Edwiges, que coloria o céu de um tom ímpar de laranja mesclado a rosa. O rapaz alto de cabelos muito escuros e bonitos olhos verdes pensou que aquilo era a única coisa bonita que ele já presenciara em toda a sua vida no orfanato.
Não tinha sido fácil mentir para aqueles trouxas durante tantos anos. Se bem que só voltasse ali uma vez por ano, nas férias de verão, quando não lhe era permitido permanecer no castelo.
Para a Sra.Cole ele dissera que a escola tinha sido freqüentada por todas as gerações de Riddle (afirmar isso lhe doera no fundo da alma), e que estivera inscrito desde nascer.
Para os colegas do orfanato ele não dissera nada, afinal não devia satisfações da sua vida a ninguém.
E mantivera seu material todo escondido no armário (que obtivera autorização para enfeitiçar de modo que ele só abrisse ao som de usa voz) e camuflado em baixo da cama.
Não era nem um pouco divertido permanecer naquele orfanato infecto tendo de agüentar aquela horda de trouxas, quando sua mão formigava para puxar sua varinha e explodir a todos ali. Seus pensamentos foram interrompidos subitamente pelo som de um sino que anunciava hora do jantar e os gritos da diretora. Suspirando irritado, desceu as escadas que o levavam ao refeitório.
Era uma grande sala com três grandes mesas granito sujo, mal iluminada, quente e ruidosa.
As panelas eram dispostas horizontalmente no balcão que dava para a cozinha e Tom se lembrou mais uma vez de como a comida dali era ruim, e não pôde evitar uma cruel comparação com Hogwarts.
Tom era mais uma vez o último a entrar e sentou-se na última mesa com aqueles que foram seus colegas antes de ser chamado para Hogwarts. Ainda era possível reconhecer Amanda e Dennis, aqueles a quem ele tinha levado para a fenda no rochedo no dia do passeio, a quase cinco anos. Dennis tinha ficado terrivelmente marcado pelas intensas feridas de catapora, assim como Billy Stubbs. Mas Amanda tinha se tornado uma bela moça, Tom teve de admitir. Um tanto franzina pela falta de cuidados e alimentação adequada no orfanato (ainda que eles nunca tivessem passado fome ou qualquer tipo de necessidade), mas tinha belas e delicadas feições, um cabelo comprido e louro até a cintura que caia em delicadas ondas e grandes olhos azuis.
Riddle olhava para a garota disfarçadamente por cima de seu prato de sopa. Ela não pareceu notar; continuou entretida em sua conversa com Billy Stubbs. Então algo fino e duro atingiu suas costelas e Tom virou-se, e percebeu que Dennis dava significativas cotoveladas em suas costelas e ria.
“Ela é mesmo bonita, não é?” – Perguntou Dennis, indicando Amanda com a cabeça.
“Quem?” – Perguntou Tom, fazendo-se de desentendido.
“Amandinha Bishop, ora...”
Tom não respondeu. Billy continuou dando risadinhas.
O Jantar finalmente terminou, e Tom foi dormir, pois teria que acordar cedo.
[...]
Tom Riddle foi o primeiro do orfanato a acordar, junto com o nascer do sol. Vestiu-se e saiu carregando seu pesado malão pela rua até O Caldeirão Furado, onde teria assuntos a tratar na Travessa do Tranco.
Chegando na estalagem, cumprimentou o dono do lugar, que lhe respondeu com um sorriso banguela. Tom (o dono d´O Caldeirão Furado) era mais um dos muitos admiradores do rapaz que um dia se tornaria o temido Lorde das Trevas, apesar da destruição que ele causara em um de seus quartos certa vez.
Chegando ao Beco diagonal Tom Riddle viu que ainda era tão cedo que todas as lojas estavam fechadas. Exceto a loja na Travessa do Tranco, seu destino: Borgin&Burkes que parecia ficar aberta 24 horas por dia.
Assim que entrou na pequena loja escura e úmida, Tom passou os olhos numa rápida vistoria às estantes empoeiradas. A Mão da Glória e aquele belo colar amaldiçoado continuavam ali. Uma varinha com algo prateado saindo da ponta e um crânio minúsculo e mais uma coleção de livros desencapados numerados de um a dez intitulados “Enciclopédia das Trevas” completavam os objetos à venda na loja.
Então o velho atendente notou sua presença e veio mancando em sua direção, olhando desconfiado.
“Posso ajuda-lo, meu jovem?”
“Creio que sim. Preciso de ajuda para manipular um livro que eu considero... especial”. - Tom lançou a Borgin um olhar enigmático. E tirou do bolso de suas vestes o livro com a capa de cobras que ele havia descoberto em seu primeiro ano, que desde que lhe revelara de quem Tom era herdeiro, não lhe respondera mais uma única vez.
Borgin observou o livro e folheou-o com espanto. Depois fechou-o e disse a Tom:
“Como conseguiu esse livro?”
“Isso não vem ao caso. Eu só quero saber o que significam essas inscrições em Latim aqui, e como faço para ele voltar a me responder”.
Borgin ainda olhava admirado para o livro em sua frente, e tornou a perguntar.
“Onde você arrumou esse livro?”
Tom Riddle zangou-se. Então quem sabe Borgin precisasse de uma argumentação melhor...
E então mostrou-lhe a grande saca transbordante de dinheiro que seus amigos o haviam emprestado. A atitude de Borgin pareceu mudar completamente. Seus olhos brilharam e ele estendeu a mão para pegar o dinheiro, mas Tom puxou a saca antes que ele pudesse toca-la.
“Primeiro me explique o que está acontecendo, depois lhe dou o dinheiro.”
Borgin tornou a mirar o livro e tocou sua capa, porém em suas mãos as cobras não se moveram. Depois examinou com cuidado as páginas interiores, completamente em branco. E então seus olhos bateram nas inscrições em latim:
“ A bonis bona disce
Absens heres non erit
Draco dormiens nunquam titillandus

E um clarão de entendimento percorreu a mente de Borgin.
“O Senhor é Ofidioglota, Sr.Riddle?”
Tom assentiu.
“Então acho que deve tentar pronunciar essas palavras na Língua das Cobras e ver o que acontece”. – E Borgin dirigiu-lhe um último sorriso, antes que Tom lhe desse metade do dinheiro.
“A outra metade só se eu obtiver sucesso, Borgin”.
E Tom Riddle deixou a loja irritado por não ter pensado nessa alternativa tão óbvia.
E obviamente não pôde realizar a experiência ali naquela hora, quando as lojas começavam a abrir e os clientes começavam a chegar.


[...]


Horas depois Tom Riddle atravessava a barreira na plataforma 9 ½ para encontrar-se com seu bando de amigos que, animados, reuniam-se em volta de Rodolfo Lestrange que parecia estar mostrando algo realmente legal.
“Ah, cara, espera até o Tom ver isso... Ele vai pirar...”
“Ver o quê, mais exatamente, Avery?” – Tom perguntou sorrindo, para um de seus futuros comensais.
“Ah, Olá, Tom! Finalmente, depois de férias entre os trouxas... Coitado de você, não sei como agüenta, ainda mais sendo você, não azarar aqueles trouxas todos...”
“Ora, Rodolfo, só porque você não tem auto-controle, não significa que eu deva ter a mesma atitude que você...” – Rodolfo corou um pouco, mas Tom continuou – “Mas digam, afinal, o que é que eu gostaria tanto de ver?”
“Oh, sim... Bom, está vendo aquele menino gigante ali na frente? Bem, seria difícil não nota-lo...” – Mais risadinhas do grupo – “O nome dele é Rúbeo Hagrid, e está vendo aquele ovo grande e verde na mão dele?”
“Sim, estou. Mas você não deve caçoar dele só porque o coitado é uma aberração, Avery...” – Falou Riddle, numa espécie de sarcasmo moralista, que não foi levado a sério.
“Bom, eu vendi o ovo ao garoto por cinqüenta galeões, dizendo que era um ovo de dragão. Você sabe, esse Hagrid, dizem que ele foge para lutar com Trasgos na Floresta...”
Tom balançou a cabeça de forma negativa, mas riu. As trapalhadas que Avery era capaz de aprontar às vezes se revelavam realmente hilárias. Como na vez que ele transfigurara uma bomba de bosta em sabonete e colocara no banheiro dos monitores da Grifinória.
“Espere só até o ovo chocar e ele descobrir que é um ovo de galinha enfeitiçado...”
Então Tom lembrou-se do fato que o havia deixado imensamente feliz durante as férias de verão pela primeira vez.
“Deixe eu mostrar a vocês...”
E tirou do malão seu pelo e reluzente distintivo de monitor: um grande “M” cercado por uma cobra nas cores verde-e-prata da Sonserina. Porém seus colegas não se mostraram surpresos.
“Como se não esperássemos isso, Tom. Quem mais seria Monitor? O Avery?” – Mas Nott deu de ombros, ignorando os comentários de Rookwood.
“É, meu caro Augusto, parece que Avery pode dar adeus aos seus dias de arruaceiro” – Disse Evan Rosier, que chegara naquele momento e se juntara ao grupo.
Tom riu, satisfeito. O grupo entrou no trem e fechou-se em uma das cabines. Mas a única coisa que lhe passava pela cabeça era o livro.
Algumas horas de viagem depois, a bruxa do carrinho de guloseimas passou por ali. Tom escolheu os seus doces preferidos e estendeu a mão para pagar, mas já prevendo o que ia acontecer...
“Não precisa pagar, Tom. Deixe que eu pago.”
Tom sorriu intimamente e não insistiu. Entre seus “amigos”, não precisava pagar ou fazer qualquer esforço para obter as coisas que queria. Mas ali, na cabine à sua frente, com a porta aberta, uma garota morena e sardenta, baixinha e rechonchuda, a cara coberta de espinhas e um óculo realmente grosso no rosto, acenava entre risinhos para Tom. Seus amigos notaram o fato, e Avery disse:
“Aquela gracinha ali está acenando, Tom. Parece que ela gostou de você. E por acaso, sei que o nome de sua nova pretendente é Murta Shwnizer, lufa-lufa e nascida trouxa. Se isso te atrai” – Seus amigos riram muito do último comentário de Nott.
“O que eu posso fazer?” – Falou Tom, em tom divertido – “É chato ser gostoso”
E depois atirou-se num dos bancos e prosseguiu a viagem toda conversando com seus “amigos”, aqueles que seriam em breve seus fiéis Comensais da Morte.


[...]


Algumas horas depois o trem chegou em Hogwarts, e Tom foi junto com o resto dos monitores receber suas novas instruções. Ele e Marisa West eram os monitores da Sonserina. Ele viu que James Amundsen, o garoto da Corvinal que se sentara ao seu lado na sua primeira viagem a Hogwarts, também era monitor. Não sabia porquê, mas nutria uma estranha antipatia pelo garoto.
Alguns minutos depois Slughorn chamou seu “clube” para uma conversa. Slughorn adorava esses momentos em que todo o clube se reunia e ele promovia pequenos banquetes em sua cabine, onde colhia o fruto de tanto empenho em relacionar seus alunos. Mais adiante, quem sabe, ele pudesse ganhar de Tom mais do que uma caixa de abacaxis cristalizados. Tom lhe era bastante grato. Era dessa maneira que em geral o garoto conseguia obter informações privilegiadas antes da maioria das pessoas – através de seus contatos.
Por fim, o trem chegou à estação e os alunos voltaram a Hogwarts, lar doce lar...
[...]
A primeira coisa que Tom Riddle fez, acabado o banquete e cumpridas suas obrigações de monitor, foi levar seu livro para o banheiro do seu dormitório, onde abriu todas as torneiras para disfarçar qualquer barulho que pudesse ocorrer, e então, encarando a capa de cobras que se mexiam como vivas na sua mão, Tom sibilou na Língua das Cobras as inscrições em latim gravadas na primeira página, mas não estava preparado para o que viria a seguir.

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