O Retorno



-Mas por que Dumbledore lhe deixaria uma lembrança assim, tão sem nexo? –perguntou Rony intrigado na calada da noite daquele dia, quando já haviam retornado a casa em Godric’s Hollow.

Harry deu de ombros, e continuou a fitar o fogo crepitante na lareira. Hermione balançou a cabeça irritada.

-Vocês dois nunca percebem não é mesmo? –comentou ela exasperada. –Ah obrigada, Sra. Lancret. –agradeceu ela a idosa senhora que lhe entregava uma xícara de chá fumegante. A senhora apenas concordou com seu olhar azul penetrante. –Dumbledore é um homem genial, não deixaria pistas para serem encontrados por qualquer um, não é mesmo?

-Não percebo nada naquela memória que seja pista de algo... –suspirou Harry, ainda com olhos fixos na lareira. Passou a mão carinhosamente nos cabelos ruivos de Gina, que adormecera em seu colo.

-Talvez Dumbledore tenha coletado a informação errada... –palpitou Rony, bebericando da xícara de chá.

-Dumbledore não é burro! –falou exasperada Hermione, no momento em que Madame Lancret preparava suas compridas agulhas de tricô e tomava seu lugar em um sofá pouco mais afastado. Dobby segurava o novelo de lã, assistindo a discussão dos garotos. –Se quer saber, deveríamos pensar muito sobre a informação que ele nos deu... Sinceramente, por que Dumbledore deixaria uma memória guardada em um armário, endereçada ao Harry, sem saber que iria morrer?

-Talvez o senhor Dumbledore quisesse morrer... –opinou Dobby baixinho, entrando na discussão.

-Não seja burro, Dobby, quem é que gostaria de morrer? Quem permitiria que isso acontecesse? –o oprimiu Rony, ao que Dobby murchou as orelhas tristemente.

-Dobby, não ligue para o Rony! –falou Hermione, calmamente. –Seu cérebro é do tamanho de uma noz...

-Vai me contrariar? –cutucou Rony, as orelhas vermelhas de fúria.

-Calem a boca vocês dois! Gina esta dormindo, e acabei de lembrar-me de algo! –interrompeu Harry, com a cabeça a mil.

Contrariados, Rony e Hermione voltaram as suas poltronas aveludadas e deixaram-se afundar em sua maciez.

-O que é Harry? –perguntou Hermione curiosa.

-Pode ser idiotice, mas talvez Dumbledore quisesse mesmo de fato morrer... –respondeu ele, sem olhar para a amiga. Agora que as palavras saiam de sua boca, pareciam extremamente idiotas. Mas continuou. –Lembram-se no nosso primeiro ano em Hogwarts, depois de termos encontrado a pedra filosofal, eu fui para a ala hospitalar...

“Dumbledore foi me visitar naquela ocasião. Pedi para ele o que havia acontecido com a pedra, e ele respondeu que Nicolau Flamel e sua esposa haviam decidido destruir a pedra, e que teriam elixir suficiente para deixar os negócios em dia e depois morreriam. Fiquei espantado com a simplicidade com que Dumbledore contou-me isso. E ele percebeu. Para me acalmar disse que depois de um certo ponto na vida, para os homens bem vividos, a morte não passava de mais um estágio de nossas vidas.”

-E Dumbledore já era um homem bastante velho para considerar-se bem vivido! –exclamou Hermione, finalmente entendendo onde Harry queria chegar.

-Exatamente! –exclamou ele alegre, dando um soco no ar.

-Está bem, entendi tudo isso, mas... –falou Rony. –Mas será que podiam me explicar por que Dumbledore gostaria de morrer? Quer dizer, morrer não é como sair de férias ou algo do tipo, sabe, você nunca mais volta!

-Estava pensando nisso mesmo, Rony, mas por incrível que pareça, Dumbledore sacrificou-se para salvar Snape! –falou Hermione sombriamente.

-Por causa do Voto perpétuo? –perguntou Rony assombrado.

-Sim... –respondeu Harry.

-Mas Snape jurou que não lançaria o Avada Kadavra sobre Dumbledore! –ponderou Rony.

-E quem prova que Snape não estava mentindo? Aposto como estava! –falou Harry. Ao terminar tal frase, Harry reparou que Madame Lancret batia palmas e sorria enigmaticamente para os garotos. Então seu olhar recaiu sobre os cabelos familiarmente prateados da senhora, e os olhos azuis claros muito vivos e cheio de expressões. E então, tudo se encaixou.

-Profº Dumbledore? –chamou Harry debilmente, ao que o queixo de Rony e Hermione caíram, e Gina acordou de repente em seu colo.

-Em alguns poucos minutos meu caro... –respondeu Madame Lancret num sorriso amigável, olhando para o relógio de pêndulo da sala.

E por mágica, o cabelo prateado da mulher cresceu rapidamente, as sobrancelhas tornaram-se mais espessas, e uma comprida barba cresceu em seu rosto. Porém, seus amigáveis olhos azuis, continuaram intactos.

-Madame Lancret? –perguntou Hermione confusa.

-Madame Lancret é minha irmã francesa por parte de pai, eu sou Alvo Dumbledore, inglês com orgulho! –respondeu ele sorrindo, e enrugando ainda mais o rosto já cansado. Apesar da surpresa gostosa que lhe rondava o estomago, Harry adiantou-se e desconfiado. –Tomei aquela terrível poção Polissuco por alguns meses, mas valeu a pena.

-Prove que é Dumbledore! –ordenou Harry inflamado. Só podia ser uma piada de mau gosto. De muito mau gosto. O velho abaixou-se a frente de Harry e estava erguendo as femininas vestes compridas.

-Pare, agora! –exclamou Gina, com a varinha em punho. –Dumbledore está morto! Quem é você? Um comensal da morte?

-Não, não me deixe explicar, olhe só... –respondeu ele sorrindo, e tornando a abaixar-se para erguer as saias. –Não farei nada, apenas olhem.

Indicava seu joelho magro e ossudo, de onde saiam finos pelos brancos.

-Harry, você tem uma cicatriz em forma de raio, e eu... Bem, eu tenho uma que é o mapa perfeito do metrô de Londres... Veja bem, me ajuda um bocado. –respondeu ele com humildade.

Todos baixaram a varinha em sinal de reconhecimento, e o ex-diretor, dado por morto que agora se sentava elegantemente em um sofá próximo, conversava baixinho com Dobby.

-Pedi para Dobby fazer a gentileza de nos trazer um chocolate quente, temos muito que conversar! –justificou ele, com um sorriso no rosto.



Dumbledore continuou a fitar com seus olhos azuis penetrantes cada um dos presentes da sala, que haviam cada qual, prendido a própria respiração ofegante. Aceitou a xícara de chocolate quente que Dobby lhe oferecia. Tranquilamente acariciou a própria barba comprida, ao que Harry levantou-se.

-Pode nos explicar o que houve, profº Dumbledore? –perguntou exasperado e ansioso. –Não temos muito tempo...

-Ao contrário do que você pensa Harry, todos nós temos muito tempo... –respondeu Dumbledore sabiamente. –Porém, como percebi que todos prenderam a respiração ao me ver, vou poupa-los de toda curiosidade que estão passando. Vou lhes explicar exatamente o que aconteceu...

Ao ouvir tal resposta, todos, sem exceção aprumaram-se em suas poltronas para absorverem cada palavra do velho diretor, mesmo desconfiados como velhos e orgulhosos hipogrifos.

-Como puderam perceber na última lembrança que viram eu já sabia do plano de Voldemort para mandar o jovem Malfoy me assassinar. –falou ele descontraído, como se discutisse um programa de auditório com seu melhor amigo. –Severo precipitou-se e lançou um antigo encantamento, o voto perpétuo, em si próprio.

-Sim, já sabemos disso, professor, mas porque continuou a protegê-lo mesmo sabendo que ele havia prometido acabar com o senhor caso Malfoy não conseguisse? –perguntou Harry, ardendo de curiosidade.

-Confio em Severo, Harry, e você já deveria ter percebido isso... –respondeu Dumbledore com a voz imponente.

-É, muito bom ver o senhor implorando a Snape para não mata-lo e ele lançar a Avada Kadavra sobre o senhor! –respondeu Harry, subitamente em cólera. –Como espera que eu confie em Snape se ele fugiu covardemente com os outros comensais, após matar o senhor? Quer dizer, ele não matou, o senhor está aqui e... Afinal, como pode não estar morto? Vi com meus próprios olhos o senhor ser assassinado! Fui ao seu funeral!

-De fato você foi a um funeral, mas não ao meu... –respondeu Dumbledore mansamente. –Mas vou lhe explicar isto mais adiante. Preciso antes lhe contar porque confio tanto em Severo Snape.

Um silêncio surpreendente caiu sobre a sala ao final de tais palavras, e Harry sentou-se presunçoso em sua poltrona.

-Severo Snape teve uma terrível infância, e tão pior adolescência... Teve uma talentosa mãe bruxa, a qual ele tanto se orgulhava, mas um tão odioso pai trouxa que a maltratava. –Harry lembrou-se do vislumbre de um garotinho de cabelos oleosos escondido de baixo de uma mesa. Uma lembrança que Harry vira na penseira muitos anos antes. –Terminou Hogwarts com louvor, altíssimos N.I.E.M’s, porém, nenhum amigo. Tampouco sua mãe agora estava ao seu lado. Seu pai a matou em uma noite de muitas brigas.

Apavorada, Hermione levou uma mão a boca entreaberta.

-Severo pediu-me ajuda algum tempo depois, para ser seu tutor, para que lhe ajudasse a aperfeiçoar suas magias. Aceitei. Sempre fora muito talentoso. Ensinei a ele oclumência, legilimência, e muitas coisas úteis. Com o passar do tempo, Voldemort se fortaleceu, e eu postei Severo como um fiel Comensal da Morte.

-O senhor está querendo nos dizer que Snape virou um Comensal da Morte por que o senhor pediu para ele fazer tal coisa? –perguntou Harry ainda incrédulo.

-Exatamente! –respondeu Dumbledore calmamente. –Mas na noite em que o peguei ouvindo pela porta do quarto do Cabeça de Javali, pensei tê-lo perdido. E de fato estava. –Dumbledore suspirou. –Snape sempre ardeu pelo poder, e gostou de experimentá-lo. Porém, voltou atrás. Persuadiu Voldemort a poupar a vida de sua mãe, Harry. Para compensar seu terrível erro. Por maior ódio que sentisse por seu pai, sentia o contrário por Lílian, e não poderia conviver com a idéia de que a entregara a mercê de Voldemort. –Dumbledore fez uma pausa, cansado. Tomou fôlego e continuou. –Bem, todos sabemos o final desta história, Voldemort ofereceu um oportunidade a ela, mas ela a negou.

-Antes daquela noite de Hallowen, no entanto, Snape pediu perdão a sua mãe em uma reunião da Ordem. Sua mãe não gostava de Severo, Harry. –continuou Dumbledore. –Porém, sentia uma imensa pena do garoto incompreendido que ele fora. Aceitou a proposta, com um propósito. Snape faria um voto Perpétuo para protegê-lo. Não percebe a genialidade deste plano? Desta forma, por mais parecido com seu pai que você se tornasse, por mais que Severo viesse a odiá-lo num futuro, ele teria de lhe proteger.

“Quando percebi que Snape fizera novamente um voto perpétuo para proteger outro rapaz, tive de tomar uma providência. Deveria parecer que Snape havia me matado ou sofreria uma morte terrível. Decidi a partir da metade do ano letivo esconder-me, e postar outra pessoa em meu lugar, tomando a poção polissuco. Escolhi meu irmão, Alberthot, com o qual acredito terem tido contado. Relutante, ele aceitou. Passou o ano lhe dando aulas, Harry. Você deveria ter percebido que em outras oportunidades, apresentei minhas lembranças a você recém-tiradas de minha cabeça, e naquele ano, porém, as lembranças já haviam sido coletadas e guardadas em pequenas garrafas. Não achou isso estranho, Harry?”

Harry corou imediatamente, sob o olhar acusador de Hermione. Como poderia não ter notado isto? Mas Dumbledore prosseguiu.

“Combinei com Snape que faria o menino Malfoy me encontrar na torre de Astronomia naquela noite. Porém, eu não era de fato eu. Era Alberthot. Lembrei a meu irmão para implorar que Snape o matasse.”

Harry teve um vislumbre daquela noite. O diretor não havia pedido, ,”por favor, Severo, não me mate”, mas sim apenas implorado por algo não muito definido.

-Você está nos mentindo! –falou muito alto Gina, apontando o dedo para o velho a sua frente, acusadoramente. –Conversamos com Alberthot, ele está vivo!

-Srta. Weasley, devo lembrá-la que no mundo mágico, nem tudo é como parece. Harry viu e ouviu Severo lançar o Avada Kadavra sobre meu irmão, porém não percebeu o outro feitiço não-verbal que ele lhe desferia ao mesmo tempo. –respondeu Dumbledore esfregando as mãos. –Severo lançou em meu irmão um feitiço que apenas o machucaria seriamente, porém, não o mataria. Diga-me Harry, o que aconteceu com o corpo no momento em que o feitiço o atingiu?

Harry pensou por alguns momentos e lembrou-se.

-Ele voou... –respondeu baixinho. –E caiu da torre...

-Espera ai! –interrompeu Hermione. –Pelo que sei, o feitiço Avada Kadavra deve atingir a pessoa e ela deve cair imediatamente no chão, não voar torre afora.

-Exato! –concordou Dumbledore com um sorrisinho triunfante no rosto. –O feitiço desacordou meu irmão, e ele foi reanimado pelas lágrimas de minha fênix. Após reanimá-lo, ela fugiu para minha companhia. E ele também. Despachamos para Hogwarts um corpo que encontramos, envolto por um manto, para não o descobrirem. Pensei que no momento do funeral, muitos bruxos e bruxas de puro-sangue perceberiam meu plano, porém, fui bem sucedido.

-Perceberiam o que exatamente? –perguntou Rony, desconfiado, apertando a mão de Hermione que tremia descontroladamente.

-Que minha varinha não havia sido partida ao meio... –respondeu ele, num sorriso enigmático. Tirou do bolso seus oclinhos de meia-lua, e num toque de varinha trocou o vestido negro que antes usava, por vestes bruxas vermelho sangue e um gorro preto no topo de sua cabeça.

Rony e Gina concordaram sombriamente, mas Hermione parecia contrariada, ao perceber que não sabia de tal fato.

-Como assim? –perguntou ela, inquisitoriamente.

-É um costume dos bruxos, deixar a varinha partida do bruxo que morre junto a seu caixão. –respondeu Rony. –É uma precaução também, para que ninguém não-licenciado use a tal varinha.

E Harry lembrou-se novamente de um fato de seu sexto ano em Hogwarts. Após o enterro de Aragogue, Slughorn e Hagrid ficaram bêbados. Cantaram uma triste canção, sobre um bruxo chamado Odo. Lutou para lembrar-se do que dizia a canção.

“E Odo o herói foi levado para casa
Para o lugar que jovem conheceu
E sepultado com o chapéu virado pelo avesso
E a varinha partida ao meio, que tristeza!”

Harry captou o olhar inteligente de Dumbledore, por de cima de seus óculos de meia-lua.

-Por que não deixou Snape matar seu irmão, além das coisas obvias? –perguntou Harry estupidamente.

-Não queria ter um aliado com a alma corrompida. –respondeu ele rapidamente. –E meu irmão tem serventias. Falaremos sobre isso mais tarde. Quero saber sobre as Horcruxes!

-Destruímos artefatos de Rowena Revenclaw. –respondeu Hermione, que estava de prontidão. Dumbledore pareceu feliz.

-E eu a taça de Huflepuff... –respondeu ele.

-Destruímos o medalhão de Shyltren também, senhor. –respondeu Harry.

-Fizeram um bom trabalho! –respondeu Dumbledore feliz. –Pelas minhas contas, falta apenas a cobra Nagigi, e o próprio Voldemort. Um brinde a isso! –completou, levantando a caneca em suas mãos, dando aos outros um tempo para assimilarem o jorro de informações que haviam recebido.

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