Ginny e suas missões



Como eu vejo


Capítulo Dois – Ginny e suas missões

Eu estava exausta depois de resgatar Luna. Sim, esse foi um susto de verdade. No meio do ano passado, quando ainda estávamos caçando a Horcrux do medalhão, Harry e eu conversamos sobre o que faríamos com os que tinham ficado fora da guerra. Neville tinha acabado de nos encontrar, e estava fazendo de tudo para se juntar a nós.
-Eu não sei se podemos aceitar Neville, Ginny – Harry resmungou, parecendo meio reticente. Estávamos tomando café da manhã juntos, dois dias depois de termos destruído o medalhão verdadeiro do irmão de Sirius. – Neville tem dificuldades muito grandes para se concentrar, e eu não sei se ele conseguiria ficar frio contra os Comensais...
-Neville já lutou, Harry, você sabe disso! – exclamei, sem conseguir acreditar que ele estava pensando que Neville não era bom o bastante para lutar com a gente. – E ele tinha quinze anos! Você tinha quinze anos!
-Nós não podemos ficar aceitando gente só porque eles querem se vingar das mortes na família. – Harry resmungou, desviando o olhar de mim. – Eu sei que nós erramos, sei que poderíamos ter salvado a avó dele, mas...
-Harry, Neville é nosso amigo! – repliquei, incrédula. – Ele tem direito de lutar com a gente se assim quiser! Por que você está escolhendo combatentes, Harry?
Ele se levantou e derrubou a caneca de leite quente na camiseta. Antes que eu pudesse me esticar para ajudá-lo, ele se afastou.
-O que está acontecendo?
Ele respirou fundo. Passou a mão pelo cabelo. Depois se virou para mim, me fitando, os olhos expressivos:
-Eu não quero mais amigos na guerra, Ginny. Vocês já não deviam...
Não devia ter feito isso, eu assumo. Mas virei os olhos e respirei fundo.
-Pensei que já tínhamos discutido isso.
-Sim, é verdade. – respondeu ele, dando um passo na minha direção, parecendo hesitante. – Eu sei. Mas... – ele fez outra pausa, que começou a me inquietar. – Eu não consigo ficar confortável com isso, Ginny. E eu queria apenas saber que alguns deles não estão em risco.
Não resisti: pus minhas mãos nos ombros dele. Era necessário que ele entendesse! As coisas não funcionavam do modo como ele pensava.
-Eles não deixam de estar em perigo por não lutarem, Harry. Veja o Neville: ele tentou não se envolver, apesar de ter participado com a gente da AD. Ele tentou não lutar, tentou pela avó dele, mas não adiantou... Voldemort foi até ele, você viu.
Ele suspirou e baixou a cabeça. Comecei a contar nos dedos.
-Ainda há muitos deles que nós não vemos desde que Hogwarts fechou. Além do Neville, temos Angelina, temos Wood, Dino, McMillan, Luna... Nem de Cho tivemos mais notícia, e eu achei que ela quisesse mesmo defender a nossa causa, principalmente por causa do Cedric...
-Chega, Ginny – Harry me cortou, e me ofendeu. – Eu não quero ser lembrado de todos eles. Eles estão bem como estão. Quanto a Neville... – comecei a perceber que Harry andava pensando muito antes de falar ultimamente. Demais, para ser honesta. – Eu me lembro que ele tem um talento para Herbologia. Podemos deixá-lo com Hermione, ela anda preparando algumas poções de que podemos precisar...
Respirei fundo. Harry sempre gostara que as pessoas o apoiassem. Entretanto, desde que Hogwarts fechara, ele vivia numa fuga de si mesmo que eu não conseguia acompanhar.


Não dá pra dizer que o chamado de Luna tenha vindo em boa hora. Não mesmo.
Acontece que Harry e eu tínhamos decidido tirar aquele dia de folga, para nós dois.
E bem, não posso mentir e dizer que foi maravilhoso ver uma coruja entrando folgadamente pela janela quando havia um moreno de olhos verdes debruçado sobre mim, beijando o meu pescoço. Tão logo abri os olhos, encontrei a ave bem ali, parada na janela, olhando para mim.
-Erm... Harry... – murmurei sem graça, e ele ergueu a cabeça. E olhou-me, confuso, com aqueles olhos incisivos dele.
-O que foi?
Ainda sem saber bem como responder, indiquei a coruja. Ele olhou-a, e sua expressão se desanuviou; ele suspirou, girou para o lado e ficou fitando o teto. Mal fiz menção de levantar, ele disse:
-Achei que corujas desconhecidas não pudessem entrar na sede.
Dei de ombros. Além de tudo, havia isso. Saquei a varinha e a apontei para a coruja, que apenas me fitou inocentemente, com um pedaço minúsculo de pergaminho preso à perna.
-Revelealo! – mas eu já sabia que não aconteceria nada quando apenas a coruja sacudiu uma asa, em sinal de cansaço.
-Não sobrou muita gente louca o suficiente para confiar no correio coruja, não acha? – disse Harry mais uma vez, bastante sarcástico. Sem mais cerimônias, estendi a mão e peguei o pedaço de pergaminho, em letra apressada e ansiosa. Ginny, preciso falar com você, Luna.
Virei-me num átimo para Harry.
-É da Luna!
-Está explicado – resmungou ele, levantando-se e vindo até mim.
-Ela quer falar comigo – contei, quando ele chegou perto. E entreguei-o o bilhete.
Harry leu-o depressa, pensou e depois se virou para mim.
-Vamos.
-Vamos aonde? – eu retruquei, antes que pudesse me conter. – O que você está pensando, Harry?
Ele suspirou, passou a mão pelo cabelo naquele gesto familiar, depois olhou para os meus pés.
-Ela nunca quis falar com você esse tempo todo, Ginny. É claro que ela precisa de ajuda.
Em questão de minutos, Harry e eu já tínhamos pegado tudo que precisávamos, até mesmo as capas magicamente protegidas, invenção de Hermione.
-Aonde vocês vão? – ela perguntou, no hall da mansão, com o cenho franzido.
-Luna – Harry sibilou, antes de segurar minha mão. – Você sabe onde ela mora, Ginny?
Assenti distraidamente, pois estava pegando minha varinha com a mão livre. No instante seguinte aparatamos, sem nos despedir de Hermione, numa ruela meio deserta, sem ninguém circulando e com muros altos de concreto. Na esquina havia um terreno baldio, que eu indiquei.
-É bem ali – eu disse.
Mas o som da minha voz foi abafado por um estrondo; o muro que terminava no terreno de repente explodiu e caiu para o lado. Harry e eu começamos a correr, já pensando em nossa formação padrão; quando ele virou a esquina, atirando feitiços para todos os lados, eu me precipitei agachada sob o mato do terreno, até que finalmente encontrei uns traços loiros do cabelo de Luna.
Harry continuou me dando cobertura; pelo jeito estávamos falando de uns três Comensais da Morte que atacavam ao mesmo tempo, enquanto eu virava Luna de barriga para cima. Ela tinha os olhos cerrados, o rosto suado e muitos cortes. Estava viva, mas estava ferida demais para permanecer assim por muito tempo.
-Estupefaça!
Com um impulso de origem desconhecida, girei para o lado, trazendo Luna comigo.
-Leve ela daqui, Ginny! – Harry berrou entre dois feitiços.
Confesso que hesitei. Não gostava nadinha da idéia de deixá-lo sozinho contra eles. Mas com um suspiro, aparatei Luna dali.
Ron estava sentado no sofá da sala de estar da sede, com um mapa aberto na mesinha central, discutindo qualquer coisa com Neville, que abraçava os joelhos com expressão de cansaço. Tão logo chegamos, os dois se levantaram.
-Luna! – Neville exclamou chocado, observando a garota desacordada que eu segurava.
-Cuidem dela, depressa – sibilei tirando de novo a varinha. – Preciso voltar e ajudar o Harry.
Antes que eu sumisse com o estalo costumeiro, ouvi Ron xingar e Neville dizer que deveria ter ido junto conosco.
Quando voltei já estava um pouco atordoada com o esforço; para coroar, havia feitiços sendo atirados em quantas direções você puder imaginar.
-Avada... – um Comensal tomou fôlego. – Kedavra...
Mas caiu no chão, atingido por Harry; a maldição resvalou num monte de grama, atrás de onde eu estivera um momento atrás. Rolei para o lado e atirei dois Feitiços Estuporantes. Vi pelo canto do olho que Harry tinha a fronte suada, que um deles já estava no chão mas o outro estava dando um belo trabalho. O último Comensal que restou encarou a Harry e a mim, em pé diante dele, detrás de sua máscara.
Harry deu um passo na direção dele.
-O que vocês vieram buscar aqui? – ele interrogou, andando a passadas leves, sem tirar os olhos da máscara imóvel.
Houve silêncio, o qual eu usei para amarrar os outros dois e começar os procedimentos padrão para o envio de Comensais ao Ministério da Magia. Kingsley deveria apanhá-los em um minuto.
-Responda! – Harry gritou, num urro de raiva que eu não conseguia reconhecer.
O Comensal fez menção de erguer a cabeça, mas apenas descobriu a boca e cuspiu aos pés de Harry.
-Impedimenta! – Harry se preveniu, com um olhar de relance para mim. – Não, você não vai aparatar, nem pense nisso. É melhor ir falando. Eu não gostaria de ter que arrancar tudo de você.
-Eu não sei de nada – replicou o outro, numa voz roufenha e áspera. A mim, pelo menos, não era familiar. – O Lord não espalha seus planos entre seus servos.
Harry resmungou, de repente muito severo.
-Nota-se. – comentou ele, ainda com a varinha apontada para ele. – A ponto de se deixar pegar dessa forma, você deve mesmo ser um dos menos importantes.
O outro bufou, e eu notei uma irritação crescente nele, que não estava me agradando.
-Accio varinha! – e segurei a varinha dele, por precaução. Os olhos dele luziram em mim por um instante.
Harry não estava satisfeito; sua respiração estava descompassada, e a mão que segurava sua varinha tremia.
-Vocês nunca,nunca, se importaram com os Lovegood. – ele murmurou, como se estivesse se segurando. – Quais eram as suas ordens?
-Vamos levá-lo logo, Harry – tentei, já aborrecida. – Sem a Poção da Verdade você não vai conseguir mais do que isso...
-Eu não direi nada! – o outro Comensal gritou de repente, como que assustado diante da perspectiva de enfrentar umas belas gotas de Veritaserum.
-Veremos – resmunguei, sibilando um feitiço que o desacordou. Mas Harry não parecia nada feliz.
-Não faça mais isso, Gin.
-Isso o quê? – retorqui, sem entender. Eu não tinha feito nada errado!
-Desacordá-lo. – ele esclareceu. – Eu esperava poder ter uma chance de perseguir os Comensais. Você sabe que não é simples, magicamente falando, sumir com alguém contra a sua vontade. Crouch júnior teve que usar um coquetel de feitiços e poções contínuas, no meu quarto ano.
Suspirei.
-Você acha mesmo que havia alguma chance de ele estar aqui por perto?
Ele não respondeu, apenas desviou o olhar.


Céus.
Merlin.
Todas as exclamações que eu conheço! Luna está com os Escritos Negros! Puxa vida, nós andamos procurando tanto por isso. Como essa coisa foi parar nas mãos dela? Ainda me lembro da expressão chocada que eu fiz quando vi aqueles papéis amassados nas vestes de Luna, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Essa menina... Quando penso que a conheço, Luna sempre encontra um jeito de me mostrar que não.
-Certo, acho que vocês não precisam ficar olhando para ela desse jeito, como se ela fosse um explosivim, ou coisa do tipo – Hermione sibilou, olhando de Ron para mim e para Harry. – Você não conhece mesmo a importância destes papéis, Luna? – ela acrescentou, com o tom mais brando.
Luna sacudiu a cabeça, os brincos de beterraba sacudindo levemente e sem nem mesmo piscar.
-Fora daqui, todos vocês – decidiu Mione repentinamente. – É melhor eu falar com ela, pelo jeito vocês estão todos estupefatos demais para isso... Fora, Ron...
Quando a porta do quarto onde elas ficaram se fechou atrás de nós, não pude evitar a sensação de alívio que me invadiu. Os Escritos Negros estavam com a Ordem da Fênix! Sim, sim! Estávamos na frente, agora Voldemort não teria o poder daqueles pergaminhos de uma figa, e nós iríamos com certeza vencer a guerra de uma vez por todas e tudo graças a Luna e...
-Ginny – ouvi a voz de Harry contra o meu pescoço. – Hum, você está me sufocando... Se puder me abraçar com um pouco menos de agressividade, por favor...
Sorri, um pouco encabulada, mas humor não caiu. Ron também estava simplesmente animado demais para reparar em Harry e em mim. Entretanto, Harry não parecia muito alegre. Quando meu irmão desceu as escadas na nossa frente, eu me virei para ele.
-O que há de errado?
Tenho que dizer que algo tem me irritado nos últimos tempos; o humor de meu namorado anda péssimo. Taciturno, esquisito, fechado. Até mesmo para mim. Naquele momento, ele apenas coçou a cicatriz, sem retribuir o mesmo olhar.
-Nada. – ele murmurou. – Eu só tinha planejado não pensar na guerra hoje...
Havia algo no tom dele que não insinuava a minha influência neste dia. Como se eu fosse apenas uma conseqüência de ele não pensar na guerra por um dia!
-Como? Achei que você quisesse descansar por hoje para... ficar comigo, não?
-Sim, claro que sim – ele respondeu, como se estivesse muito incomodado. – Os Escritos Negros não são simples de serem lidados, Ginny, você sabe disso.
-Não, infelizmente eu não sei disso. – eu atirei. – Porque você apenas divide suas informações com Ron e Hermione, esqueceu?
Estranho isso, não? Afinal, eu o conheço quase há tanto tempo quanto meu irmão e sua namorada.
E era nesse mau humor meio mal explicado que eu estava quando desci, separadamente de Harry, incapaz de me responder satisfatoriamente. Eu temia que ele ainda tentasse me proteger nas pequenas coisas, como na distribuição de informações, e achei que já tivéssemos superado essa parte, quando nos encontramos depois de Hogwarts ter fechado.

Ele podia acordar a qualquer momento; era tarde da noite, e não havia lua. Harry tinha sido emboscado por sete Comensais da Morte em Godric’s Hollow. Ron e Hermione haviam chegado no último momento, pois, afinal de contas, Harry não chegava nunca ao encontro que haviam marcado para perseguir uma pista qualquer das Horcruxes. Ele estava desacordado quando eu cheguei; estirado no sofá da Mansão Black, o único lugar seguro em que eles conseguiram pensar ao fugir. Levar Harry para a Toca não envolvia a mesma tranqüilidade de antes; Ron não queria arrastar os Comensais para a nossa casa, afinal de contas, que já não estava intacta naquele momento.
Hermione me levou até ali, com grandes olheiras e os ombros curvados, visivelmente exausta. Mas a visão de Harry ali, desmaiado, quase inerte naquele sofá, com tantos ferimentos espalhados pelo rosto, pelas roupas rasgadas, me tirou o pouco fôlego restante da viagem.
-Mas o que fizeram com ele, afinal? – interroguei Hermione, com o queixo no chão, me precipitando para cima do sofá onde ele estava. Ron entrou naquele momento pela porta da cozinha, com algumas bandagens na mão.
-Ah, que bom que você está aqui, Gin – ele murmurou, suspirando. – Eu estou destruído e estou pensando seriamente em usar essas bandagens com a poção da Mione em mim mesmo. Por isso acho melhor que você mesma faça isso, afinal...
Fazia tanto tempo que eu não o via. Ron teve que fugir de casa para perseguir o amigo; Hermione tentou explicar as coisas para os pais, mas acabou sendo obrigada a fazer o mesmo. Já eu... Eu não sabia se Harry se importava comigo. A princípio, eu tinha certeza absoluta que aquilo não passava de heroísmo idiota, que ele tem de sobra. Mas quando ele começou a fugir de mim – deixou bem claro para Ron que não queria me encontrar, não queria notícias minhas, nem nada – as minhocas começaram a tomar conta da minha cabeça e eu tive a certeza que o tinha perdido, depois de tão pouco tempo com o sonho da minha adolescência realizado. Clichê, eu sei, mas essas coisas são mesmo pensadas pelos adolescentes.
Por que estou falando como se eu já fosse uma adulta? Nem mesmo terminei Hogwarts. Mal tenho idade de quem a termina. Mas é como se eu já fosse adulta.
Peguei os curativos das mãos de Ron com certa apreensão, achando ainda que Harry me queria longe dele, que estava arrependido de ter passado perto de mim um dia, de ter me beijado diante de toda a Grifinória.. Garotas apaixonadas pensam as maiores idiotices possíveis. E eu definitivamente era apaixonada por Harry, ainda.
Hermione foi descansar, Ron hesitou por uma meia hora, mas depois se juntou a ela. Terminei de limpar o rosto de Harry, coloquei as bandagens com a poção curativa que Hermione estava sempre preparando – havia um caldeirão sempre fervente na cozinha, pelo que Ron me contara – e fiquei observando-o. Foi uma cena tão atemporal, tão importante para mim aquela, que eu tenho medo de ter mesmo imaginado alguns detalhes. Bem como as sombras das chamas da lareira, que lançavam reflexos tão fantasmagóricos no rosto dele, como o cenho franzido e como a cicatriz que estava muito avermelhada, como a garoa que começou lá fora. De repente, tudo ficou muito triste dentro de mim. Ali estava Harry, o garoto que eu sempre amara, ferido, destruído, e destinado a isso desde que nascera. Não podia fazer nada contra isso, se quisesse um dia viver num mundo decente.
E será que justamente por ter escolhido fazer as coisas do jeito certo que ele não queria ficar perto de mim? Por que ele se esforçava tanto para me manter afastada? Eu... Eu não era o suficiente para ele? Eu não era uma bruxa capaz de me manter? Não... Não era atraente mais? Ah, que vergonha de ter pensado tudo isso! Mas o caso foi, por um longo tempo eu fiquei lá, parada, fitando o rosto dele e me sentindo a última das criaturas. Sem mencionar um medo absurdo de quando ele acordasse.
Sentei-me no chão, apoiei o rosto no cotovelo e fiquei ali por tanto tempo até não poder mais contar. Até que eu o ouvi gemendo.
Quando abri os meus olhos, vi um par de verdes muito profundos me fitando, chocados.
-Ginny... – ele murmurou, como se não acreditasse no que estava vendo.
Mas o momento profundo se perdeu no momento em que eu abri a boca.
-Harry! Você está bem? Eu fiquei tão preocupada! Eu forcei Ron a me contar, não reclame, eu não podia mais ficar longe! Harry, por favor me perdoe, eu sei que você andou se esforçando ao máximo para me manter longe de você, longe da guerra, mas eu não posso... Eu simplesmente não consegui...
-Gin – ele me cortou, erguendo uma mão com grande dificuldade e a levando ao meu rosto. Um sorriso bobo se espalhou pelo rosto dele, que me deixou toda derretida e esperançosa. – Estou tão feliz que esteja aqui – ele acrescentou, e eu definitivamente derreti.
Ele levou os dedos ao meu queixo e tudo que fiz foi fechar os olhos, para sentir depois o sabor familiar dos lábios dele, mesmo depois de tanto tempo.


A partir daquele dia, ele passou a me inteirar melhor das coisas, e eu até mesmo entrei oficialmente para a Ordem da Fênix. Mas alguma coisa tinha ficado para trás desde o nosso reencontro, e muitas vezes eu apenas tinha tanta dificuldade em compreendê-lo. Às vezes, as palavras não eram necessárias; mas ultimamente vínhamos atravessando longos períodos de incompreensão, que me incomodavam demais, afinal eu tinha certeza absoluta de que ainda gostava dele. Mas eu tinha medo que ele estivesse, não sei, me tratando como mais uma pessoa inocente que ele arrastara para o alvo de Voldemort. Como se não tivesse sido minha própria escolha.
Eu ainda estava meio atordoada e chateada, já tinha mesmo me esquecido da alegria que era ter os Escritos Negros em nossas mãos, quando fui levar o almoço para Luna.
Ela me fez perguntas estranhas, daquele jeito maluco dela. E eu me percebi falando coisas, me percebi lembrando da morte de Dumbledore, que fora tão dura para todos nós. Luna tem uma percepção diferente da maioria das pessoas. Ela é simples, como se não tivesse medo dos períodos simples. E quando dou por mim, ela sempre vai mais fundo do que um tratado filosófico inteiro poderia ir. Então, adivinhem, Harry chegou.
Veio me chamar para uma reunião, de acordo com ele. E logo ele e Luna estavam absortos em um debate sentido envolvendo a participação de Luna na Ordem, agora que os Comensais da Morte estavam com o pai dela. Eu não podia culpá-la, não consigo nem imaginar o que eu faria se eles conseguissem encostar em papai ou mamãe. Então Harry simplesmente se virou para mim e pediu para que eu esperasse lá fora. Como se ele fosse meu chefe, meu dono, meu qualquer coisa!
Ah, mas eu ainda teria uma boa conversa com o Senhor Harry James Potter! E não demoraria muito!
Desci mais uma vez as escadas como uma bola de neve. Apenas para encontrar Tonks parada, falando com uma McGonagall envelhecida, cansada, como todos que eu encontrava pareciam estar, ultimamente. Quando me notaram, McGonagall me cumprimentou com um aceno frágil por baixo de sua capa de viagem, e Tonks girou nos calcanhares de modo que seus cabelos, naquele momento negros e encaracolados, saltitassem alegremente para um lado.
-Oh, bom ver você, Ginny, preciso falar com você antes da reunião...
-Certo então, Tonks – McGonagall falou, cheia de cerimônia. – Vou esperar com Kingsley na cozinha.
Esperei que Tonks assentisse, se virasse, suspirasse para finalmente dizer:
-Eu não tenho boas notícias.
-Aconteceu alguma coisa? Alguém foi ferido, capturado?
-Wow, menina! Calma, beleza? – Tonks fez uma pausa. – Eu estive falando com Remus. Parece que nós duas vamos pegar uma missão nada simpática.
-Do que está falando?
-Hum... Disfarce – Tonks resmungou, evidentemente receosa.
-Disfarce? Mas isso é ótimo! Poderia ser pior, Tonks, poderíamos ser mandadas em outra busca de Horcruxes! Disfarces são sempre para... Opa...
-Espionagem. – a metamorfomaga completou a sentença para mim.
Encarei os olhos escuros dela por um instante, tentando descobrir se era mesmo verdade.
-Espionagem? Quer dizer, relações amigáveis com pessoas que odiamos apenas por informações para a Ordem que nos dêem uma dica de onde Voldemort está se escondendo?


Lupin suspirou.
-Sim, espionagem. – disse ele, baixando os braços e os apoiando na mesa de reunião. – Aquela coisa de manter relações amigáveis com pessoas que vocês odeiam apenas por informações para a Ordem que nos dêem uma dica de onde Voldemort esteja se escondendo neste momento.
Não pude evitar, troquei um olhar aborrecido com Tonks. A reunião já fora bastante tensa até ali; Luna, de alguma maneira, convencera Harry a deixá-la entrar para a Ordem da Fênix, embora os argumentos me fossem desconhecidos; não havia muita coisa que mudasse a opinião de Senhor-Protejo-Todo-Mundo Potter. Hermione não gostara nada da idéia, ficou evidente que ela tinha sérias dúvidas sobre as capacidades mágicas de Luna. Eu mesma não sabia o que dizer do assunto, ambos os lados tinham suas idéias e... bem... Eu tinha outras preocupações com minha própria vida além de palpitar na entrada ou não de Luna.
-Hum... E se importam se eu quiser saber onde vamos ter que infiltrar? – arrisquei, sem ter certeza se queria mesmo a resposta.
-No Ministério, é claro – replicou Lupin, com um olhar de relance para Harry, que fitava as próprias unhas muito absorto em qualquer coisa. – Pois foi de lá que os Escritos saíram, antes de caírem nas mãos de Humbert Lovegood. Precisamos contar quantos Comensais estão agindo lá dentro, seja na luz do dia ou à noite.
Tonks suspirou.
-O que significa a velha história das herdeiras de um velho influente? – arriscou, virando os olhos.
Lupin assentiu, quase que pesarosamente, como se estivesse com pena de nós.
Era bom mesmo que ele tivesse pena. Só de pensar em brincar de teatro em plena guerra contra as Artes das Trevas, eu tinha vontade de bater com a minha cabeça na parede até meus cabelos ficarem brancos com a poeira.


Dessa maneira, no dia seguinte éramos esperadas para uma visita ao gabinete do secretário sênior do Ministro da Magia, Albert Simeons, que no fundo não passava de outro membro da Ordem, com a função de reportar as intenções do Ministro e de protegê-lo. Eu tinha os cabelos negros e os olhos azuis, mal me reconhecia. Tonks então, era o retrato da velhinha caquética, com bengala, cabelos ralos e voz estridente de fofoqueira. Eu estava me sentindo esquisita, pois estava mais baixinha, menor ainda do que já era, e ainda estava me acostumando com a mudança.
Passamos uns quinze minutos nos procedimentos de segurança do Ministério, tivemos que responder a uma série de perguntas estúpidas sobre segurança e fomos inspecionadas. Pela décima ou mais vez no ano, burlamos a segurança anti-Comensais do Ministério, como tranquilamente o outro lado deveria fazer todos os dias.
Quando as portinholas se abriram para que subíssemos alguns andares, olhei antes para os memorandos voadores, que sempre me entretinham nas demoradas e turbulentas passagens de um andar para o outro. Mas tão logo meu olhar desceu, tive que me controlar até a ponta dos dedos para não expressar reconhecimento diante de cabelos loiros e penteados rigorosamente, olhos estáticos e cinzentos, além de um porte de nobreza que não lhe pertencia, além daquela expressão de superioridade que ele carregava desde a infância.
Claro que a primeira pessoa que eu tinha que encontrar no Ministério da Magia devia ser Draco Malfoy...
Ao contrário de mim, Tonks pareceu imensamente satisfeita com isso. Apoiou-se na parede, fingindo certo desequilíbrio, para depois se endireitar e comentar, com ares de superioridade:
-Há! Eu tinha me esquecido de como essa coisa balançava... O que andou acontecendo neste Ministério, meu rapaz, que até enfraqueceu o transporte de um andar a outro?
Malfoy pela primeira vez notou-a ali. Virou o rosto o mínimo que pode, apenas para demonstrar que a ouvira.
-Sim, senhora – ele respondeu, com uma polidez claramente carregada de falsidade. – O Ministério da Magia não tem mais o pulso que costumava ter. – fez uma pausa, deixou um sorrisinho fino perspassar pelos lábios. – Fico feliz que mais alguém tenha percebido isso.
Ah, sim, claro, afinal Draco Malfoy era o dono da mais potente percepção de todo o mundo mágico! Nada escapava a seus olhos de doninha quicante! Francamente...
-Qual é o seu nome, meu rapaz...? – Tonks perguntou, erguendo o rosto com fingida dificuldade para fitar Malfoy nos olhos. Malfoy se empertigou para depois curvar a cabeça o mínimo possível.
-Draco Lucius Malfoy, minha senhora. E a senhora...?
O elevador continuou tremendo na subida e eu percebi que não faltava muito para que terminasse; respirei fundo. Tonks não faria tudo sozinha por muito mais tempo.
-Meu nome é Victoria Higgs, meu jovem – ela também encheu de pompa seu tom de voz, como se fosse a rainha da Bretanha. – Meu marido foi Marcus Higgs, suponho que o tenha conhecido?
Malfoy estudou-a por um momento, pensando.
-Temo que o nome não me seja familiar, senhora. De onde eu poderia conhecê-lo?
Algo que eu devo confessar que admiro muito em Tonks é a rapidez com que ela inventa mentiras. Por exemplo, num instante ela criou uma história de vida inteira.
-Oh, Marcus era um diplomata bruxo muito importante... – ela começou, com ares saudosos. – Nós viajávamos muito. Moramos na Austrália por uns tempos, e também na Nova Zelândia, sempre fechando acordos importantíssimos do Ministério inglês... É claro que juntamos muito dinheiro em tudo isso, no final. Mas agora ele se foi... E nós viemos falar sobre alguns assuntos da família com o secretário sênior de Scrimgeour. Imagino que entenda.
Malfoy assentiu de forma galante, para depois lançar um olhar para mim.
-E quem é a senhorita que a acompanha?
Se eu não conhecesse Malfoy, poderia até ter acreditado que ele queria saber quem era eu apenas por eu ser uma PESSOA que ocupava um espaço físico. Mas evidentemente, assim que Tonks mencionou dinheiro sobrando ao lado de uma garota da idade dele... O mínimo que ele podia fazer era perguntar meu nome.
-Oh, essa é minha querida filha. Venha, Diana, cumprimente este rapaz tão educado.
Odiei Tonks por um momento fugaz, no qual Malfoy se virou para mim diretamente, com os olhos cinzentos – sempre gelados e inexpressivos – focados no meu rosto falso. Com uma leve curvatura nos lábios, pegou minha mão direita e a ergueu na linha dos olhos.
-É um prazer, Diana.
Finalmente chegamos ao andar que queríamos. Puxei a minha mão instintivamente, antes que Malfoy pudesse encostar aqueles lábios mesquinhos na minha pobre mão. Tonks me lançou um olhar reprovador por trás da bengala e do xale caríssimo.
-Oh, meu querido, temos que ir agora. Poderemos encontrá-lo sempre aqui, imagino?
-Decerto que sim – Malfoy respondeu, vendo minha mão se colar apressadamente ao meu corpo e se virando para minha “mãe” mais uma vez. – Eu trabalho aqui, e podem perguntar por mim se quiserem. – fez uma pausa, com outro olhar para mim. – Eu ficaria encantado com uma visita.
E, erguendo uma sobrancelha, ficou olhando para nós duas até que a portinhola se fechou mais uma vez.
-Sem chance, Tonks. – sibilei, quando ela me olhou divertida por um breve instante. – Arrume outro para vigiarmos.
Começamos a caminhar lentamente pelo corredor, sem pressa alguma.
-É perfeito, Gin – ela suspirou. – Pelo jeito, meu caro primo distante anda muito solitário, não concorda? Precisa de algumas companhias confiáveis e de sangue puro...
Olhei para a metamorfomaga, com uma das minhas expressões mais fulminantes que podia fazer.
-Eu posso ser sangue puro, mas de acordo com os padrões dos Comensais da Morte, sou uma “amante de trouxas”. E além do mais, se tem algo que eu não seria com Malfoy é confiável.
-Não se pode ter tudo. – suspirou ela de novo, pondo a mão na maçaneta do escritório de Simeons.

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