Luna Em Seus Caminhos



Como Eu Vejo


Capítulo Três – Luna Em Seus Caminhos

Agora eu já descobri o que seriam os tais Escritos Negros. Depois que Ginny deixou o queixo cair, depois que Ron perdeu a fala e Harry me olhou chocado, como se não acreditasse que eu poderia carregar algo tão importante, Hermione mandou todos para fora do quarto e me contou. Antes que ela começasse eu percebi que ela estava se esforçando para me tratar bem, porque ela mesma devia estar louca para poder virar aqueles escritos de ponta cabeça, e examinar cada orelha do papel, cada dobra e cada runa.
-Você nem imagina mesmo o que é isso, Luna? – ela me perguntou naquele momento.
Eu, que estava pouco me importando com os escritos, e sim com o meu pai que eles tinham levado, sacudi a cabeça.
-Os Escritos Negros – começou Hermione, se esforçando para conter o tom didático. – são pergaminhos muito antigos, do tempo de Grindewald. Você já ouviu falar dele, não?
-Já... – murmurei, ainda não muito interessada. – O bruxo das trevas que o Professor Dumbledore derrotou.
-Isso mesmo – concordou ela, enrolando ansiosamente uma mecha de cabelo crespo nos dedos. – O caso é, esses pergaminhos podem conter todo o poder que Grindewald deixou adormecido. Não, não que Dumbledore tenha deixado algo pendente, ele o destruiu mesmo, e não deixou chance alguma para que ele volte. Mas o caso é, Voldemort está muito interessado no poder que foi de seu antecessor.
Recostei-me na cama, pensando. Não sei se Voldemort é muito inteligente ao tentar concentrar tanto poder. Talvez ele ache assim que vai durar para sempre. É engraçado pensar que alguém tão assustador quanto ele se amedronte de pensar que vai morrer um dia. Porque, no final das contas, tudo é engolido pelo tempo. Não dá pra ser permanente. E as poucas coisas que duraram até hoje não são mais as mesmas...
-Por quê? – perguntei, o que sinto agora ser também uma pergunta infantil.
-Eu não sei – ela confessou. – Mas ele quer. E se ele conseguir, bem... Teremos que nos preocupar em encontrar uma falha nestes escritos, além de encontrar as Horcruxes.
Eu não sei o que são Horcruxes, pelo menos não ainda, mas não me dei ao trabalho de perguntar naquela ocasião. O que fiz foi apenas me endireitar, girar na cama e colocar os pés no chão.
-Oh não, nem pensar – Hermione me parou, ainda naqueles gestos meio maternais dela. – Você acabou de despertar. Está na sede da Ordem da Fênix e pode ter que se acostumar à nossa rotina enquanto procuramos o seu pai.
-Eu vou lutar também, Hermione – interrompi-a, um pouco chateada de ser a criança a ser protegida do conto de fadas. – Agora que vocês pararam de fugir de mim, claro. Antes era meio difícil fazer qualquer coisa, sozinha.
Ela engoliu em seco, parecendo envergonhada. Não sei por quê. O momento de ajudá-los era agora, e não antes, e eu compreendia isso, afinal.
-Luna – ela fez uma pausa. -, tudo é muito perigoso, você sabe disso. Não sei se podemos colocar outra dos nossos amigos no meio de tudo isso, arriscar mais uma pessoa...
-Eu não vou atrapalhar vocês – cortei-a, antes que ela se enrolasse muito na sua desculpa. – Prometo. Só vou ajudar a encontrar o meu pai.
Hermione ficou ali, olhando para o nada. E eu me senti mesmo quando eu tinha oito anos e meu pai estava discutindo com a minha mãe se eles deviam me deixar ir dormir com Betsy Oliwand, minha vizinha trouxa, que ficou minha amiga depois de me ver lutando contra um gnomo no jardim. Minha mãe disse a ela que o gnomo era um brinquedo ‘ecletrônico’, ou coisa assim, minha mãe entendia de trouxas. E meu pai tinha certeza de que eu acabaria contando a ela sobre Hogwarts, ou sobre o Beco Diagonal. Foi mais ou menos isso naquele momento. Eu tinha oito anos e minha mãe estava ponderando se eu deveria ou não brincar com os mais velhos.
-Eu vou conversar com Lupin sobre isso, certo? – ela me prometeu. Vou falar com o seu pai e ver se os pais dos seus amigos são boa gente, certo?
Antes que eu pensasse em responder, ela estava mais uma vez em pé.
-Ginny deve vir logo com o seu almoço – ela mudou de assunto. – Você teve uma noite difícil.
E aqui estou eu agora, assistindo à briga de suas corujas em cima de um telhado, através da janela escancarada. Hermione está tentando ser legal comigo, eu sei. Ela está preocupada comigo e com o meu pai, e tem medo do que podem fazer com ele, mesmo que não tanto quanto eu. Mas os Escritos Negros com certeza foram o meu atrativo. Todos querem derrotar o maior bruxo das trevas de todos os tempos. Mas nós sabemos que apenas Harry conseguirá fazer isso. E eu me pergunto se o fato de decifrarem esses Escritos muda realmente qual deles irá vencer.
Oh, veja, parece que a coruja marrom venceu. Ela jogou a carta pela chaminé primeiro... Corujas muito prestativas acabam tendo esses problemas, sabe? E quando querem ser melhores do que as outras, a coisa se complica mais.
Só agora me ocorre que eu deveria ter entregado os Escritos Negros para os Comensais da Morte. Afinal, era isso que eles queriam com meu pai, apenas isso. E agora Voldemort teria os seus tão desejados poderes.
Hum... É por isso que eu fui para a Corvinal ao invés da Grifinória. A coisa racionalmente correta é pegar logo esses papéis e entregar a Voldemort, em troca do meu pai. Não é possível que haja tanto poder assim nesses pergaminhos, se o dono deles foi derrotado.
Mas eles não vão gostar se eu fizer isso. Estarei encrencando-os bastante, eu acho. Mas meu pai está bem mais encrencado. E eles estão traduzindo as escrituras ao invés de procurá-lo. Meu pai é uma pessoa muito boa, e não merece ser refém de Voldemort; eu sei que ele faz coisas horríveis com as pessoas que ele prende. Não que alguém mereça as torturas e as maldições, mas com certeza o meu pai não fez nada que valha esse castigo.

Eu voltei para casa, no Natal do meu segundo ano. Era bem a época em que todos estavam caçando Sirius Black, quando o Ministério todo achava que ele era culpado das mortes na noite em que os pais de Harry morreram. Eu estava passando pelo corredor de um dos vagões do trem, puxando meu malão verde-ácido com algumas patas de coelho-espinhoso da Bolívia, que protegiam contra ladrões. Mas mesmo assim, uma das portas das cabines se abriu quando eu passei.
-Ei, Loony! – não era necessário virar-se para saber que quem falava era Zacarias Smith. Ele é o tipo que se diverte fazendo esse tipo de coisas comigo, entende. – Como vão os amigos imaginários?
Era uma teoria que ele desenvolvera havia poucas semanas; como ninguém gostava de mim e ninguém queria ser meu amigo, eu deveria ter amigos imaginários, e esse devia ser o motivo de eu ser pega falando sozinha, às vezes.
Mas eu me virei, fechando a cara.
-Não tão bem quanto as suas habilidades em quadribol. – rebati. Eu sabia que tinham chutado o menino do time, quando foram repor alguns jogadores. Smith nem engoliu em seco antes de responder.
-Pelo menos eu não sou um anormal que fica falando sozinho e vendo coisas em todo lugar – ele retrucou, embora parecesse mordido. Pisquei com inocência.
-Você poderia descobrir que o anormal é você, se não medisse tudo pelo que você vê, sabe...
-Não, Loony, não sou eu o maluco aqui, com certeza! – e as pessoas começavam a entreabrir as portas de suas cabines para nos ouvir, enquanto os amiguinhos dele ouviam com um risinho escondido. – Não sou EU quem anda por aí sozinho, porque ninguém agüenta ficar comigo... Não sou eu que sempre vou para casa numa cabine só para mim, porque ninguém ia querer ser visto comigo...
A isto uma porta se abriu num gesto bem largo; os vidros estremeceram e quase se quebraram. Vi um perfil de garota ir saindo a toda velocidade e reconheci com certa surpresa uma menina da Grifinória, Ginny Weasley. Até então nunca tínhamos nos falado muito, apenas nos conhecíamos de algumas aulas em comum.
-Smith! – ela exclamou, parecendo furiosa. – O que diabos você está fazendo?
O outro encarou-a, como se a última coisa que esperasse era que ela aparecesse.
-Nada que seja da sua conta, Weasley...
Mas ela estava olhando para mim, para depois virar-se e de repente passar um braço pelos meus ombros.
-Não dê ouvidos a ele, Luna... Nós sabemos que ele tem problemas mentais... – e girou um dedo do lado da cabeça. Depois puxou meu malão para mim e fez menção para que eu entrasse.
Não vi a cara com que deixamos Smith, mas Ginny fechou a porta com tanta violência quanto abrira e indicou um espaço para que eu me sentasse. Vi-me de repente entre uma roda de garotas da Grifinória, todas amigas dela, mas bem longe de serem minhas amigas.
Entretanto, Ginny é mesmo uma boa amiga.


Hum, minha cabeça está doendo. Quando me sentei muito depressa, ela girou um pouco, e agora é como se estivessem sacudindo um saco de sininhos. Nada confortável.
-Luna? – a porta se abriu com um tapa para admitir Ginny em meus novos aposentos.
-Olá. – respondi, olhando para a bandeja que ela levitava com uma bela disposição.
-Bem, eu trouxe o seu almoço – ela disse, verbalizando o óbvio. – Como está se sentindo?
-Estranha. – falei, enquanto ela posicionava a bandeja com frango, ovos e outras coisinhas. – Me conte sobre a guerra.
Ginny parou bem no meio do gesto de se sentar ao meu lado e fitou-me.
-Contar o quê?
-Sobre a guerra. Como é lutar nela. Como está a situação, se estão ganhando ou perdendo. Como você está no meio de tudo isso... Acho. – enchi a boca com comida e não pude dizer mais.
Ginny pôs uma mecha de cabelo de fogo atrás da orelha e me encarou com cautela.
-Ah, é estranho definir – ela começou, meio incerta. – Tivemos uns avanços interessantes ultimamente, sabe. Estamos trabalhando bem juntos... Mesmo sem Dumbledore. – e de repente ficou quieta.
-Ele faz falta. – murmurei.
-É. – Ginny assentiu. – Não achei que veria aquele bruxo morrer um dia. Ele parecia eterno, como se o tempo passasse direto por ele... Enfim. Ei, coma mais frango, vai te ajudar a melhorar mais depressa... Eu encaro Comensais da Morte de vez em quando, mas sou muito esquentada e perco a cabeça muito facilmente em batalha, você me conhece...
Assenti, e engoli, coçando a orelha que segurava minha varinha. Eu não estava em risco ali, mas nunca se sabe, ainda era melhor deixá-la ali.
-E Harry? Vocês estão juntos?
-É, bem, estamos. Apenas de nome, sabe, porque ele anda tão sombrio nestes últimos tempos... Ele está esquisito, sabe. – com isto, Ginny cruzou as pernas e apoiou um cotovelo no joelho. – Ele parece estar evitando a gente, sabe. Achei que ele já tivesse se acostumado com aquela coisa de ele ter que matar Voldemort, mas ultimamente ele andou muito mal.
-Alguém da Ordem que morreu? – eu perguntei.
-Hum... Tivemos umas duas baixas semana passada, mas eles não eram próximos de Harry. Eram dois vampiros, convocados por Lupin... – os olhos castanhos de Ginny vagaram pela mobília do quarto. Ela tinha ainda um ar de incerteza, como se tivesse sido pega de surpresa por uma pergunta tão corriqueira quanto a minha. – Desde que Dumbledore morreu, você sabe... Foi um marco na personalidade dele. Harry nunca mais foi o mesmo. Ele tentou me abandonar depois do sexto ano, quando ele quis ir até Godric’s Hollow. Então Ron e Hermione foram atrás dele, e eu também. Depois que montamos a Ordem outra vez, com uma posição mais importante para ele, nós acabamos, hum... juntos.
Bebi um pouco daquele suco que tinham me trazido. Deveria ser laranja. Eu estava tão acostumada com abóbora que estranhava outros sabores.
A isto, a porta se abriu. Um perfil ficou escondido nas sombras.
-Ginny? – Harry chamou.
-O que foi? – a ruiva perguntou, virando-se de repente.
-Reunião – ele falou, olhando para o chão. – Hermione e Ron parecem ter decifrado uma parte dos Escritos.
Ginny se levantou devagar, com um olhar de despedida para mim. Eu me segurei na cabeceira e tentei me levantar, também.
-Você fica, Luna – Harry me cortou, quase de costas para mim.
-Eu vou – insisti, e Ginny tentou me amparar quando eu fiquei de pé. Minha cabeça girou um pouco, minhas costas doeram, mas eu não estava disposta a ficar por mais tempo naquela cama. – Eu vou lutar para salvar o meu pai, Harry. Você sabe que eu tenho o direito de fazer isso...
Ginny me olhou, apreensiva, como se temesse o homem com quem ela própria estava; então eu me soltei e respirei fundo, esperando alguma reação de Harry.
-Você pode ir na frente, Ginny? Nós nos encontramos lá embaixo.
Ginny fitou o namorado com frustração; ambas percebemos que ele estava muito acostumado a dar ordens às pessoas. Acostumado demais. Mas ela, eu via claramente, não gostava de ser tratada assim. Se seis irmãos ruivos não haviam conseguido dominá-la, o que se poderia dizer de um camarada atormentado com uma cicatriz na testa?
-Harry – cortou ela, com raiva escapando em seu tom – Que tal ser um pouco mais educado comigo?
Afinal, a porta se abriu e Harry entrou no quarto. Quando ele ergueu a cabeça, eu vi que ele tinha o olhar nos ombros de Ginny, com as sobrancelhas caídas. Eles haviam acabado de encontrar os Escritos Negros, que pelo jeito eram importantes, e mesmo assim ele não estava animado.
-Certo – resmungou ele, com as mãos nos bolsos e o rosto cansado. – Por favor, Ginny, tenho que esclarecer algumas coisas com a Luna. Poderia descer e encontrar Ron e Hermione?
A ruiva ergueu uma sobrancelha; com certeza tinha esperado algo mais humano, menos formal. Ela estava sentindo falta de um pouco de valorização, pelo que eu pude enxergar. Bem, não é de surpreender. Harry sempre foi um Bufador de Chifre Enrugado com coisas de sentimentos. Depois passou por ele e tocou seu ombro; com isso passou pela porta, acenou para mim e foi-se.
Ergui os olhos para Harry, mas não encontrei os dele. Os cabelos dele estavam tão bagunçados que ele parecia ter acabado de acordar de um pesadelo, e a cicatriz na testa dele estava avermelhada.
-Voldemort anda te perturbando muito ultimamente – comentei, casualmente. Harry deu-me as costas de pronto, e eu fui abrilhantada com uma mera visão dos ombros dele, onde estava pendurada uma capa gasta e manchada.
-Isso não é da sua conta, Luna. – ele sibilou, e eu abri bem meus olhos. – Agora, você precisa entender que não pode participar das reuniões da Ordem da Fênix.
-Engraçado você achar que está certo – resmunguei – quando você nem mesmo diz isso olhando para mim. Eu tenho certeza de que a janela não está interessada em lutar na guerra, Harry.
Ele passou a mão pelo rosto, em um novo gesto de impaciência e frustração.
-Luna, eu... – ele respirou fundo, ainda sem se virar. – Escute. Estamos com muitos problemas. Eu sei que você está preocupada com o seu pai, sei que ele é importante. Mas a guerra não é um salvamento, você tem que entender isso. Ela só vai terminar em mortes, e você precisa se convencer disso.
Sim, sei que parece uma fala amarga e contida, mas mesmo assim fiquei quase satisfeita; ele tinha me revelado bastante coisa sobre o que estava pensando.
-Eu também sei de algumas coisas, entende... – murmurei, de repente me distraindo com meus próprios pensamentos. – Sei que estamos em guerra, e que não estávamos brincando na AD... E você me ajudou a perceber isso, na verdade, você e os outros. Porque na AD eu tinha amigos, e na guerra eles aparentemente não se lembraram de que eu tinha treinado com eles...
Isso fez com que ele parasse se falar bobagens.
-Você não queria lutar – ele disse, mais para ele mesmo do que para mim.
-Ah, eu queria. – repliquei. – Mas você não se lembrou disso. Tudo bem, Harry, tudo bem mesmo. Eu esperava que vocês nunca fossem precisar de mim, mas agora precisam.
Ele fez menção então de se virar, mas ficou no meio do caminho. Mesmo assim, eu consegui ver que ele tinha um sorrisinho malicioso na boca. Claro, como Harry Potter poderia precisar de mim para qualquer coisa?, ele estava pensando.
-Será que podemos ir logo para essa reunião? – cortei-o, quando ele abriu a boca para falar. – Seus subordinados, amigos ou o que quer que sejam, estão nos esperando lá embaixo.
E com isso, ele deu de ombros e foi até a porta. Eu fiquei ali de pé, apoiada na cabeceira da minha cama.
-Muito bem – eu disse, já mais animada. – Não precisa me ajudar a andar, Harry.
Ele finalmente olhou para mim, embora não nos olhos; de novo aquele olhar nos ombros, como se ele quisesse me ver mas não quisesse ser visto. Por que Harry estaria com esse desejo estranho de ser invisível nos últimos dias? Se não estou enganada, ele possui sua própria capa (segredo também revelado por Ginny, que Hermione deixou escapar nos tempos de escola), se quiser fazer isso.

*-*-*-*-*-*

A sala onde eles se reuniam era pequena, apertada; aparentemente, eu entrara na Ordem direto para o primeiro escalão, pois ali havia apenas sete pessoas, contando comigo. Ron, Hermione, Ginny, Harry, Lupin, Tonks e eu. Lupin estava bastante diferente; era como se a vida passasse mais depressa para ele, que já tinha o rosto marcado e cabelos brancos protuberando progressivamente. Tinha os ombros curvados, embora os olhos fossem bastante surpreendentes. Ele examinava tudo em volta, como se estivesse sempre tentando absorver cada informação, cada detalhe. Estava na cara o quanto ele estava se dedicando à guerra.
E Tonks, para meu choque, pouco tinha mudado. Eu devia ter imaginado que aquela alegria dela a congelaria no tempo. A bem da verdade, talvez ela fosse a única responsável por manter meia dúzia de fios de cabelo de Lupin ainda castanhos.
Entrei logo depois de Harry, e todos me olharam espantados. Inclusive Ginny. Hermione de imediato se levantou de seu lugar e virou-se para Harry (este tinha mais uma vez o olhar no chão).
-Harry, nós tínhamos decidido que...
-Luna vai participar das reuniões agora – ele cortou-a, apontando um lugar para mim entre ela e Ginny. Depois se sentou na ponta da mesa, e fitou a superfície lisa por uns momentos, em que todos se entreolharam. Lupin me olhou com certo reconhecimento, e Tonks chegou a piscar para mim, parecendo satisfeita. Naquela manhã, apenas para que se constate, ela tinha cabelos verdes e lisos até os ombros, e os olhos negros; o restante estava como de costume. – A partir de hoje, ela será integrada na Ordem da Fênix.
-Mas Harry – Hermione não se acalmou com o anúncio. – Nós falamos sobre isso. Luna nunca participou de nenhuma missão, e não tem experiência... Desculpe, Luna, mas só estou sendo sensata... Você não pode começar numa missão como essa, de salvar o seu pai.
-Suponho que eu já tenha exposto tudo isso a ela – Harry replicou, e eu me distraí nesse ponto, pensando em como ele estava estranho. Não era só o medo de encarar as pessoas a novidade por ali, ele também estava mais amargo e mais sarcástico, caso não tenham percebido. Hum, se não perceberam, sinto muito, mas talvez devam retomar suas aulas trouxas de interpretação de texto. – E mesmo sabendo de todos os ricos que membros desta Ordem correm, especialmente o de uma morte extremamente dolorida nas mãos de Lord Voldemort, ela quis participar.
A fala de Harry me fez lembrar nitidamente do modo tranqüilo com que Dumbledore anunciava as coisas mais assustadoras e apavorantes que aconteciam em Hogwarts, com a diferença que Dumbledore não falava o nome de Voldemort apenas para causar pânico nos presentes. Harry parecia nos afastar, no começo, quando ele falava o nome dele; meio que para nos lembrar que nós éramos muito covardes e como ele estava acima de nós.
Hermione se sentou, parecendo frustrada, enquanto Ron, ao lado dela, respirou fundo, olhou para o teto e coçou a nuca, visivelmente se controlando para não dizer mais nada que a tirasse do sério.
-Bem – Lupin respirou fundo. – Agora que estamos todos aqui, imagino que possamos começar. – ele lançou uma olhada para Harry, como se esperasse que ele concordasse. Como ele não se mexeu, Lupin prosseguiu se qualquer forma.
-Estamos tendo um desempenho lento demais para destruir as Horcruxes. – O que será que são Horcruxes? Espero que depois Ginny não se importe de me explicar. – Desde que Hogwarts fechou, capturamos apenas o medalhão. Ainda nos restam a cobra Nagini, a taça de Hufflepuff e algum objeto deixado por Ravenclaw ou por Gryffindor, de acordo com as teorias de Dumbledore. A cobra, ao menos, é inatingível no momento, já que Voldemort a mantém próximo dela todo o tempo e raramente ataca em pessoa nos últimos tempos.
Silêncio, no qual eu contribuí, viajando na variedade de coisas que poderia ser uma Horcrux.
Lupin suspirou.
-Restam duas Horcruxes cujos registros devem ser investigados imediatamente.
-Não temos ninguém da Lufa-Lufa na Ordem que saiba das Horcruxes – comentou Ginny, dando de ombros. – E também a linhagem da fundadora se perdeu, ou qualquer outro vestígio dela...
-E também se nem mesmo sabemos a quem pertenceu o último objeto, não temos como procurá-lo. – acrescentou Ron, parecendo muito desanimado então.
Mas Tonks de repente ergueu a cabeça.
-Todos aqui fomos da Grifinória, e trouxemos a espada de Godric para cá, de modo que não há como ser dele... E Harry, você é um gênio, cara. – ela se voltou para mim subitamente. – Luna pertenceu à Corvinal! Ela conhece aquela Casa como a palma da mão, e a história da fundadora também, não é?
Surpresa com a atenção repentina, assenti levemente. Hermione tinha seus olhos incrédulos pousados em mim, enquanto os outros de repente demonstraram traços de esperança.
-Sabe de qualquer objeto que Rowena Ravenclaw possa ter deixado no passado, Luna? – Lupin arriscou, validando a opinião de Tonks.
-Ah... Não mais do que todo mundo – eu respondi, em tom inocente. – Apenas sobre a bruxa poderosa e sábia que ela foi, nada além de sua fama mal compreendida de vampira, apenas porque costumava se transformar em todos os tipos de aves, incluindo hipogrifos...
Todos trocaram olhares estranhos, e depois senti uma onda de desânimo infectando cada um naquela mesa.
-Bem... – suspirou Lupin. – Parece que teremos que seguir com o plano inicial mesmo. – ele fez uma pausa, olhando de relance para Ginny. – Parece que foi de alguém saindo do Ministério da Magia que seu pai conseguiu os Escritos Negros, não?
Assenti, levando uma mão ao lóbulo de uma orelha, distraidamente. Eu me acostumei a mexer nos meus brincos quando olham muito para mim.
-Então, só nos resta passar mais um pente fino pelo Ministério... Por mais que mexamos lá dentro, sempre temos algumas maçãs podres. Ginny e Tonks...
A partir daí, eu ouvi Lupin designando Ginny e Tonks para uma missão aparentemente enfadonha de ir até o Ministério. Fiquei pensando por que eles não manteriam o tempo todo membros lá dentro, já que os Comensais devem formar quase um departamento inteiro, mas imaginei que mesmo que mantivessem, não era ninguém do grupo de elite. Pensei isso e sorri comigo mesma, involuntariamente.
Quando ergui a cabeça desse sorriso, vi um flash do olhar de Harry sobre mim. Um flash mesmo, porque ele desviou tão logo percebeu que eu me mexi. Estava me observando em segredo, o que é no mínimo esquisito. Eu já falei tudo, o que mais ele pode querer saber de mim?
Pensar em Harry agora que eu o vi depois de tanto tempo presa em casa é um pouco desconfortável, porque às vezes ele age como se não fosse ele, como se estivesse construindo outra personalidade para deixar morrer na guerra.
Acho que eu já tinha me esquecido disso quando a reunião terminou; todos eles foram se levantando. Ginny e Tonks foram as primeiras a sair, aparentando um desânimo universal e implacável, como se nada pudesse salvar suas vidas agora que teriam que espionar o Ministério da Magia. Caminhei atrás de Hermione para a porta, que ainda não tinha uma expressão exatamente satisfeita, embora resignada. Ela está começando a entender as minhas razões, eu acho. Paciência. Se ela entendia História da Magia, lecionada por um fantasma enfadonho e que ainda deve acreditar estar vivo, certamente é capaz de me compreender.
Harry passou depois de mim a passos rápidos para as escadas e sumiu na virada para um corredor de quartos; dei uma parada brusca e Ron topou com tudo em mim, tropeçando e derrubando um conjunto de pergaminhos amassados que vinha carregando.
-Genial! – exclamou ele ironicamente, sacando a varinha. – Vou ter que reordenar tudo... Accio pergaminhos!
-Desculpe. – falei simplesmente.
Ron parou, com os braços cobertos de papel até o queixo, e olhou para mim.
-Ah, tudo bem – replicou ele, depois de respirar fundo. – Eu só estou pirando mesmo, Luna, não ligue pra mim, não. É que estes trabalhos da Ordem deixam qualquer um maluco, lunático... Opa, me desculpe por essa.
Ergui as sobrancelhas com curiosidade.
-O que você me fez?
Ron tomou fôlego para responder, mas desistiu.
-Não, só foi que... hum, antes, os outros...
-Você quer ajuda com isso? – ofereci, antes que ele derrubasse os papéis de novo, já que estava tentando andar, carregar aquilo e responder à minha pergunta.
-Hum... Seria legal. Aqui – e me entregou pouco menos da metade dos rolos, que fizeram o nível de sua carga baixar até os ombros. – Tenho que deixar isso na mesa da sala, onde Hermione e eu estávamos trabalhando.
Com a minha parcela mal dividida fui atrás dele até o cômodo em questão; não podia deixar de perguntar.
-São os Escritos Negros?
Ron despejou tudo na mesa e olhou para mim, meio esbaforido.
-Sim, são – respondeu ele, pegando a minha parte. – Hermione tirou cópias ampliadas, de trás para a frente, em relevo, com bolinhas azuis, com listras roxas, de todas as maneiras que você imaginar, para poder traduzir tudo isso. Até agora nós só conseguimos dois malditos feitiços, que já aleijaram três dos nossos membros, e eu acho que Harry já mandou chamar McGonagall, eu acho que a vi por aí, ela que deve encontrar os contra-feitiços.
-Harry encarregou você e Hermione de fazerem isso?
-Hum-hum – ele resmungou, sentando-se no chão em frente à mesinha rebaixada.
-Engraçado – comentei, olhando para o teto e as janelas. – Eu fui a única que não recebeu nada para fazer na reunião da elite da Ordem da Fênix.
Ron parou no meio da tarefa de desenrolar um pergaminho.
-Ah, mas não pode ser tão rápido, não é – ele disse, depois de pensar um pouquinho. – você acabou de entrar... E nem fez Runas Antigas em Hogwarts, ou fez?
-Não. – respondi. – Mas tampouco você.
-Ah, eu desisto – Ron falou em tom mais alto, passando uma mão exasperada pelo cabelo, que ficou cheio de marcas. – Eu não sei o que o Harry está querendo, Luna. Não sei mesmo. Ele está ficando cada vez mais maluco, e nós só encontramos uma Horcrux nessa história toda, ainda temos dúzias de coisas pra fazer e... Ele vai te passar alguma missão, quando encontrar uma. Eu espero.
Com isso, debruçou-se sobre os papéis mais uma vez, embora não estivesse nada concentrado. Olhei para ele por um momento e me sentei no sofá, lentamente.
-Você está preocupado com Harry?
Ron ergueu a cabeça, aparentemente desistindo de traduzir os Escritos sem Hermione.
-Bastante – ele confessou, virando-se para mim. – Ele parece ter mais medo dos amigos dele do que dos Comensais da Morte. O imbecil fica fechado no quarto, em muitas incômodas vezes com a minha irmã lá dentro, ou olhando pro nada, pensando em como é miserável essa vidinha de herói dele, fadado a salvar todo mundo e achando que...
Ele fez uma pausa que eu não entendi.
-... que ele está bem atrás de você, Luna... Olá, Harry... – completou ele, com a voz mais baixa e mais baixa até sumir.
Então a pausa ficou explicada.
Pensei se deveria me virar também, mas Harry mostrou que isso não era necessário.
-O imbecil resolveu descer para ver mais uma vez quais eram os dois feitiços que você encontrou, Ron. – e depois de um momento de silêncio: - Eu sei que a sua vida não foi muito emocionante durante esse tempo, Luna, mas não justifica que você fique investigando a minha.
Eu me senti muito mal naquele momento; Harry sempre tinha sido o único que sabia dizer coisas que me encorajavam, além do meu pai. Quando todos, até Ron e Hermione, talvez até Ginny, estavam rindo de mim, ele era o único que não achava graça. E ouvi-lo falando comigo daquele jeito, como se eu fosse, digamos, Draco Malfoy, foi terrível. Como perder a segurança de que eu tinha amigos em algum lugar.
Ron se mexeu incomodado ao ouvir isso também, mas ainda sem sentir o efeito total daquela fala eu pude responder:
-Acho que minha vida foi bastante boa nesses anos de guerra sim, Harry. Na verdade, eu aprendi a desenhar quadrinhos com o meu pai e tive alguém para conversar comigo sobre qualquer coisa. Quando se tem muitos amigos trabalhando para você como se fossem seus empregados, você acaba achando que é superior a eles e se força a ser superior mesmo, no fim. Não é muito legal também.
Houve um momento de silêncio, de novo.
-Um a zero para a Luna, Harry. Você tem que assumir. – Ron disse com uma nesga de sorriso.
Mas Harry não sorriu. Parou apenas de apertar o encosto do sofá e andou até ficar bem na minha frente. Ergui os olhos, mas ele fitava o quadro na parede atrás de mim, um belo retrato de Stranfordius Black III, um ancestral qualquer que só fazia dormir.
Como ele não dizia nada, achei que ele estivesse esperando que eu me pronunciasse.
-O que foi? – perguntei, na minha estúpida inocência.
-Luna – ele murmurou, pronunciando meu nome muito devagar. – eu tenho meus motivos para tudo o que eu faço. Não reclame. Nós nem mesmo votamos a sua entrada na Ordem da Fênix, que é o que deveríamos ter feito.
Suspirei.
-Eu acho que devia ter sido votada, sabe – murmurei. – Talvez tivessem me recebido melhor.
Sorrateiramente, vi Ron se levantando de onde estava e saindo de fininho por trás do amigo.
-Depois nós conversamos, eu acho – Harry falou, de costas para o ruivo.
Vi Ron assentindo antes de me desejar um boa sorte e sair da sala.
Só então Harry se mexeu e sentou-se na poltrona à minha direita. Apoiou a cabeça no encosto e ficou fitando os Escritos, que dessa vez Ron não levara com ele.
-Você não é Harry. – murmurei de novo.
-Eu sei. Todos ficam o tempo todo dizendo que mudei demais nestes tempos. Ginny fica pondo a culpa na guerra, mas Hermione e Ron, você viu, apenas acham que eu sou um imbecil. – ele fez um gesto indiferente com a mão esquerda.
-Você é um venusiano. – insisti.
-Um... o quê? – ele parou no meio de seu discurso profundo e se endireitou na cadeira; outro flash e pronto, os olhos dele vieram e se foram de mim.
-Um venusiano. – expliquei. – Eles estão aprendendo a fazer estações de aparatação em lugares estratégicos, que permitem viagens a planetas desconhecidos. Você já ouviu falar deles, claro, são seres bastante curiosos e você é um deles. Com certeza entrou no corpo de Harry Potter, que é por acaso um bom amigo meu, e está com medo de todos nós, por isso pegou o nosso chefe.
Harry ficou em um silêncio estupefato quando arrematei a minha descoberta:
-Eu queria pedir que você saísse dele agora, entende. Estamos em guerra aqui na Terra e precisamos do Harry normal para vencê-la.
Por um instante, uma risada fraca e grave soou baixinha; mas era tão estranha que pareceu ressoar nos meus ouvidos por um bom tempo. Como se me remetesse a uma vida passada. Harry Sombrio Potter estava sorrindo.
-Do que você está rindo? – perguntei. – Guerras são muito sérias aqui na Terra, as pessoas lutam e morrem muitos, por causa de poder na maioria das vezes, ou de terras, embora eu não saiba para quê... Em Vênus não é assim?
-Luna – ele disse, com um toque de humor. – Eu não sou um venusiano, ou como quer que isso se chame. Sou eu mesmo, apenas.
-E quem é você mesmo? – perguntei, decididamente voltando meu olhar para os verdes dele, que piscaram vagamente.
-Hum... Acho que sou um imbecil. – ele disse, se levantando. – Agora, acho melhor você dormir. Talvez seja bom para você pesquisar um pouco sobre o paradeiro de seu pai, a partir dos Escritos Negros.
Meu pai.
Meu pai machucado, meu pai desacordado, ferido, morto, picado, esmagado. Uma seqüência nada agradável de imagens inventadas por uma mente apavorada. Eu fiquei me preocupando com todos os casos de insanidade mental que estão se desenvolvendo por aqui, que me esqueci dele. Como pude fazer isso, Merlin? Meu pai. Depois daquilo que Harry falou, a única pessoa que me encoraja.
-É. – respondi, bem monossilábica. – Eu quero salvar o meu pai. E ele quer ser salvo.
-Com certeza quer – Harry falou, com o olhar nos meus pés. – Não é tão simples querer ser salvo.
-Não? – perguntei, me erguendo do sofá e fitando Harry tão inquisitorialmente que me surpreendia que mesmo assim ele não reagisse.
-Não. – ele insistiu.
Andei até ele involuntariamente, é sério. Dei dois passos de modo a, de alguma forma, forçá-lo a uma conversa humana aceitável.
-Por que você não ia querer ser salvo?
Foi quando aconteceu. Os olhos verdes tremeram, piscaram de maneira tensa.
Para depois se fixarem em mim.
-Porque eu tenho medo, Luna.
E com isso pôs uma mão no meu ombro, me empurrou sem força para o lado e passou, sumindo no lance de escadas e depois no corredor seguinte.

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