Luna Por Ela Mesma



Como Eu Vejo


Capítulo Um – Luna por ela mesma

Eu gosto de ser eu mesma. Não tem muita gente que possa sair por aí dizendo que se chama Luna. Muito menos Lovegood. Sou uma sortuda. Só de ter sobrevivido até hoje, em meio a toda essa guerra maluca. Minha mãe, por exemplo, não conseguiu, o que é uma pena, porque as Appleby Arrows foram campeãs no ano passado e tenho certeza de que ela gostaria de ter visto. Eu mesma estava ansiosa para saber quem ganharia o Campeonato Irlandês-Britânico deste ano, se nós tivéssemos um. Você-Sabe-Quem mandou uma equipe de mais ou menos cinco Comensais da Morte até os treinos do Puddlemere United... Foi realmente uma pena que eles tenham acabado matando o técnico, que era nascido trouxa e andava fazendo uns serviços de apoio à Ordem da Fênix.
Esta aqui no espelho sou eu, veja só. Meus cabelos são amarelos, também gosto deles, e compridos, embora sempre pareça ter algo de estranho nas raízes que eu não consigo tirar com feitiço nenhum... Esses aí são meus olhos, bem claros; papai diz que são iguaizinhos aos da minha mãe, e gosto de pensar que eu carrego um pedaço dela comigo. Quando eu estava em Hogwarts e eles escondiam minhas coisas, ajudava a pensar que nem todo mundo achava isso divertido. Estes brincos de beterraba não são lindos? Eu os uso desde o quinto ano, acho que peguei algum carinho por eles, entende. Eu estava com eles quando enfrentei Comensais da Morte pela primeira vez, no Departamento de Mistérios. Nós fomos tentar buscar o padrinho de Harry – sim, o Harry Potter! Ele é meu amigo, acredite se quiser... – que parecia estar em perigo. E então acho que os outros perceberam como pode ser útil carregar a varinha atrás da orelha, você sabe, está muito mais à mão quando se precisa dela do que dentro do bolso das vestes.
Eu não sei se sou bonita. Papai diz que eu sou, mas acho que os garotos que eu via em Hogwarts não concordavam muito... De qualquer forma, este aqui é o meu quarto. Pequeno, eu sei, mas acho que é mais por causa das reportagens interessantíssimas que gosto de colar nas paredes. Eu não deveria ainda usar magia pra isso, já que só faço dezessete anos perto do Natal, mas o Ministério já revogou essa lei, já que não se pode proibir alguém de praticar feitiços em tempo de guerra. Também coloquei uns vidros com poções que mamãe costumava dizer que eram úteis, além de uma bola de cristal que ganhei do meu pai no ano passado. Ele a encontrou numa lata de lixo, e ficou com pena, pensando em como poderia ser útil ter uma bola de cristal em casa. Se eu tivesse pegado as aulas da Prof.ª Trelawney, quem sabe ela tivesse me ensinado a usá-la, mas Firenze estava mais interessado em nos fazer observar as estrelas.
Minha casa é pequena, porque meu pai prefere gastar o dinheiro com a revista. Sim, ele é o editor de uma revista muito importante, que o todo o mundo bruxo deveria ler (hum, acho que poderia ser útil para os trouxas também, pensando melhor...), que se chama The Quibbler.
Hogwarts não abriu desde que eu terminei o meu quinto ano. Nem mesmo recebi os resultados dos meus N.O.M.s, até hoje. Ninguém está preocupado com a escola no meio da guerra. Passei um ano todo trancada aqui em casa, e por pouco meu pai não suspendeu a publicação do The Quibbler, porque não tem muita gente querendo ler revista, também.
Mesmo assim, ele parece animado ultimamente com a próxima edição da revista. Está dizendo por toda a casa que será a maior vendagem, desde a entrevista de Harry há alguns anos... E bem, se ele quer vender mais do que vendeu daquela vez, deve mesmo ser algo importante. Quem sabe ele conseguiu uma exclusiva com os vampiros de sangue verde. Talvez até um relato do cotidiano de um lobisomem. O Prof. Lupin, que me deu aula de Defesa Contra as Artes das Trevas no segundo ano, parece ter se recusado veementemente... Aconselhou meu pai a procurar um tal de Greyback, mas pareceu meio irônico... Pensando bem, espero que não tenha nada a ver com lobisomens.
Agora mesmo, ele está entrando pela porta da cozinha, onde eu estou agora, e jogou uma caixa de papelão bem grande na mesa.
-Olhe só para isso, Luna. – ele está dizendo. Papai é um tipo engraçado, sabe. Ele tem uma barbicha que lembra um bode, e tem óculos redondos, que deixam os olhos dele, que acho que são pretos, muito destacados e grandes. Estou acostumada com olhos grandes, os meus próprios são... Ele também costuma usar vestes verde-berrantes, e tem um chapéu que parece mais ou menos com um sapo.
Encarei a caixa.
-Um bufador filhote? – arrisco, sem fazer idéia do que pode ser ali dentro.
-Melhor ainda, Luna – meu pai responde, e animado, puxa a tampa da caixa. Dali de dentro, tira papéis amarelados escritos numa tinta vermelha, e me estende uma folha.
Pego uma delas, esperando que ela grite comigo, ou que reaja de alguma forma a um humano – afinal, folhas de papel, principalmente as amareladas, costumam ser muito temperamentais. Um antigo diário de mamãe que encontrei aos doze anos me deu um beliscão no ombro cuja marca demorou cerca de uma semana pra sumir.
Na folha, vi uma lista de feitiços, o que quer que fosse, e um desenho de um labirinto, que eu não sabia o que queria dizer. Ergo os olhos para meu pai, que parece ainda muito animado, e esperando que eu entenda sua felicidade.
-Não entendi, pai. – murmuro, quase com vergonha.
-Não tem problema, veja. – ele se debruça sobre a mesa e me aponta um feitiço. – Isto aqui um velhote lançou sobre mim quando fui investigar sobre os narguilés da Argélia, lembra-se? Pois então, ele era bem mal-encarado... E depois eu vi uma foto dele como um dos Comensais de Você-Sabe-Quem presos em Azkaban. Interessante, não?
Eu não podia negar que fosse... Quero dizer, quantas vezes se vêem listas de feitiços dos Comensais da Morte...?
-Onde conseguiu isso, pai? – pergunto, por questões de segurança.
-Ah, caiu dos bolsos de um homem que estava saindo do Ministério da Magia, Luna, imagine só – meu pai está assumindo aquele ar contador de histórias ao qual já estou tão acostumada. – No fundo o Ministro está ajudando Você-Sabe-Quem... Parece que ele acha que Harry vai perder... Não confie em ninguém do Ministério da Magia, Luna, ninguém.
-Nymphadora Tonks e Kingsley Shacklebolt me ajudaram uma vez, no Departamento de Mistérios. Eles são Aurores, pai, e me ajudaram.
-Sim, Luna, mas Aurores foram justamente feitos para caçar Comensais, não foram? Eles estão de mãos atadas, você não percebe? – os olhos de meu pai brilharam com sua hipótese. – Não vê que apenas a Ordem captura bruxos das trevas ultimamente? O Ministro parou cada Auror com missões de estratégia, sim, para apenas mantê-los fora das frentes...
Pensei um pouco no que meu pai estava dizendo. Sim, tudo se encaixava. Quando Fudge estava no poder, também fazia as coisas mais egocêntricas para se manter como Ministro. Ele gostava muito de ser o bruxo mais importante da Inglaterra. Na cabeça dele, porque atualmente, o bruxo mais importante da Inglaterra tinha cerca de dezoito anos e se chamava Harry Potter.
Assinto então diante do meu pai. Ele sempre enxerga tão bem por dentro das pessoas. Pena que nem todo mundo o escuta, ele poderia ter sido de grande ajuda para um governo justo e que não quisesse mesmo nada com Você-Sabe-Quem.
-E o que vai fazer com isso agora, pai? – pergunto mais uma vez, sentindo uma certa curiosidade brotando a partir daquela caixa.
-Bem, estou pensando em publicar uma matéria, sobre “Os Feitiços dos Servos de Você-Sabe-Quem”. Pode ajudar algumas pessoas, desde que elas saibam o que está as atacando...
-Mas pai, eles não tem um contrafeitiço?
Ele coça a cabeça, fitou uma página por um momento, balbuciando prefixos que se usavam para montar alguns contrafeitiços. Depois olha pra mim.
-Não sei, Luna. – confessa. – Você pensou bem, querida. De nada adianta as pessoas conhecerem cada detalhe da Avada Kedrava, se ninguém sobrevive à Maldição da Morte...
Fiquei quieta, evitando pronunciar meus pensamentos e contradizer meu pai mais uma vez.
-A não ser... – aparentemente ele está concluindo sozinho, que bom. – Harry Potter! Ele é seu amigo, não é? E está liderando a tal Ordem da Fênix ainda, não está?
Começo a mexer no meu brinco esquerdo, desviando o olhar.
-Está, pelo menos eu acho... – murmuro, fitando distraidamente o monte de pergaminhos. – Mas não sei como encontrá-lo. A Ordem tem uma sede secreta e eu não sei como chegar lá...
-Mas você é amiga dele e dos amigos dele também! – meu pai começa a parecer ofendido por mim. – E também está contra Você-Sabe-Quem... Por que eles não te convidaram para fazer parte da irmandade deles?
-Eu não sou uma bruxa tão boa, pai. – explico, começando a ficar entediada daquela conversa. – Eles precisam dos melhores. Além do mais, a Loony Lovegood não poderia nunca ser ligada a eles, que...
-Bobagem, Luna! – meu pai exclama, chocado, se levantando da mesa. Ele me encara por um momento e começa a reunir seus papéis. – De qualquer forma, vou tentar encontrar uma forma de mandar tudo isso para eles... Acho que farão um uso melhor do que eu. Robert ficará decepcionado, você sabe... Uma matéria dessas poderia vender tanto...
Suspira e vai até a porta. Eu continuo mexendo nos meus brincos.
-Enfim... Há coisas mais importantes do que a nossa felicidade...
Meu pai passou o resto da tarde copiando as páginas, examinando-as e tentando encontrar seu principal repórter, o Roberts que ele mencionou ali em cima. Já eu, estou aqui no meu quarto. Já reli o meu gibi de Mona, a Aprendiz de Trouxa, e estou olhando para o teto, pensando no que fazer. Eu andava desenhando nos últimos tempos, mas já desenhei tanta coisa não consigo pensar em nada diferente. Até o canteiro de abóboras que Hagrid mantinha em Hogwarts eu já tracei. Cada um dos meus colegas de escola que eram legais comigo. Bem, isso me limitou a uns seis ou sete pobres coitados, mas são os melhores seis ou sete de todo colégio, eu não poderia querer ninguém melhor pra ser meu amigo.
Só queria que eles quisessem ser meus amigos também, sabe.
Às vezes um bando de amigos barulhentos faz falta, eu acho. Quando nós tínhamos a Armada de Dumbledore, no quinto ano, eu tinha sempre parceiros, gente que treinava comigo, que não se sentia horrível de me encontrar frequentemente. Claro que alguns não eram tão simpáticos – havia um Smith da Lufa-Lufa que não foi muito legal com os grifinórios no começo – mas sempre era divertido. Eu estava conseguindo fazer feitiços realmente formidáveis, quando tivemos que parar, graças a Draco Malfoy. Não sei onde esse está agora... Estou desinformada sobre a guerra.
A verdade é que ainda temos o Profeta Diário. Ele noticia muitas coisas da guerra. Mas o problema é que ele está muito preocupado em tranqüilizar as pessoas, e em pintar o Ministério como o herói de tudo isso, como se Você-Sabe-Quem já estivesse derrotado, e ainda por cima, graças a Scrimgeour. Não gosto do Profeta. Então deixei de lê-lo.
Ginny me contou uma vez que os membros da Ordem se comunicavam por patronos. Que sua mãe tinha deixado escapar a informação uma vez. Se eu tivesse um patrono corpóreo, quem sabe. Se eu soubesse para onde mandá-lo, seria melhor ainda.
Ando pelo meu quarto, observando com súbita atenção uma rachadura na parede... Sabe como é. Estou com vontade de fazer alguma coisa que envolva movimento. Faz tanto tempo que não ponho o pé fora de casa que nem tenho mais certeza se o mundo lá fora continua inteiro. Bem, talvez não, estamos em guerra.
Já está tarde mesmo... É melhor dormir, para acumular mais energia para amanhã, para depois de amanhã e para depois. Porque eu sei que mais cedo ou mais tarde, os meus amigos vão precisar de mim. É claro, por que não fariam isso? Eles gostam de mim. Não importa se eu uso brincos de beterraba ou se eu vejo Testrálios. Eles vão me chamar quando a Ordem precisar de mim, é lógico!


O tempo anda passando muito devagar, aqui em casa. Papai, afinal, não conseguiu mandar os feitiços para a Ordem da Fênix, e acho que eles deveriam ao menos baixar um pouco a segurança, para receber algo tão importante quanto essa lista de feitiços, além do desenho do labirinto.
Foi por isso que esta manhã acordei resolvida a fazer alguma coisa. Esses grifinórios... Francamente, como poderiam desconfiar de papai? Eles já devem ter bastante prática com o reconhecimento de pessoas afetadas ou não pela Maldição Imperius.
Faz muito tempo desde a última vez que falei com Ginny, mas acho que ela ainda viria até mim se eu conseguisse chamá-la. É por isso agora que estou encarando um pedaço de pergaminho onde fui o mais sincera e sucinta possível. Ginny, preciso falar com você, Luna, foi tudo que escrevi. Quando Ginny receber isso, ela encontrará um modo de me encontrar, afinal estou na minha casa, onde sempre estive. Não é muito difícil me encontrar, e eu sei que ela está com a Ordem, afinal ela é namorada de Harry... Só eu vi a felicidade dela no nosso quinto ano, quando ela começou a sair com ele. Tinha realizado aquele sonho de infância, gostava dele havia séculos! Desde antes de entrar para Hogwarts Ginny já era fascinada por Harry. E eles têm de fato uma história muito bonita.
Lá vai a coruja com a minha mensagem. Ela se chama Diana, como a deusa de um povo trouxa qualquer, acho que é deusa da caça, inclusive. Pensando bem, não deve ser muito legal dar o nome de uma deusa da caça a um animal, mas de qualquer forma, acho que não caçam corujas... A maioria delas hoje em dia ajuda os bruxos porque nós as tratamos bem.
Papai saiu, foi para a edição do The Quibbler. Por isso estou indo para o quarto dele, sabe, para encontrar uma das várias cópias que ele fez daquilo, por precaução. Entretanto, conforme os dias se passavam, meu pai se convencia de que aquilo não tinha importância. Afinal, se tivesse, o homem não teria deixado cair algo tão significativo. Ainda mais compactado magicamente... Mesmo sendo bruxos poderosos, alguns homens do Ministério resistem a carregar grandes coisas nos bolsos, encolhidas... Se bem que ando descobrindo tantas coisas sobre esse Ministério da Magia ultimamente que não posso mais sair duvidando assim da mesquinhez deles.
Tenho que ser rápida, não sei quando meu pai pode chegar. Ah! Aqui estão... Uma cópia dentro das gavetas. Ele deve ter várias outras, para deixar esta aqui tão à mão de qualquer um que passe. Até sinto uma pontadinha de culpa, porque sou a única pessoa que mora com ele, o que quer dizer que ele confiou em mim para não mexer no escritório dele.
Estou encarando os pergaminhos amarelados. Não é legal fazer isso, falo comigo mesma. Papai não queria que eu mexesse, e por um bom motivo. Isso tudo deve ser perigoso.
Escuto um ruído no andar de baixo; a porta está se abrindo, meu pai deve ter chegado. Assustada, enfio logo as folhas nos bolsos da capa. Sim, eu estou de capa, me desculpe não dizer antes. É que estou esperando que Ginny responda rápido e venha me buscar, por isso já estou preparada.
Mas antes que meu pai termine de gritar meu nome – que, vocês sabem, é bem curto -, um estrondo enche a casa; tremo aqui no andar de cima e quase caio no chão com o tremor. O que estaria acontecendo...? O melhor é pegar a varinha que está atrás da minha orelha, e me esconder. Ali. Atrás das cortinas parece uma boa idéia.
Estou ouvindo a voz do meu pai, meio entrecortada, porque as janelas do escritório e da sala estão abertas. Pelo menos agora, que a da sala deve ter ido pelos ares.
-O que vocês querem?
-Onde está? – diz outra, mais áspera e apressada.
Meu pai está em perigo! Aperto a varinha na mão, ficando mais ansiosa. O que eu posso fazer? Preciso saber quantos estão lá embaixo...
-Onde está o quê? – meu pai está se fazendo de bobo; pelo tom de voz ele sabe muito bem o que o cara da outra voz quer saber.
-Não se faça de estúpido! – exclama outra voz, mais grave. – Os Escritos Negros! Onde os escondeu?
Meu pai fica em silêncio e eu ouço outro estrondo; depois de um gemido de dor do meu pai eu saio deliberadamente do meu esconderijo e vou até a porta, chego mesmo a pôr a mão na maçaneta. Mas o primeiro estranho intervém:
-Espere... Esse bode velho não tem uma filha?
Congelo onde estou. No momento seguinte várias vozes soltam gargalhadas, e eu nem imagino qual possa ser a graça.
-Sim, tem sim. Uma amalucada tão esquisita quanto o pai! – diz um. Maravilha, minha fama interestelar chegou até os Comensais da Morte... Ah sim, eu nocauteei alguns deles, por isso...
-Pois então, se brincarmos um pouco com ela talvez o pai abra a boca... – sugere o primeiro de novo, que pelo jeito é o líder da vez.
Imediatamente eu corro de volta para trás da cortina, embora depois me devida pelo forro falso de um sofá todo destruído pelas traças. Ainda me sinto mal, preciso dar um jeito de tirar o meu pai dali!
-LUNA! – meu pai berra, com todo o fôlego. – FUJA! AGORA! NÃO DEIXE ELES TE PEGAREM! Ela não sabe de nada, McNair! Deixe a Luna em paz!
Fugir que jeito? Bem que eu gostaria, pai, mas estou numa situação meio desconfortável por aqui, sabe. Eu faço o quê? Saio viando pela janela? Bem, nem que eu tivesse asas de fênix, pois isso significaria deixar o meu pai sozinho com os Comensais. Meu coração encolhe de uma maneira bastante desconfortável. Certo, eu preciso de um plano. Eu sou uma Ravenclaw apesar de tudo, posso conseguir.
Mas eu ouço passos se espalhando por todo o andar de baixo; e meu sangue quase pára quando começam a subir as escadas.
-Estão no escritório! – meu pai exclama. – Nas gavetas!
Certo, é agora ou nunca. Eles não vão encontrar nada nas gavetas e vão revirar tudo até me jogarem pela janela. Alguém aí poderia me ajudar? Capas de Invisibilidade, habilidades com animagia ou aparatação seriam de grande ajuda.
Bem, só espero que venham poucos até aqui.
PAM, a porta cai no chão. Pelo jeito eles não gostaram muito da maçaneta em forma de águia. Eu continuo com a varinha nas mãos, mas não consigo enxergar fora do sofá. Entretanto, são dois pares de pés que estão atravessando ruidosamente o cômodo. Se eu erguer a almofada no instante certo, talvez consiga derrubá-los pelas costas...
Um puxão nas gavetas, seguido de um grito de frustração.
-Não estão aqui!
O outro muda a perna de apoio. Três, dois, um...
-Vamos avisar o...
-Estupefaça! – falo no tom mínimo para realizar o feitiço; os dois se viram de repente, mas apenas um cai de costas sobre a escrivaninha.
O outro Comensal da Morte está com a capa costumeira e a máscara, que está erguida. E é olhando bem dentro dos olhos dele que o reconheço. Dolohov.
-Luna Lovegood! – ele quase grita, parecendo satisfeito. – Muito bom revê-la, menina, sem dúvida alguma! Estou te devendo algumas coisinhas, como...
-Petrificus Totalus! – o interrompo, mas ele se defende.
-Avada Kedavra! – ele devolve, e eu me jogo com toda a força para a esquerda, apenas para ver o jato verde passando bem na altura do meu ombro. Viro a varinha por baixo do ombro e lanço o mesmo feitiço, com um truque velho:
-Sulatot sucifirtep!
Dolohov me encara por um momento que lhe custa caro; ele acaba criando o Feitiço Escudo com atraso suficiente para que eu recupere o fôlego.
-Expelliarmus!
E devo esta à AD, porque sem ela eu nunca teria feito a varinha de Dolohov fazer um círculo tão perfeito no ar para se chocar contra a parede. Vou apagá-lo agora e então poderei ir atrás do meu pai...
De repente uma dor de cabeça muito forte parece envolver as minhas têmporas! Uma dor aguda... E estou vendo bem diante dos meus olhos o momento em que meu pai chegou em casa com a caixa na mão... E depois ele perguntando pelos meus amigos, pela Ordem da Fênix... Ai... Tudo está enevoado de novo, não consigo pensar em nada...
Olhe só... O dia em que cheguei de Hogwarts... E antes... O baile do Clube do Lesma, eu falando com a Prof. ª Trelawney, Pirraça caçoando Harry porque ele havia ido comigo... Depois eu sozinha, procurando minhas coisas no dormitório, que todos tinham escondido...
Hã... Dolohov ainda está diante de mim! É ele que está vendo tudo isso, ele está usando a Imperius sem uma varinha... É... Ele está me forçando a mostrar o meu passado! Você não vai ver isso, não vai mesmo!
De repente o escritório do meu pai reaparece, e Dolohov acabou de pegar sua varinha de volta. Só tem um jeito!
Lá vem outra maldição da Morte!
-Avada...
Mas não ouço o final, porque acabei de saltar da janela. Por um momento, eu paro no ar, depois caio no chão com um barulho memorável, por pouco não bati a cabeça, o que seria o fim, porque eu desmaiaria e eles acabariam com o meu pai... Ali estão as ruínas da sala, venha comigo, ainda estou com a minha varinha. Já atirei um reducto potencializado na minha janela, onde Dolohov acabou de se apoiar para continuar tentando me matar, e está ocupado agora.
Mas antes que eu os alcance, vejo muitos vultos correndo para fora de casa, dois deles estão carregando meu pai desacordado nos braços! Jogo-me atrás de uma árvore e aponto a varinha, vou agora mesmo trazer o meu pai de volta...
Quase em câmera lenta, um ruído de explosão enche os meus ouvidos, que parecem a ponto de estourar junto com a minha casa, cujo andar de cima está indo todo pelos ares. Meu quarto...
Há um deslocamento de ar assustador; com o chão tremendo, eu caio sentada, e os Comensais que arrastam meu pai me vêem. São oito ou nove, não posso nunca lutar contra tantos! Mas eles virão atrás de mim, de qualquer jeito!
Estou me levantando, ops, quase tropecei! O único jeito é correr, não posso salvar o meu pai naquele estado. O que eles poderiam querer com ele? A essa altura já sabem que eu estou com os papéis!
Passo correndo entre as árvores do quintal; sei que o jardim dá num terreno baldio que nós dividimos com uma família trouxa muito pobre, por lá posso passar direto para a rua do lado... Mesmo assim ainda estou com o pensamento no meu pai, não posso deixá-lo assim, entende, ele é meu pai, cuidou de mim até hoje, e além do mais, meu pai e eu somos sangues puros, o que parece ser legal para a gangue deles... Mesmo assim...
Raios de feitiços estão passando por mim o tempo todo, e eu não sei quanto tempo agüento correr, ou quanto tempo pode demorar até que eles acertem a pontaria e me matem. Estou com medo, embora continue correndo. Eu não quero morrer.
Apesar dessa guerra que não é minha, apesar de não poder terminar a escola, apesar dos meus amigos me esquecerem e apesar dos Comensais estarem com o meu pai, eu ainda não quero morrer.
Os brincos de beterraba estão balançando com tanta força que minhas orelhas podem se despregar a qualquer momento. Só mais um pouco... Ali está a rua, mas logo atrás também estão três ou quatro deles...
-Impedimenta!
-Estupefaça!
-Avada Kedavra!

Alguma coisa me acertou nas costas. Tropeço com os pés moles numa raiz e caio de rosto no chão, sentindo pedras machucarem a minha cara e a consciência indo, indo...


-Ela está acordando! Dêem espaço pra ela!
Ai, que dor... Acho melhor não tentar me mexer. Estou tão confortável... Parece que o travesseiro se encaixou perfeitamente na minha cabeça. E é como se eu estivesse aqui, deitada, desde o princípio do universo, antes mesmo de Merlin passar pela Grã-Bretanha...
-Como ela está?
Meio instintivamente, uma careta franze a minha testa. Mas quem é que está falando tão alto aqui e atrapalhando o meu sono?
-Luna, abra os olhos. – diz uma voz conhecida. – Estamos aqui com você.
Mas meus olhos estão muito pesados, e eu não quero acordar, porque aqui está muito bom, obrigada. Embora eu não saiba como cheguei até aqui, já que eu caí depois que me acertaram um feitiço nas costas, é... E quem me enfeitiçou foi o mesmo cara que estava carregando o meu pai desacordado, e...
De uma só vez, meus olhos estalam abertos e me sento na cama. Cama esta que parece ser bem antiga, num quarto limpo e um pouco escurecido, com uma janela alta de vidros fechados. Diante dessa janela, encontro o primeiro rosto conhecido, que tenho que fitar por muito tempo até reconhecê-lo.
-Harry – sai da minha boca, num tom meio surpreso. Ele parece destruído. Tem olheiras e o cabelo está grande e descuidado (novidade...), jogado ao léu, os óculos estão lascados e a pele abatida, além dos olhos longe de mim.
-Luna. – ele responde, quando o chamo à atenção. Mas não é só isso que há para ser visto. Sentada na ponta da cama está Ginny. Ela está melhor do que Harry, ao que tudo indica. Ela está com os cabelos maiores e está vestindo uma capa de um tom vermelho-vinho. Ao menos ela está me vendo aqui, e parece preocupada. Ron Weasley está encostado à porta, com os braços cruzados e uma expressão curiosa que ele está usando pra me encarar, e por fim, Hermione Granger, aquela que uma vez disse que o The Quibbler só publicava baboseiras. Ela está de pé ao meu lado, e tão logo eu me sentei, ela se apressou em pegar a minha mão, como se eu tivesse tido um pesadelo e ela fosse minha mãe. Bem, existem algumas diferenças entre minha mãe e Hermione Granger, mas não queria falar muito da minha mãe agora, se não se importarem.
-Como está se sentindo? – pergunta Ginny, me fitando ainda com preocupação.
-Onde está o meu pai? – é tudo que consigo dizer, tão logo reúno fôlego.
-Eles o levaram, Luna. – Hermione murmura, olhando para o criado mudo. – Os Comensais da Morte seqüestraram seu pai.
-Mas, aparentemente, não conseguiram capturar você – diz Harry, ainda sem olhar pra mim, e sim para o pé da cama.
-O que eles vão fazer com o meu pai? – pergunto, com um tom que agora imagino ser de certa inocência.
-Nós não sabemos. – Hermione responde, com um olhar reprovador para Harry. – Mas já estamos na pista deles, Luna. Se você não tivesse escrito para Ginny, poderia ter ido com eles, ou-
-Ou eu estaria morta, eu sei... – resmungo, e Ginny se mexe desconfortável na ponta da cama, e começa a apertar a colcha no punho.
-Mas o que eu quero saber agora – Hermione retoma o assunto, depois de um momento em que todos nós ficamos calados. – É como você está se sentindo. Tire essa capa suja, Luna, está cheia de poeira e...
-Não! – eu me agarro à capa, que Hermione já ia puxando dos meus ombros.
Os quatro me olham com certo espanto.
-Meu pai estava tentando mandar isso para vocês faz um tempo. – falei, enfiando a mão na capa e começando a fuçar nos bolsos. – Mas eu não sabia onde encontrar vocês, e nem ele. Então imaginei que você estivesse com eles, Ginny...
Observo que Harry me olhou diretamente pela primeira vez desde que despertei. Passo uma mão pelo rosto, esfregando os olhos, quando tiro dos bolsos os papéis, ou a maior parte deles, abarrotados e amassados.
Harry me olha ainda, e eu estendo os papéis a Ginny, afinal era para ela que eu tinha planejado entregar desde o começo. Ginny aceita a oferta, hesitando, depois de me olhar com expectativa.
-O que é isso? – Ron Weasley fala pela primeira vez, sem descruzar os braços.
-Pela graça de Merlin... – Ginny balbucia, virando as páginas amarelas com os olhos arregalados. Então ela se volta para Hermione, troca um olhar de urgência com ela, e indica os pergaminhos. – É uma parte dos Escritos Negros!
Sim, os Comensais da Morte chamaram esses papéis assim quando invadiram minha casa, eu me lembro. Lembro de muita coisa, até. Inclusive do desaparecimento de todos eles depois do quinto ano.

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