A Trouxa Simpática



As semanas que se seguiram foram as mais interessantes das férias de Harry, até então. Escondido nas hortênsias e corroído pelo fato de que algo novo respirava entre eles, todo dia ele observava o outro lado da rua com certa ansiedade disfarçada de falta do que fazer, quando não estava ouvindo o noticiário. Nesse momento, sua mente vagava pelo terror de todas as tragédias possíveis que poderiam ser maquinadas por Voldemort.



Mas, como sempre, nada de esquisito havia acontecido, e ele voltava a prestar atenção para casa dos vizinhos, ou subia para o quarto, continuando sua vigia da janela mesmo.



Até que uma tarde ele estava voltando de uma caminhada no parque e viu a porta da frente da casa do Catburry se abrir lentamente, então ele correu com cautela até o jardim do n°4 e se escondeu atrás de uma árvore de tronco grosso. Então, ela saiu da casa, finalmente.



Harry arregalou os olhos e ajeitou os óculos no rosto para ter certeza do que estava vendo. Uma ansiedade gelada lambia seu peito até o umbigo, e ele se considerava miserável por se sentir assim por um motivo tão tosco como uma garota trouxa visitando os tios no verão.



A garota vinha saindo da casa olhando para trás, falando algo para alguém lá dentro. Ela se virou, seus cabelos curtos e desalinhados balançaram, os olhos cor de mel brilharam com o sol que a aguardava na soleira da porta, e um sorriso satisfeito tomava conta de seus lábios. Harry imediatamente não se sentiu mais miserável, ou ansioso, ou enfurecido ou tosco. Ele paralisou atrás daquela árvore, completamente encantado, observando enquanto a garota se dirigia para rua, abrindo o portão baixo da casa e saltitando para o asfalto quente, o barulho de seus chinelos tocando o chão a medida que andava, feliz. Harry pensou que ela parecia uma fada.



— Ei, moleque! - foi tirado de seu transe pela voz irritadiça de Tia Petúnia - O que está fazendo ai? Saia já do meu jardim! Todo trabalho que tenho par...



Ele saiu de trás da árvore, sem despregar os olhos da moça que já ia se distanciando, e sua vontade era segui-la para que aquele encanto durasse mais tempo, mas voltou para casa e subiu a escada até o quarto. Se empoleirou na janela, fingindo ler um livro sobre quadribol, enquanto aguardava a volta dela.  Harry estava soado e cansado mesmo que tivesse caminhado devagar, os dias pareciam cada vez mais quentes, e ele deduziu que a garota não iria demorar se não quisesse adquirir uma insolação.



Quinze minutos depois, que pareceram se arrastar, ele largou o livro encima da escrivaninha e se empertigou na cadeira ao focalizar os cabelos curtos e brilhosos voltando, a camiseta amarela com uma fatia de melancia na frente que ela usava parecia ainda mais amarela a luz do sol, e ela carregava um sorvete de cor esverdeada numa casquinha. Ele se debruçou e descansou a cabeça sobre o punho.



Vozes mais altas pareciam se aproximar do mesmo lado por onde a garota tinha surgido, e não só Harry notou, como ela também olhou de esguelha por cima do ombro. Foi então que a turma de baderneiros que acompanhava Duda surgiu a poucos metros de distancia, e aparentemente focalizavam a menina a sua frente com malícia, olhares muito divergentes do modo como Harry a estava contemplando.  Duda não estava entre eles, estava em casa, provavelmente a espera para se juntar aos colegas.



— Oi, gracinha... – disse um garoto que eles chamavam de Mike, um pouco mais baixo e magro que os outros, o cabelo era raspado dos lados da cabeça deixando um tufo ondulado e rebelde encima, havia sardas em seu nariz – Não deveria estar andando sozinha.



Os outros meninos riram maliciosamente e a mão de Harry foi para a varinha instantaneamente e a apertou com força, se perguntando o quão boa seria sua mira para acertar um feitiço daquela distância.



—Não se preocupe.  – ela respondeu com uma voz levemente irônica, franzindo a testa, sem parar de andar – Eu sempre ando preparada.



— Ah, é? – o sorriso dos garotos desaparecia gradativamente e dava lugar a uma expressão intrigada, mas ainda pareciam lobos espreitando uma presa – Do que está falando?



— Disto aqui. – ela se virou em meio segundo e afundou o sorvete que carregava na cabeça de Mike, ele não poderia desviar de tão próximo que havia chegado dela na ânsia de provoca-la.



 Todos pararam, estáticos, observando  como o colega reagiria, a casquinha derretendo de cabeça para baixo em seu cabelo como se fosse um unicórnio feioso. Mas o garoto simplesmente ficou ali, surpreso, como se fosse necessário processar o quê tinha lhe acontecido.



— Seu tapado. – ela fez um gesto obsceno com a mão para os outros e afastou os cabelos do rosto, se dirigindo a passos ágeis e decididos para dentro de casa.



 Um sorriso admirado tomava os lábios de Harry, e só aumentou quando Duda saiu de casa e foi ao encontro dos amigos, que relataram o acontecido e ele não perdeu a chance de tirar sarro do próprio colega e os outros o acompanharam com risadas altas que podiam ser ouvidas até o fim da rua. Era bom que Mike não pretendesse se vingar da garota, senão Harry teria que interferir.



O resto da tarde e a noite passaram como sempre, tediosamente, nem nenhuma noticia alarmante, nenhuma carta, e de novo o garoto de cabelos negros e cicatriz estava na poltrona ao lado da janela, desta vez realmente lendo o jornal que chegara naquela manha. O Profeta Diário também não dava pistas de que algo estava errado, na verdade, a ultima coisa que eles desejavam era admitir que algo estava errado.



Harry teve uma sensação estranha, de que estava sendo observado, e por instante pensou em Voldemort ou em Comensais da Morte ali, em Little Whinging, mas ao se virar para janela com apreensão, esses pensamentos sumiram de sua mente num estalo. Havia dois olhos cor de mel piscando para ele, e não se desviaram quando seus olhos verdes encararam de volta. Por um breve momento parecia que os dois estavam petrificados, mas por fim ela sorriu de forma tímida, e acenou com a mão pequena. O garoto teve que se esforçar para lembrar como levantar uma mão para acenar de volta, até encosta-la ao vidro da janela. Ela encostou a dela no vidro do outro lado da rua também. Durou um segundo longo e silencioso, até que ela piscou e se afastou do vidro, fechou as cortinas e sua sombra desapareceu.



Harry teve uma sensação pequena e cálida no peito, e imaginou que aquele era o resultado que um pingo de afeição, mesmo entre metros de distância, poderia lhe causar.


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