O Verão na Rua dos Alfeneiros

O Verão na Rua dos Alfeneiros



Harry, como já era quase um costume, estava sentado no alto das escadas na casa de n°4 na Rua dos Alfeneiros, tentando escutar o noticiário da noite. Seus tios assistiam a televisão na sala de estar, e ele já estava cansado de tentar apenas se sentar no chão da sala e fingir ver TV para se distrair, porquê nem em absoluto silêncio os Dursley aturavam a presença dele no mesmo cômodo. Estava conformado, e diariamente mudava de esconderijo para saber se alguma coisa fora do normal estava ocorrendo em algum lugar do mundo, porque isso poderia representar a aproximação de Voldemort, e consequentemente, de uma guerra.



Além desse objetivo em especial, Harry só queria ficar fora do caminho, para que não tivesse que ouvir comentários desagraveis completamente aleatórios, mas carregados de ódio, sobre suas roupas, ou o cabelo, ou simplesmente sobre sua existência. Pelo menos de Duda ele poderia se ver livre na maior parte do tempo, pois o primo tinha seus próprios amigos brutamontes para acompanha-lo em suas atividades diárias, que consistiam em socar crianças menores que eles e assobiar para as garotas na rua.



O verão poderia ser pior, o garoto pensou do alto da escada, lembrando-se que até aquele momento nenhuma noticia ruim havia chegado aos seus ouvidos. Na realidade, nenhuma noticia de coisa nenhuma, pois seus amigos aparentemente tinham esquecido como enviar cartas, e isso o enfurecia a cada dia. Para se distrair da raiva e da vida monótona, ele fazia longas caminhadas, preferencialmente a noite, quando era mais fácil se esconder. Também havia descoberto um canto bem coberto pelas hortênsias de Tia Petúnia no jardim, para onde ia quando queria sumir por algum tempo (no quarto ele poderia ser encontrado, eventualmente), mas poderia observar tudo o que acontecia entre os arbustos.



Ele escutou o barulho da porta bater e levantou com um salto ao identificar que  a massa de gordura e músculos que atravessava o hall era Duda, voltando de seu passeio com os coleguinhas agradáveis.



— Dudoca, querido, voltou cedo. – Petúnia falou com sua voz esganiçada, lá da sala – Como foi o chá na casa do Tony?



Observou o primo seguir reto pelo corredor até chegar a sala de estar, e o som de algo afundando provavelmente foi o sofá quando ele pousou o traseiro gordo. Harry respirou, aliviado, desceu o degrau que instintivamente subiu caso precisasse correr para o quarto, e se sentou de novo, alerta.



— Foi ótimo, mamãe. – Duda mentiu e Harry sabia que ele tinha  um sorriso displicente no rosto, sem demonstrar em momento algum que o motivo de seu retorno breve foi não ter encontrado nenhuma criança inocente para amarrar numa árvore.



— Nós deveríamos convidar os pais desse garoto um dia, Petúnia. – Tio Valter disse, e o sobrinho imaginou como seus bigodes estavam balançando para falar como se fosse uma pessoa tão decente assim – Qual o carro do pai de Tony, Dudinha?



— Eu... Não sei, o pai dele nunca sai com o carro quando estou lá. – explicou o mais calmamente possível.



Harry preferiu relevar toda a conversinha fiada e as mentiras sobre Tony e sua família, que provavelmente era de trouxas quase tão abomináveis quanto os Durley, e se concentrar no noticiário, até que uma repórter começou a relatar como um zoológico na Rússia estava tricotando protetores de lã para os chifres dos rinocerontes, e o garoto previu que mais nada de interessante surgiria.



Ele estava pronto para se erguer e subir para o quarto silenciosamente, então o próximo assunto abordado atraiu sua curiosidade, e ele se empertigou para ouvir melhor.



— ...é jovem, deve ter uns quinze anos, vi ela sair do carro com uma mala na mão e tudo. – Tia Petúnia relatava animadamente, como a boa fofoqueira que era – Uma menina um pouco estranha, essa sobrinha dos Catburry, sabem?



— Estranha? – Duda questionou, receosamente  – Estranha tipo... Harry?



— NÃO! – Tio Valter esbravejou, provavelmente estava ficando púrpura, era o efeito que o nome do sobrinho lhe causava, normalmente – Os Catburry são gente fina, não poderia ser!



— Não, Duda, pelo amor de Deus. – um arrepio deve ter passado pelos braços da tia – Não, ela só é... diferente. Mas não vai ficar muito tempo pelo o que ouvi falar, só alguns dias das férias de verão, os pais estão em uma segunda lua-de-mel ou coisa parecida.



— Bem, eles deveriam ser mais cuidadosos com os tipos que recebem em sua casa, mesmo família. – ele inspirou profundamente para continuar – Vê no que nos metemos ao aceitarmos esse garoto, sem um pingo de sangue decente correndo nas veias, tão diferente de nós.



Ser completamente diferente deles, apesar do sangue, era a melhor coisa que já o acontecera.



— Você não deve se misturar com essa gente, filhinho. – ela recomendou ao filho – Ela nem sequer é bonita o suficiente para você.



— Pode deixar, mamãe. – ele afirmou, mas algo em sua voz dava a entender que ainda estava afim de descobrir quão bonita a sobrinha dos vizinhos era antes de formar sua opinião.



 Harry resolveu subir para o quarto, antes que ficasse sonolento demais ou muito inconformado com a programação estúpida que ainda passava na TV. Ele fechou a porta do quarto e se dirigiu preguiçosamente até a janela, observando para fora enquanto enfiava um dedo pela gaiola de Edwiges para receber uma bicadinha não tão carinhosa assim, a coruja queria sair para caçar e estava insatisfeita.



— Tudo bem, não precisa ser tão dramática. – ele abriu a gaiola e permitiu que ela voasse contente para fora.



Sentiu o vento fresco da noite alcançar seus cabelos negros e se aproximou mais da janela para enxergar melhor a noite iluminada pelas estrelas e os postes de lâmpadas amarelas. A casa da frente tinha dois andares, em baixo as janelas estavam escuras e fechadas. Os Catburry eram um casal de meia idade um pouco ranzinzas, mas não eram pessoas tão ruins quanto os outros vizinhos. No andar de cima, uma janela grande estava iluminada, mas a cortina escondia o interior do cômodo.



“[...] ela só é... diferente.”



Lembrou-se da tia falando da nova visitante da Rua dos Alfeneiros, que Harry não havia visto até então, mas provavelmente era a pessoa naquele único quarto iluminado na casa dos vizinhos. Uma curiosidade marota fez cócegas em seu intimo, e ele observou a janela por mais alguns minutos, e até relanceou um movimento lá dentro, porém nada que o levasse a alguma conclusão. Então o cansaço o venceu, e ele se jogou na cama ao lado, imaginando o quê “diferente” significaria, já que Harry discordava muito da concepção de normalidade dos Dursley. Diferente costumava ser bom.


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