Conversa entre Hortênsias

Conversa entre Hortênsias



Após aquele primeiro contato através da janela, Harry ficou contente em ver que a garota aparecia bem mais desde o dia que chegara, que toda vez que seus olhos se encontravam no dia seguinte e no dia depois ainda aconteciam sorrisos e acenos; no jardim, quando ela aparecia para pôr o lixo para fora ou regar alguma planta; na janela, pela manhã e a noite. O sorriso dela não era como qualquer sorriso, era como um sorriso que te transmite carinho que normalmente é seguido de um abraço aconchegante.



— Ei, otário. – Duda o cutucou entre as costelas de forma dolorosa quando se sentaram para tomar café dois dias depois, e ele não pode repelir a mão com um tapa, ali na cozinha, senão Tia Petúnia poderia ter um ataque – O nome dela é Aurora.



— Quê? – ele estreitou os olhos, sem entender do que o primo falava.



— A garota dos Catburry, se chama Aurora – Duda revirou os olhos, como se Harry fosse o retardado no recinto – Te vi olhando. Ela é estranha, faz seu tipo.



Harry sentiu o rosto queimar e verificou se os tios haviam ouvido alguma coisa, e constatando que tio Valter estava absorto no jornal e tia Petúnia fazia alguma coisa no fogão, preferiu não falar nada, senão poderia causar uma discussão logo cedo.



— Cale a boca. – foi só o que murmurou, então balançou a cabeça e engoliu a quantia medíocre de ovos mexidos no prato que ele gostava de chamar de café da manha.



Com o estômago ainda roncando, ele viu o nome de Aurora ser escrito em sua mente várias vezes e associar a palavra ao rosto sorridente da garota, refletiu sobre o porquê de Duda dizer que ela era estranha. Repassando os últimos três dias em que haviam a visto, Harry concluiu que sabia o motivo. Além de ela ter aquele corte de cabelo repicado, usar camisetas com estampas engraçadas e chinelos, ela havia afundado sua casquinha na cabeça de Mike, andava saltitando um pouco e havia deitado no jardim na noite anterior para olhar o céu, só que não estava escondida como Harry, estava a vista de todos. Também andava falando com alguns gatos que sentavam no muro da casa, vez ou outra.



Mas, sem duvida, a coisa mais chata aconteceu no segundo dia depois de eles se cumprimentarem da primeira vez. Harry estava saindo para zanzar de novo, e Aurora estava empenhada em fechar uma lata de lixo particularmente cheia. Os olhos deles se encontraram e ela estava pronta para levantar a mão e dizer alguma coisa, e o garoto sentiu que iria explodir em milhões de pedaços quando o que quer que ela fosse dizer saísse de sua boca naquela voz melodiosa e simpática, então a Sra. Figg apareceu vindo do lado oposto da rua e convidou Harry para tomar chá. Ele queria dizer “não, obrigada, mas sua casa tem cheiro de gato e o bolo está sempre meio mofado”, mas também queria dizer “tudo bem, a senhora é uma velha solitária, mas boazinha, e sempre me deixa ver TV”, e nessa confusão de pensamentos, quando focalizou de novo a casa dos vizinhos, Aurora já não estava mais lá.



O fato estranho no meio dessa ocorrência triste era que Aurora realmente era simpática com Harry e queria até conversar com ele, mesmo que ele parecesse estar vestindo trapos e seus óculos fossem redondos, e que os Catburry muito possivelmente haviam recomendado que ela não se dirigisse a ele.



Ainda havia o fato de que Edwiges estava pousando na janela dela e permitindo que a garota a acariciasse, provavelmente achando que tinha companhia melhor ali, ao invés de voltar para seu dono um pouco rabugento e faminto.



Esses pensamentos ainda ruminaram em sua cabeça até quando ele tentava fazer uma tarefa de poções no quarto, horas depois. Foi então que sua porta se abriu bruscamente, e tio Valter enfiou a cabeçorra vermelha pela fresta.



— Eu, Petúnia e Duda vamos fazer compras. – ele cuspiu as palavras, deixando indiretamente claro o fato de que Harry não iria a lugar algum com eles, nunca – Não quebre nada nem fale com os vizinhos, ouviu bem?



— Perfeitamente. – ele respondeu e a porta se fechou com força, fazendo o armário ao lado balançar.



Ele esperou ouvir o carro sair, então desceu e comeu o suficiente para parar o ronco insistente em seu estômago, fazendo o máximo para não deixar rastros de que tentou não morrer de fome (mais uma vez, diga-se de passagem), e logo depois saiu e deitou no jardim para sentir a brisa que balançava ligeiramente os arbustos e a terra fria em sua pele.  Ainda não era hora do noticiário, então nem valeria a pena ligar a TV. Tudo estava quieto, não havia nem o barulho de cigarras ou de crianças brincando ao longe. Ele fechou os olhos e se sentiu muito sozinho, mais do que nunca.



De repente, interrompendo sua depressão e tampando a luz do sol, alguma coisa se postou na sua frente e disse:



— Você é o Harry. – abriu os olhos e arregalou-os ao encontrar Aurora o encarando de pé, e no susto ele se encolheu até a parede em baixo da janela imediatamente atrás das hortênsias – Ah, me desculpe!



Ela se agachou e abraçou os joelhos, mordendo os lábios cheios e rosados de forma receosa.



— Não queria te assustar. – encolheu os ombros com pesar.



Harry precisava falar alguma coisa nos próximos cinco segundos, senão ela pensaria que ele era realmente retardado e só sabia sorrir e acenar. Porém, estava encantado demais com os grandes olhos cor de mel que lhe dedicavam toda a atenção do mundo e os cabelos castanho escuros que emolduravam o rosto delicado dela.



— Não. – a palavra saiu da boca dele, desconexa e boba.



— Você não me desculpa? – ela perguntou, surpresa, ele balançou a cabeça negativamente, desesperado para concertar o estrago.



—Não, quero dizer, não foi nada, você não me assustou. – recuperou a voz e se ajeitou, sentado na terra com as pernas cruzadas.



— Ah, bom. – ela pareceu aliviada e se sentou sobre as pernas onde antes estava agachada – Então, vamos começar de novo. Harry Potter, não é?



— Sim. – ele assentiu corando um pouco ao ouvi-la falar seu nome – O seu nome é Aurora.



— Certo, Aurora Young. – Aurora franziu as sobrancelhas – Mas como você sabe?



— As noticias correm meio rápido por aqui. – ele sacudiu os ombros.



— Oh, claro, eu notei. – disse, conformada – Você não tem uma reputação muito boa, ouvi dizer.



Ele desviou os olhos para as próprias mãos e tentou imaginar todas as coisas ruins que poderiam ter dito para a garota, mas pensou que se ela estava ali falando ele era porquê não tinha ouvido nada medonho o suficiente, considerando que eles tivessem o mesmo conceito do que fosse medonho.



— Mas, diferente do seu primo e dos amigos dele, você não parece o delinquente que me descreveram. – ela falou de forma meiga e Harry voltou a olha-la, com gratidão – Posso falar isso mais alto, vi eles saindo faz um tempo.



— É, se eles estivessem em casa eu não poderia estar falando com você. – ele informou com um tom de revolta na voz.



— Por que? Têm medo de que você me ataque com toda essa agressividade? – a garota sorriu com deboche, e o som do riso dela fez Harry rir também.



— Deve ser. – ele respondeu e a analisou com cuidado, permitindo que nesses segundos de silêncio ela fizesse o mesmo, mesmo que tivesse vergonha das vestes largas e dos tênis velhos – Porque você está falando comigo, então?



— Bem, porquê... – ela inspirou profundamente e olhou para o lado, pensativa – Você só fica no seu quarto lendo, ou aqui no jardim deitado, e as vezes você pula o muro para sair, mas eu nunca sei para onde você vai. Teve aquela vez que aquela velhinha te convidou para tomar chá e você aceitou. A sua coruja também é uma gracinha, mas agora que parei para pensar é estranho alguém ter uma coruja... – os olhos dela se estreitaram e uma mão foi parar no queixo – Mas, no geral, você me parece inofensivo e é a coisa mais interessante sobre esse lugar, até agora. Eu gosto dos seus óculos, se quer saber.



Harry permitiu que um sorriso satisfeito aparecesse gradativamente, e quando Aurora acabou de falar ele não conseguiu responder de imediato, deixando que o silêncio calmo e o calor tomasse conta do momento.



Daquela vez a camiseta dela era turquesa e tinha uma nuvem estampada, usava shorts jeans desgastados nas coxas e seus chinelos pretos de correias trançadas. Os pés eram pequenos como as mãos, que descansavam nos joelhos.  Havia manchinhas de sol quase invisíveis no nariz dela, e o os dentes eram um pouquinho tortos. Os cabelos eram mais claros nas pontas, como se tivessem desgastado a cor.



Quando voltou a encara-la, a garota tinha os olhos cravados na cicatriz em forma de raio na testa dele.



— O quê aconteceu com você, Harry? – perguntou inocentemente, mas soou intimo, e ela parecia ver que alguma coisa nele não estava certa, e não era por causa de sua aparência.



Antes que ele respondesse, Aurora tapou a boca com as mãos e arregalou os olhos, surpresa com a ousadia de perguntar coisas para estranhos com tanta desenvoltura.



— Caramba, me desculpe. – pediu, de novo, com as mãos nas bochechas – Não precisa responder, isso foi grosseiro.



 - Eu... – estava prestes a dizer que não se importava, mas o som do carro de tio Valter virando a esquina fez com que ele interrompesse a fala e arregalasse os olhos para a garota.



— São eles! – num salto ela se levantou, então parou e virou-se de novo para o garoto sentado entre as hortênsias – Te vejo na janela, Harry Potter.



Ela piscou para ele e atravessou a rua rapidamente com seu andar saltitante de fada, deixando  para trás um Harry atordoado e vermelho, mas contente. Então, ela o achava interessante.


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