Os Potter



– Faltam só 21 dias...


Um garotinho magricela estava deitado em sua cama fitando o calendário pregado na parede, que marcava em contagem regressiva o primeiro de setembro. Conforme a distância entre os dias ia diminuindo, Alvo Potter sentia uma excitação crescente. Ele repetia a diferença cada vez que acordava e hoje era dia 11 de agosto... “Faltam só 21 dias”.


A manhã despontou cinzenta: muitas nuvens cobrindo o sol e um fraco chuvisco tamborilando a janela do quarto de Alvo, que estava fosca pela névoa matinal. O garoto levantou-se e pegou uma caneta vermelha e riscou o dia 11 de agosto no calendário, empolgado. O quarto à penumbra estava silencioso, apesar dos movimentos e loops que os jogadores montados em vassouras faziam de dentro de pôsteres amarelos vivos (excetuando um velho quadro vazio e chato). Era um lugar amplo, tinha o teto bastante alto pintado de um esverdeado que e menino detestava. Em cima da escrivaninha havia um livro intitulado “Queda e ascensão da das artes das trevas”. Assentando o livro, uma esfera preenchida por um tipo de fumaça vermelha.


Alvo foi fitar sua cara amassada no espelho de moldura negra que ficava no banheiro. Um par de olhos verdes claríssimos fitaram o menino de volta, ainda semicerrados. Os cabelos marrom-avermelhado estavam mais em pé do que nunca... Mas faltavam...


– Só mais 21 dias...


As férias de verão no Largo Grimmauld estavam sendo tediosas ao ponto da tortura. Alvo não conseguia se distrair, o que fazia os dias passarem muito lentamente. Ele esperava tanto o dia primeiro de setembro, que já começava sonhar com isso. A ansiedade fazia os sonhos ficarem cada dia mais mirabolantes.


Hoje mesmo Alvo acordara sobressaltado. Sonhava que estava enfrentando uma Dragonete em um picadeiro de um circo, em frente a um público de alunos que já haviam passado no teste para entrar em Hogwarts. Tiago gritava “covardão” enquanto o menino desviava por um triz das chamas do bicho enorme. Outro dia, tinha sonhado que, ao chegar em frente ao expresso, descobrira que, na verdade, havia acontecido um engano e o menino deveria voltar para sua verdadeira família, um grupo de trouxas que o chamavam de “Guilhermindo”.


Na verdade, Tiago tinha mais culpa nos sonhos do que a ansiedade em si. O irmão mais velho de Alvo já estava no terceiro ano e divertia-se com o drama do garoto, inventando lorotas sobre os critérios para entrar em Hogwarts...


“Você precisa mostrar que é corajoso, é o pré-requisito, então eles não aceitam ninguém que não saiba se livrar de uma manticora de verdade” dizia, ou então “Howarts é famosa pela esfinge que fica na entrada e te deixa passar só se responder o que ela quer...”. Alvo não acreditava em nada disso, mas em acessos de nervosismos, imaginava-se tocando uma flautinha enquanto uma quimera arreganhava os dentes para o garoto.


Mas, ultimamente, o que realmente estava incomodando era a afirmação categórica de seu irmão mais velho de que Alvo tinha vaga garantida entre os Sonserinos. Isso sempre causava briga, por que Alvo não queria nem pensar em não ficar na mesma casa que seu pai, Harry Potter, estudara em sua época. O pouco que sabia sobre as casas de Hogwarts eram os relatos do seu tio Rony, que parecia nem considerar que tanto o sobrinho quanto sua filha, Rosa (que entraria aquele ano em Hogwarts também) não iriam para a Grifinória, muito menos chegar perto da nojeira que era a casa Sonserina, na sua mais sincera opinião. Os pais as vezes comentavam, nostálgicos, algumas aventuras que tiveram no Castelo, mas preferiam não revelar tudo "Você terá seu momento, filho".


Mas Tiago deixava bem claro para o irmão que, talvez (querendo dizer “muito provavelmente”, beirando o “com certeza”), o menino não satisfizesse os requisitos para ser um Grifinório, cuja principal característica era a coragem. E não deixava de ser verdade - Alvo pensava secretamente - por que o menino admitia ter o ânimo de uma barata miastênica.


Tiago teve que estudar em escolas de trouxas até completar onze anos, quando finalmente entrou em Hogwarts. Lily ainda estava matriculada em Hopkins, pois estava ainda com dez. Alvo se sentiu muito aliviado de deixar a escola provisória. O garoto não tinha muitas boas lembranças do lugar.


Acontece que enquanto estudou com o irmão, teve que se manter na sombra de Tiago sempre. Alvo era magricela, pálido e não demonstrava nenhum sinal de querer enfrentar os grandalhões que faziam confusões sem senso de limite. Os três irmãos, enquanto estudaram juntos na escola dos trouxas, eram evitados, por que todos os consideravam “esquisitos”.


Naturalmente não eram crianças normais. Eram bruxos, mas obviamente ninguém sabia disso. Mas as pessoas meditavam o porquê dos garotos parecerem estar envolvidos todas as vezes que algo de estranho ocorria (como o fatídico episódio em que Tiago inexplicavelmente fez todos os armários explodirem quando o seu havia sido trancado em uma brincadeira de mal gosto). Lily havia demonstrado o dom para feitiçaria aos sete anos, quando resgatou um gato que havia subido em uma árvore imensa, descendo e subindo sem ninguém conseguir explicar como.


Alvo, porém, demorara bastante para mostrar que tinha capacidade de fazer algum tipo de mágica. Pode até escutar os pais ponderando o fato do menino ter nascido abortado. Tiago brincava de chamar o menino de “meu irmão trouxa” secretamente, até sua mãe o pegar o flagra e presenteá-lo com um sermão de horas. Todos ficaram bastante emocionados quando alvo fez a armadilha de bombinha explosiva de Tiago não funcionar para ele, mas acionar magicamente quando o seu irmão voltou a pegar no logro, fazendo a cara dele ficar lilás até seus pais encontrar um contra-feitiço correto.


Mas, fora isso, Alvo sempre fora inegavelmente medíocre no que diz respeito à mágica e, tinha que concordar, em praticamente todos os outros aspectos. Dependia de Tiago para tudo e constantemente precisava ser salvo quando a gangue mais da pesada de Hopkins o encurralava para implicar, sendo eufêmico. Tiago vivia repetindo que Alvo deveria tentar se defender sozinho, chamando de “bebezinho” na tentativa de acionar no garoto algum mecanismo de fúria. Mas isso só fazia Alvo se sentir pior.


Tiago sempre fora melhor em tudo. Quando iam para casa da avó Molly, o irmão mais velho sempre conseguia tomar o primeiro lugar na corrida de vassouras e - dentre todos os primos - Alvo era sempre o último colocado. O menino até se eternizou como Cleansweep 1 ambulante (uma vassoura lenta demais para o padrão da Firebolt que Tiago possuia). Ele também levava o apelido de “senhor prudente” pela lentidão e excesso de cuidado que Alvo tomava no ar. Isso por que ele tinha um trauma secreto, oriundo da queda que levava da vassoura na primeira tentativa de voo. Desde então, o menino não arriscava passar dos 30 quilômetros por hora, o que garantia a lanterna na corrida entre os primos.


– Mas agora vai ser diferente... – pensou em voz alta, olhando para a manhã nublada lá fora. É, as coisas iam mudar. Ele ia aprender a fazer feitiços, e ia se esforçar para se tornar bom. Ia ser o melhor da turma “Não, ia ser melhor aluno de Hogwarts”. Ele que iria mostrar como é que se faz. Ia ser o melhor em tudo... Nas matérias e até no quadribol. Imaginou-se pegando o pomo de ouro e...


– ... E ELE PEGOU O POMO! ALVO POTTER GANHOU A TAÇA DE QUADRIBOL PARA A GRIFINÓRIA... – a torcida delirava. Os jogadores da Grifinória jogavam ele pro ar ...


– O melhor jogador de Quadribol de todos os tempos... Eu? Obrigado Tiago, no sangue, é o que dizem... Autografo? Claro, claro... Eu...


– Será que eu também posso ganhar um autografo do “Melhor jogador de todos os tempos”? – disse uma voz risonha de trás de Alvo. Um garoto de cabelos ruivos e sedosos, um pouco mais velho que Alvo, de olhos profundamente azuis desapoiou-se da porta e veio ao encontro do irmão, enquanto o menino saía de cima da cama e largava a taça de Quadribol imaginária, vermelho como um pimentão.


– Acho que você deveria pensar em fazer Artes bruxas, teatro, canto, dança, sei lá... Sério, tem futuro pro ramo! Ouvi dizer que é pré-requisito falar sozinho e ter alguns parafusos a menos para...


– ...Cala a boca ... – Disse Alvo emburrado, enquanto ajeitava a roupa de cama – não sabe bater?


– Calma amigão – Tiago riu-se – tava aberto, você nunca dorme com a porta fechada. Tem medo do escuro...


– O que você quer? São seis da manhã...


– Não sabe que dia é hoje? – Tiago sentou-se na escrivaninha de Alvo e balançou uma esfera cheia de fumaça azul. O menino jogou a esfera de vidro para Alvo, que mudou de cor para um vermelho vivo assim que tocou na mão do menino.


– Ah! – exclamou, e a esfera voltou ao azul costumeiro.


– Não acredito que você... Ela ta lá embaixo e pediu pra acordar você... Não sei pra que...


– Você já...?


– Ahã – Tiago respondeu rápido, com um sorriso radiante – e ela disse queadorou... Acordei cedinho. Papai não estava... Entreguei o café na cama e depois dei.


– Sai do quarto! – Alvo pulou da cama e ofereceu a porta para o irmão – Sério, Tiago, rapidinho! Preciso... Eu... Sai Tiago! – Alvo empurrava um menino com uma cara intrigada para fora.


Trancou a porta. Correu para a cama e prendeu a respiração por alguns segundos (era alérgico a coisas mofentas), puxou o colchão, revelando a base da cama. Então abriu um flash-clair discreto ao lado direito da base, revelando um espaço protegido por um fundo falso. Palpou a abertura do tecido às cegas até encontrar o que procurava. Algo redondo, um tanto áspero. Embrulhou rapidamente em um papel presente amarelado que havia guardado dentro de um livrinho na escrivaninha e saiu do quarto disparado.


Quando Alvo desceu os vários lances de escada e chegou na sala de estar, encontrou apenas uma menininha ruivinha tocando um piano branco de cauda. Ela até que tocava muito bem, tinha talento para a música, a irmã caçula. Como ela parecia concentrada em uma melodia bonita e aparentemente complexa, não quis interrompe-la. Alvo tentou evitar também o papel de parede com a árvore genealógica dos Black, mas algo o atraía para os rostos estranhos, a maioria demonstrando ter tido poucos amigos em vida. E ali estava o único nome que já tinha ouvido falar, apesar da foto estar chamuscada, escondendo o rosto, sabia que aquele homem chamado Sirius Black era padrinho de seu Pai, que herdou a casa dele.


O menino encontrou Tiago esperando na sala de jantar, em uma das cadeiras da mesa, com a mão no queixo, parecendo entediado. Ele fez um gesto apontando para a cozinha que ficava no andar debaixo. Alvo desceu as escadas.


A cozinha, apesar de subterrânea, não sufocava. Era espaçosa e tinha um toque especial de antiguidade chique com as paredes de pedra e o lustre de serpentes. Assim que pisou no degrau da metade já pode ver uma mulher alta, ruiva e muito bonita, que lhe sorria, fazendo ao mesmo um gesto rápido com a varinha. Uma assadeira entrou flutuando até o forno, depois a porta dele se fechou, enquanto a mulher ia ao encontro do seu filho. Ele a abraçou forte, com uma só mão, depois revelou sorridente o que estava escondendo atrás das costas na outra mão.


– Feliz aniversário mamãe...


Gina olhou surpresa para o pacote amarelado e abriu-o, revelando uma esfera do tamanho de um limão pintada de dourada, com duas asinhas de ganso penduradas nas laterais. Na esfera tinha um G gravado. A mulher deu um beijinho na bochecha do menininho feliz.


– Foi você mesmo que fez? – disse, enquanto olhava para a bolinha. O menino fez que sim com a cabeça, parecendo satisfeito – Está muito bonito, o Pomo. Provavelmente o mais bonito que peguei. Obrigada, Al.


O menino olhou para um lado, para o outro, depois finalmente perguntou:


– O que o ... O que foi mais que a senhora ganhou?


Gina olhou desconfiada.


– Al, você não...


– Só quero saber... Só curiosidade – apressou-se a explicar, tomando cuidado para não olhar nos olhos da mãe.


– Lily compôs uma música no piano e Tiago conseguiu uma foto da época de Hogwarts...


Alvo sentiu-se imediatamente deprimido. Um pomo de ouro que não era de ouro todo torto e malfeito? O que era o seu presente perto de uma composição de piano de sua irmã de dez anos de idade e uma foto nostálgica que deve ter arrancado lágrimas da mãe?


– Al... – começou a mulher. O menino parecia estar muito interessado no listrado do pijama. A mulher levantou delicadamente o queixo cabisbaixo – você não precisava me dar nada, você já é o meu presente.


Não foi convincente. Mas para não parecer um ciumento, Alvo concordou, forçando o riso. A mulher sapecou mais um beijo na bochecha corada do menino e chamou o irmão que estava no outro compartimento, parecendo intrigado e curioso.


– Estou tendo uma terrível experiência com essa torta de caramelos que me dispus a fazer... Seu pai adora, mas acho que não tenho a mesma habilidade que a sua avó... - Gina fez um movimento impaciente com a varinha e a porta do forno abriu-se. Uma torta negra e chamuscada saiu do forno e com outra balançada da varinha a mulher abriu o cesto de lixo e jogou-a lá dentro, para fazer companhia com outras experiências culinárias infelizes – Não consigo lançar o feitiço direito para ficar no ponto...


“Mais tarde a gente vai para a Toca, sua vó anda misteriosa com essa festa de aniversário de casamento... Ela disse que ia passar aqui para dar uma mãozinha... Seu pai não precisa saber que não fiz sozinha... apesar de... É, ele vai desconfiar, mas acho que...” e lançou um olhar enfático para Tiago “Por isso estou pedindo para vocês um favor. Tiago, você e Al vão a Quinquilhares e peguem o presente do pai de vocês que eu mandei restaurar...”


Tiago olhou da mãe para Alvo, com jeito de quem estava ofendido.


– Porque o Al tem que ir junto? Não quero bancar babá... (Eu não sou um bebê!)


– Por que eu quero que Alvo vá. Por isso. Pega o guarda-chuva que está lá no terceiro andar, no quarto de hospedes, pelo jeito que está o céu... E não me olhe assim.


Tiago subiu pisando forte, decididamente chateado. Quando a mãe certificou-se que o menino já estava bastante longe, ela se dirigiu para Alvo.


– Eu quero que você fique de olho em Tiago. Ele sempre se mete em encrencas, gosta de sair com a vassoura e você sabe que devemos ser discretos nesse bairro... – o menino fez que sim com a cabeça - Então estamos combinados.


Um tempinho passou e Tiago voltou, parecendo um pouco menos emburrado. Ele segurava um guarda-chuva rósea de cabão. Mostrou para Gina (“É esse?”), que concordou, pedindo para os dois tomarem cuidado e não se meterem em encrencas.


Alvo e Tiago saíram juntos da casa 12 no largo Grimmauld, passeando por ruas de um subúrbio trouxa. Tiago ia tagarelando sobre amigos, pessoas, fatos e situações, enquanto dobrava à esquerda, à direita, seguia em frente, depois dobrava outra vez, parecendo saber exatamente para onde ia. Como Alvo não costumava sair muito sozinho, considerou-se perdido quando eles passaram em frente a uma encruzilhada mais movimentada, cheia de transitastes e carros ao pico das dez horas da manhã.


Supermercados e lojas trouxas diversas se acotovelavam entre as esquinas, muitas pessoas andavam para lá e para cá, atarefadas. Passou um tempinho até que voltaram a entrar em uma zona suburbana mais calma e silenciosa e, após mais alguns minutos de caminhada, Tiago apontou para uma edificação no fim da esquina, que indubitavelmente destoava com as casinhas trouxas que emparelhavam com ela.


Era muito estreitinha, mas bem alta. Deveria ter uns 3 andares, que ameaçavam cair para o lado de tanto tortos eram. Feita de tijolos amarelados e antigos e um telhado ondulado com estátuas de corujas no cume, o lugar era rodeado por uma atmosfera misteriosa. Na marquise do primeiro andar, havia uma placa com letras tortas de madeira, formando: “Antiquário Quinquilhares”. Mas eles não chegaram mais perto.


– Vou fazer uma coisinha antes. – informou e pôs numa mão do menino moedinhas de ouro e na outra o guarda-chuva escandaloso – Vai lá e pega com o Tatcher - Ele virou-se e foi andando um tanto mais à frente do antiquário, pretendendo, pelo visto, dobrar a esquina.


– O que você vai fazer Tiago?


– Uma coisa aí...


– Eu vou com você! – disse o menino, alcançando Tiago com uma carreira.


– Não! Vai lá pegar a encomenda!


– Mas eu nunca fui lá só!


– Tudo tem sua primeira vez! Não amola, Al!


Mas o menino cruzou os braços e sentenciou:


– Eu conto pra mamãe.


– Fofoqueiro! Um intrometido, é o que é! Bebezão! (“eu não sou bebê!”) Então prova, vai lá sozinho e compra (“Não!”) – e os garotos ficaram discutindo, até Tiago revirar os olhos e dar um fim no impasse:


– Tá, tá bom! Você vem, mas se contar alguma coisa pra mamãe...


– Eu não conto... – prometeu Alvo.


Os meninos dobraram então a esquina, deixando o Antiquário para trás. Chegaram em outra ruela de trouxas, mas deram em uma igrejinha velha deserta. Tiago, seguido por um Alvo curioso, seguiram ao fundo dela, onde tinha um cemitério abandonado, cheio de árvores altas e frondosas. Tiago, então tirou dos bolsos o que parecia uma bombinha da forma de um dragão, tirou um isqueiro, olhou para os lados e sorriu maliciosamente.


– O que é isso?


– Novo logro do tio Jorge. Primeira mão! Primo Fred me deu... Eu vou testar. To morto de curiosidade pra saber o que ele faz. Depois a gente pode ir pegar lá o negócio da mamãe...


– Mas... Tiago, e se for perigoso? Pode chamar muita atenção, a gente tem que tomar cuidado com os trouxas...


– Para de ser chorão, não tem ninguém aqui. É vazio, não passa nem cachorro. Eu já vim aqui antes, sério, o lugar é abandonado. E além disso - o menino ascendeu o pavio do logro com um sorriso sapeca - as árvores cobrem – e enterrou ele no chão de terra batida e se afastando ligeiramente, com a ansiedade estampada na cara.


O pavio foi até o fim. Segundos se passaram, minutos... E nada. Tiago pegou o logro, o fitou decepcionado e murmurou.


– Preciso avisar pro Fred que ele me deu um com defeito... – e pois no bolso – agora vamos ao antiquário. E Nada de abrir o bico pra mamãe! (“Tá!”).


Alvo também estava decepcionado. Adorava os logros do tio, mas também se sentiu culpado. Deveria contar que Tiago andava fazendo besteira, mas se contasse, ganharia implicância de graça hoje à noite. Além disso, falou para si mesmo que já que Tiago não teve êxito na insubordinação, isso a anulava. Não fizera nada de errado, na prática.


Voltaram à loja Quinquilhares, dessa vez parando em frente a porta. Tiago foi até o trinco e bateu-o três vezes contra a porta. O silêncio se estendeu, até ouvirem um som de destrave, fazendo a porta se escancarar. Os garotos adentraram no local...


Tiago, que já tinha visitado o local anteriormente com o seu pai para vender velharias desagradáveis dos antigos donos do número 12 do largo Grimmauld, não esboçou nenhuma reação digna de nota. Alvo, por sua vez, fez “Uau...”. Ele não conseguia registrar todos os objetos que se acotovelavam entre as estantes que ocupavam, no mínimo, três metros.


Pedras azuladas que brilhavam sob o clima escurecido e fantasmagórico do local dividiam espaço na estante com cálices prateados e dourados, adornados de pedrinhas de várias cores; lâmpadas prateadas esculpidas de detalhes tomavam todo um andar da estante, enquanto escudos de pantáculos de madeira amontoavam-se ao lado. Adagas, espadas e elmos pomposos, com escritas rúnicas estranhas descansavam em outro andar; incensários, velas de formas de sapos e lagartos ficavam ao lado de almofarizes e pilões.


Vários sinos, de todos os tamanhos e caldeirões ocupavam a partes mais altas da estante. Livros lacrados com trincas robustas estavam na área mais profunda do antiquário; refletindo eles, espelhos grandes descansavam apoiados nos móveis. Bolas de cristais se acumulavam mais rentes ao chão. Manequins de pano que vestiam túnicas com cíngulos ficavam ao lado de um longo balcão de cedro no fundo da loja, onde o vendedor deveria ficar. Porém, não havia nenhuma pessoa, apenas uma porta cheia de penduricalhos. Em cima do balcão havia uma estátua de mão com anéis, esferas nacaras, relógios de metal, ampulhetas e uma coruja empalhada: e no pescoço, uma placa dizia “Sr. Fauntleroy Gorgento”. Outros objetos, Alvo observou hipnotizado, apinhavam a parede: cheia de chifres de unicórnios e plumagens coloridas em vasilhas; vidraria com objetos indefinidos mergulhados se acumulavam também.


Forrando a parede adjacente, pendentes, quadros vazios de cenários bucólicos um tanto macabros e xilogravuras medonhas. Cajados diversos com amuletos em suas pontas ficavam mergulhados em um canto no fundo da loja. Pendurado no teto, chapéus estranhos, morcegos empalhados e estrelinhas cintilantes enfeitavam (na verdade eram fadinhas presas em esferas de vidro). E mais e mais estantes faziam fila... O menino observava maravilhado uma réplica do sistema solar com todos os corpos celestes quando ouviu uma voz rouca e agudinha.


– Oh... Sim... Poderá lhe ser útil esse ano, pequeno Potter.


O garoto quase cuspiu o coração com o susto. Tiago, apareceu de trás de uma estante de patuás, curioso. O velho Thatcher era uma criaturinha menor que Alvo, magrelíssimo e enrugado, porém com orelhas realmente impressionantes de enormes, com pelinhos brancos saindo. Ele fitava o garoto com o par de olhos lilases enormes e globosos. Alvo não teve dúvida de que Thatcher era um Elfo doméstico, assim como o que costumava viver em sua casa, o Monstro. Morreu de velhice a uns cinco anos. Mas, diferente de monstro, que usava trapos e fazia escândalo para não receber roupa alguma, Thatcher vestia uma bata azul aristocrática, com uma estola dourada.


O velho elfo Thatcher Ofereceu a mão ossuda e pequenina para o Alvo e balançou-a efusivamente em um cumprimento exagerado. Depois, notou Tiago parado ao lado de uma estante e foi até o menino, com passinhos rápidos e elegantes.


– Que agrado... Felicito-me por vê-lo novamente, outro Potter.


Tiago mostrou-se um tanto ofendido por ser chamado de outro. Não era sempre que não era bajulado por ser o primogênito, Alvo podia imaginar. Mas o velho não prestou atenção e voltou-se para o mais novo:


– E você, pequeno Potter, tão parecido, tão idêntico ao pai. Olhos de esmeralda... Mas digam-me – o velho fez um gesto amplo, deixando claro que agora incluía Tiago na conversa – Que o trazem em minha pobre loja... Hum?


– Minha mãe (sim... Ginevra Potter, continue, sim, sim) mandou buscar o presente do papai (Oh, sim, Harry Potter, sim...)


Alvo ficou calado. Thatcher sibiu numa cadeira cheia de livros que o mantinha na altura que uma pessoa mais alta ficaria ao ficar atrás de um balcão. Tiago tomou a frente, se posicionando mais próximo.


– ... E então?


– Então? – o velho franziu a testa para Tiago, depois estalou os dedos de maneira desconexamente jovial – Ah sim. Sim, sim, está nos fundos, claro. Vou buscar – e foi-se, desaparecendo atrás da porta. Alvo e Tiago puderam dar uma espiadinha antes dele fechar a porta: Havia outra sala com ainda mais estantes no outro compartimento. Quão grande seria aquele lugar? Definitivamente o Elfo estava sendo irônico ao referir-se ao estabelecimento como uma “pobre loja”.


Ambos resolveram dar mais uma olhadinha nas estantes enquanto o velho ia pegar o produto. Alvo tocou numa lâmpada prateada, mas tirou a mão como se tivesse se queimado quando notou que imediatamente uma fumaça esverdeada ameaçou sair da boca do objeto. No entanto, antes de examinar melhor o espelho que reluzia misteriosamente, ouviu o trinco da porta bater três vezes. Os garotos notaram que uma cabeça do que parecia um boneco de vodu que estava pendurada no teto próximo a porta flutuou para olhar por um olho mágico. Então a porta se abriu sozinha.


Tinha o tamanho de Alvo, mas com absoluta certeza, no mínimo, o triplo da idade. O barrete castanho cobria parte do cabelo ruivíssimo ondulado preso para trás de orelhas pontudas. A Barba - que não tão longa, mas cacheada e sedosa - foi o que mais chamou atenção de Alvo. Era uma bela barba. O baixinho se aproximou passando uma imagem um tanto misteriosa ao pôr a capa de pelo castanho sobre um terno carmim. Ele fitou Alvo com aqueles olhos negros quase sem esclera, depois encarou Tiago, abrindo um sorriso cheio de dentes.


– Prof. Ravus? – Tiago parecia intrigado. O homem fez uma reverência tirando o barrete.


– Potter... Como está? Tudo bom?


Depois o professor foi esperar pelo elfo no balcão...


– Esse aí é o Aleph Ravus – Tiago murmurou ao pé do ouvido do irmão – Professor de Transfiguração em Hogwarts... Esquisito. O que está fazendo aqui...?


Alvo concordou rápido, tentando fazer Tiago parar de falar, pois o homem lançou um olhar enviesado por trás das costas. O garoto calou-se e alguns longos minutos incômodos se estenderam, até que a porta se abriu e o elfo escalou novamente a cadeira e encarapitou-se em cima dos livros, segurando uma caixinha. Ele demorou para notar que o professor estava ali, pois Ravus era baixinho demais para sobrepor sua presença ao balcão. Ele precisou pigarrear alto para chamar atenção do velho.


– Ora, ora, ora... Senhor Ravus! – esganiçou-se o Elfo, empurrando a coruja para subir na mesa e fazer contato visual com o homem – o que o traz a minha singela loja?


Ravus lançou o mesmo olhar enviesado para os garotos e meramente falou:


– Ah, Tatcher, atenda primeiramente os garotinhos – a voz estava cheia de significação.


– Bom, então, sim, com toda certeza... São dos Potter. Conhece?


O homenzinho fez que sim, sorridente, afastando-se do balcão para deixar o velho e os garotos conversarem, enquanto ele mesmo desaparecia entre as estantes, sem muito esforço.


– Aqui está – o velho mostrou a caixinha. Tiago pagou-lhe com algumas moedinhas de ouro - Muito obrigado – saldou o elfo – agora se vocês me dão licença... – Ravus reapareceu e foi conduzido por Tatcher para o interior da loja pela porta atrás do balcão. Quando os garotos estavam a sós...


– Estranho ... – Tiago coçou o queixo – Não querem ser ouvidos, com certeza...


E estalou os dedos como se tivesse recebido uma repentina inspiração. Foi até a parede adjacente à bancada, onde os cajados estavam apoiados, agachou-se, deu duas batidas com o punho e encostou o ouvido. Olhou para Alvo.


– E aí, Al?


– Aí o que? – retrucou o menino, sem entender.


– Vamos dar uma espiadinha, que tal?


Alvo lançou um olhar indignado para o irmão.


– Quer me pôr em confusão com um professor antes mesmo de entrar na escola?


– Então fica aí, bebezão (não-sou-bebê!) ... Então vem logo. Sempre quis saber o que esse cara faz fora de Hogwarts. Ele é muito esquisito, sempre sorrindo... Mas se sorriso fosse símbolo de sinceridade os Luduans teriam bocas...


Tiago aproximou-se da parede e deu umas batidelas, identificando um ponto oco. Alvo bufou. “Não se metam em confusão” a voz da mãe ecoava na sua cabeça. Sentiu-se um tanto culpado, mas a curiosidade assolava-o. Além de tudo, Alvo encarou o irmão desacreditado. Como ele pretendia atravessar uma parede sólida? Já ia perguntar isso quando o irmão afastou-se da parede, revelando uma portinha baixa no lugar onde estava.


– Como você... Você não pode fazer magia fora de...


“Shhh” fez Tiago, abrindo a porta silenciosamente e atravessou-a engatinhando. Alvo ficou de quatro e o seguiu, notando a forma peculiar maçaneta da porta: uma serpente de prata. Era comum encontrar maçanetas em forma de cobra na sua casa, isso por que eles haviam herdado dos muy antigos Black, família que tinha a serpente como brasão. Mas aquela maçaneta tinha esmeralda no lugar dos olhos e exalava um tipo de sensação engraçada... Mas Alvo logo se interessou no que estava atrás da porta com a maçaneta.


Viu-se em um lugar mais escuro que o primeiro compartimento da loja. Tudo estava cheio de poeira, teia de aranha e mofo. Os garotos estavam escondidos atrás de umas das muitas estantes velhas. Alvo notou que a que estava bem na sua frente guardava objetos arrepiantes.


Um crânio que parecia ser humano emborcado, como se fosse algum tipo de tigela macabra. Cutelos enferrujados, cordas para enforcamento, bonecos de pano feíssimos e mal costurados. Outros vidros cheios de liquido verde florescente guardavam nitidamente globos oculares de todas as cores, dentes afiados, até cabeças vivas; Tudo ali era obviamente ilegal. Alvo sentiu que não estavam fazendo algo muito inteligente invadindo os fundos da loja de um velho que guardasse esse tipo de coisa.


Tiago deu com o punho no cocuruto de Alvo para fazer o menino se situar e segui-lo. Ainda engatinhando, os dois foram até o canto da estante. Os dois colocaram parte da cabeça discretamente para fora do corredor entre as estantes. Não havia ninguém no fundo. De repente ouviram passos do outro lado da estante que estavam e puderam concluir que os homens estavam separados dos garotos pela estante imediatamente a frente deles. Alvo apurou a audição.


“Alguma novidade da sociedade, Aleph?” Disse a voz agudinha e rouca do elfo.


“Sim” respondeu o outro “Deve ter ouvido os boatos”.


“O roubo?” Thatcher indagou, parecendo mais interessado “Sim, sim, sim, como não?”


“Penso... Acho que o nosso pequeno tesouro não está mais seguro”


“Discordo, Aleph...Acho que está perfeitamente seguro aqui, com o meu senhor Gorgento e a mim para proteger. Nem eles, nem o Ministério desconfiariam”.


“Thaty, não cabe a você decidir isso. Como o senhor Gorgento encontra-se...” Ravus falou num tom quase inaudível “impossibilitado... De palpitar sobre. Os outros membros decidiram levar para os Duendes guardarem. Hoje eu vim buscá-lo.”


“Gringotes? Não me faça rir... Lá, com certeza descobrirão que temos... O ministério vai descobrir...”


“Não, não me refiro à Gringotes quando cito os Duendes. Falo da sede central”


Um silêncio estendeu-se por um instante... Tiago levantou-se para pôr o ouvido na estante, sedento de curiosidade.


“Você acha que conseguiria?” falou baixinho, com a voz urgente de incredulidade... “A sociedade permitiria? Não faz sentido... É como guardar a chave e a fechadura juntas... Que ideia ridícula, Aleph... Não... Acho que você está apenas querendo ganhar tempo antes que eles descubram que foi você que...”


Mas os irmãos nunca ficaram sabendo o que Aleph Ravus fez, pois antes do elfo Thatcher continuar, a bombinha de Dragão escapuliu do bolso de Tiago. No momento que tocou o chão, ela foi acionada, explodindo ruidosamente. Com o impacto, Alvo e Tiago bateram na estante, que estatelou-se em cima da segunda, onde os dois homens estavam, que caiu e derrubou a seguinte, num efeito dominó.


Vários vidros se partiram e muitos globos oculares saíram girando pelo chão. Dentaduras desembestaram como ratinhos mordendo pelo chão. Um livro que tinha um rosto ossudo na capa caiu, soltando um grito ensurdecedor, que uniu-se a zoeira do fogo de artifício em forma de um dragão púrpura que sobrevoava pela sala.


“O que houve, o que é isso? ” Os garotos puderam ouvir a voz do velho vindo dos escombros. Ravus lutava contra uma nuvem de dentaduras que o mordiam sem dó.


– Corre! – exclamou Tiago entredentes e não precisou repetir. Engatinharam se empurrando pela portinha e saíram apressadamente para o primeiro compartimento da loja. Tiago ficou para trás um pouco, até reencontrar o irmão e os dois saírem juntos correndo para fora da loja como se não houvesse amanhã.


Os garotos não acreditavam nas suas sortes. Arfando, esgotados, só pararam de correr quando consideraram-se distante o bastante da ruela de Quinquilhares.


– Estranho demais, Al... – comentou Tiago, enquanto atravessava uma encruzilhada, desviando de trouxas ocupadíssimo em suas rotinas – Prof. Ravus o Elfo Thatcher, juntos... E aquele papo... O que será que estão escondendo?


“Olha por onde anda!” Disse irritado um homem engravatado quando Alvo deu de encontro com ele na dobrada de uma esquina.


– ... Dá a até para se pensar que estão fazendo alguma coisa proibida... Presta atenção! – continuou o menino, puxando o irmão para impedi-lo de se acidentar com uma mulher que equilibrava nos braços três sacolas de compras pesadas.


O transito estava realmente a pino e as pessoas agora se amontoavam pelas esquinas, bem mais lotadas às sete da manhã. Alvo seguiu o irmão distraidamente: seu pensamento viajava no recente acontecimento e ponderavam as colocações de Tiago...


Então aquele era um professor de Hogwarts? Parecia uma figura realmente respeitável. A primeira impressão de Ravus é de que o homenzinho guardava inúmeros segredos. Tinha certeza que o professor realmente estava incomodado com a presença dos irmãos no dado momento e imaginou se aquilo interferiria na maneira em que o professor trataria Alvo durante as aulas. Se sentiu ligeiramente preocupado. A última coisa que o menino gostaria é de causar má impressão. Diferente de Tiago – um encrenqueiro irremediável, Alvo se sentia feliz em ser considerado um bom menino. Nunca causara problemas para os pais. Isso tinha seus lados bons e os ruins.


Contudo, além dos problemas com o futuro professor, também tinha o tal roubo. Que roubo? E o que estariam escondendo no Antiquário que deveria ser movido para a tal “Sede central”. Que sociedade? O menino estava moído de curiosidade. Algo grandioso estava sendo arquitetado nos bastidores de Quinquilhares... Ele daria tudo para saber mais...


Quando Alvo e Tiago voltaram para casa, ouviram uma voz familiar vindo do andar de baixo.


– ... Ter me chamado! Eu faria tudo desde o início e estaria tudo bem, mas...


– Eu queria fazer sozinha...


– ... Orgulhosa como é.... Harry não iria desconfiar que não foi você, filha...


– Claro que iria. Se estiver gostoso, vai saber que não fui eu.


– Bobagem...


– Vovó? – Alvo disparou descendo para cozinha e encontrou ao lado da mãe, uma mulher grisalha simpática e rechonchuda, que agora sorria radiante, abrindo os braços.


– Alvo, querido! Venha cá com a vovó...! – a senhora Weasley apertou o menino entre os braços – Tiago! – e também o abraçou e em seguida colocou as mãos no rosto do garoto para fita-lo, desconfiada – Não andou se metendo em confusões, hein? Hum, ótimo... Por que demoraram tanto?


– Elfo Tatcher ficou puxando papo... – disse Tiago sem corar. Alvo tomou o cuidado de não olhar para a mãe. Os garotos sentaram na mesa para comer o cereal que não tinham terminado no café.


– É, é bem o feitio dele... – A senhora weasley concordou distraidamente: olhou o pernil carbonizado com repugnância antes de jogá-lo no lixo - Se formos considerar o seu dono. O velho Fauntleroy era uma verdadeira matraca... Encontraram com ele? Não, claro que não... Orgulhoso como é, não iria se mostrar da forma que está... Mal consegue andar depois daquele trágico acidente... E manda o Elfo cuidar da loja... - então começou separar alguns peitos de peru e ordenar com a varinha para a faca cortar alguns legumes.


– Trouxeram o relógio? – perguntou Gina, dirigindo-se especificadamente à Tiago. O menino concordou e entregou uma caixinha de madeira bem talhada para a mãe – obrigada, filho...


– Tenho certeza que Harry vai simplesmente amar o presente... – disse uma senhora Weasley cheia de pompa e orgulho...


– Sim, eu sei que você tinha dado o relógio... Ele gostou muito.


– E na época me custou muito caro, veja bem... – Molly interrompeu a fatiação dos peitos de peru para olhar a caixinha contendo o tal relógio, mirando-o carinhosamente – Naquele tempo eu queria demonstrar que ele fazia parte da família, afinal, o pobrezinho nunca teve pais... E é tradição dar um relógio a um bruxo que completa a maior idade... Nossa, isso parece ter acontecido a tanto tempo atrás, que tenho a impressão de que foi em uma outra vida... – a senhora mirou o teto, saudosa e um tanto tristonha... Depois retornou ao presente: - Foi uma boa ideia consertar o relógio, já que ele oficialmente faz parte da nossa família... Falando nisso, onde está ele? Onde está Harry?


– Trabalhando... Teve que responder um chamado urgente no Ministério hoje cedo... – explicou Gina.


– Isso é um absurdo! – disse a senhora Weasley indignada - tecnicamente ele estaria de férias, justo hoje! Não lhe dão um descanso sequer?
– Ele é o Chefe dos aurores, mamãe... Tem suas responsabilidades – mas o tom de voz de Gina sugeria que a mulher estava um tanto melancólica.


– Posso compreender. Ele tem suas responsabilidades... Mas hoje...


Gina concordou apenas, sem fazer nenhum comentário, as lamúrias e reclamações da avó Weasley. Mas deixou cair trigo demais na mistura da torta. Corrigiu nervosamente o erro com um baque da varinha e começou a refazer a massa. A senhora Weasley talvez tenha notado, por que deixou a faca trabalhando sozinha no corte dos legumes e peitos de peru e começou a ajudar a filha com a torta.


– Eu sou realmente uma tragédia na cozinha...


– Acho que não têm nada a ver com habilidade culinária, minha filha... – disse Molly, perspicaz - Acho que você está distraída demais... Aconteceu alguma coisa?


Gina negou, sorrindo, como que tranquilizando a mãe. Agora Alvo e Tiago assistiam a conversa comendo bolachas, como quem assiste um programa interessantíssimo de TV.


– Estou bem, só um pouco ansiosa para hoje... E vocês dois, já arrumaram as malas?


– ... Malas...? – quis saber Alvo.


– Sim, eu disse ontem que iriamos passar um tempo n’A Toca...


– O.K! Vou aprontar já-já! – e desembestou pela escada, pulando os degraus de três em três – Eu tinha esquecido! Que a gente ia dormir n’A Toca – Falou para si mesmo. Alvo estava excitadíssimo. Adorava ir para a casa dos avós. Os primos todos reunidos, seria algo divertido e o distrairia da tortura que era esperar por Hogwarts. Alvo chegou no quarto, calculou a roupa necessária para uma semana (provavelmente iremos de lá para o Beco Diagonal fazer compras!), então adicionou mais algumas meias que lhe eram da sorte. Depois que acabou de aprontar as malas, deitou-se, pensando em voz alta. Alvo tinha o costume estranho de falar sozinho.


– O professor queria pegar alguma coisa e levar para um lugar– ponderou – Mas se tiverem fazendo alguma coisa proibida mesmo? Mas eu não vou me meter. Aposto que encontraram a bombinha e já dá pra saber que eu e Tiago andamos bisbilhotando... Isso é péssimo. Mal entrei na escola e já estou com problemas... Culpa do Tiago, claro, de quem mais seria?


Alvo levantou-se e ficou andando para um lado e para o outro, pensando...


– Papai saiu cedo, mas hoje ele estava de folga. Eu ouvi ele falando ontem mesmo... Por que saiu? E a mamãe está muito estranha. Tá na cara que tá escondendo alguma coisa...


–E pode ter certeza que está – alguém disse. Alvo se virou depressa. Sabia de onde vinha a voz.


– Como assim? – o menino dirigiu-se à moldura sem pintura que descansava na parede de seu quarto. Era raro ela falar com o menino. Muito raro mesmo. Na maioria das vezes ela só ria, asmática, ou reclamava com muxoxos, achando ridículas as atribulações ditas em voz alta pelo menino. Alvo subiu na cama, para ficar mais próximo do quadro – Ei!


– Vi seu pai no Ministério hoje muito cedo – Decidiu responder a voz de homem velho, parecendo irritadiça - Não parecia nada tranquilo. Aliás, todos estão muito peculiarmente inquietos. Diga-me, garoto, sabe de algo? Algo está acontecendo no Ministério da Magia ou com seu Pai, Harry Potter?


Alvo abriu a boca para falar, mas depois pensou melhor e disse:


– Quem é você?


– Diga-me o que sabe – retrucou a voz, ríspida.


– Primeiro me diz quem é você, aí eu digo o que eu sei – sentenciou o garoto.
A voz bufou, dizendo pra si algo como “...Petulante...”. E, após algum tempo...
– Finneus Niggelius Black – disse, contrariado - tetravô do padrinho de seu pai, Sirius Black. Fui diretor de Hogwarts em vida – falou tudo isso numa carreira só - Agora me Diga o que sabe.
O menino pensou um pouco. Finneus Black, claro... Lembrava do nome na tapeçaria da árvore genealógica dos Black... Então Alvo poderia considerar que tinha um parente que fora diretor de Hogwarts? Isso era muito legal.
– Er... Senhor Black – dirigiu-se com educada cautela ao quadro – O que eu sei... Er... – tentou buscar na lembrança a conversa que espionara.
– Sim? – forçou Finneus, impaciente.
– O professor Ravus - que encontrei hoje de manhã - falou sobre... Um roubo, é, isso, ele falou sobre um Roubo... - Alvo decididamente não iria denunciar o professor, pois não tinha provas o suficiente e seria insensato acusar sem saber: se estivesse errado, o professor iria desconfiar que ele que o denunciou. Resolveu que era informação suficiente, então continuou - E minha mãe está misteriosa ... Só.. É... É só isso que eu sei.... Senhor.


– Roubo, hm? – a voz da moldura tinha um tom intrigado – naturalmente Sharcklebolt quer abafar o caso, o que me leva a crer que algum protegido dele está envolvido... Quem sabe até... – e parecendo ter notado que ainda continuava falando na presença de Alvo, parou abruptamente. Depois disse com uma certa arrogância - Então é isso. Se souber de mais alguma coisa, me diga. De outro modo, não me importune. Passar bem.


A voz calou-se e a moldura ficou novamente silenciosa, como sempre tinha sido. Alvo estava agora sozinho em seu quarto, roído de curiosidade para saber mais sobre o tal roubo, sobre seu parente diretor, sobre seu futuro professor, sobre o que a mãe estaria escondendo e o que o pai estava fazendo...

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