Integra Waldorf




Isobel tentou forçar a porta. Tomou distância e deu de contra a ela, na esperança de abri-la com o estrondo, mas apenas obteve um lindo hematoma no braço direito. Olhava para um lado e para o outro, esperando alguém aparecer a qualquer momento abrindo a porta... Observou pela janelinha do quarto, uma queda de quatro andares seca... Já faziam 10 minutos que a Waldorf estava dentro do Orfanato...


Tu-Tu-Tum


O som veio da porta. A menina congelou. Em seguida:


– Isobel, Isobel, jogue as suas tranças para mim... Opa, seu cabelo é de capacete, engano meu...


Georgina ria com vontade do lado de fora do quarto. Só faltava essa... Georgina viria para caçoar dela no momento. Afinal, não era ela que seria adotada por...


Naquele momento o coração de Isobel deu um saltinho. Claro! Era isso!


– Georgina? – a garota começou a falar com tom de despreocupada dúvida - por que você não está lá embaixo? Não quer conhecer sua nova mãe?


“Que?” Pôde-se perceber pela voz vindo do outro lado da porta que a garota fora totalmente surpreendida “O que quer dizer? Do que tá falando?”. Isobel continuou da maneira mais displicente possível, rindo-se com desdenho.


– Não acredito... A Senhorita Harrison não contou? Tc-tc-tc-tc.... Pensei que você fosse a queridinha dela...


– Desembucha Isobel! – Georgina cuspiu.


A menina riu maliciosamente.


– Sabe o que eu achei no escritório da senhorita Harrison no dia do alarme falso? Não? Umacarta. E sabe o que estava escrito na carta? Tão desinformada? – a garota deixou um silencio teatral pairar um pouco para dar mais um pouco de suspense, assim continuou - Tem uma mulher que está conversando com a senhorita Harrison agora. É a Integra Waldorf, acho que você se lembra dela... – Isobel deliciou-se com o silêncio que Georgina prolongava, até responder baixinho “Idaí se eu lembro?”, então continuou – Ah, sim, claro que se lembra! Então, Gerogina, meus parabéns, ela agora é a sua nova mãmãe!


Georgina não conteve um gritinho agudo. A rival comemorou em silêncio: ela estava mordendo a isca direitinho!


– Vo-você está mentindo! – a menina acusou-a, porém sem muita convicção na voz.


– Não, eu não estou! A senhorita Harrison prometeu a melhor garota do orfanato. Quem será? Quem será Georgina que a senhorita Harrison considera a melhor garota do orfanato?


“Você, é claro! Comportadinha, obediente, sempre disposta a ajudar ela! Eu não estou mentindo, Georgina! Acredita em mim, faz uma coisa inteligente pelo menos uma vez! O caso é que eu não vou deixar essa maluca se acostumar a pegar crianças e levar pro além! Eu vou te ajudar, Geogina... Dessa vez, vou te ajudar a fugir da Waldorf! Eu sei onde se esconder; onde ninguém vai te achar até a maluca desistir”


Georgina ficou em silêncio, provavelmente em um dilema terrível. Ouviu-se, então, uma voz vinda das escadas amplas do primeiro andar:


– GEORGINA, DESÇA AQUI! – era a senhorita Harrison. Provavelmente iria pedir para Georgina trazer a inimiga para o térreo...


Isobel ouviu a menina correr pelo corredor e descer as escadas. “Não, não, não vai embora!” ... Mas, ao que parece, não tinha sido bastante convincente... Chutou a cama, zangada. Depois sentou-se, sentindo-se deprimida... A última esperança foi-se tão rápida quanto veio...


Minutinhos depois, no entanto, ouviu um estalo metálico de destrave e porta do quarto do castigo escancarou-se. Georgina, que parecia completamente aterrorizada, disse com uma voz fraca e falha:


– Me ajuda!


Georgina seguia a garota de perto. As duas desceram rapidamente as escadas, até chegarem ao primeiro andar, quando se esconderam atrás de um vaso enorme com plantas no último segundo antes de serem vistas por uma senhorita Harrison bufando. Esperaram a mulher dobrar o corredor e subir o lance de escada para saírem de trás do vaso e continuarem no corredor. A porta do escritório estava entreaberta. Era quase certeza que a dita Waldorf estaria ali, esperando Isobel ser trazida.


Ambas foram até o fim do corredor, onde havia uma portinha embutida a parede. Georgina pegou o molho de chaves e destrancou-a. Havia uma escada que descia até a escuridão...


O porão do Orfanato não estava totalmente recuperado do alagamento. O cheiro mofento e molhado impregnava todo o local. Uma fraquinha luz improvisada revelava o caminho para as meninas que desciam as escadas cuidadosamente. Algumas caixas ainda estavam empilhadas longe do foco das goteiras vindo do banheiro do primeiro andar. Estantes com entulhos se estendiam por ali e acolá, mas Isobel foi até a lareira monstro, abriu a portinhola, separando as metades do rosto entalhado no metal. Georgina, que observava de longe, desconfiada, descruzou os braços e, como que com relutância, acompanhou a outra.


As duas entraram com folga na lareira. O local cheirava a mofo e cinzas velhas. Alguns insetos caminhavam por ali, mas elas não ligaram.


– Quanto tempo a gente fica aqui? – sussurrou uma Georgina impaciente, depois de alguns minutos.


– Até amanhã, se precisar!


A outra soltou um muxoxo e depois disso não falaram mais nada, só esperaram.


Não demorou muito, porém, para Isobel sentir alguma coisa estranha. Era como se o ar de dentro da lareira ficasse imediatamente pesado. Sem sobreaviso, então, uma luz verde e forte impregnou todo o lugar. Georgina soltou um grito.


Tomada pelo susto, Isobel nem esperou para ver o que era. Pisou na portinhola e pulou para fora da lareira. Mas Georgina não fora rápida o suficiente. A outra viu chamas verdes altas e furiosas irromperem da lareira, quase que a atingindo. Porém ela não sentiu calor algum. As chamas logo em seguida desapareceram com a mesma urgência que surgiram, contudo Georgina não estava mais lá. Havia desaparecido.


Isobel engatinhou até tomar uma distância segura da lareira. Ficou ali, respirando forte, com a adrenalina circulando nas veias. Estava estupefata, olhando para a lareira com a portinhola escancarada, com jeito de inocente e silenciosa. Parecia que não tinha acontecido nada. Mas Isobel estava só. Para onde fora Georgina?


No entanto a menina não teve tempo para ficar mais impressionada. A porta do porão abriu-se e a senhorita Harrison apareceu, ao pé da escada, encarando Isobel, com as mãos na cintura.


– Estão era aqui que você estava? Venha cá. E sem mais gracinhas!


A garota dirigiu-se ao seu trágico destino, ainda atordoada pelo desaparecimento de Georgina. Mas ninguém poderia dizer que ela não lutou bravamente. Quando chegou ao escritório, a senhorita Harrison abriu a porta e fez um gesto para a menina entrar, mas não a acompanhou. Ouviu a porta fechar atrás de si. A primeira coisa que viu no escritório a fez soltar uma exclamação: Georgina estava sentada na cadeira fofa em frente a mesa do escritório. Não estava com jeito de quem desaparecera em meio às chamas, mas estava aparentemente desacordada.


Waldorf, que estava de costas, observando a lareira aristocrática apagada, virou-se com a cadeira para fitar a garota longamente, com aqueles olhos negros faiscantes, observando a menina com comedida curiosidade.


– Você – começou a mulher, com a voz aveludada e um tom naturalmente nobre – é Isobel – não era uma pergunta.


A menina não esboçou querer falar nada. Ficou ali, parada, fitando a mulher, sem piscar. Deveria ser corajosa diante dela. Constatou que ela poderia trabalhar para alguma empresa funerária, pois sua moda exalava uma sensação deprimente de enterro. Ambas continuaram se encarando, até que a Waldorf resolveu falar novamente.


– Me chamo Integra Waldorf – a mulher demorou para desistir de ter a mão apertada pela menina: recolheu a mão estendida e continuou com a cara plácida – pretendo...


– Eu sei o que você veio fazer aqui, mas não estou interessada. Obrigada – Isobel interrompeu-a, topetuda. Talvez, se a mulher a detestasse, seria mais fácil desistir da ideia de adoção.


Waldorf levantou as sombrancelhas, demonstrando leve surpresa. Isobel voltou sua atenção para Georgina, que babava em profundo sono.


– O que aconteceu com ela? Como ela veio parar aqui? – quis saber a menina, deixando claro o tom de malcriação.


– Ela está bem. Foi trazida por engano... O fogo flu era pra você, naturalmente.


A menina pensou que talvez tivesse escutado mal. Fora ela que fizera o fogo? Ela foi trazida? Ela queria dizer que a menina foi transportada pelas lareiras?


– Isobel, vim aqui para adotá-la. Quer queira ou não, pode demorar um pouco, mas sairemoscom certeza daqui juntas.


– Vai me jogar na lareira?


– Se necessário...


– Eu não... Quem é a senhora... Eu não vou ir pra lugar nenhum! – e antes que a mulher tentasse abrir a boca, Isobel disparou em acusações.


“Eu vi a coruja, eu sei da sua história, das ouras meninas adotadas! Eu sei de tudo! Não saio daqui, nem arrastada! Esquisita, é o que é! Vai embora e me deixa e paz!”


Mas a Waldorf ..


– Esquisita? Eu? E você, Isobel, é o que? É capaz de se dizer normal?


E a encarou ainda com trejeito de riso.


“Você é não pertence a esse orfanato, Isobel Rogers, como as outras garotas que eu adotei não pertenciam. Você é diferente...Peculiar. Isobel, você é uma bruxa”


– Bruxa é você, sua palhaçona! – cuspiu a garota – uma doida varrida que cismou com a minha cara! Volte lá para o seu enterro, sei lá o que esteve fazendo com essa roupa horrível...


A menina virou-se irritada para sair daquele escritório agora mesmo. Bruxa? Tenha dó!


Mas a porta não abria. Estava trancada. Forçou, forçou, forçou, mas nada. Nem a maçaneta girava.


– Não vai sair antes que eu fale tudo o que quero falar – sentenciou a Waldorf com uma expressão gelada.


“Socorro, Socorro!” Isobel começou a gritar enquanto continuava a forçar inutilmente a maçaneta dura.


– Ninguém vai lhe escutar, Isobel, esqueça. Eu me certifiquei que a nossa conversa iria serparticular. Lancei um feitiço Imperturbável na porta...


A menina começou a se desesperar. Feitiço? E se ela fosse alguma maníaca? Tentou forçar um pouco mais, até finalmente desistir.


– Abre isso e me deixa sair daqui! – disse a menina, acrescentando, porém –Por favor?


– Antes vamos terminar a conversa de onde paramos – a mulher a fitou com os olhos negros focados – como eu dizia, você é uma bruxa.


Isobel pensou duas vezes antes de falar alguma coisa. A mulher era louca e perigosa, não deveria ser contrariada. Preferiu voltar à estratégia do silêncio.


– Ainda não acredita? – a mulher indagou, presunçosa – Diga-me, nunca fez algo acontecer, algo naturalmente impossível? Nunca sentiu calafrio antes de coisas inexplicáveis acontecerem?


Isobel a fitou com desconfiança. Ela realmente queria convencer a menina disso? Se ela já havia feito algo estranho?


– Diga-me sobre o dia em que você fez crescer nessa menina (aponto para Georgina) uma coleção de furúnculos, quando desejou que isso acontecesse? – Isobel foi pega desprevenida. Como ela poderia saber disso? A mulher continuou – ou quando você fez as lentes dos óculos do seu professor sumirem diante de todos os alunos na sala de aula? Quando você caiu de dois andares sem se machucar na noite em que enviei a carta pela coruja? Ou há dois dias atrás, vocêfez os todos os canos do banheiro despejassem água nessa garota, por que estava irritada?


Isobel começou a prestar atenção na mulher. Algo muito dentro de si dizia que talvez ela pudesse estar certa. A menina sempre esteve tão imersa em tédio, pensando em coisas fabulosas e misteriosas, que talvez não pudesse notar que tudo estava de baixo de seu nariz. Mas não era possível. Magia, bruxaria. Isso realmente existia? Não podia ser, tinha algo de estranho.


A mulher poderia ter adivinhado os pensamentos de Isobel. Ela puxou das vestes um tipo de vareta de madeira. Empunhou-a, como um maestro e riscou os ares com sua ponta. As luzes começaram a tremeluzir, piscando loucamente, num efeito medonho. A janela do Escritório abriu-se de supetão e uma lufada de vento irrompeu a sala, derrubando papéis, fazendo as estantes tremerem e arrastando a cadeira com Isobel e tudo para alguns centímetros atrás. Parecia que uma pequena tempestade havia se instalado no escritório. Isobel se segurava na cadeira, morrendo de medo. Uma voz profunda e fantasmagórica surgiu: era o quadro do fundador do Orfanato, dizendo: “Minha criança, Isobel... Tola... Não sabe de nada... Não entende nada” ... E a estatuetazinha de um anjo que servia de peso para alguns papéis começou a andar pela mesa, também dizendo “Tola... Não entende...”... As bonequinhas de porcelana atingidas pelo vento também juntavam-se ao coro “Não sabe de nada, Isobel... Minha criança”. A menina estava apavorada com a demonstração de poder da feiticeira.


– Você é como a mim. É uma bruxa. Um dia você poderá fazer isso – a mulher balançou novamente a varinha e a janela fechou-se e tudo o mais voltou ao normal – e outras coisas mais úteis. Só precisa de uma varinha e muito estudo.


A menina estava sem palavras. Fitava a mulher com um olhar apalermado. Pegou o braço e beliscou-se. Não era um sonho.


– Diga alguma coisa, Isobel.


A garota ainda estava em estupor. Olhou para a mulher, desacreditada de que tudo aquilo estivesse acontecendo. Finalmente conseguiu formar palavras.


– Eu... Como? Por que eu sou assim?


– Algo a ver com seus pais, mas não gostaria de falar sobre isso agora.


A garota concordou fracamente. Nunca fora muito interessada sobre seus pais, mas agora as coisas haviam mudado completamente. Pensou em insistir sobre o assunto, porém ponderou e achou melhor deixar para outro momento.


“Você virá morar comigo. Terá tudo do bom e do melhor, não precisará se preocupar com despesas. Eu já lhe inscrevi na Escola dos bruxos Ingleses, onde você aprenderá a controlar o seu dom. A única coisa que lhe peço em troca é a gratidão em forma de sigilo e aproveitamento escolar. Então, o que me diz?”


Isobel concordou apenas.


– Ótimo. Todos os tramites legais da adoção estão em dia. Você é a partir de agora minha ‘protegida‘. Não precisa trazer roupas, suas novas a aguardam em minha residência. Mas se quiser pegar algo seu que esteja no orfanato, vá agora, pois estou esperando uma visita e não quero me atrasar.


Por um segundo a garota ficou parada.


– Eu... Não. Vamos embora.


Talvez alguém pudesse dizer que Isobel estivesse naquele pequeno momento pensando sobre o que o Orfanato de Yellowgrape significou para ela. Ou estivesse se perguntando se havia esquecido algo além de roupas. Mas aquele lugar... Aquelas pessoas... Nada daquilo significava alguma coisa para Isobel. Nada dali pertenceu de verdade à ela.. Exceto a única coisa que tinha, sempre tivera e sempre teria: a si própria."


Waldorf a fitou no fundo dos olhos, depois concordou, apontando a vara de madeira para a porta, da qual ouviu-se um ruído de destrave metálico. Ambas se foram e nenhuma olhou para trás quando deixaram a rua na Limusine escura à riscar a noite.


Isobel e Integra Waldorf saíram pela porta da frente do orfanato. A garota sentia que talvez a senhorita Harrison pudesse estar de alguma forma hipnotizada, por que não se opôs de nenhuma maneira quando as duas cruzaram o a portela do orfanato e entraram no quarto.


A limusine negra da Waldorf dava a impressão de ser muito maior dentro do que fora, a menina pegou-se imaginando. O motorista não apareceu para abrir as portas, que se abriram sozinhas. A mulher sentou-se em um compartimento mais a frente, deixando a menina a sós nos espaçosos bancos de trás. Isobel deu uma última olhada para o orfanato de Yellowgrape, sentindo-se excitada pelo passado que abandonava e pelo futuro que a aguardava. Pensou na coruja, no fogo da lareira monstro, na demonstração de poder da Madame Waldorf. A magia realmente existia. Ela era uma bruxa, iria estudar bruxaria em uma escola. Sua vida ia ser repleta de coisas impressionantes, misteriosas e interessantes.


Isobel riu-se do medo que sentira antes da tal Waldorf, agora tudo parecia ridículo. Claro, ela não poderia entender e tinha medo. A mulher era uma bruxa, e ela também, agora não havia do que ter medo. Tudo se encaixava. Pensou na cara de Georgina se soubesse disso. Mas ela nunca saberia. E Isobel nunca voltaria para falar. Charlotte, senhorita Harrison, os professores, todos ficariam para trás. Ela iniciaria uma nova vida. Sorriu para a noite que passava pela janela do carro enquanto passavam pelas ruas. O céu era escuro, a lua brilhante corria acompanhando a velocidade da limusine. “Tudo parecia ser mais fascinante durante a noite”.


O motorista da Limusine deveria ser realmente muito habilidoso. Em um trânsito particularmente desesperador do centro da cidade, ele encontrava brechas e em poucos minutos tomava a dianteira dos carros sem esforço. Além disso, quando dobravam esquinas, Isobel poderia jurar que haviam guinado para uma esquiva de, porém, outro condado da Inglaterra.


A medida que os arranha-céus ficavam mais concentrados e as luzes da cidade foram ofuscando as estrelas do interior, Isobel teve certeza que tinham atravessado o país em menos de meia hora. Isso em absoluto tinha o dedo (ou a vara) de Integra Waldorf. E mais alguns minutos, Isobel notou, eles adentraram uma região afastada do centro de seja lá qual cidade eles estavam. Passaram por ruas cada vez mais ermas e solitárias. Começaram a andar mais lentamente entre casas pequeninas, obscurecidas pela pouca luz, até chegarem a borda de uma cerca longa e alta, floreada de circunvoluções elegantes. Atrás dela, um jardim imenso, cheio de arbustos altos o suficiente para mostrar a ponta da mansão que ficava provavelmente metros adentro do jardim. Fazia um silêncio sepulcral.


A limusine parou de repente e a porta do carro se abriu para Isobel, sem sequer a menina tocar na maçaneta. Ela notou, finalmente, que um par de luvas flutuantes e sem mãos havia feito o trabalho o tempo todo. Observou também que as mesmas luvas estavam dirigindo o automóvel e sentiu-se extremamente tentada de perguntar se tinha alguém invisível vestindo apenas aquelas luvas brancas. Integra já estava fora do carro. Ela meramente olhou para o portão da cerca alta, que abriu-se, com um rangido nada convidativo. As duas cruzaram o jardim escuro, seguindo uma trilha que circunvolvia os arbustos altos, como um labirinto.


Durante o caminho, Isobel constatou a mudança na qualidade das flores que cresciam entre os arbustos bem podados. No início da caminhada, encontrou orquídeas brancas que brilhavam em luz radiante e forte, que fazia de repente a noite parecer dia. Na metade do caminho, notou a cor das orquídeas mudar para vermelho escarlate. Emanavam um brilho morno, ambientando um pôr-do-sol particular. Isobel já deparava-se com a mansão poucos metros a sua frente quando notou orquídeas negras e desprovidas de luz, que enfeitavam um chafariz grande e charmoso.


A imensa mansão da mulher colocava Yellowgrape no chinelo. Um casarão branco-gótico se estendia em largura mais que altura, ocupando praticamente todo o terreno ermo. Deveria ter uns 3 andares, que eram tão longevos quanto o térreo. Havia muitas janelas na fachada da mansão, todas longas e pontudas, com um padrão arquitetônico de no mínimo três séculos anteriores. Uma escadaria ladeada por duas gárgulas mal-encaradas levava ao portão enorme de mogno talhado de detalhes. A Waldorf postou-se em frente a escada e para a surpresa de Isobel, os olhos de ambas gárgulas brilharam fantasmagoricamente e elas viraram a cabeça. Uma encarou Waldorf, outra a Isobel, que não deixou de sentir um arrepio na espinha.


Não havia dúvida para a significação do olhar da gárgula da direita. Ela perguntava sem falar quem era a intrusa.


– Sou Integra Scarlett Waldorf, esposa de Seth Elrick Waldorf. Esta é Isobel Cibelle Waldorf.


Isobel esperava que a estátua, balançasse a cabeça, dissesse “Sim”, fizesse um sinal de O.K com o polegar, ou ao menos piscasse... Mas ela continuou fitando a menina. A Waldorf, porém, com certeza deveria ter conseguido perceber alguma reação da estátua, por que fez um sinal para a menina a seguisse enquanto subia a escada. Novamente a porta se abriu sem a mulher tocasse. Na verdade Isobel perguntava-se se a mão da mulher não tinha algum tipo de alergia a contato ou iria um dia desses necrosar por desuso.


A Wadorf, hesitou antes de entrar na casa. Voltou-se novamente às estátuas e disse:


– Drielson Ulli Derwent, Nelson Ulli Derwent e Juliana Saija Licaster virão me visitar – então virou-se novamente sem esperar resposta.


Isobel finalmente entrou na mansão. Seu queixou desprendeu-se levemente da mandíbula. Isso destoava totalmente do aspecto que a mulher vestida de negro exalava.


O corredor se estendia longa e lindamente, iluminado por enormes lustres de centenas de velas. Os pisos eram de uma cerâmica reluzente com desenhos de padrão elegante. Vasos provavelmente caríssimos descansavam em mesinhas de traços finos, neles, algumas flores grandes e estranhas pareciam saudáveis e vivazes, apesar de não verem a luz do sol; estatuetas de um tipo de sereia macho em tamanho natural completavam a decoração. A parede era coberta por papel-de-parede de flores requintadamente desenhadas, intervaladas por diversas portas com arcos de molde arquitetônico.


Waldorf atravessou o corredor e pediu para a menina esperar na sala de estar que ficava na primeira porta à direita, dirigindo-se para uma escadaria de mármore no fim do longo corredor.


Se o corredor era elegante, sala era ridiculamente suntuosa. Ampla e enorme, seguia-se de poltronas com a aparência mais confortável do mundo, sofás longos. Isobel escolheu o ainda mais fofo entre eles, olhou para os lados e se jogou. Estantes com quinquilharias ricas, armários altíssimos, estátuas de animais quiméricos estranhos, um relógio de pendulo encostava-se próximo a uma lareira muito maior e mais medonhas que a lareira monstro do orfanato. O jogo de velas do lustre era no mínimo três vezes mais numeroso que o do corredor, e havia um tapete avermelhado que tomava conta de todo o solo do local. Uma escadaria em caracol levava a um andar superior que sabe-se lá para onde dava. Na parede alguns quadros de familiares (Isobel assustou-se quando um soltou um bocejo caricato) dormiam despreocupadamente.


Mas o que chamava mais atenção era o papel de parede central, com o desenho de uma roseira enorme, com galhadas espinhosas que se entrelaçavam com uma certa lógica. Olhando mais de perto notou que em cima de cada rosa que brotava dos galhos, haviam fotos nomeadas. O desenho era intitulado mais acima como: A família Licaster. Após um tempinho, quando Isobel conseguiu achar o nome “Integra Waldorf” em uma rosa enviesada, ouviu ruídos de passos e se postou sentada de uma maneira mais respeitosa, quase derrubando um cálice ao tirar o pé de cima de uma mesinha de centro.


Um homem vestido com um paletó verde floresta e um cachecol branco, pálido como sua pele, adentrou a sala, acompanhado de um garotinho e uma menina, ambos deveriam ter a idade de Isobel. Olhou ao redor até os seus olhos pousarem em Isobel. Ele fez uma expressão de delicada dúvida, depois sorriu educadamente.


– Você... Deve ser Isobel? – O homem tinha a voz aveludada e ao mesmo tempo firme. A menina fez que sim, um pouco constrangida. Ele aproximou-se e ofereceu a mão alva – Prazer, sou Drielson Derwent. Seu tio, para todos os efeitos – e sorriu – Esse é o meu filho e aquela é minha outra sobrinha. Integra, aí está você – acrescentou olhando para o andar superior da sala.


Integra Waldorf postava-se no parapeito do segundo andar da sala. Fez sinal para o homem subir, sorrindo brevemente para Nelson e Juliana (ignorando totalmente Isobel). Ele deu um último comprimento e seguiu para o encontro da mulher, ambos desaparecendo em uma porta do andar superior.


Os dois garotos conversavam baixinho, a menina riu-se baixinho, depois ambos sentaram-se em uma poltrona próxima a Isobel.


– Nelson Derwent, prazer – o menino apertou a mão de Isobel. Ele era tão pálido quanto o pai e era um tanto gorduchinho. Tinha os cabelos negros lisos e pontudos e também vestia-se bem. Ele sorriu com simpatia comedida e depois olhou para a menina ao seu lado com significação.


– Juliana Licaster – a menina baixinha e magricela, de cabelos volumosos e muito enrolados meramente disse. Deu um sorriso automático, depois levantou-se, pegou um livro da estante (parecia saber exatamente onde ia), afundou-se no sofá e leu-o com jeito de quem não gostaria de ser interrompida. Nelson foi quem quebrou o silêncio incômodo.


– Acho que nós somos primos – disse fazendo um gesto de abrangência entre os três. Juliana, porém, pareceu concentrada no livro – fazemos parte da mesma família – e olhou para o papel-de-parede da árvore genealógica dos Licaster.


“Consegue ver meu nome ali? Nelson Ulli Derwent. Ali, mais do canto de baixo esquerdo. Viu? E aquela ali do lado é a Juju. A gente vem aqui desde criança, visitar a tia Integra. O pai da Juju é o irmão dela. Minha mãe era irmã dela também...”


Parou por um segundinho, o qual Isobel sonhou ser o fim do falatório, mas o garotinho pálido perguntou:


– Quantos anos você tem?


– 11...


– Eu também! A juju também tem 11... Isso quer dizer que vamos para Hogwarts juntos.


– Para onde?


O menino fez cara de descrença.


– Hoggy-Warts! Hogwarts! Você sabe.


– Não, não sei não – a menina irritou-se. Nelson pareceu não perceber, por que continuou com um jeito brincalhão.


– Corta essa, claro que sabe! A escola de Magia e Bruxaria que a gente vai entrar! Tia Integra ainda não te escreveu lá?


Isobel lembrou vagamente da mulher ter citado sobre uma escola e fez que sim com a cabeça.


– Legal. A gente vai estudar junto em Hogwarts. A melhor escola do mundo, meu pai disse. Ele estudou lá, a tia Integra também, claro. Não sei como não escolheram ela para ser a diretora. Se bem que acho que ela não ia querer, ela já é a Chefa dos Inomináveis. Você sabia disso, não é?


Isobel fez que sim com a cabeça. Olhou para Juliana com inveja, que lia silenciosamente o seu livro, sem ser bombardeada de perguntas e afirmações. Quanto mais o menino falava, mas burra se sentia. Mas Nelson continuou a conversa, empolgado.


– ... E nós ainda não fomos ao Beco Diagonal fazer as compras. Papai esteve muito ocupado, eu entendo claro, a gerência do Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes mágicos é de muita responsabilidade. Ainda mais com – Nelson começou a sussurrar, misterioso - “você-sabe-o-que” que aconteceu “Você-sabe-onde”... – e olhou para Isobel, percebendo sua expressão de inteira dúvida.


– Não sabe? Não brinca... Pensei que, talvez, a Tia Integra pudesse ter comentado... Você é a nova filha dela, e tal...


Isobel pensou em levantar-se e ir embora, mas ponderou que não deveria fazer desfeitas em uma casa que não era sua. Se bem que, na teoria, era filha de Integra, mas não se sentia, tampouco, dona de nada. Resolveu apenas fazer que não com a cabeça, fingindo displicência.


– O roubo no ministério da Magia – Nelson começou – Só os mais importantes sabem, claro, não é Juju? – a menina virou a cabeça sem tirar os olhos do livro e fez que sim – Recebi a notícia de primeira mão – continuou parecendo muito satisfeito consigo mesmo.


“Claro, ninguém sabe realmente tudo o que aconteceu, a não ser ele. Mas o Potter, Chefe dos Aurores deu uma declaração muito vaga, papai disse. Meio que alguém entrou na sessão de mistérios e pegou o ... Ouvi o papai dizer o que era hoje de manhã, quando tia Integra veio em casa... mas é claro que eu não posso contar, informação confidencial. Mas a tia Integra estava possessa. Bem na sessão que ela chefia, debaixo do nariz de todo mundo. É muito impressionante o ladrão conseguir ainda estar foragido. Todo um exército de Luduans caçando ele e nada”


– Nelson, acho que você já tá falando demais... – disse uma voz delicadamente repreendedora vindo atrás do livro.


O menino sorriu-se divertido para a Juliana.


– Ela é nossa prima!


– É – disse a menina ainda sem baixar o livro – mas como você mesmo disse, é confidencial. A gente não sai por aí falando...


Isobel sentiu vontade de dizer para a menina não se preocupar, por que não tinha entendido nadinha do que o menino tinha falado. Era só uma tagarelice irritante, que a fazia cada vez mais antipatizar com o jeito sorridente e sabe-tudo do garoto. Ele, porém, parecia acreditar que a expressão de sono hipnótico de Isobel era uma inteira concentração em seu falatório, por que continuou.


– Soube que cabeças rolaram lá na sessão dos mistérios. Muita gente foi demitida... Ela realmente está botando pra quebrar com o ...


Mas o menino foi interrompido por uma presença estranha. Um gato saltou no colo de Juliana e ficou aninhado ali. A menina colocou o livro em uma mesinha ao lado e começou a fazer carinho no bicho.


– Oi Conde lindo – disse a menina com trejeito de carinho.


Isobel fugou quando tentou disfarçar a risada. Isso por que ela nunca tinha visto um gato mais feio. Ele era branquelo, magro e todo enrugado. Tinha os olhos azuis esbugalhados que agora fitavam estranhamente a Isobel.


– O nome dele é Conde Lindo? – Isobel não resistiu e teve que perguntar.


– Não - disse a menina massageando distraidamente a cabeça do animal, fazendo a pele da testa enrugar e desenrugar de uma maneira engraçada – Ele se chama Conde Capis... Quer segurar? – Juliana o segurou por baixo dos braços e ofereceu para Isobel.


A menina mal mostrava as mãos para agarrar o gato quando ele fez um granido ameaçador para ela, deixando bem claro suas intenções quando deus duas aranhadas no ar bem na direção que a menina pensou em posicionar as mãos. Isobel retirou de última hora, assustando-se com a reação de ódio puro e simples do felino, que agora aninhava-se novamente no colo de Juliana, olhando fixamente para Isobel, numa ameaça nítida de fazer várias marcas de unhas onde ele conseguisse pôr as patas.


– Acho que ele não gostou de você – concluiu Nelson, pegando o gato de Juliana e pondo-se a massagear a pele mole da testa do bicho. Conde Capis acompanhou os olhos de Isobel desde o colo de Juliana até o de Nelson e continuou a fita-la, desafiando a menina também tentar colocá-lo em seu colo – estranho... Ele ama a Deby.


– Nunca me dei bem com gatos – Isobel pensou em voz alta. Pensou em perguntar quem era “Deby”, mas era melhor deixar se desenvolver a chance de Nelson se calar. Isobel mal conhecia os primos e já os considerava dois retardados.


Eles ficaram por um tempo em silêncio. Juliana havia voltado para seu livro. O gato desceu do colo do menino e foi-se embora sem olhar para trás. Nelson devia ter se sentido entediado, por que voltou o papo sobre a tal escola Hogwarts.


– ...Milenar, é o que dizem. Estou louco para conhecer o Castelo, cheio de passagens secretas e coisas do tipo... – E o menino continuava a falar, Isobel sentiu-se desligar por alguns segundos...


“... Realmente ansioso para começar as aulas. Poder estudar Transfiguração, Feitiços, Defesa contra as artes das trevas. Já tenho um pouco de noção em Herbologia, por que o papai é Curandeiro e me mostrou algumas coisas, claro. Disseram que a gente só vai ver Trato de criaturas mágicas no terceiro ano, parece que é uma matéria muito interessante. Tem vôo, também, que eu tenho um pouco de prática. Mas os alunos do primeiro ano não podem ter vassouras particulares. Soube que vai ter o lançamento de uma vassoura nova na Artigos de qualidade para Quadribolsemana que vem. Papai deu a entender no caminho daqui que nós três iriamos juntos ao Beco fazer as compras, vou pedir para a gente ir no dia do lançamento. E, claro, a chegada do Juperos no fim do mês vai ser demais... Eu quero entrar na Sonserina, mas não reclamaria de ser da Corvinal, mas se quiserem me castigar, me coloquem na Lufa-lufa...”


Um tempinho depois as três visitas foram embora e Isobel foi apresentada aos seus aposentos no segundo andar. Seu quarto era no fim do corredor. Integra Waldorf não tinha dado as caras desde a sua aparição na sacada da sala, por isso a menina deixou-se guiar pelas luvas eficientes. À porta de seu quarto, que era no fim do corredor, Isobel notou também outro aposento a frente do seu. E alguns barulhinhos esporádicos saiam de lá.


Era como se alguém jogasse algum tipo de bola na parede e ela quicasse para bater de novo na parede. Será que aquele quarto era o de Integra e a mulher gostava de brincar de “baseball” sozinha? Isobel riu-se ao pensar nisso. Provavelmente a única brincadeira que Integra Waldorf tinha sucesso em participar na vida era “Estátua”. E deveria ter medalha de recordes e honra ao mérito nisso.


A Luva tocou na maçaneta e destrancou a porta. O barulho de destrave fez os baques de bola cessarem imediatamente. Um tempinho após isso a porta do aposento à frente se abriu e a coruja morena que havia visitado o orfanato saiu a voar pelo corredor, de forma tão repentina que Isobel pensou que ia ter um ataque de coração.


Uma menina mais velha (deveria ter a idade de Georgina) pois a cabeça para fora da porta. Ela tinha o cabelo negro, longo e lisíssimo com uma partilha brilhosa e impecável.


– Ah, é você – depois que disse isso, voltou ao quarto e fechou a porta.


Isobel piscou três vezes. Quem era essa menina? Seria a tal de Deby que o primo Nelson havia citado? Sua irmã? Bem, era tão hospitaleira quanto a madame Waldorf.


– Prazer em conhecer você também...


O quarto de Isobel era enorme, com muitos móveis lustrosos e uma cama padrão vitoriano, na qual a menina se jogou sem pudor. Ela era tão macia...
Apesar de não ter entendido a maioria das coisas que Nelson falou, Isobel sentia-se ansiosa para começar a aprender a fazer mágicas. Hogwarts, a tal escola, parecia de fato muito interessante. Quando pensava nas coisas que lhe aguardavam daqui para frente, ficava com dor de cabeça na tentativa de prever tantas maravilhas. Um mundo literalmente mágico descortinava-se para a menina... E foi assim que Isobel dormiu, sem aviso, pensando feliz em como sua vida havia mudado tanto em tão pouco tempo...

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